Por Gilson Moura Henrique Junior
A construção de um novo mundo é top 10 dos discursos de toda a esquerda e pós-esquerda (como alguns anarquistas se reivindicam). A questão é que o processo de transformação do mundo exige mais que discurso, exige postura, práxis, ação cotidiana.
Discursos radicais ou aparentemente radicais lançam perdigotos cotidianos nos rostos de interlocutores, disputando quem tem a maior quantidade de leitura possível pra bancar o argumento de autoridade mais poderoso sobre o outro. Enquanto isso o planeta, as mulheres, as pessoas trans, os negros, os índios, estes comem o pão que o diabo cuspiu depois de amassar, alienados que são dos sonhos de consumo revolucionários.
Neste processo lemos, vemos, ouvimos que o meio ambiente não faz parte da luta de classes, que os índios que se proletarizem para serem atores visíveis no processo revolucionário digno de nota pros meninos levados do processo revolucionário da emancipação do proletariado, que as mulheres precisam dosar sua independência para que não retirem dos homens o protagonismo produzido por Deus e bonito por natureza sobre todas as lutas.
Tudo isso porque a revolução é aguardada como um grande evento escatológico, um carnaval fora de época, e a população reagirá a ela, como quem e pega de surpresa por um processo onde é alheia, que só observa, ela, como muares absortos em um cotidiano que não pertence a nós, revolucionários iluminados.
Tá tudo muito bom e tudo muito bem, mas o que isso diz sobre os processos de transformação necessários para a emancipação da vida na terra e mesmo sua manutenção? Diz e grita eloquentemente que estamos fodidos.
Estamos fodidos porque os lutadores buscam revolucionar um mundo do qual evitam participar, dialogar, discutir e enfrentar. Preferem criar condições objetivas para que a população desperte, como que movida pela palavra mágica da ideologia de plantão e não pelo trabalho de base de convencimento cotidiano sobre a necessária libertação de todos nós.
“Revolucionários” que não se revolucionam, é isso o que a maior parte da esquerda é.
Sabe por que criam uma revolução como evento e esperam e duvidam como a população reagirá a ela? Por que querem ser reis de uma revolução sobre um povo imbecil que nada sabe. Nós, os intelectuais iluministas do milênio fodão é que sabemos tudo. Nós despertamos para “A Verdade” e vemos o futuro com clareza, coisa que o reles populacho jamais verá. E como o povo é burro e jamais verá, só a revolução caindo na cabeça deles é que perceberão o futuro, a verdade, a vida.
Sabe por que se índios não se proletarizarem e negros e mulheres não souberem seus lugares a revolução não virá? Sabe por que eles “dividem a luta”? Porque o sacrossanto saco escrotal da ideologia quer revolucionar até a página dois, porque revolução, no sentido crasso da palavra que mesmo sendo iluministas nem todos conhecem, é mudança demais.
Como um índio em sua silvícola sacação das paradas sabe mais que eu, sacrossanto moleque que leu meia página de um fragmento de texto de Lênin ou Bakunin enquanto tomava meu Toddynho? Jamé. Eu sei de tudo, eu que milito no sindicato pagando de über operário qualificado que li tudo e sei citar versículo a versículo de Malatesta, sei de tudo e mais um pouco, mesmo que ache a luta ambiental secundária porque meio ambiente é árvore e bicho, e a tal crise hídrica é invenção da burguesia.
Enquanto isso marxistas e anarquistas de galinheiro esperam a revolução chegar, e enquanto eles esperam o capital avança sobre corpos, mentes, peles, pretas, amarelas, brancas e vermelhas, a crise climática, ecológica, hídrica, etc, ataca de frente a população mundial, extingue a população animal e vegetal e aponta pro cadafalso do fim da existência de vida como a conhecemos na face da Terra.
Mas tá tudo bem, a revolução como evento escatológico e teleológico virá, impávida que nem Muhamad Ali! Vira que eles viram!
Enquanto isso tentar discutir com seriedade e sem uma tipo de concurso de tamanho peniano teórico sobre como mudar o quadro ecológico, político, étnico, de gênero e transgênero, de respeito à orientações sexuais e de processo civilizatório, se transforma num trabalho extremamente árduo, e um trabalho onde a quantidade de inimigos de classe vive também na aldeia gaulesa que se busca independente e que quer superar o império romano.
Enquanto se espera que o estandarte do sanatório geral passe, se discute muito, se tergiversa muito, mas se faz pouco pra construir um processo revolucionário ecológico, feminista, trans feminista, antirracista e classista, palavra essa que deveria conter tudo o anteriormente citado sem precisar de legenda.
A questão é que a revolução pode não vir.
Odeio dar más notícias, mas a crise ecológica não só já veio como aponta um limite pra ficarmos esquecendo todas as derrubadas de hierarquia necessárias para que a revolução ocorra. É um limite de tempo e um limite de tempo que não nos dá muito mais que setenta anos pra que a vida na terra não seja muito diferente da da lagosta prestes a ser comida.
A crise ecológica é parte da luta de classes, quem não vê, não vê por que não quer. A questão racial, de gênero, transgênero, de respeito e relação com outras culturas, também. Quem não vê, não vê porque não quer, e é parte do problema e não da solução.
Quando o estandarte do sanatório geral vai passar? Está passando, e somos nós.