Anarquia ou Barbárie

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Anarquia ou Barbárie

Entrevista com um comunista libertário ucraniano: “Os anarquistas se tornaram o maior obstáculo à anarquia”

Fonte: Aqui, postado pela FARJ – Federação Anarquista do Rio de Janeiro – Organização Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira, em 03/12/2014.

Entrevista com um comunista libertário ucraniano:
“Os anarquistas se tornaram o maior obstáculo à anarquia”

Donetsk, cidade no sudeste da Ucrânia é palco de confrontos entre separatistas pro russos e a população ucraniana. Um militante comunista libertário que lá vive e milita, nos deu alguns instrumentos para compreender quais são as forças presentes e as razões da letargia do movimento libertário.

Qual é a situação na Ucrânia?

A vida continua com duas realidades paralelas: as pessoas continuam com sua vida cotidiana, com as crianças ao redor, com o mesmo lugar dos mortos, da violência, do ódio. A divisão da sociedade se reforça a cada dia. É uma revolução política da burguesia nacional, em um contexto de guerra civil e de uma intervenção mal dissimulada da Rússia.

 

Qual é a composição social dos manifestantes do sudeste e dos de Maïdan?

Maïdan e os separatistas do sudeste não diferem muito um do outro. Os dois agrupam uma diversidade de classes sociais, intelectuais, empregadas(os), empresários, ruralistas, estudantes, lupemproletariado, antigos militares…Todos viraram reféns e marionetes dos clãs econômicos.

As pessoas de Maïdan colocaram no poder novas oligarquias e a gente do sudeste deixou de dormir por conta da família do presidente deposto Yanoukovitch e de seu mestre em Moscou. Toda essa retórica é perfumada pelo nacionalismo, como resultado das feridas sangrentas e da cólera durante décadas. Na realidade, o inimigo está no Kremlin, no Capitólio americano e no parlamento alemão. Os líderes de Maïdan assim como os líderes separatistas, são frações da burguesia nacional e de seus componentes radicais.

À leste, eles intimidam as pessoas com o partido de direita Pravyi Sektr (Setor de Direita), e lhes chamam ao combate do fascismo, mesmo que eles se inspirem no fascismo imperial da nação russa. Em Donetsk, segundo sua lógica, você pode escolher em ser russo ou ser um fascista. Em uma palavra, você está abatido ou está morto. Isso aconteceu em Maïdan e acontece agora no sudeste.

 

O que se pode dizer sobre o referendum do 11 de maio (1)?

É um referendum marcado por seus postos de votação sem observador e sob o olhar atento de pessoas disfarçadas. Foi uma farsa inscrita em uma estratégia visando criar repúblicas populares independentes, e depois pedir sua admissão na federação russa. Mas tem uma grande parte das pessoas de Donetsk e de sua região que são partidários de uma Ucrânia unida. Os separatistas são melhores organizados, têm os melhores recursos administrativos e o apoio do estado vizinho, isso é tudo.

 

Você acha que tem especialistas russos no sudeste?

Eu não acho, eu tenho certeza. E muitos dentre eles estão nas bases de treinamento nas regiões de Donetsk e Lugansk, onde grupos de 400 a 500 habitantes e voluntários da Rússia treinam sob a direção de instrutores militares (…) A maioria das pessoas que defendem a bandeira separatista são habitantes, trabalhadores ordinários ou veteranos das forças armadas. Mas um número significativo e que organiza o processo com autoridade, é formado por voluntários da Rússia. O fornecimento de armas e de dinheiro vem da Rússia. O chefe atual do governo em Donetsk, que se proclama “República Popular”, é Boroday. Estratégia desenhada pela administração do Kremlin.

 

Tem alguma possibilidade dos protestos se transformarem numa revolução social?

Neste momento, é um cenário improvável. Uma revolução social é possível unicamente na presença de dois fatores: uma demanda das massas por uma transformação radical e a organização política de viés revolucionário dos anarquistas, que será capaz de defender o processo de mudança.

Na realidade, não há nenhuma demanda por uma revolução social. A única mudança imaginada está no interior do quadro político. E mesmo esses tímidos rebentos de anti-autoritarismo que puderam se manifestar, se não forem sustentados por uma organização revolucionária e anti-autoritária forte, serão destruídos pela agenda política da burguesia e pelos partidos nacionalistas.

 

Quais são as perspectivas para os anarquistas no contexto atual?

O principal problema do movimento anarquista é a ausência de uma organização anarquista. Os anarquistas têm estado incapazes de usar a situação porque estão presos às ilusões anti-organizacionistas.

A organização é uma incubadora, uma escola, uma sociedade de apoio mútuo e uma plataforma produtiva para idéias e projetos; mas o mais importante, ela é um instrumento para a realização das idéias, um instrumento de influência e um instrumento de luta. Ela não pode ser substituída por grupos de afinidade.

Os anarquistas de hoje, como em 1917, perderam a oportunidade de serem influentes no processo. A RKAS (2) reivindicando o anarquismo plataformista de Makhno sobreviveu a muitas crises, se implicando na greve dos mineiros, e teve muitos projetos a longo prazo, mas que não foram sem desacordos e cisões internas.

A gente pode se lembrar da propaganda anti-eleitoral da cisão da RKAS, a Mezhdunarodnyj Souz Anarkhistov [3] em Donetsk. Os divisionistas argumentaram sobre o prentenso autoritarismo da RKAS. Uma vez liberados da “ditadura do escritório organizacional da RKAS”, que lhes fez ir às minas e usinas propagandear o jornal Anarquia, e discutir com os sindicatos e com as cooperativas, e construir uma “guarda negra” auto-disciplinada, eles mostraram suas capacidades estratégicas e ideológicas colando cartazes feitos à mão contendo a seguinte mensagem “Não vá às eleições, coma legumes”.

 Todas as tentativas para construir uma organização através do projeto RKAS deram lugar a uma cruzada contra “o autoritarismo e extremismo”. Finalmente os anarquistas se tornaram o maior obstáculo à anarquia. Eu recorro a esse paradoxo para chamar a sua atenção sobre esta velha doença “a anti-organizacão”, destruidora e irresponsável (…)Talvez a RKAS renasça se dando conta de todos os seus erros e se modernizando, talvez nós criaremos algo novo (…) Nós não a abandonaremos e nós não desapareceremos.

 

Em que você está engajado neste momento?

Infelizmente eu não posso lhe dizer tudo. Caso contrário, muita gente e eu mesmo teremos múltiplos problemas, e nós temos muitos projetos para o futuro. Oficialmente a RKAS foi dissolvida, mas seu núcleo se movimenta nas ações ilegais.

 

Este texto é um resumo, reformulado por Jacques Dubart, de uma entrevista com um mlitante da RKAS – Confederação Revolucionária dos Anarco-sindicalistas _ acessível sobre anarkismo.net, traduzido do texto publicado em inglês no 9 de agosto.

[1] Referendum de auto determinação, assim que Donetsk “pediu” sua anexação à Rússia.

[2] Confederação Sindical Anarquista Internacional.

[3] União Internacional dos Anarquistas.

Nota do Coletivo Anarquia ou Barbárie sobre as recentes denúncias de abuso machista na internet

Desenho à mão, editado digitalmente. Por Talita Rauber.

“Potência”. Desenho à mão, editado digitalmente. Por Talita Rauber. 2014.

        Com vistas das recentes denúncias sobre assédio, abuso e opressão machista sobre mulheres, vindos de um conhecido intelectual de esquerda e professor universitário, o Coletivo Anarquia ou Barbárie se posiciona em completa solidariedade com as vítimas, não só em relação aos abusos por elas sofridos como aos ataques que vêm sofrendo de outros intelectuais, de chargistas e grupos inteiros autoproclamados de esquerda que desfilam pelas redes sociais mandando às favas os escrúpulos de consciência política, de empatia, de mínimo respeito mútuo, ideológico e de bom senso com relação às vítimas de opressão.

       Não é preciso ser doutor para ver, nos diálogos publicados, demonstrações de enorme machismo e posição dominador,a, opressora, de competição hierárquica entre homens e submissão de mulheres, com relatos de redução de um momento de violência contra uma mulher e ridicularização disto com fins de sedução a uma menor. Estes relatos podem ser obtidos aqui, e comentários sobre o caso podem ser lidos aqui, aqui, e aqui. A resposta do professor, aqui.

      Nos diálogos publicados, nas defesas ao professor por seus amigos e mesmo na sua resposta, há a incrível sucessão de fé na ação opressora como “natural” e na permanência da opressão e do lugar de fala opressor como saída, além da clássica criminalização das denúncias e das denunciantes, com defesa de uma prática machista como regra.

     Ao buscar solução na justiça, com a mesma sanha punitivista que se fez regra condenar até se ver alvo de denúncias, se continua um processo de criminalização das vítimas, de reforço ao lugar de fala machista e de manutenção da opressão, e contra isso o coletivo Anarquia ou Barbárie se manifesta de forma veemente.

     O coletivo anarquia ou Barbárie se posiciona ao lado das vítimas e em apoio eloquente, em solidariedade ampla e se manifesta como defensor das vítimas de abuso contra todas as máquinas de opressão, sejam as máquinas estatais e legais, sejam as manobras difamatórias que tramam chamar de hipocrisia a resistência e a denúncia de opressão.

       Não adianta lutar pela transformação do mundo só até a página dois, ou declarar louvores à ação direta, e oprimir as companheiras.