Nova colecção digital de textos sobre anarquismo

capturar14Fonte: Coletivo Libertário Évora

O projecto MOSCA (sobre o Movimento Social Crítico e Alternativo), sedeado na Universidade de Évora, editou um primeiro texto de uma nova colecção sobre anarquismo, em formato digital. Trata-se do texto de João Freire, ANARQUISMO E SOCIOLOGIA (2005), consistindo numa introdução sua a um debate organizado pelo Centro de Estudos Libertários naquela data, apenas ligeiramente retocado para a sua actual difusão. Cada uma das apresentações dos 4 “andamentos” foi seguida de debate com os circunstantes e suportada pela prévia distribuição de uns “textos de apoio”, a que se fazem algumas referências.

O texto encontra-se no arquivo do MOSCA e pode ser descarregado a partir desta ligação: http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/arquivo/index.php?p=digitallibrary%2Fdigitalcontent&id=1601&q=Jo%C3%A3o+Freire

Considerações Filosóficas sobre o fantasma divino, sobre o mundo real e sobre o homem (1870)

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Fonte: Arquivo Bakunin

 

Breve nota introdutória
É com muito orgulho que o Arquivo Bakunin em Português (ABP) apresenta a seus leitores e camaradas o primeiro capítulo da obra Considerações Filosóficas. Essas Considerações são um apêndice de Federalismo, Socialismo e Anti-teologismo (FSAT). Sua datação é baseada em uma carta de Bakunin enviada a Ogarev em 19 de novembro de 1870. O presente texto foi traduzido do espanhol de forma voluntária e coletiva pelos colaboradores do ABP. Os demais capítulos serão publicados de acordo com o término das traduções. No prólogo do volume 3 das Obras de Bakunin, publicadas por Ediciones Júcar em 1977, Max Nettlau diz que “a leitura destes dois escritos, Federalismo… e Considerações… , é um pouco difícil, porém o leitor é gradualmente iniciado no assunto e realizará o estudo do segundo mais bem preparado pelo estudo do primeiro.” Nettlau recomenda primeiro a leitura do FSAT e depois o Considerações. Mas acima de tudo ele realça o elo de ligação epistemológica entre as duas obras. Em breve, além das traduções dos próximos capítulos de Considerações, estaremos disponibilizando para nossos leitores e demais camaradas de luta a digitalização de Federalismo, Socialismo e Anti-teologismo.
Os Editores,
Brasil, janeiro de 2011.


Considerações Filosóficas sobre o fantasma divino, sobre o mundo real e sobre o homem
(1870)
Mikhail Bakunin
1-O Sistema do Mundo
Não é este o lugar para entrar em especulações filosóficas sobre a natureza do ser. Mas como me vejo forçado a empregar muitas vezes a palavra natureza, creio que devo dizer aqui o que entendo por ela. Poderia dizer que a natureza é a soma de todas as coisas realmente existentes. Mas isso me daria uma idéia completamente morta da natureza, que apresenta a nós, ao contrário, todo movimento e toda a vida. Além disso, o que é a soma das coisas? As coisas tal como são hoje não serão amanhã; amanhã não haverão se perdido, senão inteiramente transformadas. Aproximarei-me muito mais da verdade dizendo que a natureza é a soma das transformações reais das coisas que se produzem e que se produzirão incessantemente em seu seio; e para dar uma idéia um pouco mais determinada do que possa ser essa soma ou essa totalidade, que chamo natureza, enunciarei, e creio poder estabelecer-la como um axioma, a proposição seguinte:

Tudo o que existe, os seres que constituem o conjunto indefinido do universo, todas as coisas existentes no mundo, qualquer que seja por outra parte sua natureza particular, tanto desde o ponto de vista da qualidade como da quantidade, as mais diferentes e as mais semelhantes, grandes ou pequenas, próximas ou imensamente distantes, exercem necessária e inconscientemente, seja por via imediata e direta, seja por transmissão indireta, uma ação e uma reação perpétuas; e toda essa quantidade infinita de ações e de reações particulares, ao combinar-se em um movimento geral e único, produz e constitui o que chamamos vida, solidariedade e causalidade universal, a natureza.
Chame isso de deus, de absoluto, se os diverte, nada disso me importa, desde que não deis a essa palavra, deus, outro sentido que o que acabo de precisar: o da combinação universal, natural, necessária e real, mas de nenhum modo predeterminada nem preconcebida, nem prevista, dessa infinidade de ações e de reações particulares que todas as coisas realmente existentes exercem incessantemente umas sobre todas. Definida assim a solidariedade universal, a natureza, considerada no sentido do universo sem limites, se impõe como uma necessidade reacional a nosso espírito; mas não podemos abarcar-la nunca de uma maneira real, nem sequer pela imaginação ou pelo reconhecimento. Por que não podemos reconhecer mais que essa parte infinitamente pequena do universo que nos é manifestada por nossos sentidos; e quanto ao resto, nós supomos, sem poder constatar realmente sua existência.
É claro que a solidariedade universal, explicada desse modo, não pode ter o caráter de uma causa absoluta e primeira; não é, ao contrário, mais que uma resultante [1], produzida e reproduzida sempre pela ação simultânea de uma infinidade de causas particulares, cujo conjunto constitui precisamente a causalidade universal, a unidade composta, sempre reproduzida pelo conjunto indefinido das transformações incessantes de todas as coisas que existem e, ao mesmo tempo, criadora de todas as coisas; cada ponto atuando sobre o todo (eis ai o universo produzido), e o todo atuando sobre cada parte (eis ai o universo produtor e criador).
Havendo explicado bem, posso dizer agora, sem medo de dar lugar a algum mal entendido, que a causalidade universal, a natureza, cria os mundos. É ela que tem determinado a configuração mecânica, física, química, geológica e geográfica de nossa Terra, e que, depois de haver coberto sua superfície com todos os esplendores da vida vegetal e animal, continua criando ainda, no mundo humano, a sociedade com todos seus desenvolvimentos passados, presentes e futuros.
Quando o homem começa a observar com uma atenção perseverante e seguida essa parte da natureza que o rodeia e que encontra em si mesmo, acaba por perceber que todas as coisas são governadas por leis que lhe são inerentes e que constituem propriamente sua natureza particular; que nessa transformação e essa ação existe uma sucessão de fenômenos e de fatos que se repetem constantemente, nas mesmas circunstancias dadas, e que, sob a influencia de circunstâncias determinadas, novas, se modificam de uma maneira igualmente regular e determinada. Essa reprodução constante dos mesmos fatos pelos mesmos pelos mesmos procedimentos constitui propriamente a legislação da natureza: a ordem na infinita diversidade dos fenômenos e dos fatos.
A soma de todas as leis, conhecidas e desconhecidas, que trabalham no universo, constitui a lei única e suprema. Essas leis se dividem e se subdividem em leis gerais e em leis particulares e especiais. As leis matemáticas, físicas e químicas, por exemplo, são leis gerais que se manifestam em todo o que existe, em todas as coisas que tem uma existência real, leis que, em uma palavra, são inerentes a matéria, ou seja, ao ser real e unicamente universal, o verdadeiro substratum de todas as coisas existentes. Acrescentarei também que a matéria não existe nunca e em nenhuma parte como substratum, que ninguém pode perceber-la sob essa forma unitária e abstrata; que não existe e que só pode existir sob uma forma muito mais concreta, como matéria mais ou menos diversificada e determinada.
As leis do equilíbrio, da combinação e da ação mutua das forças ou do movimento mecânico; as leis da gravidade, do calor, da vibração dos corpos, da luz, da eletricidade, tanto como as de composição e decomposição química dos corpos, são absolutamente inerentes a todas as coisas existem, sem excetuar de nenhum modo as diferentes manifestações do sentimento, da vontade e do espírito; pois estas três coisas, que constituem propriamente o mundo ideal do homem, não são mais que funcionamentos completamente materiais da matéria organizada e viva , no corpo do animal em geral e sobre todo do animal humano em particular [2]. Por conseguinte, todas essas são gerais, as quais estão submetidos todas as ordens conhecidas e desconhecidas de existência real no mundo.
Mas existem leis particulares que são próprias apenas a certos ordens particulares de fenômenos, de fatos e de coisas, e que formam entre si sistemas ou grupos aparte: tais são, por exemplo, o sistema de leis geológicas; o das leis de organização animal; em suma, as leis que governam o desenvolvimento social e ideal do animal mais perfeito da Terra, o Homem.
Não se pode dizer que as leis que pertencem a um desses sistemas sejam absolutamente estranhas às que compõem os outros sistemas. Na natureza, tudo esta ligado muito mais intimamente do que se pensa, e do que os pedantes da ciência podem querer, no interesse de uma maior precisão em seu trabalho de classificação. Mas, no entanto, pode-se dizer que um tal sistema de leis pertence muito mais a tal ordem de coisas e de fatos que a outro, e que se, na sucessão em que lhes apresentei, as leis que dominam no sistema anterior continuam manifestando sua ação nos fenômenos e nas coisas que pertencem a todos os sistemas que se seguem, não existe ação retrógrada das leis dos sistemas seguintes sobre as coisas e os fatos dos sistemas anteriores.Assim , a leido progresso, que constitui o caráter essencial do desenvolvimento social da espécie humana, não se manifesta de nenhum modo na vida exclusivamente animal, e ainda menos na vida exclusivamente vegetal; enquanto que todas as leis do mundo vegetal e do mundo animal se encontram, sem dúvida, modificadas por novas circunstancias, no mundo humano.
Em fim; no próprio seio dessas grandes categorias de coisas, de fenômenos e de fatos, assim como das leis que lhe são particularmente inerentes, existe ainda divisões e subdivisões que nos mostram essas mesmas leis particularizando-se e especializando-se mais e mais, acompanhando, por assim dizer, a especialização mais e mais determinada, – e que volta mais restringida a medida que se determina mais – , dos próprios seres.
O homem não tem, para constatar todas essas leis gerais, particulares e especiais, outro meio que a observação atenta e exata do fenômenos e dos fatos que se sucedem tanto fora dele como nele mesmo. Distingue neles o que é acidental e variável do que se reproduz sempre e em todas as partes de uma maneira invariável. O procedimento invariável pelo qual se reproduz constantemente um fenômeno natural, seja exterior, seja interior; a sucessão invariável dos fatos que o constituem, são precisamente o que chamamos a lei desse fenômeno.
Essa constância e essa repetição não são, no entanto, absolutas. Deixam um vasto campo ao que chamamos impropriamente as anomalias e as exceções – maneira muito pouco justa, por que os fatos ao qual nos referimos provam sozinhos que essas regras gerais, reconhecidas por nós como leis naturais, não sendo mais que abstrações deduzidas por nosso espírito do desenvolvimento real das coisas, não estão em estado de abarcar, de esgotar, de explicar toda a infinita riqueza desse desenvolvimento.
Essa multiplicidade de leis tão diversas, e que nossa ciência separa em categorias diferentes, formam um único sistema orgânico e universal, um sistema no qual estão ligados os próprios seres que manifestam as transformações e os desenvolvimentos? É muito provável. Mas, o que é mais que provável, o que é verdade, é que não podemos chegar nunca, não só a compreender, senão também a abarcar esse sistema único e real do universo, sistema infinitamente extenso por uma parte e infinitamente especializado por outra; de modo que ao estudar-lo teremos que enfrentar dois infinitos: o infinitamente grande e o infinitamente pequeno.
Os detalhes são inesgotáveis. Não será possível nunca ao Homem conhecer mais que uma parte infinitamente pequena deles. Nosso céu estrelado, com sua multidão de sóis, não são mais que um ponto imperceptível na imensidão do espaço, e ainda que possamos vê-lo, não sabemos quase nada dele.
Por necessidade, portanto, devemos nos contentar em conhecer um pouco o nosso sistema solar, do qual temos que presumir a perfeita harmonia com todo o resto do universo, por que se não existisse essa harmonia, ou ela se estabeleceria ou nosso mundo solar pereceria.
Já conhecemos muito bem este último desde o seu ponto de vista mecânico, e já começamos a conhecer-lo um pouco desde o ponto de vista físico, químico, até geológico. Nosso ciência dificilmente irá muito além disso. Se queremos um conhecimento mais concreto, devemos nos ater ao nosso globo terrestre. Sabemos que ele nasceu em um dado momento e presumimos que – não sei em que número indefinido de séculos ou de milhões de séculos – será condenado a perecer, assim como tudo o que existe nasce e morre, ou melhor, se transforma.
Como nosso globo terrestre, primeiro matéria em combustão e gasosa, condensou e esfriou; por vasta gama de evoluções geológicas teve que passar, antes de poder produzir em sua superfície toda essa infinidade de riqueza da vida orgânica, vegetal e animal, desde a simples célula até o Homem; como ela se manifestou e continua desenvolvendo-se no nosso mundo histórico e social; qual é o fim para o qual marchamos, impulsionados por essa ley suprema e fatal de transformação incessante que na sociedade animal se chama progresso: eis aqui as únicas questões que nos são acessíveis, as únicas que podem e devem ser realmente abarcadas, estudadas e resolvidas pelo Homem. Não formando mais que um ponto imperceptível na questão ilimitada e indifinível do universo, essas questões humanas e terrestres oferecem no entanto ao nosso espírito um mundo realemente infinito, não no sentido divino, ou seja, no sentido abstrato dessa palavra, não como o ser supremo criado pela bstração religiosa; infinito, ao contrário, pela riqueza dos seus detalhes, que nenhuma observação e nenhuma ciencia jamais conseguirão apreciar.
Para conhecer esse mundo, nosso mundo infinito, a observação sozinha não seria suficiente. Abandonada a própria sorte, voltaria a nos levar infalivelmente ao ser supremo, a deus, ao nada, como já o fez na história, como explicarei em breve. É preciso – continuando ainda na aplicação dessa faculdade de abstração, sem a qual não poderíamos nunca nos elevar de uma ordem de coisas inferior para uma ordem de coisas superior nem, portanto, compreender a hierarquia natural dos seres -, é necessário que nosso espírito se submirja ao mesmo tempo, com respeito e com amor, no estudo minucioso dos detalhes e do infinitamente pequeno, sem o qual não poderíamos conceber jamais a realidade vivente dos seres. É, portanto, unindo essas duas faculdades, esses dois atos do espírito em aparência tão contrários: a abstração e a análise escrupulosa, atenta e paciente dos detalhes, como podemos elevar-nos à concepção real de nosso mundo. É evidente que se nosso sentimento e nosso imaginação podem dar-nos apenas uma imagem, uma representação mais ou menos falsa deste mundo, só a ciência poderá nos dar uma idéia clara e precisa.
Qual é então essa curiosidade imperiosa que impulsiona o Homem a reconhecer o mundo a sua volta, a perseguir com uma incansável paixão os segredos dessa natureza da qual ele mesmo é, sobre esta Terra, a última e a mais perfeita criação? Esta curiosidade, é um simples luxo, um agradável passatempo, ou uma das principais necessidades inerentes ao seu ser? Não vacilo em dizer que de todas as necessidades que constituem a natureza do Homem, essa é a mais humana, e que o Homem não se distingue efetivamente dos animais das demais espécies senão por essa necessidade insaciável de saber, que não é realmente e completamente Homem senão pelo despertar e pela satisfação progressiva dessa imensa necessidade de saber. Para realizar-se na plenitude de seu ser, o Homem deve reconhecer-se, e nunca se conhecerá de uma maneira completa e real enquanto não tenha reconhecido a natureza a sua volta e da qual é produto. Portanto, ao contrário de renunciar sua humanidade, o Homem deve saber, deve pensar com seu pensamento todo o mundo real, e sem esperança de chegar nunca ao fundo, deve aprofundar mais e mais a coordenação e as leis, por que sua humanidade não existe senão a esse preço. Lhe é preciso reconhecer todas as regiões inferiores, anteriores e contemporâneas ao mesmo tempo, todas as evoluções mecânicas, físicas, químicas, geológicas, vegetais e animais, ou seja, todas as causa e todas as condições de seu próprio nascimento, de sua própria existência e de seu desenvolvimento, a fim de que possa compreender sua própria natureza e sua missão sobre a Terra, sua pátria e seu teatro único; a fim de que neste mundo da cega fatalidade, possa inaugurar seu mundo humano, o mundo da liberdade.
Tal é a tarefa do Homem: é inesgotável, é infinita e suficiente para satisfazer os espíritos e os corações mais orgulhosos e mais ambiciosos. Ser fugaz e imperceptível, perdido no meio do oceano sem bordas da transformação universal, com uma eternidade ignorada atrás de si, e uma eternidade imensa ante ele, o Homem que pensa, o Homem ativo, o Homem consciente de seu destino humano, permanece calmo e orgulhoso no sentimento de sua liberdade, que conquista emancipando-se por si mesmo mediante o Trabalho, mediante a Ciência, e emancipando, rebelando ao seu redor, em caso de necessidade, todos os Homens, seus semelhantes, seus irmãos. Se lhe perguntais depois disso seu intimo pensamento, sua última palavra sobre a unidade real do universo, vos dirá que é a eterna transformação, um movimento infinitamente detalhado, diversificado, e por causa disso mesmo, ordenado em si mesmo, mas sem começo, nem limite nem fim. É, portanto, o caminho inverso da providência: a negação de Deus.
Compreende-se que no universo assim entendido, não pode-se falar sobre idéias anteriores, nem de leis preconcebidas e preordenadas. As idéias, inclusive a de deus, não existem na Terra apenas sendo produzidas pelo cérebro. Se vê, portanto, que surge muito mais tarde que os fatos naturais, muito mais tarde que as leis que governam esses fatos. São justas quando são conforme essas leis, falsas quando lhe são contrárias. As leis da natureza, não se manifestam sob essa forma ideal ou abstrata de lei, senão pela inteligência humana, quando reproduzidas pelo cérebro, com base em observações mais ou menos exatas das coisas, dos fenômenos e da sucessão dos fatos, tomam essa forma de idéias humanas quase espontâneas. Anteriormente ao nascimento do pensamento humano, não são reconhecidas como leis, por ninguém, e não existem senão no estado de processos reais da natureza, processos que, como acabou de dizer-lhe mais acima, estão sempre determinados por um concurso indefinido de condições particulares, de influencias e de causas que se repetem regularmente. Essa palavra natureza, exclui como conseqüência, toda idéia mística ou metafísica de substancia, de causa final ou de criação providencial combinada e dirigida.
Mas desde que existe uma ordem na natureza, deve ter havido necessariamente um organizador, se dirá. De modo nenhum. Um organizador, ainda que fosse um Deus, não poderia senão prejudicar com sua arbitrariedade pessoal a ordem natural e o desenvolvimento lógico das coisas; e sabemos bem que a propriedade principal dos deuses de todas as religiões, é ser precisamente superiores, ou seja, contrários a toda lógica natural, e reconhecer apenas uma só lógica: a o absurdo e da iniqüidade. Por que, o que é a lógica senão o desenvolvimento natural das coisas, ou melhor, o processo natural pelo qual muitas causas determinantes, inerentes a essas coisas, produzem fatos novos? [3] Por conseguinte, me será permitido enunciar este axioma tão simples e ao mesmo tempo tão decisivo:
Tudo o que é natural é lógico, e tudo o que é lógico ou se encontra já realizado, ou deverá realizar-se no mundo natural, inclusive o mundo social [4].
Mas se as leis do muno natural e do mundo social [5] não foram criadas nem organizadas por ninguém, por que e como existem? O que lhes confere esse caráter invariável? Eis uma pergunta que não está em meu poder resolve-la e da qual, que eu saiba, ninguém encontrou e todavia nem encontrara jamais uma resposta. Engano-me: os teólogos e os metafísicos trataram de respondê-la pela suposição de uma causa primeira e suprema, de uma divindade criadora dos mundos, ou ao menos, como dizem os metafísicos panteístas, por uma alma divida ou de um pensamento absoluto aprisionado no universo, que se manifesta pelo movimento e a vida de todos os seres que nascem e morrem em seu seio. Nenhuma destas suposições suporta a menor crítica. Tem sido fácil para mim provar que idéia de um deus criador das leis naturais e sociais continha em si a negação completa destas leis, fazia com que sua própria existência, quer dizer, sua realização e sua eficácia, impossível; que um deus organizador desse mundo devia produzir nele necessariamente a anarquia [6], o caos; e consequentemente, de duas coisas uma, ou deus não existe, ou as leis naturais não existem; e como sabemos de uma maneira segura, pela experiência de cada dia e pela ciência, que não é outra coisa senão a experiência sistematizada dos séculos, que essas leis existem, portanto, devemos concluir que deus não existe.
Aprofundando o sentido destas palavras: leis naturais, voltaremos, pois, a encontrar que excluem de uma maneira absoluta a idéia e a própria possibilidade de um criador, de um organizador e de um legislador, por que a idéia de um legislador exclui por sua vez, de uma maneira também absoluta, a inerência das leis nas coisas, e desde o momento que uma lei não é inerente as coisas que governa, é necessariamente, em relação a essas coisas, uma lei arbitrária, quer dizer, fundada não em sua própria natureza, senão no pensamento e na vontade do legislador. Como conseqüência, todas as leis que emanam de um legislador, seja humano, seja divino, seja individual, seja coletivo, e ainda que fosse nomeado pelo sufrágio universal, são leis despóticas, necessariamente estranhas e hostis aos homens e as coisas que devem dirigir: não são leis, senão decretos aos que as obedecem, não por necessidade interior e por tendência natural, senão por que está sendo obrigado a fazer-lo por uma força exterior, divina ou humana; decretos arbitrários que a hipocrisia social, mais inconsciente do que conscientemente, da arbitrariamente o nome de lei.
Uma lei não é realmente uma lei natural somente quando é absolutamente inerente às coisas que se manifestam a nosso espírito; somente é uma lei natural quando constitui sua propriedade, sua própria natureza mais ou menos determinada, e não a natureza universal e abstrata de não sei qual substancia divina ou de um pensamento absoluto; substancia e pensamento estes necessariamente extra-terrestres, sobrenaturais e ilógicos, por que se não fossem, se aniquilariam na realidade e na lógica natural das coisas. As leis naturais são os processos naturais e reais, mais ou menos particulares, pelos quais existem todas as coisas. Portanto, aquele que queira compreender-las deve renunciar de uma vez por todas ao deus pessoal dos teólogos e a divindade impessoal dos metafísicos.
Mas o fato de que podemos negar com precisão total, a existência de um legislador divino, não se segue que podemos perceber como foram estabelecidas as leis naturais e sociais no mundo. Existem, são inseparáveis do mundo real, desse conjunto de coisas e de fatos do qual nós mesmos somos produtos, os efeitos, exceto no caso de nós nos tornar-mos causas – relativas – de seres, de coisas e de fatos novos. Eis tudo o que sabemos e que, penso eu, tudo o que podemos saber. Por outro lado, como poderíamos encontrar a “causa primeira”, uma vez que ela não existe? Já que o que chamamos causalidade universal não é mais que uma resultante de todas as causas particulares que atuam no universo. Perguntar por que existem leis naturais, não equivaleria a perguntar por que existe o universo – fora do qual nada existe – , por que existe o ser? Isto é um absurdo.
Notas de O sistema do mundo.
(1) Como todo indivíduo humano, em cada instante dado de sua vida, não é mais que a resultante de todas as causas que tem atuado em seu nascimento e também antes de seu nascimento, combinadas com todas as condições de seu desenvolvimento posterior, tanto como com todas as circunstancias que atuam nele neste momento atual.

(2) Falo, naturalmente, do espírito, da vontade e dos sentimentos que conhecemos, dos únicos que podemos conhecer: dos animais e do Homem do qual é, de todos o animais da Terra, é – desde o ponto de vista geral, não de cada faculdade tomada separadamente – sem dúvida o mais perfeito. Quanto ao espírito, a vontade e os sentimento extra-humanos e extra-terrestres do ser de que nos falam os teólogos e os metafísicos, devo confessar minha ignorância, por que nunca os encontrei e ninguém, que eu saiba, já teve relações diretas com eles. Mas se julgamos de acordo ao que nos dizem esses senhores, esse espírito é de tal modo incoerente e estúpido, essa vontade e esses sentimentos são de tal modo perversos, que não vale a pena ocupar-se deles somente para constatar todo o mal que fizeram sobre a Terra. Para provar a ação absoluta e direta das leis mecânicas, físicas e químicas, sobre as faculdades ideais do Homem, me contentarei com levantar essa pergunta: O que seria das mais sublimes combinações da inteligência se, desde o momento que Homem as concebe, se apenas o ar que se respira se descompô-se, ou se o movimento da Terra se detivesse, ou se o Homem se visse envolto inesperadamente em uma temperatura de 60 graus acima ou abaixo de zero?

(3) Dizer que deus não é contrário a lógica, é afirmar que, em toda a extensão de seu ser, é completamente lógico; que não contem nada que esteja por cima, ou o que quer dizer o mesmo, fora da lógica: que, por conseqüência, ele mesmo não é nada mais que a lógica , nada mais que essa corrente ou esse desenvolvimento natural das coisas reais; ou seja, que deus não existe. A existência de deus não pode, pois, ter outro significado que o da negação das leis naturais; aonde resulta este dilema inevitável: Deus existe, por tanto não existem leis naturais, não existe ordem na natureza, o mundo é um caos, ou então: O mundo está ordenado por si mesmo, por tanto, deus não existe.

(4) Não significa de nenhum modo, que tudo o que é lógico ou natural seja desde o ponto de vista humano, necesariamente útil,bom ou justo. As grandes catástrofes naturais; os terremotos na terra, as erupções vulcânicas, as inundações, as tempestades, as doenças epidêmicas, que devastam e destroem cidades e populações inteiras, são certamente fatos naturais produzidos logicamente por uma gama de causas naturais, mas ninguém dirá que são benéficas para a humanidade. O mesmo acontece com os fatos que se produzem na história: as mais horríveis instituições chamadas divinas e humanas; todos os crimes passados e presentes dos chefes, desses supostos benfeitores e tutores de nossa pobre espécie humana, e a mais desesperante estupidez dos povos que aceitam o seu julgo; as infâmias atuais dos Napoleões III, dos Bismarcks, de Alexandre II e tantos outros soberanos ou políticos e militares da Europa e a covardia incrível dessa burguesia de todos os países que os incentiva, os sustenta, ainda que odiando-os desde o fundo do seu coração; tudo isso nos mostra uma série de fatos naturais produzidos por causas naturais, e por conseqüência muito lógicas, o que não as impede de ser excessivamente funestas para a humanidade.

(5) Sigo o uso estabelecido, separando de certo modo o mundo social do mundo natural. É evidente que a sociedade humana, considerada em toda a extensão e em toda a amplitude de seu desenvolvimento histórico, é tão natural e está tão completamente subordinada a todas as leis da história, como o mundo animal e vegetal, por exemplo, da qual é a última e a mais alta expressão sobre a Terra.

Ciúmes: Causas e uma possível cura – Emma Goldman

Emma_Goldman_-_Union_Square,_New_York,_1916Por Emma Goldman

Fonte: Amor Y Anarquia

Ninguém em geral é capaz de uma intensa consciência interna, porque a vida sempre necessita de esperança para escapar da angústia mental e do sofrimento. O sofrimento, e muitas vezes o desespero, sobre a chamada característica eterna das coisas são a mais persistente companhia de nossas vidas. Mas eles não surgem em nós do exterior, através dos atos malignos de pessoas particularmente más. Eles são condicionados ao nosso próprio ser, de fato, eles estão interligados através de mil propostas e grossos fios com a nossa existência.

É absolutamente necessário que nós compreendamos esse fato, porque as pessoas que nunca se livram da noção de que sua desgraça é fruto da maldade dos outros nunca podem superar o ódio mesquinho e a malícia que constantemente acusa, condena e persegue os outros por algo que é inevitavelmente parte de si mesmos. Tais pessoas não irão subir para as alturas sublimes do verdadeiro humanista, para quem o bem e o mal, a moral e a imoral, são, portanto, termos limitados para o conflito interior das emoções humanas no mar da vida humana.

O filósofo “além do bem e do mal”, Nietzsche, é atualmente denunciado como criador de um ódio nacional e uma destruição metralhadora. Mas apenas maus leitores e maus alunxs o interpretam desta forma. “Além do bem e do mal” significa além do Ministério Público, além de fazer julgamentos, além de matar, etc. Além do Bem e do Mal se abre diante dos nossos olhos como uma visão do pano de fundo que é a afirmação individual, juntamente com a compreensão de todos aqueles que são o contrário de nós mesmos, que são diferentes.

Por isso eu não me refiro à tentativa desajeitada da democracia de regular as complexidades do caráter humano por meio da igualdade externa. A visão de “além do bem e do mal” aponta para a direita de si mesmo, à própria personalidade. Tais possibilidades não excluem a dor do caos da vida, mas excluem a justiça puritana que se insere no julgamento de todos os outros, exceto de si mesmo.

É auto-evidente que a profundidade radical – muitos são superficiais, você sabe – deve aplicar esta profundidade ao reconhecimento humano da relação de amor e sexo. Emoções de amor e sexo estão entre as mais íntimas, intensas e sensíveis, expressões do nosso ser. Elas são tão profundamente relacionadas às características físicas e psíquicas individuais como um carimbo em cada caso de amor como um caso independente, diferente de todos os outros casos de amor. Em outras palavras, cada amor é resultado das impressões e características que duas pessoas envolvidas dão a isso. Toda relação de amor deve, por sua própria natureza, permanecer como um caso absolutamente privado. Nem mesmo o Estado, a Igreja, a moralidade ou as pessoas devem mediar isso.

Infelizmente esse não é o caso. A mais íntima relação é submetida a proscrições, regulamentos e coerções; porém, esses fatores externos são absolutamente estranhos ao amor, e leva a eternas contradições e conflitos entre o amor e a lei.

O resultado disso é que nossa vida amorosa está imersa em corrupção e degradação. O “amor puro”, tão aclamado pelos poetas, é, no atual matrimônio, divórcio e disputas alienadas, um espécime raro. Com dinheiro, status social, e posição como critérios para o amor, a prostituição é quase inevitável, ainda que seja coberta pelo manto da legitimidade e da moralidade.

O mais permanente demônio da nossa mutilada vida amorosa é o ciúme, frequentemente descrito como “mostro de olhos verdes”, que mente, engana, trai e mata. O senso comum é de que o ciúme é inato e, portanto, nunca poderá ser erradicado do coração humano. Essa ideia é uma desculpa conveniente para aqueles que não têm capacidade ou vontade para mergulhar dentro das causas e efeitos.

A angústia sobre um amor perdido, sobre o fio quebrado da continuidade do amor é, de fato, inerente ao nosso ser. O sofrimento emocional tem inspirado muitas letras sublimes, com olhares muito profundos e exaltação poética de Byron, Shelley, Heine e outros. Mas será que é possível comparar esta tristeza com o que comumente acontece no ciúme? Eles são tão diferentes como a sabedoria e a estupidez. Como o refinamento e a rudeza. Dignidade e coerção brutal. O ciúme é o oposto da compreensão, da simpatia, e dos sentimentos generosos. O ciúme nunca adicionou algo ao caráter, nunca fez o indivíduo grande e bom. O que ele realmente faz é torná-lo cego com fúria, mesquinho com suspeita, e duro de inveja.

Ciúme, as contorções que vemos nas tragédias e comédias matrimoniais, são invariáveis por um lado, intolerantemente acusadoras, convencidas da sua própria justiça e da maldade, crueldade e culpa da sua vítima. O ciúme nem mesmo tenta compreender. Seu único desejo é punir, e punir tão severamente quanto possível. Essa noção é incorporada ao código de honra, como representada em um duelo ou em uma lei não escrita.  Um código que vai considerar que a sedução de uma mulher deve ser punida com a morte dx sedutor(a). Mesmo onde a sedução não tomou lugar, onde ambos voluntariamente cederam ao desejo mais íntimo, a honra só é restaurada quando o sangue é derramado, seja do homem ou da mulher.

O Ciúme é obcecado pelo sentimento de possessão e vingança. Isto está de acordo com todas as outras leis de punição nos estatutos que ainda aderem à barbárie noção de que uma ofensa, muitas vezes meramente resulta de injustiças sociais, e devem ser adequadamente punidas ou vingadas.

Um argumento muito forte contra o ciúme pode ser encontrado nos dados de historiadores como Morgan, Reclus e outros, como sobre as relações sexuais dos povos primitivos. Qualquer um que esteja familiarizado com suas obras sabe que a monogamia é uma forma de sexo que surgiu muito mais tarde, como resultado da domesticação e da propriedade das mulheres, e que criou o monopólio do sexo e o inevitável sentimento de ciúme.

 No passado, quando homens e mulheres se misturaram livremente sem a interferência da lei e da moralidade, não poderia existir ciúme, porque este repousa sobre a suposição de que certo homem tem o monopólio exclusivo sobre o sexo de determinada mulher e vice-versa. No momento em que ninguém visa transgredir este preceito sagrado, o ciúme está em pé de guerra. Sob tais circunstâncias, é ridículo dizer que o ciúme é perfeitamente natural. Fatidicamente, se trata de um resultado artificial de uma causa artificial, nada mais.

Infelizmente não são apenas os casamentos conservadores que são afetados pelo ciúme com a noção de monopólio sexual; as chamadas uniões livres também são vítimas dele. O argumento provavelmente levantado é que isto é mais uma prova de que o ciúme é um traço inato. Mas é preciso ter em mente que o monopólio sexual tem sido transmitido de geração em geração como um direito sagrado e como a base da pureza da família e do lar. E assim como a Igreja e o Estado aceitam o monopólio sexual como a única segurança para o vinculo matrimonial, eles tem justificado o ciúmes como uma arma legítima de defesa para a proteção do direito de propriedade.

Agora, se é verdade que um grande número de pessoas superou a legalidade do monopólio do sexo, elxs não superaram as suas tradições e hábitos. Por isso, elxs se tornaram tão cegxs pelo “monstro de olhos verdes” quanto seus/suas vizinhxs conservadorxs no momento os seus bens estão em jogo.

   Um homem ou uma mulher livre e grande o suficiente para não interferir ou inquietar-se sobre as outras atrações da pessoa amada são com certeza desprezadxs por seus/suas amigxs conservadores, e ridicularizadxs por seus/suas amigxs radicais. Elx também será acusadx de ser umx degeneradx ou umx covarde; e frequentemente alguns motivos materiais mesquinhos serão imputados a elx. De qualquer forma, esses homens e mulheres serão alvo de fofocas ou piadas grosseiras ou imundas por nenhuma outra razão além do fato delxs admitirem ao marido, esposa ou amantes o direito de seus próprios corpos e sua expressão emocional, sem fazer cenas de ciúmes ou ameaças selvagens para matar x intrusx.

Há outros fatores no ciúme: o conceito do macho e da inveja do feminino. O macho em matéria sexual é um impostor, um fanfarrão, que sempre se orgulha de suas façanhas e do sucesso com as mulheres. Ele insiste em desempenhar o papel de um conquistador, já que ele foi informado de que as mulheres querem ser conquistados, e que elas gostam de ser seduzidas. Sentindo-se o único galo do curral, ou o touro que deve confrontar com seus chifres a fim de ganhar a vaca, ele se sente mortalmente ferido na sua vaidade e arrogância no momento em que umx rival entra em cena – a cena, mesmo entre os chamados homens refinados, continua a ser o amor sexual da mulher, que deve pertencer a apenas um mestre.

Em outras palavras, o monopólio do sexo em perigo, juntamente com a vaidade do homem ultrajado, em 99 em cada cem casos são os antecedentes do ciúme.

No caso de uma mulher, o medo econômico por si mesma e pelas crianças e sua inveja mesquinha de todas as outras mulheres que ganham graça aos olhos do seu defensor, invariavelmente, criam ciúme. Em justiça, foi dito para as mulheres durante os séculos passados, que a atração física era seu único estoque na negociação, portanto, ela deve se tornar necessariamente invejosa do charme e do valor de outras mulheres como uma ameaça ao seu poder sobre sua propriedade preciosa.

O aspecto grotesco de toda a questão é que os homens e as mulheres geralmente criam uma inveja violenta daquelxs que realmente não se importam muito sobre isso. Portanto, não é o seu amor ultrajado, mas a sua vaidade e inveja indignada que clamam contra esse “terrível erro”. É provável que a mulher nunca amou o homem de quem ela agora suspeita e espiona. Provavelmente ela nunca fez um esforço para manter o seu amor. Mas no momento em que umx concorrente chega, ela começa a valorizar sua propriedade sexual para defendê-la de forma que nenhum meio é muito desprezível ou cruel.

Obviamente, então, o ciúme não é o resultado do amor. Na verdade, se fosse possível investigar mais casos de ciúmes, provavelmente descobririam que quanto mais violento e desprezível é o seu ciúme, menos as pessoas estão imbuídas de um grande amor. Duas pessoas vinculadas por harmonia interior e unidade não têm medo de prejudicar a sua confiança mútua e segurança, se um ou outro tem atrações externas, nem iram terminar seu relacionamento em inimizade vil, como é muitas vezes o caso de muitas pessoas. Muitos delxs não são capazes, nem deve de se esperar, de incluir a escolha da pessoa amada na intimidade de suas vidas, mas isso não xs dá qualquer direito de negar a necessidade da atração.

Assim como eu discutirei variedade e monogamia duas semanas a partir de hoje a noite, não me deterei nisso, nem aqui, exceto para dizer que olhar as pessoas que podem amar mais de uma pessoa de forma tão perversa ou anormal é ser muito ignorante mesmo. Eu já discuti uma série de causas para o ciúme, a qual devo acrescentar a instituição do casamento que o Estado e a Igreja proclamam como “o vínculo até a morte”. Isso é aceito como o ético modo correto de vida e a ação correta.

  Com amor, em todas a sua variabilidade e mutabilidade, acorrentadxs e apertadxs, é uma pequena maravilha se o ciúme surge fora dele. Que outra coisa senão mesquinhez, avareza, suspeita e rancor pode surgir quando um homem e uma mulher são oficialmente mantidxs juntxs com a fórmula “a partir de agora vocês são um em corpo e espírito.” Basta manter qualquer casal amarrado de tal maneira, dependentes umx dxs outrxs para cada pensamento e sentimento, sem um interesse ou desejo externo, e se perguntar se tal relação não deve tornar-se odiosa e insuportável com o tempo.

De uma forma ou outra os grilhões são quebrados, e como as circunstâncias que permitem fazê-lo são geralmente baixas e degradantes, não é de surpreender que eles coloquem em jogo os mais deteriorados e malvados traços e motivos humanos.

Em outras palavras, a interferência legal, religiosa e moral são os pais do nosso atual amor e vida sexual não naturais, e fora disso o ciúme cresceu. Esse é o chicote que açoita e tortura os pobres mortais por causa de sua estupidez, ignorância e preconceito.

Mas ninguém precisa tentar justificar-se em terra por ser uma vítima destas condições. É bem verdade que todos nós inteligentes estamos sob os fardos dos arranjos sociais injustos, sob coerção e cegueira moral. Mas não somos indivíduos conscientes, cujo objetivo é trazer a verdade e a justiça aos assuntos humanos? A teoria de que o homem é um produto de condições levou apenas à indiferença e a um fraco consenso sobre essas condições. Ainda que todos saibam que a adaptação a um modo de vida não saudável e injusto só fortalece a ambos, enquanto o homem, o chamado “coroa de toda a criação”, equipado com uma capacidade de pensar e ver e acima de tudo para empregar os seus poderes de iniciativa, cresce cada vez mais fraco, mais passivo, mais fatalista.

Não há nada mais terrível e fatal do que escavar dentro das vísceras de um de seus entes queridos e de si mesmo. Isso só pode ajudar a rasgar os fiapos de afeto que ainda são inerentes à relação e, finalmente, trazer-nos até a última trincheira, que tenta combater o ciúme, ou seja, a aniquilação do amor, amizade e respeito.

O ciúme é realmente um meio pobre para proteger o amor, mas é um meio seguro para destruir o auto-respeito. Para pessoas ciumentas, como “drogas-demônios”, rebaixa ao nível mais baixo e, no final, inspira apenas desgosto e repugnância.

A angústia pela perda de um amor ou por um amor não correspondido entre as pessoas que são capazes de pensamentos elevados e finos jamais fará uma pessoa se tornar rude. Aquelxs que são sensíveis e finxs apenas devem perguntar-se se podem tolerar qualquer tipo de relação obrigatória, e um enfático “não” seria a resposta. Mas a maioria das pessoas continua a viver próximas uma das outras, apesar de terem a muito tempo deixado de viverem umas com as outras – uma vida fértil o suficiente para a operação do ciúme, cujos métodos percorrem todo o caminho desde abrir a correspondência privada até o assassinato. Comparado com tais horrores, adultério aberto parece um ato de coragem e libertação.

Um escudo forte contra a vulgaridade do ciúme é que o homem e a mulher não são um só em corpo e espírito. Eles são dois seres humanos, com temperamentos diferentes, sentimentos e emoções. Cada um é um cosmos pequeno em si mesmo, absorto em seus próprios pensamentos e idéias. Isso é glorioso e poético se estes dois mundos se encontram em liberdade e igualdade. Mesmo que isso dure pouco tempo, já valerá à pena. Mas, no momento em que os dois mundos são forçados a ficar juntos, toda a beleza e o perfume cessam e nada mais que folhas mortas permanecem. Quem compreende esta obviedade irá considerar o ciúme como algo abaixo de si e não permitirá que isso seja pendurado como uma espada de Dâmocles sobre elx.

Todos os amantes fazem bem ao deixarem as portas do seu amor aberto. Quando o amor pode ir e vir sem medo de encontrar um cão de guarda, o ciúme raramente irá criar raízes porque ele vai aprender rapidamente que onde não há fechaduras e chaves, não há lugar para a suspeita e desconfiança, dois elementos sobre os quais o ciúme cresce e prospera.

Este artigo é uma cortesia dos documentos de Emma Goldman: Divisão de Arquivos e Manuscritos, The New York Public Library, Astor, Lenox e Fundações Tilden.

Traduzido de:

http://dwardmac.pitzer.edu/Anarchist_Archives/goldman/jealousy.html

Emma Goldman & Alexander Berkman – Sacco e Vanzetti

alastrosFonte: Literatura Anarquista

Os nomes do “bom sapateiro e do pobre peixeiro” já cessaram de representar meramente dois trabalhadores italianos. Por todo o mundo civilizado, Sacco e Vanzetti se tornaram símbolos, o shibboleth* da Justiça esmagada pela Força. Esse foi o grande significado histórico desta crucificação do século XX, e as palavras de Vanzetti foram verdadeiramente proféticas ao declarar “O último momento pertence a nós – essa agonia é o nosso triunfo”.

Sempre ouvimos as pessoas falarem a respeito de um grande progresso, querendo dizer com isso melhorias de vários tipos, na maior parte das vezes descobertas salva-vidas ou invenções poupa-trabalhos, quando não, reformas na vida política e social. Mas todas estas coisas podem ou não representar um avanço real, pois as reformas não significam necessariamente progresso.

É inteiramente falsa e viciosa a concepção de que a civilização consistiria de mudanças políticas ou mecânicas. Por si mesma, nenhuma melhoria indica progresso real: ela simplesmente simboliza o seu resultado. A verdadeira civilização, o progresso real consiste em humanizar a humanidade, em fazer do mundo um lugar decente para viver. Desse ponto de vista, apesar de todas as reformas e aperfeiçoamentos, ainda estamos muito distantes de sermos civilizados.

O verdadeiro progresso é uma luta contra a inumanidade de nossa existência social, contra a barbaridade das concepções dominantes. Em outras palavras, o progresso é uma luta espiritual, uma luta para libertar o homem de sua herança bestial, de sua condição primitiva de crueldade e medo. Romper os grilhões da superstição e da ignorância; libertar o homem do apego às idéias e práticas escravizantes; extinguir a escuridão de seu espírito e o terror de seu coração; levantando-o de sua postura abjeta à estatura plena do homem – essa é a missão do progresso. Só assim o homem, individual e coletivamente, se tornará verdadeiramente civilizado e nossa vida social mais proveitosa e humana.

Esta luta é a que traça a história real do progresso. Seus heróis não são Napoleões nem Bismarcks, nem generais nem políticos. Seu caminho foi trilhados pelas valas-comuns dos Saccos e Vanzettis da humanidade, por aqueles agraciados com o auto-da-fé, as câmaras de tortura, os cadafalsos e a cadeira elétrica. À estes mártires da liberdade e da justiça são a quem devemos o pouco de civilização e progresso real que temos hoje.

O aniversário da morte de nossos camaradas, portanto, de maneira alguma representa uma ocasião de luto. Pelo contrário, deveríamos nos regozijar, pois neste tempo de degradação e depreciação, de histeria por conquista e ganho a qualquer custo, ainda existem homens que ousam desafiar o espírito dominante e levantar a  sua voz contra a inumanidade e a reação: Que ainda há homens que mantém as chamas da razão e da liberdade acesas, e que possuem a coragem de morrer, e de morrer triunfalmente, pela sua ousadia. Pois Sacco e Vanzetti morreram, como todo mundo sabe hoje, porque eram anarquistas. Isto é, porque pregavam e acreditavam na fraternidade e na liberdade humana. E como tais, não podiam esperar receber nem justiça, nem humanidade. Por elas, os Mestres da Vida perdoariam qualquer crime ou ofensa, mas nunca um intento de minar sua segurança diante das massas. Portanto Sacco e Vanzetti tiveram que morrer, não obstante os protestos ao redor do mundo. Mas Vanzetti estava certo ao declarar que sua execução seria seu maior triunfo, pois por toda a história os mártires do progresso é que triunfaram ultimamente. Onde estão os Césares e Torquemadas de hoje em dia? Quem se lembrará do nome dos juízes que condenaram Giordano Bruno e John Brown? Os Parsons, os Ferrers, os Saccos e Vanzettis vivem eternamente e seus espíritos ainda marcham.

Que nenhum desespero entre em nossos corações diante dos túmulos de Sacco e Vanzetti. O que a eles devemos pelo crime de permitir que sua execução acontecesse é manter sua memória verde e o estandarte do seu ideal anarquista ao alto. E que nenhum míope pessimista confunda e desconcerte os verdadeiros fatos da história do homem, de sua ascensão à maior humanidade e liberdade. Na longa batalha das trevas à luz, na antiga luta por maior liberdade e bem-estar, foram os rebeldes, os mártires que venceram. A escravidão cedeu, o absolutismo foi suplantado, o feudalismo e a servidão passaram, os tronos foram suprimidos para as repúblicas se estabelecerem em seu lugar. Inevitavelmente, foram os mártires e suas idéias que triunfaram, apesar de todos os cadafalsos e cadeiras elétricas. Inevitavelmente, os povos, as massas é que venceram seus mestres, e agora mesmo as tantas fortalezas da Força, do Capital e do Estado, estão sob ameaça. A Rússia nos mostrou a direção do progresso com a sua tentativa de eliminar ambos os mestres, políticos e econômicos. Mas esse experimento inicial fracassou, pois como todas as grandes revalorações sociais demandam repetidos esforços para sua concretização. Mas esse magnificente fracasso histórico é similar ao martírio de Sacco e Vanzetti – é o símbolo e a garantia do triunfo final.

Contudo, para que seja claramente lembrado; nos primeiros intentos nas mudanças sociais fundamentais, o fracasso sempre se deve ao falso método de tentar estabelecer o Novo pelas práticas e meios do Velho. O Novo só pode conquistar por meio de seu próprio espírito novo. Tirania vive pela supressão; Liberdade medra em liberdade. O erro fatal da grande Revolução Russa foi tentar estabelecer novas formas de vida social e econômica sobre o velho fundamento de coerção e força. O pleno desenvolvimento da sociedade humana acontece longe da coerção e do governo, longe da autoridade, e em direção a maior liberdade e independência. Nessa luta, o espírito da liberdade foi vencido. Mas na mesma direção reside o êxito. A história mostra, e a Rússia é a demonstração recente mais convincente disso. Que, então, aprendamos a lição e que estes grandes esforços em prol de um novo mundo de humanidade e liberdade nos inspirem, e que o triunfal martírio de Sacco e Vanzetti possa nos dar grande força e coragem nesta luta estupenda.

França: Julho, 1929

Notas do Tradutor:

* Shibboleth é palavra hebraica, do vocabulário bíblico, significa divisa, racha, para demarcar e separar. N.T.

Disponível em: <http://theanarchistlibrary.org/sacco-and-vanzetti&gt;. Acesso em: 21 nov. 2009, 16:20:01.
Notes: Published in The Road to Freedom (New York), Vol. 5, Aug. 1929. Source: Retrieved on March 15th, 2009 from http://sunsite.berkeley.edu/Goldman/Writings/Essays/sacco.html

Revisado: 07/07/2011

Makhno e Lênin: um diálogo histórico

494071Fonte: Nestor Mahkno

Por Nestor Makhno


Introdução de Volin: No verão de 1918, quando a Ucrânia foi invadida pelos exércitos austríaco e alemão, Makhno teve que marchar à Rússia central e aproveitou sua estadia em Moscou para debater e dialogar com algumas das personalidades mais destacadas e conversar sobre a luta e a revolução que se desenvolviam. Entre elas figurava Lênin.

A entrevista foi agendada por Sverdlov, um dos membros mais proeminentes do bolchevismo russo, cujos conselhos Lênin sempre atendia, considerando-o como seu mentor em assuntos referentes aos potenciais aliados políticos internos. Na época do debate, Sverdlov era o presidente do Comitê Executivo Pan-Russo dos Sovietes e, concedendo muita importância à personalidade de Makhno, se ocupou pessoalmente de todo o necessário para que este pudesse encontrar-se com Lênin. A conversa teve lugar no Kremlin, diante de Sverdlov, e durou cerca de duas horas. Aqui está como a descreve o próprio Makhno:

Lênin, que se interessava muito sobre o que acontecia na Ucrânia, ocupada pelos exércitos invasores, me perguntou várias vezes sobre a atitude dos camponeses ucranianos e, sobretudo, queria saber como haviam recebido localmente os camponeses da Ucrânia o lema “Todo Poder aos Sovietes”. Expliquei que os camponeses interpretaram este lema à sua maneira. Segundo eles, “Todo Poder Aos Sovietes” queria dizer que o poder, em todos seus aspectos, devia se exercer diretamente com o consentimento e vontade dos trabalhadores; que os sovietes dos deputados, operários e camponeses, locais e regionais, não eram outra coisa que as unidades coordenadoras das forças revolucionárias e da vida econômica, enquanto durasse a luta que os trabalhadores sustentavam contra a burguesia e seus aliados, os social-revolucionários de direita e seu governo de coalizão.

– Você crê que esta interpretação é adequada? – me perguntou Lênin

– Sim – respondi.

– Neste caso, o campesinato daquela região está infestado pelo anarquismo.

– Isto é mau?

– Não quero dizer isso, ao contrário. Isto me causaria regozijo, pois adiantaria a vitória do comunismo sobre o capitalismo e seu poder.

– Isto é muito lisonjeiro para mim – insinuei.

– Não, não, volto a afirmar seriamente que um fenômeno desta natureza, na vida dos camponeses adiantaria a vitória do comunismo sobre o capitalismo; mas eu creio que este fenômeno, no campesinato, não é natural. Foi introduzido em suas fileiras pelos propagandistas anarquistas e pode ser prontamente esquecido. Até estou predisposto a crer que este espírito, não organizado, ao ver-se sob os golpes da contra-revolução triunfante, já desapareceu.

Adverti a Lênin que um grande líder não podia ser pessimista nem cético, e depois de conversar sobre vários temas, me perguntou que pensava fazer em Moscou, ao que respondi que não tinha intenção de ficar naquela capital, mas de regressar à Ucrânia.

– Você irá à Ucrânia clandestinamente?- me perguntou.

– Sim – respondi.

Lênin, dirigindo-se ao camarada Sverdlov, disse:

– Os anarquistas sempre estão dispostos a toda classe de sacrificios; são abnegados, mas também cegos e fanáticos. Deixam escapar o presente por um futuro distante.

Voltando-se para mim, pediu que não me desse por citado nestas palavras.

– A você, camarada, – afirmou – considero como um homem realista, que está preocupado com os problemas atuais. Se na Rússia tivéssemos pelo menos uma terça parte desta classe de anarquistas, nós, os comunistas, estaríamos dispostos a colaborar com eles, sob certas condições, em prol da livre organização da produção.

Adverti que começava a estimar a Lênin, a quem até fazia pouco tempo havia considerado como o culpado pela destruição de todas as organizações anarquistas de Moscou, o que foi o sinal para destruir as de outras muitas capitais da Rússia. Em meu interior começava a envergonhar-me de mim mesmo e buscava rapidamente uma resposta adequada. Disse o seguinte:

– Todos os anarquistas apreciam muito a Revolução e suas conquistas. Isto demonstra que, neste sentido, todos somos iguais.

– Não me diga isto – retrucou, rindo, Lênin – Nós conhecemos os anarquistas tanto como você mesmo os conhece. A maioria deles, ou não pensam nada sobre o presente, ou pensam bem pouco, apesar da gravidade da situação. E para um revolucionário é vergonhoso não tomar resoluções positivas sobre o presente. A maioria dos anarquistas pensam e escrevem sobre o porvir, sem entender o presente. Isto é o que nos separa a nós, os comunistas, dos anarquistas.

Ao pronunciar esta última frase, Lênin se levantou da cadeira, e passeando pelo salão, acrescentou:

– Sim, sim: os anarquistas são fortes nas idéias sobre o porvir, mas no presente não pisam terreno firme e são deploráveis, já que não tem nada em comum com este presente.

A tudo isto respondi a Lênin que eu era um camponês semi-analfabeto e que sobre aquele abstrato assunto dos anarquistas, tal como ele me expunha, não sabia discutir. Mas disse:

– Suas afirmações, companheiro Lênin, de que os anarquistas não compreendem o presente e que não têm nenhuma relação com ele, são equivocadas. Os anarco-comunistas da Ucrânia (ou do sul da Rússia, como dizem vocês, bolcheviques) têm dado já demasiadas provas que demonstram sua compenetração com o presente. Toda a luta revolucionária do povo ucraniano contra a “Rada” [governo burguês] Central da Ucrânia se tem levado sob a direção das idéias anarco-comunistas e também, em parte, sob a influência dos Social-Revolucionários, os quais – há que dizer a verdade – ao lutar contra a “Rada” Central, tinham finalidades muito distintas das nossas. Nos vilarejos da Ucrânia quase não existem bolcheviques, e ali onde há alguns, sua influência é nula. Quase todas as Comunas Agrícolas tem sido criadas por iniciativa dos anarco-comunistas. A luta armada do povo da Ucrânia contra a reação e, muito especialmente, contra os exércitos expedicionários austríacos, alemães e húngaros, foi iniciada e organizada sob a ideologia e direção dos anarco-comunistas. A verdade é que vocês, tendo em conta os interesses de vosso partido, encontram inconvenientes para reconhecê-lo; mas tudo isto são fatos inegáveis. Vocês sabem muito bem a qualidade e a capacidade combativa de todos os destacamentos revolucionários da Ucrânia. Não em vão sublinharam o valor com que aqueles destacamentos tem defendido nossas conquistas revolucionárias. Pois bem: mais da metade deles vão à luta sob a bandeira anarquista. Os chefes de destacamento como Makrousov, Nikiforoba, Cheredniak, Garen, Chernyak, Luñev (e muitos outros cuja relação seria demasiado prolixo fazer), são anarquistas-comunistas. Não falo de mim pessoalmente, como tampouco do grupo ao qual pertenço, mas daqueles destacamentos e batalhões, voluntários para a defesa da Revolução, os quais tem sido criados por nós e não podem ser desconhecidos por vossos altos comandos do Exército e da Guarda Vermelha. Tudo isto demonstra o quão equivocadas são as suas manifestações, camarada Lênin, de que nós, os anarquistas, somos incorrigíveis e débeis no “presente”; apesar de que nos agrada muito pensar no porvir. O que foi dito demonstra a todos, e também a você, que nós, os anarco-comunistas, estamos compenetrados com o presente, trabalhamos nele, e precisamente na luta buscamos a aproximação do futuro, sobre o qual pensamos muito e seriamente. Sobre ele não pode caber dúvida. Isto é, precisamente, todo o contrário da opinião que têm vocês de nós.

Naquele momento olhei para o presidente do Comitê Central Executivo dos Sovietes, Sverdlov, que havia corado. Lênin, abrindo os braços, me disse:

– Pode ser que eu esteja equivocado.

– Sim, sim! – adverti – Neste caso, você tem estas opiniões sobre os anarquistas porque está muito mal-informado da realidade na Ucrânia, e porque tem, todavia, as piores informações sobre o papel que nós desempenhamos na mesma. Pode ser que gente do seu próprio partido tenha interesse em nos denegrir, para fazer avançar sabe lá que espécie de propósitos inconfessáveis…

– Pode ser. Eu não nego. Todo homem pode equivocar-se, muito especialmente em uma situação como esta, em que nos encontramos nestes momentos – disse Lênin, terminando a conversa sobre o tema.” 

[Reino Unido] Brighton: Crônica da manifestação em solidariedade com os presos no estado espanhol

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Fonte: ANA – Agência de Notícias Anarquistas

No domingo, 12 de abril, aproximadamente 40 pessoas participaram de um protesto contra a repressão na Espanha. A manifestação aconteceu em resposta a recente “Operação Piñata”, onde houve uma enorme (e barulhenta) incursão policial contra o movimento anarquista na Espanha. No momento, cinco pessoas permanecem detidas em regime de isolamento.

Desde as 18 horas, as pessoas foram chegando à praça central da Clock Tower. Com faixas e distribuindo folhetos, os manifestantes explicaram a quem passava por ali a situação repressiva na Espanha e o caso específico dos nossos companheiros. Também foram ecoados gritos contra a repressão e contra a polícia e as prisões (alguns em espanhol).

Meia hora após o início da concentração, os ativistas decidiram bloquear o tráfego por alguns minutos, caminhando até a Churchill Square. Lá, foi lido um comunicado em frente do Banco Santander e da O2 (Telefônica), duas das principais multinacionais espanholas. O grupo, então, voltou para a Clock Tower, onde terminou a ação.

A concentração contou com um número significativo de imigrantes do estado espanhol residente em Brighton e de companheiros de vários movimentos sociais da cidade. Grupos como Brighton-SolFed, Brighton Antifascists, Brighton Anarchist Black Cross e o Cowley Clube mostraram sua solidariedade.

Esta ação foi organizada por um grupo de ativistas preocupados com a situação na Espanha. Enquanto as condições de vida estão piorando, a classe dominante do país responde com a criminalização dos movimentos sociais e dos que lutam.

Agora, a solidariedade internacional é especialmente importante. Temos de mostrar que não temos medo, que estamos alertas e que nossos companheiros não estão sozinhos. A solidariedade continua.

Espanha cheira a Estado Policial!

Liberdade presos anarquistas!

Conteúdo relacionado:

http://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2015/04/02/alemanha-berlim-solidariedade-com-detidos-na-operacao-pinata/

A Reação na Alemanha (1842)

M.-Bakunin_reference

Por Bakunin

Fonte: Arquivo Bakunin

BAKUNINE, Miguel. A reação na Alemanha.In: Cadernos Peninsulares, Nova Série, Ensaio 17.  Tradução: José Gabriel. Portugal: Editora Assírio & Alvin, 1976. Pags. 105-127


OS ADVERSÁRIOS DA LIBERDADE


Liberdade, realização da liberdade: quem pode negar que estas palavras estão agora à cabeça da ordem do dia da história? Amigos e inimigos reconhecem-no apesar de tudo, e ninguém ousa declarar-se abertamente e audaciosamente adversário da liberdade. Mas falar de alguma coisa e reconhecê-la não lhe dá uma existência real, e isto, o evangelho, sabe-o bem
[1]; na realidade, há infelizmente ainda uma multidão que, verdadeiramente, não acredita do mais profundo do seu coração, na liberdade. Vala a pena, no interesse desta causa, ocuparmo-nos deles. Pertencem a tipos muito diferentes: encontramos, em primeiro lugar, pessoas bem colocadas, carregadas de anos e de experiência que, na sua juventude, eram mesmo diletantes da liberdade política; um homem rico e distinto encontra, na realidade, um certo prazer requintado em falar de liberdade e de igualdade, o que o torna, além do mais, duplamente importante na sociedade. Mas como não mais podem agora gozar a vida como no tempo da sua juventude, procuram dissimular o seu enfraquecimento físico e intelectual sob o véu da “experiência” — uma palavra tanta vez enganadora —: é perder tempo falar com estas pessoas; nunca levaram a liberdade a sério, nunca a liberdade foi para eles a religião que só conduz aos maiores prazeres e à felicidade suprema pela via das mais terríveis contradições, ao preço dos mais cruéis sofrimentos e da abnegação total e sem reservas. Verdadeiramente não há algum interesse em discutir com eles, porque são velhos e, assim, apesar de tudo, morrerão brevemente.

Mas também há infelizmente muitas pessoas jovens que partilham com as pessoas do primeira grupo as mesmas convicções, ou antes, a ausência de toda a convicção. Pertencem na maior parte, a essa aristocracia que pela sua natureza está marcada desde há muito tempo, na Alemanha, pela morte política, seja a classe burguesa e comerciante, seja a dos funcionários. Com eles não há nada a empreender, e menos ainda com as pessoas judiciosas e experimentadas da primeira categoria que têm já um pé no túmulo. Os últimos tinham ao menos uma aparência de vida, enquanto que os outros são de nascença seres inexistentes, homens mortos. Estão todos embaraçados nos seus interesses sórdidos de vaidade ou do dinheiro e unicamente preocupados com os seus quotidianos, ignoram mesmo tudo da vida e o que se passa á volta deles, a ponto que, se não tivessem ouvido falar um pouco na escola da história e da evolução das ideias, acreditariam provavelmente que o mundo nunca teria sido outro do que é agora. São naturezas mortas, sombras que não podem ser nem úteis, nem nocivas; não temos nada a temer delas, porque só o que é vivo é que pode agir e como já passou de moda ter comércio com sombras, não queremos perder o nosso tempo com eles.


Mas há ainda uma terceira categoria de adversários do princípio da Revolução: é o partido reaccionário surgido pouco depois da Restauração em toda Europa e que se chama conservadorismo em política, escola histórica na ciência do direito, e filosofia positiva nas ciências especulativas. Temos a intenção de discutir com este partido, e seria absurdo da nossa parte, ignorar a sua existência e considerá-lo como insignificante; reconhecemos ao contrário, sinceramente que é agora, em todo o lado, o partido dirigente, e, bem mais, estamos prestes a conceder-lhe que a sua força presente não é um jogo do acaso, mas que tem as suas raízes profundas na evolução do espírito moderno. Em geral, não reconheço, ao acaso, uma influência real sobre a história; a história é um desenvolvimento livre, mas também necessário, do pensamento livre, de maneira que se atribuísse, ao acaso, a preponderância actual do partido reaccionário, eu prestaria o pior serviço à profissão de fé democrática que se funda unicamente sobre a liberdade absoluta do pensamento. Isto seria tanto mais perigoso, para nós, de nos adormecer numa quietude nefasta e mentirosa, que infelizmente, até ao presente, estamos ainda muito longe de compreender a nossa situação. Perigo tanto maior que, no desconhecimento, o que não é muito frequente, da verdadeira origem da nossa força e da natureza do nosso inimigo, acabrunhados pelo triste espectáculo da vulgaridade, nós podemos perder toda a nossa coragem, ou — o que é talvez, pior — como o desespero não pode durar num ser cheio de vida, restar atormentado por um temor injustificado, infantil e estéril.


PARTIDO DEMOCRÁTICO

E PARTIDO REACCIONÁRIO


Nada pode ser mais útil ao partido democrático que conhecer a sua fraqueza momentânea e a força relativa dos seus adversários. Este conhecimento fá-lo sair, primeiramente da onda de imaginação e entrar nessa realidade onde deve viver, sofrer e finalmente vencer. Torna o seu entusiasmo reflectido e modesto. Quando, por este doloroso contacto com a realidade, tiver tomado consciência da sua missão sagrada e sacerdotal; quando for atormentado pelas inumeráveis dificuldades que se levantam em toda a parte sobre o seu caminho e que não têm o seu manancial — como frequentemente o partido democrático parece julgá-lo — no obscurantismo dos seus adversários, mas antes na riqueza e na complexidade da natureza humana que resiste às teorias abstractas; logo que estas dificuldades lhe façam conhecer, e em seguida, compreender as imperfeições de toda o sua existência presente e lhe tenham mostrado que o seu inimigo não está somente fora dele, mas também e, sobretudo, nele mesmo e que, depois, deve começar a vencer este inimigo imanente; logo que tenha adquirido a convicção de que a democracia não consiste somente numa oposição aos governantes, não é uma reforma particular constitucional, política ou económica, mas que anuncia uma transformação total da estrutura actual do mundo e uma vida essencialmente nova desconhecida até agora na história; logo que tudo isto o tenha convencido que a democracia é uma religião, logo que esta concepção o tenha tornado a ele mesmo, religioso, quer dizer, não somente convencido do seu principio em pensamento e em raciocínio, mas também fiel a este princípio na vida real, até nas mais pequenas manifestações — então, e só então, o partido democrático abancará sobre o mundo uma vitória efectiva.


Reconhecemos, portanto, sinceramente que a força actual do partido reaccionário não é fato do acaso, mas é uma necessidade histórica. Não tem a sua origem na imperfeição do princípio democrático: este é, na realidade, a igualdade entre os homens realizando-se em liberdade, mas é também esta identidade do espírito, a mais profunda, a mais geral, a mais universal, numa palavra esta identidade única que se manifesta na história. Esta força do partido reaccionário é o efeito da imperfeição do partido democrático que não é ainda bem sucedido na consciência afirmativa do seu princípio e, por consequência, não existe senão como negação da realidade presente. Mas não sendo senão negação, mantém-se, primeiro, necessariamente alheio a esta plenitude da vida, de que não pode ainda compreender o desenvolvimento a partir de um princípio concebido por ele sob uma forma quase unicamente negativa. É porque, até agora, ele é apenas um partido e não ainda essa realidade viva que é o futuro e não o presente. Como os democratas formam somente um partido (e ainda, a julgar pelas manifestações exteriores da sua existência, um fraco partido), como o facto de não ser senão um partido suposto, e oposto a eles, um outro partido potente, isto só devia esclarecer os democratas sobre as suas próprias imperfeições que residem essencialmente neles.


Segundo a sua natureza e o seu princípio, o partido democrático aspira ao geral e ao universal, mas segundo a sua existência, enquanto partido, é somente qualquer coisa de particular — o negativo— opondo-se a qualquer outra coisa de particular — o positivo. Toda a importância e toda a força irresistível do negativo consistindo no aniquilamento do positivo, mas, ao mesmo tempo que o positivo, o negativo breve na sua ruína, devido à sua natureza particular, imperfeito e inadaptado à sua essência. O partido democrático não existe como tal, na plenitude da sua afirmação, mas somente como a negação do positivo: é porque deve, nesta forma imperfeita, desaparecer ao mesmo tempo que o positivo, para renascer espontaneamente sob uma forma regenerada e na plenitude viva do seu ser. Assim, o partido democrático torna-se nele mesmo e esta transformação não é somente quantitativa, não é um simples alargamento da sua existência actual imperfeita: Deus nos guarde! Porque um tal alargamento conduziria e uma humilhação universal e o termo final da história seria um nada absoluto. Esta transformação é, ao contrário, qualitativa, é uma revelação que vive e que anuncia a vida, é um novo céu e uma nova terra, um mundo jovem e magnífico, no qual todas as dissonâncias actuais se transformarão numa unidade harmoniosa.


É impossível corrigir as imperfeições do partido democrático pondo um termo ao carácter exclusivo da sua existência como partido por uma aparente conciliação com o positivo: seriam esforços vãos porque o positivo e o negativo são, uma vez por todas, incompatíveis. O negativo, pelo que se isole da sua oposição ao positivo e que se considere em si, parece ser em substância e sem vida. Esta inconsistência aparente é mesmo a censura capital que os positivos fazem aos democratas; esta censura repousa sobre um mal-entendido, porque o negativo não pode ser tomado isoladamente — não seria absolutamente nada! — mas somente na sua oposição ao positivo; todo o seu ser, o seu conteúdo, a sua vitalidade tendem para a destruição do positivo. “A propaganda revolucionária”, diz o Pentarque
[2], “é pela sua natureza íntima a negação das instituições existentes do Estado, porque o seu carácter mais autêntico não lhe pode determinar outro programa que a destruição de tudo o que existe”. Mas, então, é possível que o negativo, que toda a vida não tem por missão senão destruir, possa aparentemente coexistir com o que a sua natureza íntima o obriga a destruir? Só podem pensá-lo as pessoas sem chama e sem energia que não fazem uma ideia séria do positivo e do negativo.

O PARTIDO DEMOCRÁTICO PERANTE

OS REACCIONÁRIOS PUROS


No seio do partido reaccionário podem-se distinguir actualmente dois grupos principais; num figuram os reaccionários puros e consequentes, no outro os inconsequentes e conciliadores. Os primeiros concebem a oposição em toda sua pureza; sabem bem que não se pode mais conciliar o positivo e o negativo, como a água com o fogo; não vendo no negativo o lado afirmativo da sua natureza, não podem acreditá-lo e deduzem correctamente que o positivo não se pode manter senão pelo esmagamento total do negativo. Ao mesmo tempo, não dão conta que o positivo não é o mesmo positivo defendido por eles senão na medida em que o negativo se opõe ainda a ele; não vêem que, por consequência, se o positivo obtivesse uma vitória total sobre o negativo, seria, daqui para o futuro, fora da oposição, não seria mais o positivo, mas antes o fim do negativo: é preciso perdoar-se-lhes esta incompreensão, porque a cegueira é o carácter essencial de todo o positivo, enquanto que o discernimento é próprio só do negativo. Na nossa triste época sem consciência, numerosos são aqueles que pela covardia tentam esconder a eles mesmos as estritas consequências dos seus próprios princípios e esperam, assim, escapar ao risco de serem alterados no edifício artificial e frágil das suas pretensas convicções. Também é necessário dizer um muito obrigado a estes senhores, aos mais reaccionários. São sinceros, honestos e querem ser homens inteiros. Não se pode falar muito com eles, porque nunca se querem prestar a uma conversa razoável e, agora que o negativo divulgou, por toda a parte, o seu fermento de decomposição, é-lhes bem difícil, senão impossível, manterem-se no puro positivo: a tal ponto que lhes é necessário separarem-se da sua própria razão; é de ter medo deles mesmo e temer o menor ensaio de demonstração das suas convicções, o que ocasionará, com certeza, a sua refutação. Têm perfeita consciência disto: também substituem a palavra pela injúria…  Não são homens menos honestos e inteiros, ou, mais exactamente, querem ser homens honestos e inteiros. Têm como nós o ódio a toda a meia-medida, porque sabem que só um homem inteiro pode ser bom e que as meias-medidas são fonte envenenada de todo o mal.


Estes reaccionários fanáticos acusam-nos de heresia, e, se fosse possível, fariam surgir do arsenal da história a força oculta da Inquisição para a utilizar contra nós; eles negam-nos todo o sentimento bom ou humano e vêem em nós anticristos endurecidos que é permitido combater por todos os meios. Pagamos-lhes na mesma moeda? Não, seria indigno para nós e a grande causa que defendemos. O grande princípio ao serviço do qual nos pusémos dá-nos, entre outras vantagens, o bom privilégio de ser justos e imparciais sem para isso causar dano à nossa causa. Tudo o que repouse sobre um ponto de vista irredutível não pode utilizar como arma a verdade, porque a verdade está em contradição com todo o ponto de vista irredutível. Tudo o que é irredutível é forçosamente nas suas declarações parcial e fanático, porque não pode afirmar-se senão pela supressão brutal de todos os outros pontos de vista irredutíveis que lhe são opostos e que são justificados tanto como ele. Um ponto de vista irredutível, pelo único facto de existir, supõe que existem outros que deva, em razão da sua natureza particular, eliminar para se manter. Esta contradição é a maldição que pesa sobre ele, uma maldição que trás em si e que muda em ódio a expressão de todos os bons sentimentos inatos em todo o homem considerado como tal.


Somos, de certo modo, infinitamente mais felizes; certamente, como partido, opomo-nos aos positivistas, combatemo-los, e esta luta acorda em todos nós as más paixões; o facto de pertencermos, nós mesmos, a um partido torna-nos também frequentemente parciais e injustos. Mas não somos somente este partido negativo oposto ao positivo; a nossa fonte de vida, é o principio universal da liberdade absoluta, um principio que oculta nele tudo o que tem de bom no positivo e que está por cima do positivo, como também por cima de nós, considerados como partido. Enquanto partido fazemos somente política, mas não encontramos a nossa justificação senão no nosso princípio, senão a nossa causa não seria melhor que aquela do positivo, e é-nos necessário, para a nossa própria conservação, ficar fiel ao nosso princípio como inimigos da religião cristã — é só conosco que está dizer, elevarmo-nos continuamente desta existência estreita e somente política até à religião do nosso princípio universal e aberto sobre a vida. Devemos agir não só politicamente, mas também na nossa política religiosamente, o que significa ter a religião da liberdade de que a única expressão autêntica é a justiça e o amor. Sim, é conosco — tratam-nos como inimigos da religião cristã — é só conosco que está reservada esta tarefa de que fazemos dever supremo: praticar efectivamente o amor mesmo nos combates mais obstinados, este amor que é o mais alto poder do Cristo e o princípio único do verdadeiro cristianismo.


Procuramos ser justos mesmo perante os nossos inimigos, e reconhecemos voluntariamente que eles se esforçam de querer realmente o bem, e mais, que a sua natureza os tinha destinado para o bem e para uma vida animada e que só um inconcebível golpe do destino os desviou da sua verdadeira vocação. Não falamos daqueles que só se juntaram ao seu partido para deixar o campo livre às suas más paixões: os tartufos, há infelizmente muitos em todos os partidos! Não falamos senão dos defensores sinceros do positivismo consequente, que se esforça por chegar ao bem sem ter a vontade de o realizar, e aí reside o seu grande infortúnio e a sua consciência é por isso dilacerada. Não vêem no principio da liberdade mais que uma fria e vulgar abstracção, na qual a vulgaridade e a secura de vários defensores deste princípio colaboraram activamente, uma abstracção vazia de toda a vida, de toda a beleza e de toda a santidade. Não compreendem que não se deve confundir este princípio com a sua forma actual, medíocre e totalmente negativa, e que não pode vencer e realizar-se se não for a viva afirmação de si mesmo suprimindo o negativo como também o positivo. A sua opinião, dividida ainda infelizmente por muitos dos aderentes do partido negativo, é que o negativo ensaia de se propapagar enquanto tal, e pensam, exactamente como nós que a difusão do negativo faria soçobrar na vulgaridade toda a sociedade intelectual. Ao mesmo tempo, os seus sentimentos espontâneos fazem-nos aspirar de pleno direito à plenitude de uma vida apaixonada e, não encontrando no negativo mais que a humilhação desta vida, retornam ao passado, ao passado tal como existia antes que surgisse a oposição entre o negativo e o positivo. Têm razão, na medida, em que esse passado era um todo animado de vida própria apresentando-se, como tal, bem mais vivo e mais rico que o presente dilacerado pelas suas contradições. Mas cometem um grande erro quando pensam poder ressuscitar esse passado tão vivo; esquecem que a plenitude do passado só lhes pode surgir sob a forma de uma imagem desunida e quebrada no espelho das contradições actuais que fatalmente engendraram, e que este passado, pertencendo ao positivo, não é mais que um cadáver sem alma abandonado as leis mecânicas e químicas da reflexão. Adeptos do um positivismo cego, não compreendem isto, se bem que os seres vivos, em razão da sua própria natureza, ressintam perfeitamente esta falta de vida; e como eles não sabem que, pelo só facto de serem positivos suportavam deles o negativo, rejeitam para o negativo toda  responsabilidade desta falta de vida; o seu impulso para a vida e a verdade, incapaz de se satisfazer, mudou em ódio e fazem pesei o peso deste fracasso sobre o negativo. Tal é necessariamente, em todo o positivista consequente, o desenrolar interno dos seus sentimentos: isto porque a meu ver são verdadeiramente de lastimar, tendo os seus esforços uma origem quase sempre honesta.

O PARTIDO DEMOCRÁTICO PERANTE OS REACCIONÁRIOS CONCILIADORES


Os positivistas conciliadores têm uma outra posição: distinguem-se dos positivistas consequentes de duas maneiras: mais corrompidos que estes últimos pela falsa visão que têm da nossa época, não somente rejeitam pura e simplesmente o negativo como um mal absoluto, mas acordam-lhe mesmo uma justificação relativa e momentânea; e por outra parte, não possuem a mesma pureza cheia de energia, esta pureza à qual aspiram, ao menos, os positivistas consequentes e intransigentes e que assinalamos como o indício de uma natureza inteira, rica e honesta. Podemos definir o ponto de vista dos conciliadores como o da desonestidade no domínio da teoria; digo bem: da teoria, porque prefiro evitar toda a acusação contra os actos ou pessoas e porque não acredito que, na evolução dos espíritos, uma má vontade pessoal possa intervir para o entravar; contudo, é necessário reconhecer que a desonestidade teórica, em razão da sua própria natureza, leva necessariamente quase sempre à desonestidade prática.


Os positivistas conciliadores têm mais inteligência e penetração que os consequentes; são os inteligentes e os teóricos por excelência e, nesta medida, os principais representantes da época actual. Poderíamos aplicar-lhes o que, no começo da revolução de Julho, dizia um jornal francês o “Juste Milieu”. “O lado esquerdo diz: dois vezes dois, fazem quatro; o lado direito: dois vezes dois, fazem seis… e o justo centro diz: dois vezes dois, fazem cinco.” Mas achariam isto ruim! Vamos também tentar estudar muito seriamente a sua natureza confusa e difícil e com o mais profundo respeito pela sua sabedoria. É muito mais penoso dar razão aos conciliadores que aos consequentes. Estes últimos manifestam nos seus actos a força das suas convicções, sabem o que querem e falam claramente, e odeiam, tal como nós, toda a indecisão, toda a obscuridade porque as suas naturezas enérgicas na acção não podem respirar livremente senão no ar puro e luminoso. Mas com os conciliadores, é outro negócio! São indivíduos maliciosos, oh! são inteligentes e prudentes! Nunca permitem na prática à paixão da verdade destruir o edifício artificial das suas teorias; são muito experimentados, muito inteligentes para dar ouvidos à voz imperativa da simples consciência prática. Seguros dos seus pontos de vista, lançam sobre ela olhares cheios de distinção, e quando dizemos que só o que é simples é verdadeiro e real, porque só ele pode jogar um papel criador, eles pretendem, ao contrário, que só o complexo é verdadeiro: tiveram, na realidade as maiores dificuldades em o remendar e é o único sinal que permite distingui-los, a eles, os indivíduos inteligentes, da plebe imbecil e inculta (e é bem difícil vencer estes indivíduos porque, precisamente, sabem tudo!). Outras razões da sua atitude: sendo hábeis políticos, resistem a uma imperdoável fraqueza de serem tomados de imprevisto por qualquer acontecimento; enfim, ajudados pela reflexão, deslizaram em todos os recantos do mundo da natureza e do espírito e, depois desta longa e penosa viagem intelectual, adquiriram a convicção de que não vale a pena manter contactos ardentes com o mundo real. Com estes indivíduos é difícil tirar alguma coisa a claro, porque, assim como as constituições alemãs, tomam com a mão direita o que dão com a esquerda; nunca respondem com um sim, ou um não, dizem: “Numa certa medida vocês têm razão, mas contudo …”, e quando não têm argumentos dizem então: “Sim, é uma questão delicada.”


E, contudo, desejamos experimentar entrar em relações com o partido dos conciliadores que, apesar da inconsciência da sua doutrina e incapacidade de jogar um papel de direcção, é actualmente um partido forte, mesmo o mais forte, se tivermos em conta, bem entendido, o número e não as ideias. A sua existência é um sinal do tempo, e um dos mais importantes: também não é permitido ignorar este partido ou passá-lo sob silêncio.


DISCUSSÃO DA NATUREZA LÓGICA

DA CONTRADIÇÃO


Toda a sabedoria dos conciliadores consiste em pretender que duas tendências opostas, pelo facto mesmo da sua posição, são exclusivas e, por consequência, falsas, e se os dois termos da contradição, tomados no abstracto, são falsos, é necessário, portanto, que a verdade esteja entre os dois, á necessário conciliar os contrários para chegar à verdade. À primeira vista, este raciocínio parece irrefutável; nós mesmos admitimos o carácter exclusivo do negativo enquanto ele se opuser ao positivo e que nesta oposição relacione tudo consigo. Não resultará daqui que se realize e se complete essencialmente no positivo? E os conciliadores não têm razão de querer conciliar o positivo e o negativo? De acordo, se esta conciliação for possível: mas será verdadeiramente possível? A única razão de ser do negativo não é a destruição do positivo? Logo que os conciliadores fundam o seu ponto de vista sobre a natureza da contradição, quer dizer, sobre o facto que duas exclusividades opostas se supõem, enquanto tais, adversários, é-lhes necessário então permitir e aceitar que esta natureza toma toda a sua extensão; é-lhes necessário também, em razão das consequências que isto arrasta para eles, ficar fiéis ao seu ponto de vista, visto que a face da contradição que lhes é favorável é inseparável daquela que lhes é desfavorável. Ora, o que é desfavorável para eles é que a existência de um termo da contradição supõe a existência do outro: e isto não é qualquer coisa de positivo, mas bem de negativo e de destruição, É necessário chamar a atenção destes senhores sobre a lógica de Hegel onde ele faz um estudo tão notável sobre a categoria da contradição.


A contradição e o seu desenvolvimento imamente formam um dos nós principais de todo o sistema hegeliano, e como esta categoria é a categoria principal, a característica principal da nossa época, Hegel é sem réplica o maior filósofo do nosso tempo, o mais alto cume da nossa cultura moderna considerada unicamente do ponto de vista teórico. E precisamente, porque ele é este cume, porque compreendeu esta categoria e, por consequência a analisou, precisamente ele está na origem de uma necessária auto-decomposição da cultura moderna. Certamente, no princípio, era ainda prisioneiro da teoria, mas porque ele é este cume, evadiu-se, está por cima dela e postula um novo mundo prático; um mundo que não se realizará, em caso algum, pela aplicação formal e a extensão de teorias feitas, mas somente por uma acção espontânea do espírito prático autónomo. A contradição é a essência a mais íntima, não somente de toda a teoria determinada ou particular, mas ainda da teoria em geral; e assim, o momento em que a teoria é compreendida é também, ao mesmo tempo, quando o seu papel acabou. Devido a este contributo a teoria transforma-se num mundo novo prático e espontâneo, na presença real da liberdade. Mas não é aqui o lugar para desenvolver longamente esta questão, e queremos ainda, mais uma vez, debruçarmo-nos sobre a discussão da natureza lógica da contradição.


A própria contradição, enquanto tal, inclui os dois termos exclusivos num e no outro, é total, absoluta, verdadeira; não se lhe pode censurar esta natureza exclusiva à qual está necessariamente ligado um carácter superficial e estreito, porque ela não é somente o negativo, mas é também o positivo e, englobando-o inteiramente, é a plenitude total, absoluta, não deixando nada fora dela. E isto autoriza os conciliadores a exigir que não se retenha abstractamente só um dos dois termos em exclusivo, mas que, respeitando o laço necessário e indissolúvel que os une, se apreendam na sua totalidade: “Só a contradição á verdadeira”, dizem eles: “cada um dos termos opostos, tomados em si, é exclusivo e, portanto, falso; resulta que devemos compreender a contradição na sua totalidade para conhecermos a verdade”. Mas é precisamente aqui que começa a dificuldade: a contradição é bem a verdade, mas não existe como tal, ela não é como a totalidade, é somente uma totalidade em si e escondida, e a sua existência nasce precisamente da oposição e da divisão dos seus dois termos: o positivo e o negativo. A contradição, enquanto que verdade total, é a união indissolúvel da sua simplicidade e da sua própria divisão num princípio único. É essa a sua natureza em si, a sua natureza escondida que, por consequência, o espírito não pode imediatamente apreender, e precisamente porque esta união está escondida, a contradição só existe unicamente sob a forma da divisão dos seus termos e não é mais que a adição do positivo e do negativo; ora, estes termos excluem-se um ao outro tão categoricamente que esta exclusão recíproca constitui toda a sua natureza. Mas então como compreender a contradição na sua totalidade? Restam-nos, parece, duas saídas: ou bem que arbitrariamente é preciso fazer a abstracção da divisão refugiar-se nesta totalidade da contradição, totalidade simples e precedente da divisão — mas isto á impossível, porque o que escapa à compreensão nunca pode ser compreendido pelo espírito e porque a contradição, como tal, não tem existência imediata senão como divisão dos seus termos, e sem estar não existe; ou bem que é preciso procurar conciliar os termos opostos com um cuidado maternal, e é nisto que se esforça a escola conciliadora: vamos ver se tem êxito.


CARACTERES DO POSITIVO E DO NEGATIVO:
PREPONDERÂNCIA DO NEGATIVO


O positivo parece ser, primeiramente, o elemento calmo e imóvel; e mesmo é positivo unicamente porque nele não repousa nenhuma causa de perturbação e não há nada nele que possa ser uma negação, porque, enfim, no interior do positivo não há nenhum movimento, visto que todo o movimento é uma negação. Mas precisamente o positivo é tal que nele a ausência de movimento está estabelecida como tal, e assim, tomado em si, tem por imagem a ausência total do movimento; ora, a imagem que evoca em nós a imobilidade está indissoluvelmente ligada à do movimento, ou antes, elas não são mais que uma só e mesma imagem, e assim o positivo, repouso absoluto, só é positivo em oposição ao negativo, agitação absoluta. A situação do positivo relativamente ao negativo apresenta-se assim sob dois aspectos: de uma parte, traz consigo o repouso, e esta calma apática que o caracteriza não tem qualquer traço do negativo, em si; de outra parte, para conservar este repouso, afasta energicamente dele o negativo, como se tivesse qualquer coisa de oposto ao negativo. Mas a actividade que desenvolve para excluir o negativo é um movimento, e assim o positivo, tomado em si mesmo e precisamente por causa da sua positividade, já não é mais o positivo, mas o negativo; eliminando dele o negativo, elimina-se a ele próprio e corre para a sua própria perda.


O positivo e o negativo não são, em consequência, iguais em direitos como o pensam os conciliadores; a contradição não é um equilíbrio, mas uma preponderância do negativo. O negativo é, portanto, o factor dominante da contradição, determina a existência do positivo e encerra só em si a totalidade da contradição: é também ele o único que está autorizado, por direito, de uma maneira absoluta. Talvez me objectem não termos admitido que o negativo considerado abstractamente é tão exclusivo como o positivo e que o alargamento da sua existência actual imperfeita conduzirá a um achatamento universal? Sim! mas falei somente da existência actual do negativo, falei do negativo que, afastado do positivo, dobra-se pacificamente sobre si mesmo e, assim toma os caracteres do positivo. E como tal, é negado pelo positivo, e os positivistas consequentes, negando a existência do negativo e o seu pacífico comportamento executam ao mesmo tempo uma função lógica e sagrada… sem, aliás, saber o que fazem. Julgam negar o negativo, e ao contrário, negam o negativo unicamente na medida em que se identifica com o positivo; acordam o negativo deste repouso de bom burguês para que não está destinado e reconduzem-no à sua grande vocação: sem descanso e sem reservas, destruir tudo o que tiver uma existência positiva.


Reconheçamos que o positivo e o negativo têm direitos iguais, mas este último dobra-se sobre si próprio pacifica e egoisticamente e, assim, é infiel à sua missão. Mas o negativo não deve ser egoísta, deve-se dar com amor ao positivo para o absorver e, neste acto de destruição religioso, cheio de fé e de vida, revelar a sua natureza íntima inesgotável e cheia de futuro. O positivo é negado pelo negativo e, inversamente, o negativo pelo positivo; portanto, o que é comum a ambos e quem os domina? O facto de negar, de destruir, de absorver apaixonadamente o positivo, mesmo quando este procura com astúcia esconder-se sob os traços do negativo. O negativo encontra a sua justificação nesta negação radical —  e como tal está absolutamente justificado: é, na realidade, por ele que age o espírito prático bem presente como invisível na contradição, o espírito que, por esta tempestade de destruição, exorta ardentemente à penitência das almas pecadoras dos conciliadores e anuncia a sua vinda próxima, a sua Revolução próxima numa Igreja da Liberdade verdadeiramente democrata e aberta à humanidade universal.

Esta auto-decomposição do positivo é a única conciliação possível entre o positivo e o negativo, porque este último é ele mesmo, de maneira imanente e total, o movimento e a energia da contradição. Assim, qualquer outro modo de conciliação é arbitrário, e todos aqueles que tendem para uma conciliação demonstram somente pela mesma que não estão penetrados pelo espírito do tempo e que são estúpidos, ou sem carácter: não se é, na realidade, verdadeiramente inteligente e moral se se abandona por completo este espírito e se se é penetrado por ele. A contradição é total e verdadeira: mesmo os conciliadores o reconhecem. Sendo total é animada por uma vida intensa, e desta vida que abraça extrai precisamente a sua energia, do positivo ardente na chama pura do negativo.


ARGUMENTOS DOS CONCILIADORES E CRÍTICA

DESTES ARGUMENTOS


Que fazem então os conciliadores? Concedem-nos tudo isto, reconhecem, como nós, o carácter total da contradição, com a diferença de que a despojam — ou antes, querem despojá-la — do seu movimento, da sua vitalidade e da sua alma inteiramente: esta vitalidade, na realidade, é uma força prática, incompatível com as suas alminhas impotentes, e por isso mesmo acima de tudo o que possam tentar para a sufocar. Já dissémos e demonstrámos que o positivo, tomado em si mesmo, está privado de todos os direitos: não se justifica senão na medida em que opõe a sua recusa à quietude do negativo e a toda a relação como ele, em que afasta de si o negativo categoricamente e sem reservas e mantém assim a sua actividade, na medida, enfim, em que se transforma num negativo activo. Esta actividade que consigo carrega a negação, à qual os positivistas se elevam graças à potência invencível da contradição e à sua presença invisível em todas as naturezas vivas, esta actividade que constitui a única justificação dos positivistas e o único sinal da sua vitalidade, é ela precisamente que os conciliadores querem proibir. Por uma desgraça singular e incompreensível, ou antes, em razão desta desgraça perfeitamente compreensível que nasce da sua falta de carácter e da sua importância na vida prática, não conhecem nos elementos positivos senão
o que neles há de morto, de apodrecido, e dedicados à destruição recusam o que cria toda a sua vitalidade: a luta viva com o negativo, a presença da contradição.

E vejamos o que dizem aos positivistas: “Senhores, vocês têm razão em conservar os restos apodrecidos e ressecados pela tradição. Como a vida é bela e agradável nas ruínas, neste mundo absurdo da rococó cujo ar, para os nossos espíritos anémicos, é tão saudável como o ar de um estábulo para os corpos anêmicos. No que nos diz respeito, nós ter-nos-íamos estabelecido com a maior alegria no vosso mundo, num mundo onde o Verdadeiro e o Sagrado não se avaliem à escala da razão e das decisões razoáveis da vontade humana, mas àquela da longa duração e da imobilidade, um mundo como, em consequência, é certamente a China com os seus mandarins e os seus bestonados para a Verdade absoluta. Mas, o que é preciso fazer agora, senhores? Vivemos dos tristes tempos, nossos inimigos comuns, os negativos, ganharam muito terreno. Á nossa raiva para com eles é também forte, senão mais forte que a vossa, porque eles se permitem nos seus excessos desprezar-nos. Mas tornaram-se fortes e é-nos necessário — quer queiramos, quer não — levá-los em consideração, sob pena de sermos inteiramente destruídos por eles. Não sejam, portanto, tão fanáticos, senhores, concedam-lhes um lugarzito na vossa sociedade. Que vos importa se, no vosso museu histórico, eles tomam o lugar frequentemente de ruínas, aliás muito veneráveis mas completamente arruinados? Acreditem-nos: contentíssimos da honra que assim lhes testemunhais, conduzir-se-ão na vossa respeitável sociedade com muita calma e discrição. Não são, afinal de contas, senão indivíduos jovens tornados amargos pela necessidade e a falta de uma situação isenta de cuidados: é a única razão dos seus gritos a de todo o barulho que fazem, esperançados por adquirirem uma certa importância e obterem um lugar agradável na sociedade.”


Depois voltam-se para os negativistas e dizem-lhes: “Senhores as vossas aspirações são nobres! Compreendendo o vosso entusiasmo juvenil pelos puros princípios temos por vós a maior simpatia; mas, acreditem-nos, os puros princípios são na sua pureza inaplicáveis á vida; é necessário para viver ter uma certa dose de eclectismo, o mundo não se deixa guiar segundo os vossos desejos e é preciso ceder-lhe sobre certos pontos para poder exercer sobre ele uma acção eficaz: senão a vossa situação no mundo estará completamente perdida”. Os conciliadores parecem-se com os judeus polacos que, diz-se, aquando da última guerra da Polónia, queriam prestar serviços aos dois partidos em luta, aos polacos e aos russos, e foram pendurados por um e por outro; da mesma maneira, estes infelizes atormentem-se com o seu empreendimento impossível de conciliação exterior e, em agradecimento, são desprezados pelos dois partidos. É somente deplorável que na época actual falte tanta força e energia para fazer sua a lei de Sólon!
[3]


”Não passam de frases!” dirão; “os conciliadores são indivíduos, na maior parte, honrosos e tendo uma formação científica há entre eles um grande número de pessoas universalmente consideradas e altamente colocadas, e vocês apresentam-os como indivíduos sem discernimento e sem carácter!” Que posso contra isso, se isso é verdade? Não me quero entregar a qualquer ataque pessoal; os sentimentos íntimos de um indivíduo são para mim uma coisa santa e inviolável, qualquer coisa de incomensurável sobre a qual nunca me permitiria fazer um julgamento; eles podem ter para o indivíduo um valor imenso, mas, na realidade, para o mundo eles existem, na medida em que se manifestam, e o mundo vê-os tal como eles se manifestam. Todo o homem é realmente o que é no mundo real, é-me impossível chamar branco ao que é preto.


Sim, responderão, as aspirações dos conciliadores parecem-nos negras, ou mais exactamente acinzentadas; na realidade, querem somente o progresso, tendem para ele e favorizam-no mais que vós mesmos, metendo-se ao trabalho com prudência e não com a presunção dos democratas que procuram fazer saltar o mundo inteiro. Mas já vimos o que é este pretendido progresso visado pelos conciliadores, já vimos que eles não querem, no fundo nada que não seja abafar o único princípio vivo da nossa época, aliás, tão miserável, o princípio criador e rico de futuro do movimento que desintegra todas as coisas. Vêem tão bem como nós que o nosso tempo é o da contradição; admitem que é uma situação difícil e cheia de tumultos, mas no lugar de a deixarem evoluir, sob o efeito da contradição levada ao seu termo, para uma realidade nova, afirmativa e orgânica, querem manter eternamente esta situação, tão miserável e tão débil na sua existência presente, através duma infinidade de reformas graduais. É isto progresso? Eles dizem aos positivos: “Conservais o que é velho, mas permiti ao mesmo tempo aos negativos desagregá-lo pouco a pouco”. E aos negativos; “Destrui o que é velho, mas não de um só golpe nem totalmente, afim que possais ter sempre qualquer obra a fazer; quer dizer, ficai cada um na vossa exclusividade, enquanto que nós os Eleitos, guardaremos para nós o usufruto da totalidade!” Miserável totalidade que somente pode satisfazer os espíritos miseráveis! Eles despojam a contradição da sua alma prática e sempre em movimento e regozijam-se de poder, em seguida, tratá-la segundo a sua fantasia. A grande contradição actual não é para eles uma força prática do tempo presente, à qual todo o ser vivo deve abandonar-se para conservar a sua vitalidade, mas um simples brinquedo teórico. Não estão penetrados pelo espírito prático do tempo e são, por esta razão, indivíduos sem moralidade; sim, sem moralidade! eles que se vangloriam da tal forma da sua moralidade! Porque fora desta igreja da humanidade livre não haveria possibilidade de haver moralidade, sem a qual não há salvação! É preciso repetir-lhes o que o autor do Apocalipse diz aos conciliadores do seu tempo
[4];

 “Conheço a tua conduta; não és nem trio, nem quente – não és nem uma coisa, nem outra!

 Assim, já que estás tépido, nem quente nem trio, vou vomitar-te da minha boca.

 Tu imaginas-te: eis-me rico, enriqueci-me e nada me falta; mas tu não o vês; és tu que és infeliz, piedoso, pobre, cego e nu.”

Mas” dir-me-ão, “não irão cair, com a vossa separação absoluta dos extremos, neste ponto de vista abstracto desde há muito tempo superado por Shelling e Hegel? E este mesmo Hegel que tendes em tão alta consideração, não remarcou justamente que na luz pura se vê tão pouco como na obscuridade pura, e que só a união concreta dos dois torna a visão geralmente possível? E o grande mérito de Hegel não é de ter demonstrado que todo o ser vivo não vive se não possuir a sua negação não exteriormente a ele, mas nele como uma condição vital imanente, e que se fosse somente positivo e tivesse a sua negação exteriormente a ele, seria privado de movimento e de vida?”. Sei-o muito bem, senhores! Admito que, por exemplo, um organismo vivo não vive se não traz o germe da sua morte. Mas se querem citar Hegel, é necessário fazê-lo integralmente. Vereis então que o negativo não é condição vital dum determinado organismo senão durante o tempo em que aparece nesse organismo como factor mantido na sua totalidade. Vereis que chega um momento onde a acção gradual do negativo é bruscamente quebrada, transformando-se em principio independente, que este instante significa a morte deste organismo e que a filosofia de Hegel caracteriza este momento como a passagem da natureza a um mundo qualitativamente novo, ao mundo livro do espírito.

CONTRADIÇÃO SEMPRE MAIS AGUDA ENTRE

NÃO-LIBERDADE E LIBERDADE
DECOMPOSIÇÃO DAS IGREJAS E DOS ESTADOS

 Os mesmos factos reproduzem-se na história; por exemplo, o princípio da liberdade teórica despertou no mundo católico do passado desde os primeiros anos da sua existência. Este princípio foi a fonte de todas as heresias tão numerosas no catolicismo. Sem este princípio, o catolicismo teria permanecido congelado; foi, portanto, ao mesmo tempo o princípio da sua vitalidade, mas somente, enquanto foi mantido na sua totalidade como um factor simples. E assim o protestantismo fez, pouco a pouco, a sua aparição; a sua origem remonta mesmo à origem do catolicismo, mas um dia a sua progressão cessou bruscamente de ser gradual e o princípio da liberdade teórica elevou-se até se tornar um princípio autónomo e independente. É somente então que a contradição aparece na sua pureza, e vós bem o sabeis, senhores, vós que vos dizeis protestantes, o que Lutero respondeu aos conciliadores do seu tempo quando lhe vieram propor os seus serviços.


Como vemos, a ideia que faço sobre a natureza da contradição presta-se a uma confirmação não somente lógica, mas também histórica. Sei que nenhuma demonstração tem efeito sobre vós, porque, sendo sem vida, vós tendes como ocupação preferida o domínio da história, e não é sem razão que vos consideraram arrumadores insensibilizados! “Não estamos ainda vencidos” talvez me respondam os conciliadores; “tudo o que dizeis sobre a contradição é verdadeiro; mas há uma coisa com que não podemos estar de acordo, é que a situação actual esteja tão má como a pretendeis. Há contradições na nossa época, mas não são tão perigosas como vós o assegurais. Vejamos, em toda a parte reina a calma, em toda a parte a agitação está sossegada, ninguém pensa na guerra e a maioria da nações e dos homens vivos actualmente empregam todas as suas forças para manter a paz; é que eles sabem que, sem a paz, não podem ser favorecidos os seus interesses materiais, que parece terem-se tornado o principal negócio da política e do mundo civilizado. Que excelentes ocasiões apareceram para fazer a guerra e para destruir o regime existente, desde a revolução de Julho até aos nossos dias! Durante estes doze anos produziram-se tais complicações que nunca se acreditou ser possível a sua solução pacífica, houve tantos momentos em que um conflito geral parecia inevitável e que as mais terríveis tempestades nos ameaçavam: e, entretanto, as dificuldades, pouco a pouco, desapareceram, tudo ficou tranquilo e a paz parece ter-se estabelecido para sempre sobre a terra”!


A paz, dizeis vós: como se se pudesse chamar paz a isto! Sustento, ao contrário, que nunca as contradições estiveram tão acentuadas como no presente; afirmo que a eterna contradição que existe desde sempre, mas que, durante a história, não fez mais que crescer e desenvolver-se esta contradição entre a liberdade e a não-liberdade, tomou o seu impulso no nosso tempo tão análogo aos períodos da decomposição do mundo pagão e atingiu o apogeu! Não leram sobre o frontão do templo da Liberdade erigido pela Revolução estas palavras misteriosas e terríveis: Liberdade, Igualdade, Fraternidade? Não sabeis e não sentis que estas palavras significam a destruição total da presente ordem política e social? Nunca ouviram dizer que Napoleão, esse pretenso vencedor dos princípios democráticos, tem, como filho digno da Revolução, propagado por toda a Europa, pela sua mão vitoriosa, os princípios igualitários? Talvez ignorais tudo sobre Kant, Fichte, Schelling e Hegel, e não sabeis verdadeiramente nada de uma filosofia que, no mundo intelectual, estabeleceu o princípio da autonomia do espírito, idêntico ao princípio igualitário da Revolução? Não compreendeis que este princípio está em contradição absoluta com todas as religiões positivas actuais, com todas as Igrejas existentes?


”Sim”, respondeis, “mas estas contradições são justamente da história antiga; em França, a revolução foi vencida pelo sábio governo de Louis-Philippe, e foi Schelling, ele próprio, que recentemente derrubou a filosofia moderna, quando tinha sido ele um dos seus maiores fundadores. Em toda a parte, e agora em todas as esferas da vida, a contradição será superada!” Acreditais verdadeiramente nesta resolução, nesta vitória sobre o espírito revolucionário? Sois, portanto, cegos ou surdos? Não tendes olhos nem orelhas para perceber o que progride à vossa volta? Não, senhores, o espírito revolucionário não foi vencido; a sua primeira aparição abalou o mundo inteiro até aos seus fundamentos, em seguida apenas se dobrou sobre si próprio, ocultou-se somente em si para pouco depois, de novo, se anunciar como o princípio afirmativo e criador, e escava agora sob a terra como uma toupeira, segundo a expressão de Hegei! Que não trabalha inutilmente, é o que mostram todas estas ruínas que juncam o solo do edifício religioso, político e social. E falais de superação da contradição e de reconciliação! Olhai à vossa volta e dizei-me o que ficou vivo do velho mundo católico e protestante? Falais de vitória sobre o princípio negativo! Não leram nada de Strauss, de Feuerbach e de Bruno Bauer, não sabeis que as suas obras estão em todas as mãos? Não vêem que toda a literatura alemã, todos os livros, jornais e brochuras estão penetrados por este espírito negativo e que mesmo as obras dos positivistas, inconsciente e involuntariamente, o estão também. E é a isto que chamais paz e reconciliação!


Sabemos que a humanidade, em razão da sua nobre missão, não pode encontrar a sua satisfação e o seu apaziguamento senão no princípio prático universal, num princípio que com força abraça a si as mil diversas manifestações da vida espiritual. Mas onde está este princípio, senhores? Entretanto, chegamos por vezes, durante a vossa existência ordinária tão triste, a viver instantes cheios de vida e de humanidade, desses instantes em que rejeitais para longe de vós os móveis mesquinhos que animam a vossa vida quotidiana e aspirais à verdade, a tudo o que é grande e santo; respondam-me então sinceramente, a mão sobre o coração: já encontrásteis em alguma parte qualquer coisa de vivo? Já alguma vez, entre as ruínas que nos rodeiam, descobriram este mundo tão desejado onde poderíeis renascer para uma nova vida num abandono total e numa comunhão perfeita com toda a humanidade? Seria isto, por acaso, o mundo do protestantismo? Mas esse está atormentado pelas mais horríveis desordens, e em quantas seitas diferentes não está ele dividido? “Sem um grande entusiasmo geral”, diz Schelling, “só há seitas, mas não há opinião pública”. E o mundo protestante actual está em mil lugares a ser penetrado por um tal entusiasmo, porque é o mundo mais prosaico que se possa imaginar. Seria isto, por acaso, o catolicismo? Mas onde está o seu antigo esplendor? Ele, que foi o mestre do mundo, não se tornou o instrumento submisso de uma política imoral, estranha aos seus princípios? Ou talvez encontreis a vossa satisfação no Estado tal como é presentemente? Pois bem! isto seria uma bonita satisfação! O Estado consagrou-se, agora, às contradições interiores mais extremas, porque o Estado sem religião e sem princípios sólidos comuns não pode viver. Se vos quereis convencer, olhai somente para a França e Inglaterra: prefiro não falar da Alemanha!

Olhai para vós mesmos, senhores, e digam-me sinceramente se estais contentes convosco e se vos é possível ser? Não vos pareceis todos, sem excepção, com os tristes e miseráveis fantasmas da nossa triste e miserável época? Não estais cheios de contradições? Sois homens inteiros? Acreditais verdadeiramente em alguma coisa? Sabeis o que quereis e, sobretudo, sois capazes de querer alguma coisa? O pensamento moderno, esta epidemia da nossa época, terá deixado viva uma só parte de vós, não vos penetrou até ao recôndito, paralisados e quebrados? Em verdade, senhores, é necessário que reconheçam que a nossa época é uma época miserável e que nós somos as crianças ainda mais miseráveis!

DA DESTRUIÇÃO DO VELHO MUNDO SURGIRÁ

UMA ORDEM NOVA


Mas por outro lado manifestam-se à nossa volto fenómenos precursores: são o sinal de que o Espírito, esta velha toupeira
[5], acabou o seu trabalho subterrâneo e irá
brevemente reaparecer para fazer a sua justiça. Formam-se, por todo o lado, e sobretudo em França e na Inglaterra, associações de tipo, ao mesmo tempo, socialista e religioso, que, inteiramente à parte do mundo político actual, irão buscar a sua vitalidade em fontes novas e desconhecidas, desenvolvendo-se e propagando-se secretamente. O povo, a classe das pessoas pobres que constituem sem dúvida alguma a imensa maioria da humanidade
[6], essa classe de que já se reconheceu os direitos em teoria, mas que o seu aparecimento e a sua situação de condenados, até ao presente, à miséria e à ignorância e, do mesmo modo, a uma escravidão de facto, esta classe que constitui o povo propriamente dito, toma por toda a parte uma atitude ofensiva; começa a enumerar os seus inimigos, cujas forças são inferiores às suas, e a reclamar a efectivação dos seus direitos que todos já lhe reconheceram. Todos os povos e todos os indivíduos estão plenos de um vago pressentimento, e todo o ser normalmente constituído espera ansiosamente este futuro próximo, onde serão pronunciadas as palavras libertadoras. Mesmo na Rússia, esse império imenso de estepes cobertas de neve que conhecemos tão pouco e a quem se abre talvez um grande futuro, mesmo nesta Rússia se amontoam nuvens escuras, precursoras da tempestade. Oh! a atmosfera sufoca o está cheia de tempestades!


[1] Bakunine referia-se, sem dúvida, à passagem do Evangelho segundo S. Mateus “Não é dizendo-me: Senhor! Senhor! que se entra ao reino dos céus, mas é fazendo a vontade de meu Pai que está nos céus” (A Bíblia, editada pela Escola Bíblica do Jerusalém — pág. 1298).

[2] Segundo uma nota de Rainer Beer (Bakounine — “Phllosophie der Tat”, Edições Hegner, em Colónia) este sobrenome, designaria um teórico do Direito, Fréderic Julius Stahl (1820-1861), um dos criadores desta concepção cristã-conservadora que concebe ao Estado e ao Direito uma origem divina

[3] Por volta da 594 a. o. Solon promulgou em Atenas ame isi surpreendente: perda parcial ou total dos direitos políticos (atimie) dos cidadãos culpados de abstenção política em caso de agitação ou da perigo necional Por volta de 454 a. o., depois de Marathon e antes da grande Invasão de Xerxes, esta lei tinha cado em desuso e para combater os sd,,ersár]os do rearmamento de Atenas, Thérmisrode lisa o ostracismo.

[4] As linhas que se seguem são extraídas do Apocalipse; cartas às Igreja da Ásia (Laodicée). O texto referido é reproduzido da Bíblia (Escola Bíblica de Jerusalém), pág. 623. O texto alemão de Bakunine está inteiramente conforme a tradução apresentada.

[5] Alusão e essa passagem de Haqel: -Frequentemente parece que o espirito esquece-se, perde-se; mas no interior está sempre em opoolçâo cora ele mesmo. é progresso interior, como Hemlat diz do eepprilo de seu pai- ‘Bom trabalho, velha toupeiral». até ao momento em que encontre nele mesmo tanta força para levantar a crosta terrestre que o separado sol”. Marx utilizou e mesma imagem: “Logo que a revolução tenha acabado o seu trabalho subterrâneo, a Europa saltará do seu lugar e rejubilará: “Bem escavado, velha toupeira!”

[6] Comparar Proudhon (“Filosofia do Progresso”, 1853): A classe assalariada, a mais numerosa e a mais pobre, tanto mais pobre do que numerosa.”

[Reino Unido] Os novos vizinhos da Rainha são anarquistas “5 estrelas”

[Espanha] Nem inocentes, nem culpados, somente anarquistas!

espanha-nem-inocentes-nem-culpad-1

 em 6 de abril de 2015

Na madrugada de 30 de março, por ordem do Tribunal nº 6 da Audiência Nacional de Espanha, foi realizada a Operação Piñata na qual foram registrados 17 lugares entre os quais se encontram centros sociais em Madri e Granada, assim como domicílios em Barcelona, Madri, Palencia e Granada. 39 pessoas foram detidas, 24 acusadas de resistência à autoridade e usurpação e as outras 13 acusadas de pertencer ou colaborar com os Grupos Anarquistas Coordenados.

A noite, 13 das pessoas detidas foram postas em liberdade com acusações de resistência e desobediência. 11 mais foram postas em liberdade com acusações de usurpação entre a segunda e a terça-feira. As 15 pessoas detidas restantes passaram à disposição da Audiência Nacional com acusações de pertencerem a “organização criminosa com fins terroristas”; depois da declaração, 10 delas foram postas em liberdade à espera de julgamento e 5 foram enviadas a prisão preventiva sem fiança.

Kike, Paul, Javier, Jorge e Javier são os nomes dos cinco companheiros que se encontram na prisão e são relacionados com “atos de coordenação e promoção de sabotagens”, danos em 114 caixas automáticos e estragos em sucursais bancárias; serão investigados também por sua suposta relação com os “artefatos” colocados na basílica do Pilar de Zaragoza e na Catedral da Almudena de Madri.

Esta operação é a continuação da Operação Pandora na qual no passado 14 de dezembro se irrompeu em 14 domicílios e centros sociais e onde se deteve a 11 anarquistas em Barcelona, Sabadell, Manresa e Madri. Sete deles estiveram um mês e meio em prisão preventiva e saíram depois de pagar uma fiança de 3.000 euros cada um.

É necessário recordar que estes supostos atentados em Zaragoza e Madri já resultaram em 55 detenções e 30 registros em 3 operações policiais contra o movimento libertário. Na anterior Operação Pandora as acusações eram tão surrealistas como irrisórias: posse de botijão de gás de camping em casa, ter contas do “Riseup”, atas de assembleias ou livros. Nesta ocasião uma das provas é posse de “dispositivos técnicos de aceso cifrado a WiFi para fazer anônima sua navegação na Internet”.

E não podemos esquecer que, por estes mesmos fatos, Mónica e Francisco continuam em prisão preventiva à espera de julgamento em regime FIES-3.

Os meios de comunicação se encarregam da criação de alarme social que justifique toda a maquinaria repressiva, suas leis são as que querem colocar-nos a mordaça da submissão e da obediência. Nós somos o inimigo a combater, mas nós…, nós não estamos dispostas a calar nem a olhar para o outro lado, sabemos que estas operações não só pretendem sequestrar a nossxs companheiros e companheiras, também estão projetadas para que com sua “onda expansiva” caiamos nas redes do medo e do silêncio que querem inocular-nos até a medula.

Hoje são cinco companheirxs mais xs que nos faltam, cinco companheirxs mais sequestradxs detrás dos muros. A nós cabe demostrar-lhes que não estão sós, deixar claro que sua prisão nos faz menos livres.

Ante isto, nós levantamos firme a cabeça, aguçamos o olhar e estendemos nossa mão para fazer efetiva nossa maior arma: A solidariedade e o apoio-mútuo.

Se tocam a uma, nos tocam a todas!!

Liberdade aos anarquistas presxs, aqui, e em qualquer outro lugar!!!!

Aderentes à Sexta Barcelona

adherentesalasextabcn.wordpress.com

Tradução > Sol de Abril

Conteúdo relacionado:

http://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2015/04/02/espanha-madri-antidisturbios-atacam-uma-concentracao-de-protesto-pela-operacion-pinata-varias-pessoas-feridas-e-6-detidas/

agência de notícias anarquistas-ana

festival de cores
e de excitantes sabores:
são frutas do outono

Otávio Coral

Os amigos de Hitler (Um texto de Eduardo Galeano)

Tradução por José Roberto de Luna, Maio de 2015.

Reproduzimos um esclarecedor texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, extraído de seu livro Espelhos: uma história quase universal. Galeano, com mãos de um cirurgião especialista, disseca e descreve a perfeita simbiose entra as grandes corporações capitalistas dos EUA e da Alemanha – de antes e de agora – que com a inestimável colaboração da Igreja Católica e dos bancos suíços abriram caminho para a ascensão do Nazi-fascismo e sua conquista da Europa… e para a maior hecatombe que já conheceu a história humana. Uma leitura necessária e muito recomendável de um dos ensaístas mais lúcidos do panorama literário atual em espanhol. [Os negritos são nossos]

“Os amigos de Adolf Hitler têm má memória, mas a aventura nazi não teria sido possível sem a ajuda que deles recebeu.

Como seus colegas Mussolini e Franco, Hitler contou com o precoce beneplácito* da Igreja Católica.

Hugo Boss vestiu seu exército.

Bertelsmann publicou as obras que instruíram seus oficiais.

Seus aviões voavam graças ao combustível da Standard Oil [hoje Exxon e Chevron], seus soldados viajavam em caminhões e jeeps da marca Ford.

Henry Ford, criador desses veículos e do livro O judeu internacional, foi sua musa inspiradora. Hitler agradeceu por tudo condecorando-o.

Também condecorou o presidente da IBM, a empresa que tornou possível a identificação dos judeus.

A Rockefeller Foundation financiou investigações raciais e racistas da medicina nazi.

Joe Kennedy, pai do presidente, era embaixador dos Estados Unidos em Londres, porém mais parecia embaixador da Alemanha. E Prescott Bush, pai e avô de presidentes, foi colaborador de Fritz Thyssen, quem pôs sua fortuna à disposição de Hitler.

O Deutsche Bank financiou a construção do campo de concentração de Auschwitz.

O consórcio IGFarben, o gigante da indústria química alemã, que depois passou a se chamar Bayer, Basf ou Hoechst, usava como ratos de laboratório os prisioneiros dos campos, e além disso os usava como mão de obra. Estes operários escravos produziam de tudo, incluindo o gás que ia matá-los.

Os prisioneiros trabalhavam também para outras empresas, como Krupp, Thyssen, Siemens, Vasrta, Bosch, Daimler Benz, Volkswagen e BMW, que eram a base econômica dos delírios Nazis.

Os bancos suíços ganharam uma nota preta comprando de Hitler o ouro de suas vítimas: suas joias e seus dentes. O ouro entrava na Suíça com assombrosa facilidade, enquanto a fronteira estava completamente fechada* para os fugitivos de carne e osso.

A Coca-cola inventou a Fanta para o mercado alemão em plena guerra. Nesse período, também Unilever, Westinghouse e General Eletric multiplicaram ali seus investimentos e suas ganâncias.

Quando a guerra terminou, a empresa ITT recebeu uma milionária indenização porque os bombardeios aliados haviam danificado suas fábricas na Alemanha”.

Eduardo Galeano (Uruguai, 1940)

Fragmento de Espejos: una historia casi universal (ISBN: 978-84-323-1314-1)

Siglo XXI Ed. (Madrid, México, Buenos Aires, 2008)

Notas do tradutor:

* Aprovação.

* Aqui se perdeu um jogo de palavras. No original, Galeano usa a expressão “a cal y canto” (que significa que algo está absolutamente fechado) para contrastar com a expressão “de carne e osso” que vem em seguida.