Zona Autônoma Permanente

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Por Hakim Bey

Fonte: Protopia

A teoria da Zona Autônoma Temporária (TAZ) busca tratar de situações existentes ou emergentes, mais que do utopismo puro. Por todo o mundo existem pessoas que estão deixando ou “desaparecendo” da Grade[1] da Alienação e buscando formas de restaurar o contato humano. Um exemplo interessante disto – no nível da “cultura popular urbana” – pode ser encontrado na proliferação de redes e conferências vinculadas a passatempos. Recentemente descobri zines destes grupos, Joias da Coroa das Altas Ondas[2] (dedicado ao colecionismo de isoladores elétricos de cristal) e uma revista sobre cucurbitologia (A Abóbora). Enormes quantidades de criatividade são dedicadas a estas obsessões. Os diversos encontros periódicos de companheiros-maníacos vêm a ser verdadeiros festivais cara-a-cara (não-mediados) de excentricidade. Não é só a “contra-cultura” quem busca suas zonas autônomas temporárias, seus acampamentos nômades e noites de liberação do consenso. Grupos auto-organizados e autônomos estão brotando entre todas as “classes” e “subculturas”. Vastas extensões do Império Babilônico estão agora vazias, povoadas somente pelos agentes secretos dos Meios de Massas e uns poucos policiais psicóticos.

A teoria da zona autônoma temporária dá conta disto que ESTÁ ACONTECENDO – não estamos falando sobre o que “deveria” ou será – estamos falando de um movimento já existente. Nosso uso de uma série de meios reflexivos e experienciáveis – poesia utópica e crítica paranóica (etc.) pretende ajudar a clarificar este movimento complexo ainda em grande medida não documentado, dar-lhe algum foco teórico e consciência de si mesmo, e sugerir táticas baseadas em estratégias integralmente coerentes – atuar como parteira ou panegírico, e não como “vanguarda”!

Então tivemos que considerar o fato de que nem todas as zonas autônomas existentes são “temporárias”. Algumas são (ao menos nas intenções) mais ou menos “permanentes”. Certas rachaduras no Monolito Babilônico parecem tão vazias que grupos inteiros podem se mudar para elas e lá se instalarem. Certas teorias, como a “permacultura”, têm sido desenvolvidas para lidar com esta situação aumentando as possibilidades. “Vilas”, “comunas”, “comunidades”, incluindo aí “arcologias” e “biosferas” (ou outros modelos de cidade-utopia) estão sendo experimentadas e implementadas. Mesmo nesse contexto a teoria da TAZ pode oferecer algumas ferramentas de pensamento, esclarecimentos e úteis reflexões.

E se tratarmos de uma poética (um “modo de fazer”) e de uma política (uma “forma de viver juntos”) para a TAZ “permanente” (ou ZAP)? O que existe na relação atual entre a temporalidade e a permanência? E como pode a ZAP periodicamente renovar-se com o aspecto festivo da TAZ?

A Questão da Publicidade

Os recentes eventos nos Estados Unidos e na Europa mostraram que os grupos auto-organizados/autônomos levam o temor ao coração do Estado. O MOVE[3] na Philadelphia, os Koreshitas de Waco,[4] os Dreadheads,[5] as Tribos do Arco-iris,[6] os piratas informáticos,[7] os okupas[8] (etc.) têm se tornado alvos do extermínio em vários níveis de intensidade . E ainda outros grupos autônomos seguem desapercebidos, ou pelo menos não são perseguidos. O que faz a diferença? Um fator pode ser o efeito maligno da publicidade ou mediação. A Mídia experimenta uma sede vampírica pela sombra-paixão do “Terrorismo”, o ritual público de expiação, o bode expiatório e sangue sacrificial da Babilônia. Uma vez que qualquer grupo autônomo permite que este “olhar” particular caia sobre ele, a merda bate no ventilador – a Mídia tentará organizar um mini-Armagedom para satisfazer sua viciosa ansiedade por espetáculo e morte.

Na atualidade, a ZAP dá um ótimo alvo, fácil para essa bomba inteligente midiática. Assediado dentro de seu “composto”, o grupo auto-organizado só pode sucumbir a algum tipo de martírio barato predeterminado. Seria presumível que este papel atraia somente aos masoquistas neuróticos??? Em todo caso, a maioria dos grupos desejam viver seu período natural ou suas trajetórias em paz e calma. Uma boa tática aqui pode ser evitar a publicidade da Mídia de Massas como se fosse uma praga. Um pouco de paranóia natural pode ser útil, contanto que não se converta em um fim em si mesma. A gente deve ser astuto para evitar ser apanhado. Um toque de camuflagem, uma aptidão para a invisibilidade, um sentido de tato como tática… poderiam ser tão úteis para uma ZAP como o são para uma TAZ. Humildes sugestões: use somente “mídias íntimas” (zines, rodas de telefones, BBSs[9], rádios livres e mini-FM, TV a cabo de acesso público, etc.); evite atitudes confrontacionistas de macho fanfarão – você não precisa de cinco segundos no telejornal diário (“Polícia derruba Seita”) para dar sentido a sua existência. Nosso slogan poderia ser: “Busque a vida, não um estilo de vida”.

Acesso

As pessoas provavelmente deveriam escolher as pessoas com quem querem viver. As comunas de “participação aberta” acabam invariavelmente atoladas com aproveitadores[10] e patéticos abobados sedentos por sexo. As ZAPs devem eleger mutuamente seus próprios membros – isto não tem nada que ver com “elitismo”. A ZAP pode exercer uma função temporalmente aberta – como abrigar festivais ou compartilhar comida gratuita –, mas não precisa estar permanentemente aberta a qualquer autoproclamado simpatizante que apareça.

A Emergência de uma Economia Alternativa Genuína

Uma vez mais, isto já está acontecendo, mas ainda precisa de uma imensa quantidade de trabalho antes de entrar em foco. As sub-economias do “lavoro nero”[11], as transações livres de taxas, o truque, etc., tendem a ser severamente limitadas e localizadas. As BBSs e outros sistemas de redes podem ser usados para colocar em relação estas economias regionais/marginais (”empresas caseiras”) em uma economia alternativa viável de certa magnitude. “P.M.”[12] delineou já há algum tempo alguma coisa semelhante a isto em “bolo’bolo”[13] – de fato já existe um número de possíveis sistemas, ao menos em teoria. O problema é: como construir uma verdadeira economia alternativa, isto é, uma economia completa sem atrair o Imposto de Renda e outros cães de caça capitalistas? Como posso trocar minhas habilidades como, digamos, escavador de poços ou destilador de álcool, pelos alimentos, livros, abrigo e plantas psicoativas que desejo – sem pagar impostos, bem como sem utilizar nenhum dinheiro forjado pelo Estado? Como posso viver uma vida confortável (inclusive luxuosa) livre de toda interação e transação com o Mundo da Mercadoria? Se tomássemos todas as energias que os esquerdistas colocam em suas manifestações inúteis e toda a energia que os ultra-liberais[14] despendem em seus fúteis joguinhos de terceiro partido, e se nós redirecionássemos toda esta potência para a construção de uma verdadeira economia subterrânea, já teríamos alcançado “a Revolução” há muito tempo atrás.

O “Mundo” Chegou ao Seu Fim em 1972

A efígie frívola do Estado absoluto finalmente veio abaixo em “1989”. A última ideologia, o Capitalismo, não é mais que uma doença de pele do Neolítico muito tardio. É uma máquina-de-desejos que segue funcionando vazia. Tenho a esperança de vê-lo desaparecer ainda durante a minha vida, como uma das paisagens mentais de Dali[15]. E quero ter algum lugar para onde “ir” quando a merda toda vier abaixo. É claro que a morte do capitalismo não implica necessariamente na destruição ao estilo Godzilla de toda cultura humana; este cenário é meramente uma imagem de terror propagandeada pelo próprio capitalismo. É claro que o cadáver sonolento terá contrações e espasmos violentos antes que o rigor mortis se estabeleça – e Nova Iorque ou Los Angeles podem não ser os locais mais inteligentes para se esperar pelo fim da tempestade. (E a tempestade pode já ter se iniciado). [Por outro lado Nova Iorque e Los Angeles podem não ser os piores lugares para se criar o Mundo Novo; alguém poderia imaginar bairros inteiros ocupados, gangues transformadas em Milícias Populares, etc.] Agora, o modo de vida cigano-realidade virtual pode ser uma forma de lidar com o atual processo de fundir-se do Capitalismo Muito Tardio – mas no que me consta, preferiria um belo monastério anarquista em algum lugar – um local típico para que os “eruditos” possam suportar a “Idade das Trevas”[16]. Quanto mais nos organizarmos AGORA neste sentido, menos problemas teremos para enfrentarmos no futuro. Não estou falando de “sobreviver” – não estou interessado na mera sobrevivência. Quero florescer. VOLTEMOS A UTOPIA.

Festivais

A ZAP desempenha uma função vital, como um nodo na rede de TAZs, um ponto de encontro para um círculo amplo de amizades e alianças que podem realmente não viver realmente o tempo todo na “fazenda” ou na “aldeia”. As antigas aldeias celebravam feiras que traziam riqueza para a comunidade, proporcionavam mercados para os viajantes e criavam um tempo/espaço festivo para todos os seus participantes. Hoje em dia o festival está emergindo como uma das formas mais importantes para a própria TAZ, mas ele também pode proporcionar renovação e avivamento para a ZAP. Recordo ter lido em algum site que na Idade Média havia cento e onze dias festivos ao ano; deveríamos tomar isto como nosso “mínimo utópico”[17] e nos esforçarmos para conseguir algo ainda maior.

A Terra Vivente

Acredito que há uma abundância de boas razões egoístas para desejar o “orgânico” (é mais sexy), o “natural” (que é mais gostoso), o “verde” (é mais belo) e o Selvagem[18] (é mais excitante). A Communitas[19] (como denominada por Paul Goodman[20]) e a convivialidade (como chamada por Ivan Illich[21]) são mais prazerosas que seus opostos. A terra vivente não tem porque excluir a cidade orgânica – a pequena mas intensa conglomeração de humanidade dedicada às artes e aos prazeres ligeiramente decadentes de uma civilização expurgada de todo seu gigantismo e solidão forçada – no entanto mesmo aqueles de nós que gostamos das cidades podemos ver motivos imediatos e hedonistas para lutar pelo “meio ambiente”. Somos biófilos militantes. Ecologia profunda, ecologia social, permacultura, tecnologia apropriada… não somos exigentes demais com as ideologias. Que brotem mil flores.

Tipologia da ZAP

Uma “religião esquisita” ou um movimento de arte rebelde pode se tornar um tipo de ZAP não-local, algo como uma rede de hobbies muito intensa e abrangente. A Sociedade Secreta (como a Tong chinesa) também proporciona um modelo para uma ZAP sem limites geográficos. Mas o “cenário do tipo ideal” implica num espaço livre que se estende em um tempo igualmente livre. A essência da ZAP deve ser a intensificação prolongada dos prazeres – e riscos– da TAZ. E a intensificação da ZAP será… a Utopia Agora.

Hakim Bey Zona Autônoma Permanente de DreamTime, Agosto de 1993

Referências

  1. A ideia de grade aqui evocada por Bey relaciona-se à cartografia, faz referência às linhas e paralelos dos mapas, coordenadas polares e geodésicas, latitude e longitude. Todos os espaços e alterações mapeados, estão sob o julgo do poder (N. do T.).
  2. No original Crown Jewels Of The High Wire(N. do T.).
  3. MOVE é uma organização formada na Philadelphia, Pennsylvania em 1972 por John Africa (1931 – 1985) e Donald Glassey (1946). Se organiza na forma de uma rede descentralizada de negros (afro-americanos) cujos membros em sua grande maioria adotaram o sobrenome África, defendendo um estilo de vida de “retorno a natureza” sendo em muitos sentidos contrários à tecnologia. Em 1985 o grupo foi alvo de uma operação de ataque do Departamento de Polícia da Filadélfia. Nesta operação foram mortos 7 de seus membros incluindo seu fundador John Africa. Mumia Abu-Jamal é um dos apoiadores mais ativos do MOVE escrevendo em 1998 de dentro da prisão onde se encontra uma longa carta intitulada ‘Longa Vida a John Africa’! (N. do T.)
  4. Nome dado aos seguidores da seita de David Koresh (1959 – 1993), uma facção davidiana. Em 1993 a ATF e o FBI realizaram um cerco ao centro espiritual koreshita, estes por sua vez responderam ao cerco atirando com suas armas, ao final desta operação estavam mortos 82 membros da seita incluindo o próprio David Koresh. Na época do cerco, Koresh encorajava seus seguidores a pensar neles próprios como “estudiosos dos Sete Selos” mas do que “Davidianos”. Outras facções de Davidianos nunca aceitaram sua liderança.
  5. “Dreadheads” foi um dos termos utilizados pela mídia norteamericana para designar os homens e mulheres que se insurgiram contra a polícia e os símbolos do Capital durante as manifestações contra a OMC em Seattle em 1999, já que a maioria destes possuíam cortes de cabelo afro chamados dreads. Especula-se que muitos deles eram adeptos do anarco-primitivismo influenciados principalmente pelas ideias de John Zerzan (N. do T.).
  6. “Rainbow Tribes” é o nome de uma ampla rede anarco-xamânica que tem entre seus adeptos muitos defensores da ecologia profunda. Cada “tribo” no entanto, possui suas particularidades (N. do T.).
  7. Bey refere-se à pirataria politizada de centenas de grupos e indivíduos localizados principalmente nos países da Europa Oriental. Estes piratas têm como principal ação política o crackeamento e a livre disponibilização de uma infinidade de softwares, livros, filmes e álbuns musicais. No Brasil a pirataria politizada ganhou alguma notoriedade nas ações do Coletivo Sabotagem, um grupo de anarquistas que vem já há algum tempo, contrariando as leis de direitos autorais, disponibilizando livros digitalizados através de seu site na Internet (N. do T.).
  8. Okupas (“Squats”em inglês) é uma prática comum na Europa e Estados Unidos que consiste na ocupação e reforma de construções abandonadas por grupos libertários, transformando-as em locais para moradia, centros culturais e pontos de referência e descanso para viajantes anarquistas, além de abrigarem festivais de música e espaços de exposição. Okupa é também a denominação de pertencimento dos habitantes deste tipo de ocupação (N. do T.).
  9. BBS (acrônimo inglês de bulletin board system) é um sistema informático, um software, que permite a ligação (conexão) via telefone a um sistema através do seu computador e interagir com ele, tal como hoje se faz com a internet. Essas redes se tornaram populares nas décadas de 70 e 80 e podem ser consideradas o início da internet. (N. do T.)
  10. O termo utilizado aqui originalmente é “freeloader”, que significa alguém que, se aproveitando de uma relação igualitária comunal, consome excessivamente mais do que o justo compartilhamento dos recursos (N. do T.).
  11. Do italiano, significa “trabalho negro” e é empregado aqui para definir as muitas formas de trabalho sujo, pesado e mal remunerado que na Europa são geralmente efetuadas por imigrantes ilegais (N. do T.).
  12. P.M. é o pseudônimo utilizado por um autor libertário anônimo nascido na Suíça (N. do T.).
  13. Bolo’bolo é o famoso livro anti-capitalista e autonomista escrito por p.m. e publicado em 1983 em Zürich, pela editora Paranoid City (N. do T.).
  14. No original, “libertarian”. Nos EUA o termo significa ultra-liberal ou (polemicamente) anarco-capitalista. Em termos semânticos “libertarian” pouco tem a ver com a ideia por trás do termo “libertário” nos países de língua latina. Os ultra-liberais (libertarians) defendem o fim do Estado, ou pelo menos a minimização deste, por o considerarem demasiadamente intervencionista na “liberdade de Mercado”, que para eles é a única forma de liberdade realmente verdadeira. Durante os anos de 1980 o Partido Libertário alcançou certa relevância nos EUA, chegando a ser o terceiro em votos, ainda que muito abaixo dos democratas e dos republicanos (N. do T.).
  15. Salvador Dalí (1904 – 1989), pintor expoente do surrealismo, nascido na Espanha (N. do T.).
  16. O termo utilizado originalmente no inglês, ”Dark Ages”, é uma das formas como os expoentes da Idade Moderna chamavam pejorativamente a Idade Média. (N. do T.)
  17. Os “Mínimos Utópicos” propostos por Charles Fourier consistiam em mais comida e sexo que a quantidade desfrutada pelo aristocrata mediano do século XVIII; Buckminster Buller propôs o termo “mínimo nú” como um conceito similar (N. do A.).
  18. No original “Wild(er)ness” abrangendo tanto a ideia de “selvagem”, como a ideia de “Natureza Intocada” (N. do T.).
  19. O título de um dos livros escritos por Paul Goodman e seu irmão Percival Goodman, publicado em 1947 (N. do T.).
  20. Paul Goodman (1911 – 1972), anarquista sociólogo, poeta e escritor nascido nos Estados Unidos. Goodman é atualmente lembrado como o autor do livro Absurdo Crescente (Growing up Absurd) e por sua militância pacifista durante os anos de 1960 tornando-se uma fonte de inspiração para a contracultura daquela época (N. do T.).
  21. Ivan Illich (1926 – 2002), filosofo anarquista nascido na Áustria, autor de uma série de críticas muito bem fundamentadas às instituições centrais da cultura ocidental contemporânea tais como a educação, o trabalho e o desenvolvimento econômico. No início de sua vida, Illich foi padre, mas rompeu com a igreja se tornando um de seus maiores críticos (N. do T.).

Syntagma, Syriza: entre a praça e o palácio (entrevista com Stavros Stavrides)

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Stavros Stavrides, foto de Burkhard Lahrmann

 

Como relacionar Syriza e movimentos contra a crise, uma vez que a ocupação de Praça Syntagma em 2011 acabou porpor abaixo e reinventar a política?

Entrevista com Stavros Stavrides, ativista presente na ocupação da praça Syntagma e professor de arquitetura na Universidade Técnica de Atenas.

Fonte: El Diario.Es

Tradução para o Português (Coletivo Anarquia ou Barbárie com Google Tradutor)

Diz-se que a ocupação da Praça Syntagma, em Atenas era um efeito de 15M. Alguém na Puerta del Sol levou um cartaz dizendo: “Silêncio, que vão despertar os gregos” e eles tomaram as ruas. Em 25 de maio de 2011 os gregos levaram o recado a sério e ocuparam a praça Syntagma e centenas de locais em todo o país. 100.000 pessoas cercaram o Parlamento com um grande sinal em espanhol: “Estamos acordados. Que horas são? É hora de sair. ”

Houve movimentos sociais, mas sim (como em 15M) a sociedade em movimento. Stavros Stavrides, ativista e professor de arquitetura em Atenas, estava lá, viveu na experiência de profundidade Syntagma e já havia amplamente pensado nisso . Para ele, a ocupação da praça não era simplesmente uma forma coletiva de protesto ou reclamação, mas também “uma forma de recuperar nossas próprias vidas e de propor uma maneira diferente de compor vida social”. A reinvenção da democracia, espaço público e as relações sociais com base em idéias e igualdade prática, auto-ajuda, co-implicação, nenhuma delegação.

E agora, três anos e meio após, ocorre a vitória do SYRIZA. Como interpretar a partir da perspectiva da Syntagma? Como pode pensar o relacionamento, agora na Grécia, talvez amanhã, em Espanha, entre os movimentos a partir de baixo e os governos que desafiam o neoliberalismo? Nós conversamos sobre isso com Stavros Stavrides. Sua obra teórica centra-se em movimentos urbanos e conflitos. E seu livro Para uma cidade de limiares, que investiga, entre outros, a experiência da ocupação de Praça Syntagma, foi publicado em 2015 na Espanha, a editora Akal.

***

1. Até o momento, o que é a realidade e vitalidade dos processos de auto-organização que eclodiram em 2011? Você ainda está vivo, e como o legado de Praça Syntagma?

Stavros Stavrides. O legado de Syntagma é uma realidade que nem sempre é visível no primeiro plano da vida social e política. Deve ser rastreada em várias iniciativas, de modo coladas às cotidiano das pessoas, tais como cozinhas coletivas em bairros, centros de saúde municipal autónomas ou que atendem quem foi deixado de fora da segurança social, a partilha de práticas, produtos e serviços sem intermediários, os movimentos contra os despejos em massa na Espanha, cooperativas que surgem uma após o outra, etc.

Syntagma tem contribuído para redes de ajuda mútua que sustentam a vida de muitas pessoas na Grécia e também geram novas relações sociais, além do individualismo. Há um legado, uma herança viva de Syntagma, que mudou a mentalidade social em muitas maneiras.

2. Como Syriza foi relacionada ao movimento de Syntagma?

Stavros Stavrides. É importante dizer que Syriza foi o único partido Esquerda que oficialmente não era contra Syntagma, como foi explicitamente KKE (comunistas stalinistas). Não houve uma posição única dentro do partido, mas muitos militantes do Syriza contribuíram para as actividades de Syntagma. Mesmo alguns deputados (não todos) simbolicamente se aproximaram da praça e dizendo “estamos com vocês e não com um parlamento sequestrado e longe da vontade das pessoas”. Syriza não era contra Syntagma, mas sim o contrário, mas também não é um resultado desses movimentos, como o Podemos pode ser capaz.

3. O que você quer dizer?

Stavros Stavrides. Syriza preexistiu ao Syntagma. Está ligado a uma longa tradição de partidos de esquerdas não-soviéticos na Grécia. Ela remonta a 1968, quando o Partido Comunista, ainda ilegal, se partiu em dois: a parte eurocomunista e o partido stalinista. Syriza é a evolução do Partido Comunista eurocomunista e compartilha mais ou menos sua tradição em termos de organização, a visão do Estado, a relação entre o partido e os movimentos, etc.

4. Mas, há alguns anos o seu âmbito eleitoral foi insignificante, 3 ou 4%. Que influência você acha que pode ter tido movimentos Syntagma na recente vitória do SYRIZA?

. Stavros Stavrides Não há uma conexão determinista, causa e efeito, entre os dois momentos, mas eu e um monte de outras pessoas gostamos de pensar que a Syntagma criou uma nova consciência na sociedade e contribuiu decisivamente para neutralizar um pouco do medo que atravessa hoje a Grécia e que aparece quando se questiona a “necessidade” de políticas de austeridade. O movimento na praça Syntagma foi destruída pela força e repressão, mas o espírito de resistência e rebeldia ao destino permaneceram e se espalhou para fora da praça. O SYRIZA não teria vencido a eleição se não tivesse sido esse espírito,se o medo não fosse desafiado.

5. Embora as pessoas na Syntagma não defendessem o voto como um meio de transformação …

Stavros Stavrides. Exato. O espírito da Syntagma foi baseado sobre a idéia de resistência popular e da redescoberta da democracia e democracia direta, com uma coordenação complexa e sem qualquer centralização, prenhe de uma pluralidade de iniciativas coletivas. Foi um movimento contra a democracia representativa.

Mas na ausência de vitória do movimento sobre as políticas de austeridade, Syriza apareceu para a população como a única opção para a mudança. A única organização que não era corrupta, não sujeitos à Troika, o que poderia garantir mudança democrática e medidas que contribuam para conter os fatores que destroem a vida social. O deslocamento de pessoas e o movimento em direção a votação foi uma conjuntura que deixava claras as condições de um deslocamento forçado.

Em qualquer caso, o Syriza não substitui os movimentos. E talvez, com Syriza no governo, seja gerado um ambiente em que os movimentos podem se desenvolver mais e melhor.

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Conversación en Atenas, Enrique Flores (4ojos.com/blog)

6. Que capacidade de afetar as políticas do SYRIZA reter as experiências de mobilização?

Stavros Stavrides. Basta esperar e ver. Ninguém pode ter certeza que vai acontecer. Syriza fez declarações muito positivas sobre algumas demandas importantes dos movimentos nas áreas de educação e saúde, com relação ao salário mínimo, etc. Há uma vontade explícita do SYRIZA para atender a essas demandas. Estas medidas não podem ser tomadas em dois dias, mas SYRIZA também conhecido por não desfrutar de um longo período de tolerância e deve agir imediatamente para mostrar que realmente acredita no que diz. Caso contrário, haverá novas erupções sociais. Mas agora estamos naquele período de esperar para ver.

7. O artigo “Depois Syntagma” , falou sobre isso na esquerda e abaixo, na Grécia teve duas idéias de democracia: uma idéia de democracia participativa (representado por SYRIZA) e uma idéia de democracia direta (representado por Syntagma ). Como você imagina que você pode ser a coexistência entre os dois?

Stavros Stavrides. Coexistência, não. Infelizmente, Syriza tem evoluído nos últimos tempos para um modelo de partido está fechado em torno de uma pequena cúpula. Ele tem sido verticalizado e “presidencializado” muito. É uma crítica feita até mesmo dentro do próprio partido. Eu não acho que SYRIZA pode ser cidadão e um transmissor direto que canalizará a participação das pessoas. Pode, no entanto, representar os eleitores, escolhendo políticas que canalizem demandas da sociedade.

A democracia direta joga em outro nível, redefinir a política como uma atividade não-especializado que atravessa todos os níveis da vida diária. É uma política do cotidiano.

Eu acho que agora nós podemos intervir em dois níveis: empurrar a democracia representativa além dos seus limites, através de formas radicais de democracia direta, mas considerando que a democracia representativa (com um jogo como SYRIZA no poder) pode abrir áreas mais propícias à liberdade e experimentos autônomos que prefiguram uma outra sociedade. Podemos reivindicar, por um lado, as medidas contra a corrupção ou a favor da transparência na gestão e desafiar ao mesmo tempo, os limites da representação, mediante conflitos e contra-exemplos, construindo formas de governo que vão além de autoridade pública. Jogar em ambos os níveis.

8. É o fim da austeridade, como dizem todos os lugares? O que pode um governo contra a lógica neoliberal do capitalismo contemporâneo?

Stavros Stavrides. Um governo que não se apresse procurando o proprietário,a burguesia, vamos ver. Podem haver mudanças sérias e importantes em direção a uma hora de questionamento geral do contexto neoliberal. As lutas de baixo podem influenciar o que faz um Estado. Um governo verdadeiramente progressista pode desempenhar um papel importante para reverter o equilíbrio de forças no seio da UE. Existem vários níveis de desempenho, não necessariamente contraditórios. Quer dizer, a renegociação da dívida é muito importante, mas também é preciso repensar e questionar os modelos dominantes de desenvolvimento e crescimento. De cima você pode influenciar as políticas neoliberais, mas acho que as mudanças necessárias que só podem ser produzidos a partir de baixo para sair do quadro neoliberal são.

9. Depois de três anos de muito fortes lutas sociais na Espanha, jogamos com uma série de limites. Por fora, as políticas de austeridade continuam devastadora. Internamente,, uma certa crise de imaginação política dos movimentos (como e para onde ir). E agora a atenção e desejo parece ter-se deslocado da praça para partir em assalto ao palácio. Você acha que os movimentos autônomos e processos de auto-organização tem limites intrínsecos?

Stavros Stavrides. Eu não estou em posição de oferecer respostas claras. Basta tentar pensar com você, e com colegas de todo o mundo, como podemos superar esta situação.

Eu acho que há as fronteiras que são históricas, não lógicas ou ontológicas. Nós não chegamos a uma espécie de limite absoluto para além do qual você tem que fazer as coisas de acordo com as formas de política tradicional, eu não penso assim. O estado é um elemento específico, historicamente datado, uma forma de organizar as relações sociais. Ele não é eterno, nem a única forma possível de organização social. Podemos ir além do modelo de estado.

Nesse sentido, a criatividade social implantada na Primavera Árabe, praças 15M ou Syntagma deve ser a nossa única guia. Então,por esse jugo, a política deve existir abrindo mais espaço para os processos debaixo. Se estes processos são subordinados à política de cima, então não é profunda e nem produz mudança real possível. Os vestígios deixados pelos movimentos das praças são apenas sementes que necessitam de tempo para germinar e dar frutos plantados. E nós temos que tomar cuidado e garantir o seu crescimento.

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Conversación en Atenas, Enrique Flores (4ojos.com/blog)

10. Diferentes autores, como Alain Badiou ou o Comité Invisible , acho que a única maneira de ir além do pêndulo entre neo-liberalismo e da democracia social é reabrir e reconsiderar a questão revolucionária, o problema da transformação radical da sociedade. O que você acha?

Stavros Stavrides. Eu concordo, mas se repensarmos a revolução fora do imaginário religioso e de vida após a morte, um acontecimento que divide a história da humanidade em um ”antes” em um “depois”. As sociedades não se transformam por um tipo de erupção vulcânica instantânea que consome o passado pra construir o futuro. O tempo para a mudança tem diferentes ritmos, diferentes níveis, nem sempre sincronizados.

Devemos preservar, claro, a ideia de ruptura, as alterações não são fluidas e suaves, mas tenho medo da idéia de mudança como algo extraordinário e estrelado por sujeitos extraordinários. Eu acredito mais na ideia Zapatista: os rebeldes são pessoas comuns. Nem heróis nem pessoas excepcionais, não há um “escolhido”, mas pessoas comuns que precisam se rebelar para uma vida digna.

Se repensarmos a revolução a partir de baixo, acho que a revolução é o já,ela já está e já está mostrando exemplos de que a sociedade desejada pode ser construída. Já é possível: nós sabemos o que a solidariedade e generosidade pode criar. A revolução não é uma mudança total e imediata, mas uma série de experiências em que são produzidas alterações. As erupções repentinas não são mais importantes do que o que acontece todos os dias abaixo do radar da mídia e, finalmente, gera as mudanças decisivas.

11. Um argentino amigo me perguntou se eu acreditava que o movimento de fundo do que aconteceu desde 2011 em Espanha foi o desejo de viver em um “capitalismo pacífica” ou a busca de novas formas de vida. O que você diz, em relação à Grécia?

Stavros Stavrides. Parece que o desejo de inventar novas formas de vida continua a ser um desejo minoritário, mas não tão pequeno como ele costumava ser. E isso não é mais uma questão de ideologia, mas de experiência. Os grupos de bairro reinventaram a solidariedade não porque eles são comunistas ou anarquistas, mas porque é a única maneira de viver com dignidade.

É claro que há muitas pessoas com o desejo de viver com as ilusões de antes (eu digo ilusões, porque o “capitalismo pacífica” nunca foi uma realidade para a maioria), mas também se abre uma oportunidade muito poderosa para influenciar o imaginário social. Porque hoje em dia modos de vida individualistas não podem se realizar, não conseguem se sustentar. As novas formas de vida são construídas lentamente, cheio de contradições e sem pureza, são construídas e influem cada vez mais em cada vez mais consciências.

Alvaro Diego e Pepe me ajudou a pensar sobre as perguntas, muito obrigado! Eugenia Michalopoulou ajudou com a tradução. Enrique Flores facilitou o contato e ilustrações.

Isso se traduziu em entrevista Inglês