[Reino Unido] Os novos vizinhos da Rainha são anarquistas “5 estrelas”

[Espanha] Nem inocentes, nem culpados, somente anarquistas!

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 em 6 de abril de 2015

Na madrugada de 30 de março, por ordem do Tribunal nº 6 da Audiência Nacional de Espanha, foi realizada a Operação Piñata na qual foram registrados 17 lugares entre os quais se encontram centros sociais em Madri e Granada, assim como domicílios em Barcelona, Madri, Palencia e Granada. 39 pessoas foram detidas, 24 acusadas de resistência à autoridade e usurpação e as outras 13 acusadas de pertencer ou colaborar com os Grupos Anarquistas Coordenados.

A noite, 13 das pessoas detidas foram postas em liberdade com acusações de resistência e desobediência. 11 mais foram postas em liberdade com acusações de usurpação entre a segunda e a terça-feira. As 15 pessoas detidas restantes passaram à disposição da Audiência Nacional com acusações de pertencerem a “organização criminosa com fins terroristas”; depois da declaração, 10 delas foram postas em liberdade à espera de julgamento e 5 foram enviadas a prisão preventiva sem fiança.

Kike, Paul, Javier, Jorge e Javier são os nomes dos cinco companheiros que se encontram na prisão e são relacionados com “atos de coordenação e promoção de sabotagens”, danos em 114 caixas automáticos e estragos em sucursais bancárias; serão investigados também por sua suposta relação com os “artefatos” colocados na basílica do Pilar de Zaragoza e na Catedral da Almudena de Madri.

Esta operação é a continuação da Operação Pandora na qual no passado 14 de dezembro se irrompeu em 14 domicílios e centros sociais e onde se deteve a 11 anarquistas em Barcelona, Sabadell, Manresa e Madri. Sete deles estiveram um mês e meio em prisão preventiva e saíram depois de pagar uma fiança de 3.000 euros cada um.

É necessário recordar que estes supostos atentados em Zaragoza e Madri já resultaram em 55 detenções e 30 registros em 3 operações policiais contra o movimento libertário. Na anterior Operação Pandora as acusações eram tão surrealistas como irrisórias: posse de botijão de gás de camping em casa, ter contas do “Riseup”, atas de assembleias ou livros. Nesta ocasião uma das provas é posse de “dispositivos técnicos de aceso cifrado a WiFi para fazer anônima sua navegação na Internet”.

E não podemos esquecer que, por estes mesmos fatos, Mónica e Francisco continuam em prisão preventiva à espera de julgamento em regime FIES-3.

Os meios de comunicação se encarregam da criação de alarme social que justifique toda a maquinaria repressiva, suas leis são as que querem colocar-nos a mordaça da submissão e da obediência. Nós somos o inimigo a combater, mas nós…, nós não estamos dispostas a calar nem a olhar para o outro lado, sabemos que estas operações não só pretendem sequestrar a nossxs companheiros e companheiras, também estão projetadas para que com sua “onda expansiva” caiamos nas redes do medo e do silêncio que querem inocular-nos até a medula.

Hoje são cinco companheirxs mais xs que nos faltam, cinco companheirxs mais sequestradxs detrás dos muros. A nós cabe demostrar-lhes que não estão sós, deixar claro que sua prisão nos faz menos livres.

Ante isto, nós levantamos firme a cabeça, aguçamos o olhar e estendemos nossa mão para fazer efetiva nossa maior arma: A solidariedade e o apoio-mútuo.

Se tocam a uma, nos tocam a todas!!

Liberdade aos anarquistas presxs, aqui, e em qualquer outro lugar!!!!

Aderentes à Sexta Barcelona

adherentesalasextabcn.wordpress.com

Tradução > Sol de Abril

Conteúdo relacionado:

http://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2015/04/02/espanha-madri-antidisturbios-atacam-uma-concentracao-de-protesto-pela-operacion-pinata-varias-pessoas-feridas-e-6-detidas/

agência de notícias anarquistas-ana

festival de cores
e de excitantes sabores:
são frutas do outono

Otávio Coral

Marcha Mundial Contra A MONSANTO

monsanto

Fonte: Portal Anarquista, ex-colectivo libertário de Évora

ESTE SÁBADO VÁRIAS CIDADES PORTUGUESAS MARCHAM CONTRA A MONSANTO

Lisboa, Porto, Coimbra, Funchal, Lagos, Setúbal e Faro

Este sábado, dia 23 de Maio pelas 15h, dezenas de milhares de indivíduos de todo o mundo irão juntar-se em protestos pacíficos espalhados pelos 6 continentes. Estão marcados eventos em 38 países, 428 cidades, todos eles contra a multinacional Monsanto. Em Portugal, estão convocadas marchas para Lisboa, Porto, Coimbra, Funchal, Lagos, Setúbal e Faro. [1]
Este movimento quer promover a consciencialização dos perigos das sementes geneticamente modificadas, para a saúde, agricultura e ambiente [2]. Alertar para os perigos do herbicida RoundUp (produto da Monsanto), composto essencialmente por glifosato que, segundo Organização Mundial de Saúde é cancerígeno [3]. Sendo o glifosato o herbicida mais vendido em Portugal nomeadamente por agricultores de transgénicos e convencionais e pelo estado português através de Municípios, empresas municipais , REFER, etc. Havendo uma relação comercial avultada entre a Monsanto e o Estado português[4]. Também queremos expor as políticas corruptas da Monsanto, nomeadamente a rotação de altos-cargos da administração publica nos EUA e UE, com cargos na Monsanto.
As sementes transgénicas comercializadas por multinacionais da biotecnologia agrícola, alem de serem geralmente estéreis, são protegidas através de patentes, o que impede os agricultores de produzirem e armazenarem sementes para o próximo cultivo, o que gera uma dependência a essas companhias e garante o poder da Monsanto e outras empresas de biotecnologia sobre a nossa alimentação. Exigir uma maior protecção dos nossos alimentos através da devida rotulagem dos produtos que contem OGM, inclusive quando estão presente na alimentação animal.
Na União Europeia vários países proíbem o cultivo de transgénicos, seja por via legal ou outra mais criativa: a Áustria, Hungria, França, Alemanha, Grécia, Luxemburgo, também a Bulgária, a Itália, o Luxemburgo e a Áustria. Queremos também divulgar para toda a população o mapa nacional de todos os campos de transgénicos [5].
Apoiamos os agricultores locais e biológicos que se dedicam a semear todos os dias um futuro mais positivo para as futuras gerações. Apoiamos a criação de redes de consumo de alimentos locais e biológicos, e a divulgação aos pequenos e médios agricultores de modos de produção agrícola livres de químicos e de sementes geneticamente modificadas.

Para mais informação sobre a Marcha contra a Monsanto 2015, visitawww.March-Against-Monsanto.com
O evento de Lisboa pode ser encontrado em:https://www.facebook.com/stopmonsantoportugal
Uma lista completa de eventos pode ser encontrada aqui: http://www.march-against-monsanto.com/events
[1] http://www.march-against-monsanto.com/press-release/
[2] http://www.stopogm.net/
[3] http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ambientalistas-querem-banir-herbicida-mais-utilizado-em-portugal-1690295
[4] http://tinyurl.com/q4nqw9m de http://www.base.gov.pt/
[5] http://www.stopogm.net/cultivos
[6] http://stopogm.net/faqs#k

stopmonsanto

– Marcha Contra a Monsanto Setúbal –https://www.facebook.com/events/788368934579814/

– Marcha Contra a Monsanto Lisboa –https://www.facebook.com/events/1581254722145697/

– Marcha Contra a Monsanto Coimbra –https://www.facebook.com/events/480587455422343/

– Marcha Contra a Monsanto Porto – https://www.facebook.com/events/1573340366271296/

– Marcha Contra a Monsanto Funchal –https://www.facebook.com/events/924531354265128/

– Marcha Contra a Monsanto Faro – https://www.facebook.com/events/1831860383706009/

– Marcha Contra a Monsanto Lagos – https://www.facebook.com/events/690530481073665/

[Grécia] Massiva manifestação antimineração obriga mercenários de empresa mineradora a antecipar saída de Atenas

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Fonte: Notícias Anarquistas on 16 de abril de 2015


Hoje, 16 de abril de 2015, Atenas se manifestou em solidariedade com a luta antimineração em Calcídica. Mais de 3.000 pessoas, a maioria anarquistas, antiautoritários e membros de grupos e partidos esquerdistas extraparlamentares, participaram da manifestação que aconteceu no centro de Atenas, alçando a voz contra a mineração de ouro no norte de Calcídica.

A concentração da manifestação foi realizada no pátio dos Propileus da velha Universidade, no centro de Atenas. Atualmente, o edifício neoclássico da velha Universidade abriga a Reitoria da mesma, que está ocupada há 18 dias por solidários com a greve de fome de alguns presos políticos. O edifício da Reitoria está sob o cerco policial já faz alguns dias.

A manifestação começou com confrontos entre policiais e ativistas que tentaram romper o cordão policial em torno do edifício da Reitoria (vídeo¹). Os manifestantes marcharam quase uma hora pelo centro, atravessando a praça principal de Síntagma (Constituição), onde o Parlamento está localizado, antes de retornar ao local da concentração, ali a maioria dos manifestantes se dispersou. Um pequeno grupo foi para o bairro vizinho de Exarchia, onde, por um tempo, surgiram confrontos entre este grupo e os policiais.

Observamos que na parte da manhã muitos dos mineiros, valentões, funcionários e outros mercenários contratados pela empresa mineira Ouro Grego, filial grega da multinacional Eldorado Gold, chegaram a Atenas com o objetivo de se manifestar pela materialização do projeto de mineração. Um porta-voz da empresa afirmou que estes canalhas chegariam à praça principal e acampariam à noite do lado de fora do Parlamento. Porém, a massividade da manifestação antimineração obrigou-os a mudar seus planos, cancelar o acampamento e deixar Atenas na tarde do mesmo dia da chegada.

Um dos esbirros da patronal da empresa de mineração, disse como porta-voz dela, que optaram por sair com antecedência de Atenas para não coincidir com a marcha antimineração. É uma pena que tenham feito uma longa viagem (à custa da mineradora é claro) e ficado tão pouco tempo em Atenas. Esperamos que voltem, e que na próxima vez façam o possível para não coincidir com os nossos caminhos.

A luta antimineração nos preocupa a todos. E vai continuar até a anulação do desastroso projeto de mineração em Calcídica.

[1] https://www.youtube.com/watch?v=uZBaB6yWU5M

O texto em castelhano:

http://verba-volant.info/es/masiva-manifestacion-anti-minera-obliga-a-mercenarios-de-empresa-minera-a-adelantar-su-salida-de-atenas/#more-9684

Conteúdo relacionado:

http://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2015/04/16/grecia-16-de-abril-de-2015-atenas-se-manifesta-contra-a-mineradora-de-ouro-em-calcidica/

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Quase escondida
entre a casca e o tronco
teia de aranha.

Rodrigo de Almeida Siqueira

Os amigos de Hitler (Um texto de Eduardo Galeano)

Tradução por José Roberto de Luna, Maio de 2015.

Reproduzimos um esclarecedor texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, extraído de seu livro Espelhos: uma história quase universal. Galeano, com mãos de um cirurgião especialista, disseca e descreve a perfeita simbiose entra as grandes corporações capitalistas dos EUA e da Alemanha – de antes e de agora – que com a inestimável colaboração da Igreja Católica e dos bancos suíços abriram caminho para a ascensão do Nazi-fascismo e sua conquista da Europa… e para a maior hecatombe que já conheceu a história humana. Uma leitura necessária e muito recomendável de um dos ensaístas mais lúcidos do panorama literário atual em espanhol. [Os negritos são nossos]

“Os amigos de Adolf Hitler têm má memória, mas a aventura nazi não teria sido possível sem a ajuda que deles recebeu.

Como seus colegas Mussolini e Franco, Hitler contou com o precoce beneplácito* da Igreja Católica.

Hugo Boss vestiu seu exército.

Bertelsmann publicou as obras que instruíram seus oficiais.

Seus aviões voavam graças ao combustível da Standard Oil [hoje Exxon e Chevron], seus soldados viajavam em caminhões e jeeps da marca Ford.

Henry Ford, criador desses veículos e do livro O judeu internacional, foi sua musa inspiradora. Hitler agradeceu por tudo condecorando-o.

Também condecorou o presidente da IBM, a empresa que tornou possível a identificação dos judeus.

A Rockefeller Foundation financiou investigações raciais e racistas da medicina nazi.

Joe Kennedy, pai do presidente, era embaixador dos Estados Unidos em Londres, porém mais parecia embaixador da Alemanha. E Prescott Bush, pai e avô de presidentes, foi colaborador de Fritz Thyssen, quem pôs sua fortuna à disposição de Hitler.

O Deutsche Bank financiou a construção do campo de concentração de Auschwitz.

O consórcio IGFarben, o gigante da indústria química alemã, que depois passou a se chamar Bayer, Basf ou Hoechst, usava como ratos de laboratório os prisioneiros dos campos, e além disso os usava como mão de obra. Estes operários escravos produziam de tudo, incluindo o gás que ia matá-los.

Os prisioneiros trabalhavam também para outras empresas, como Krupp, Thyssen, Siemens, Vasrta, Bosch, Daimler Benz, Volkswagen e BMW, que eram a base econômica dos delírios Nazis.

Os bancos suíços ganharam uma nota preta comprando de Hitler o ouro de suas vítimas: suas joias e seus dentes. O ouro entrava na Suíça com assombrosa facilidade, enquanto a fronteira estava completamente fechada* para os fugitivos de carne e osso.

A Coca-cola inventou a Fanta para o mercado alemão em plena guerra. Nesse período, também Unilever, Westinghouse e General Eletric multiplicaram ali seus investimentos e suas ganâncias.

Quando a guerra terminou, a empresa ITT recebeu uma milionária indenização porque os bombardeios aliados haviam danificado suas fábricas na Alemanha”.

Eduardo Galeano (Uruguai, 1940)

Fragmento de Espejos: una historia casi universal (ISBN: 978-84-323-1314-1)

Siglo XXI Ed. (Madrid, México, Buenos Aires, 2008)

Notas do tradutor:

* Aprovação.

* Aqui se perdeu um jogo de palavras. No original, Galeano usa a expressão “a cal y canto” (que significa que algo está absolutamente fechado) para contrastar com a expressão “de carne e osso” que vem em seguida.

Quando Eduardo Galeano Entrevistou Pocho Mechoso, preso anarquista recém-foragido.

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Fonte: Notícias y Anarquía
Tradução: José Roberto de Luna

Logo após a morte de Eduardo Galeano, vêm muitas lembranças dele, de suas palavras, de seus versos, à nossa mente. Hoje queremos recordá-lo com esta entrevista que fez com o companheiro Alberto “Pocho” Mechoso, militante da Federação Anarquista Uruguaia e de seu braço armado, a Organização Popular Revolucionária 33 Orientales, que se encontrava preso nos anos 70 e conseguiu escapar da prisão depois de várias torturas feitas pelos serviços de inteligência, o que demonstra mais uma vez que a pena de Galeano sempre esteve disposta como uma espada para as lutas do povo; assim, a tarefa de entrevistar Pocho Mechoso Galeano assumiu com a importância que se requer, com a dor de ver a repressão no Uruguai e com a convicção de que uma saída revolucionária e antiautoritária era necessária.

Tendo as devidas precauções de segurança quanto à cruel repressão do governo, Galeano muda de nome e afirma realizar a entrevista na Espanha, embora sendo realizada no Uruguai, para que a polícia pensasse que Pocho Mechoso tinha saído do país e assim pudesse descansar um pouco quanto a isso.

É também preciso lembrar que o companheiro Alberto Mechoso, quem posteriormente fugiu da Argentina, cujo paradeiro seria descoberto pela ditadura do país gaúcho, no dia 26 de setembro de 1976, que o fez desaparecer . Seus restos foram encontrados em dezembro de 2012.

***

A reportagem depois da fuga

A reportagem de Eduardo Galeano com Pocho Mechoso começa dizendo: “O Pastor Georges Casalis, professor da Faculdade de Teologia Protestante de Paris, acaba de denunciar “a evolução fascista dos países do Rio de la Plata”… Referindo-se ao Uruguai… é fim do mundo. Parece que se alcançou o fundo do poço. Nos diz depois Galeano: “Entrevistamos um homem que emergiu do fundo do poço e relata o que sofreu e viu… Fugiu do quartel no dia 21 de novembro, em uma ação espetacular… Ainda urina sangue, não recuperou a sensibilidade da mão direita e duas de suas costelas permaneceram afundadas pelos pontapés que lhe deram os oficiais.

Tem pressa, entretanto, de retornar ao Uruguai. “Volto para me incorporar à luta”, nos diz. “A luta se dá tanto dentro do quartel, na tortura, como fora, na rua…”.

Pergunta Galeano: Você foi torturado desde o princípio?

Pocho: Sim… queriam que eu lhes dissesse onde estava a Bandeira dos 33 (uma bandeira insígnia no Uruguai, recuperada pela guerrilha anarquista), que a OPR pegou do Museu Histórico Nacional. Também queria que lhes falasse do sequestro de Molaguero…”.

Pergunta Galeano: Mas se você não tinha falado, era preciso que fugisse?

P. Não me iam deixar sair em liberdade. Eu sabia disso. Me pôr em liberdade era como deixar clara sua impotência, o fracasso de seus métodos.

G. O que você viu?

P. Bem, mas do que ver eu escutei. Porque estive encapuzado todo o tempo. Mas não há pior tortura do que sentir como torturam as outras pessoas. No Quinto de Artilharia tinham um menino de seis anos preso junto a seu pai e a sua mãe. O menino escutava os gritos da mãe quando a estavam torturando. Torturavam o marido de uma mulher grávida de sete meses na sua frente no 2 e 3 de infantaria… vários casos de estupros…

G. E agora?

P. Quando você vê bem claro como são os inimigos, que outra coisa pode fazer que não voltar e ocupar seu posto? Se algo se percebe bem dentro do submundo dos quarteis do meu país, em meio ao bastão de choque, ao cavalete, ao submarino, é de qual lado da trincheira sempre se tem que estar. Eu vou estar de novo metido entre o povo. Um referente de luta da minha classe. Lutando. Ali vou me reencontrar com meus filhos, também com meu irmão. Agora perseguidos os dois.

G. Mas, depois da fuga, andaram te procurando por todos os lados. Vai ser difícil pra você ficar no Uruguai?

P. Isso está claro. O momento é muito difícil para todos os que lutam. Sei que para mim é coisa de “Liberdade ou Morte”, como diz a Bandeira dos 33.

Notas sobre Michel Foucault e os Anarco-Ecologistas

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Foto: Spencer Tunick: Anarquia global nos Alpes Suíços (2008).

 

Fonte: Ciência Social Ceará
Por Ubiracy de Souza Braga*

* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

O filósofo Michel Foucault deixou inscrita uma das mais belas profecias sobre o “cuidado de si”. Uma ética política sobre a história da sexualidade, incluída a morte. A problemática da “governamentalidade” (cf. Foucault, 1979; 1984a; 1984b) fora retomada no “resumo dos cursos do College de France” (1970-1984): “gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez durante dez anos”. Veio a falecer em 25 de junho de 1984, “quando seu estado de saúde não mais lhe permitia prepará-los”. Salvo engano, nenhum sistema de pensamento (cf. Foucault, 2000a) em tão pouco tempo, obteve repercussão tão ampla e evidente, do ponto de vista da mudança de simbólica, a partir de temas como: “a crítica da razão governamental”, “a analítica do poder”, sobre as relações “espaço-tempo” e “poder-saber”, “estética da existência” e “experimento moral”, e mesmo entre o “império do olhar” e “arte de ver”. É impossível esquecer a tese segundo a qual “a visibilidade é uma armadilha” numa sociedade que “canceriza” a vista através do poder disciplinar.

Greenpeace – é uma organização dita “não governamental” com sede em Amsterdã, nos Países Baixos, e escritórios espalhados por 40 países. Atuam internacionalmente em questões relacionadas à preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, com campanhas dedicadas às áreas de florestas (Amazônia brasileira), clima, nuclear, oceanos, engenharia genética, substâncias tóxicas, transgênicos e energia renovável. A “organização” busca sensibilizar a opinião pública através de atos, publicidades e outros meios. Sua atuação é baseada nos pilares filosóficos-morais da desobediência civil e tem como princípio básico a ação direta. Fundado em 1971 no Canadá por imigrantes americanos, tem atualmente cerca de três milhões de colaboradores em todo o mundo – quarenta mil no Brasil (Greenpeace Brasil) – que doam quantias mensais que variam de acordo com o país. Entre os primeiros ativistas que ajudaram a fundar a organização na década de 1970 havia pessoas com estilo de vida hippie e membros de comunidades quakers americanas, que migraram para o Canadá por não concordarem com a guerra do Vietnã.

Nascido em uma família tradicional de médicos, Michel Foucault frustrou as expectativas de seu pai, cirurgião e professor de anatomia em Poitiers, ao interessar-se por história e filosofia. Apoiado pela mãe, Anna Malapert, mudou-se para Paris em 1945 e antes de conseguir ingressar na École Normale da rue d`Ulm, foi aluno do filósofo Jean Hyppolite, que lhe apresentou à obra de Hegel. Em 1946 conseguiu entrar na École Normale. Seu temperamento fechado o fez uma…

…pessoa solitária, agressiva e irônica. Em 1948, após uma tentativa de suicídio, iniciou um tratamento psiquiátrico. Em contato com a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise, onde leu: Platão, Hegel, Marx, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Freud, Bachelard, Lacan e outros, aprofundando-se em Kant, embora criticasse a noção do sujeito enquanto mediador e referência de todas as coisas, já que, para ele, o homem é produto das práticas discursivas.

Portanto é a partir dela que, se tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault (1984; 1986) para identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas” entre arqueologia e história das ideias, pode-se agora inverter o procedimento; pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral, correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores, dos livros ou dos temas. Metodologicamente importante para o que nos interessa, na medida em que o Autor, com o único fim de estabelecê-las trabalhou com algumas séries de noções (formações discursivas, positividade, arquivo), definindo um domínio (os enunciados, o campo enunciativo, as práticas discursivas), tentando fazer surgir a especificidade de um método que não seria nem formalizador, nem interpretativo, “pois já existem muitos métodos capazes de descrever e analisar a linguagem, para que não seja presunção querer acrescentar-lhes outro”, afirma. Além disso, ele já havia mantido “sob suspeita”, expressão que Foucault utiliza repetidas vezes hic et nunc, unidades de discurso como o livro ou a obra porque desconfiava que não fosse tão imediatas e evidentes quanto pareciam:

será razoável opor-lhes unidades estabelecidas à custa de tal esforço, depois de tantas hesitações e segundo princípios tão obscuros que foram necessárias centenas de páginas para elucidá-los? E o que todos esses instrumentos acabam por delimitar, esses famosos ‘discursos’ cuja identidade eles demarcam, coincidem com as figuras (chamadas ‘psiquiatria’ ou ‘economia política’ ou ‘história natural’) de que eu tinha empiricamente partido, e que me serviram de pretexto para remanejar esse estranho arsenal? Forçosamente, preciso agora medir a eficácia descritiva das noções que tentei definir. Preciso saber se a máquina funciona e o que ela pode produzir. O que pode, então, oferecer essa ‘arqueologia’, que outras descrições não seriam capazes de dar? Qual é a recompensa de tão árdua empresa”? (cf. Foucault, 1986:155-56).

Entre “análise arqueológica” e “história das ideias”, os pontos de separação são numerosos para Michel Foucault, A Arqueologia do Saber(1986), mas simplificadamente apresentam quatro distinções: 1ª) A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como documento, mas onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não busca um “outro discurso” mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”; 2ª) A arqueologia não procura encontrar a transição contínua e insensível que liga, em declive suave, os discursos ao que os precede, envolve ou segue.

O problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua especificidade; mostrando em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a qualquer outro; segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor salientá-los. Ela não vai, afirma, em progressão lenta, do campo do confuso da opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não é uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª) A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela não é nem psicologia, nem sociologia, nem, num sentido mais geral, “antropologia da criação”. A obra não é para ele um recorte pertinente, mesmo se se tratasse de recolocá-la em seu contexto mais global ou na rede das causalidades que a sustentam. Ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais, às vezes as comandam inteiramente e as dominam sem que nada lhes escape; mas às vezes, também, só lhes rege uma parte. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser de uma obra e princípio de sua unidade lhe é estranha.

Finalmente, a arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde Autor e obra troca de identidade; onde o pensamento permanece ainda o mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria identidade. Não se pretende apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita; isto é, na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto. (cf. Rouanet, 1971; Jalón, 1994; Zurek e Oliveira, 2002; Braga, 2006; 2008).

Dois anos depois, Foucault se licenciou em Filosofia na Sorbonne e no ano seguinte formou-se em psicologia. Em 1950 entrou para o Partido Comunista Francês – PCF, mas “afastou-se devido a divergências doutrinárias”. No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica. No mesmo ano tornou-se assistente na Universidade de Lille. Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades, na Alemanha, na Suécia, na Tunísia, nos Estados Unidos e em outras. Escreveu para diversos jornais e trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões. Viajou o mundo fazendo conferências. Em 1955, mudou-se para Suécia, onde conheceu Dumézil. Este contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault. Conviveu com intelectuais importantes como Jean-Paul Sartre, Jean Genet, Canguilhem, Gilles Deleuze, Merlau-Ponty, Henri Ey, Lacan, Binswanger, etc. Aos 28 anos publicou “Doença Mental e Psicologia” (1954), mas foi com “História da Loucura” (1961), sua tese de doutorado na Sorbonne, que ele se firmou como filósofo, embora preferisse ser chamado de “arqueólogo”, dedicado à reconstituição do que mais profundo existe numa cultura – arqueólogo do silêncio imposto ao louco, da visão médica, e ainda “O Nascimento da Clínica”, (1963), das ciências humanas “As Palavras e as Coisas”, (1966), do saber em geral: “A Arqueologia do Saber” (1969). Esteve no Brasil em 1965 para conferência à convite de Gerard Lebrun, seu aluno na rue d`Ulm em 1954. Em 1971 ele assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento. A aula inaugural teve como título: “A Ordem do discurso”.

Metodologicamente Foucault, entende que,

o silêncio, ou melhor, a prudência com que as teorias unitárias cercam a genealogia dos saberes seria talvez uma razão para continuar. Poderíamos multiplicar os fragmentos genealógicos. Mas seria otimista, tratando-se de uma batalha dos saberes contra os efeitos de poder do discurso científico – tomar o silêncio do adversário como a prova de que lhe metemos medo. O silêncio do adversário – este é um princípio metodológico, um princípio tático que se deve sempre ter em mente – talvez seja também o sinal de que nós de modo algum lhe metemos medo. Em todo caso, deveríamos agir como se não lhe metêssemos medo. Trata-se, portanto não de dar um fundamento teórico contínuo e sólido a todas as genealogias dispersas, nem de impor uma espécie de coroamento teórico que as unificaria, mas de precisar ou evidenciar o problema que está em jogo nesta oposição, nesta luta, nesta insurreição dos saberes contra a instituição e os efeitos de poder e de saber do discurso científico” (cf. Foucault, 1984:173-74, grifos meus).

Esta “genealogia” ou “arqueologia”, pois os dois termos são praticamente equivalentes que encontramos no título de vários livros de Foucault não é o relato de um desenvolvimento continuo, acumulativo, progressivo, mas a exumação de uma série de estratos heterogéneos e descontínuos. Lembramos que a observação que lhe fez Henri Gouhier a Foucault em 1961 sobre Folie et déraison era profundamente exata: o acusava de “pensar mediante alegorias”, de recorrer a “conceitos mitológicos: a Idade Média, a Renascença, a Época clássica, o Homem ocidental, o Destino, a Nada, a memória dos homens”. E agregava: “São estas personificações as que lhe permitem uma espécie de invasão metafísica na história e as que transformam em certo modo o relato em epopeia, e a história em drama alegórico, animando uma filosofia”.

 

Michel Foucault: um arqueólogo do saber.

Assim, a “arqueologia” que propõe Foucault se assemelha mais a uma “fábula conceitual” do que a uma investigação histórica fiável. O que, por certo, não teria nada de ilegítimo e poderia justificar-se perfeitamente: segundo os princípios mesmos do aparente “relativismo nietzschiano”, na falta de melhor expressão, que ele reivindica todo historiador nunca faz outra coisa que correr atrás de uma verdade inatingível e só chega a uma versão provisória da “fábula do mundo”. Mas por que, neste caso, apresentar seu trabalho de forma dogmática, como fazia Foucault em seus livros? Quando se observa com detalhe, se constata que apresentou também seus livros como ficções, o que supunha um meio muito cômodo de evitar responder às objeções efetuadas por historiadores a propósito de tal ou qual aspecto de sua produção.

Politicamente falando Foucault, entende ainda que se se deve falar do sexo, e falar publicamente, de uma maneira que não seja ordenada em função de uma demarcação entre o lícito e o ilícito, mesmo se o locutor preservar para si a distinção (é para mostrá-lo que servem essas declarações solenes e liminares); cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. Para ele, com o qual concordamos em gênero, “o sexo, não se julga apenas, administra-se” (cf. Foucault, 1984: 27). Está tudo aí: o sentido da verdade paraMichel Foucault.

O “cuidado de si” – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação das relações sociais. Sêneca dedica um consolo à sua mãe, no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma” que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas. Enfim, para sermos breves, é esse tema do cuidado de si, consagrados por Sócrates, que a filosofia ulterior retomou, e que ela acabou situando no cerne dessa “arte da existência”, no sentido da espécie, do “sentido da verdade”, que extravasando de seu quadro de pensamento em sua origem e se desligando de suas significações filosóficas primeiras, adquiriu progressivamente as dimensões e as formas de uma verdadeira “cultura de si”.

Por essa expressão é preciso entender que o princípio do “cuidado de si” adquiriu um alcance bastante geral: o preceito segundo o qual convém ocupar-se consigo mesmo é em todo caso um imperativo que circula entre numerosas doutrinas diferentes; ele mesmo tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constituiu assim uma prática social, dando lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber. Daí a aproximação genealógica, fora da perspectiva individualista, mas dentro da ênfase da vontade de saber.

Lembramos que foi o teórico social francês Pierre Joseph Proudhon o primeiro a esboçar “o conceito de que igualdade e justiça devem ser consumadas através da extinção do Estado e sua substituição por livres acordos entre indivíduos”. Grupos de anarquistas tentaram encontrar apoio popular em vários Estados europeus nas décadas de 1860 e 1870. Eles hostilizavam o marxismo afirmando que a tomada de poder pelos trabalhadores apenas perpetuaria a opressão. O anarquista russo Mikhail Bakunin fundou a Aliança Social Democrática (1868) tentando tirar os trabalhadores da “Internacional de Marx”. Anarquistas oscilavam entre as estratégias de associações espontâneas e de atos violentos contra os representantes de Estado. O presidente da França, o rei da Itália e a imperatriz da Áustria foram assassinados por anarquistas entre 1894 e 1901. Subsequentemente eles tentaram mobilizar a massa trabalhadora apoiando a Greve Geral Russa, que delineou as revoluções russas de 1905 e 1917. Sua influência na Europa declinou após o aparecimento dos Estados totalitários. Na última metade do século 20 o anarquismo atraiu terroristas urbanos comum puzzle para repensar as formas de habitat nas metrópoles.

O anarquismo individualista ou “anarco-individualismo” é uma tradição filosófica do anarquismo com ênfase no indivíduo, e sua vontade, argumentando que “cada um é seu próprio mestre”, interagindo com os outros através de uma “associação voluntária”. O anarquismo individualista refere-se a algumas tradições de pensamento dentro do movimento anarquista que priorizam o indivíduo sobre todo tipo de determinação externa, que ele é “um fim em si mesmo” e “não um meio para uma causa”, incluindo grupos, “bem-comum”, sociedade, tradições e sistemas ideológicos. O anarquismo individualista não é uma forma simplificada de pensar a filosofia, mas que se refere modus operandi para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. Dessemodus resulta que se refere ainda a um conjunto de filosofias individualistas que estão frequentemente em conflito umas com as outras.

Historicamente surge em primeiro lugar nos Estados Unidos, depois na Europa no século XIX, sendo aderido especialmente por autores e ativistas estadunidenses que formaram tradição individualista nativa. Também teve um desenvolvimento particularmente forte em 1920 na França e no Reino Unido. O anarquismo individualista não é uma filosofia simples, mas que se refere a um conjunto de filosofias individualistas que estão frequentemente em conflito umas com as outras. As primeiras influências sobre o anarquismo individualista foram os pensamentos de William Godwin, Henry David Thoreau com a “temática do transcendentalismo”, Josiah Warren “defendendo a soberania individual”, Lysander Spooner, Pierre Joseph Proudhon e Benjamin Tucker “focando no Mutualismo”, Herbert Spencer e Max Stirner e seu egoísmo. Além disso, os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco, cidade onde Foucault pode vivenciar algumas experiências marcantes em sua vida pessoal no que diz respeito à sua homossexualidade. Berkeley tornou-se um pólo de contato entre Foucault e os Estados Unidos.

Esta é uma das duas principais categorias em que se divide o anarquismo, sendo a outra o anarquismo coletivista. Acrescentemos que ao contrário do anarquismo comunista, o anarquismo individualista nunca foi um movimento social, mas um fenômeno filosófico/literário. O anarquismo filosófico, isto é, que não defende uma revolução para remover o estado, “é um componente especial do anarquismo individualista”.  Dentre as semelhanças dos diversos tipos de anarquismos individualistas,                                        estão, entre outros aspectos políticos: a) A concentração sobre o indivíduo e sua vontade sobre quaisquer construções, tais como moralidade, ideologia, costume social, religião, metafísica, ideias ou “vontade de terceiros”; b) A rejeição ou restrição sobre a ideia de revolução, vendo-a como um momento de revolta em massa que poderia trazer novas hierarquias.

Em vez disso, é a favor de métodos mais evolutivos de levar a anarquia através de “experiências alternativas” e conhecimentos que poderiam ser trazidos hoje. Isto também porque não é visto como desejável para os indivíduos o fato de ter de esperar pela revolução para começar a experimentar experiências alternativas fora do que é oferecido no sistema social vigente; c) O ponto de vista de que as relações com as pessoas e outras coisas “só pode ser do próprio interesse e pode ser tão transitório e sem compromisso como desejado”, já que anarco-individualistas normalmente rejeitam o sacrifício. Desta forma, Max Stirner “recomendou associações de egoístas”. Por isso a experiência individual e exploração são temas sempre enfatizados.

Do ponto de vista da etno-musicologia, vale lembrar que houve um crescimento no interesse popular ao anarquismo ocorrido durante os anos 1970 no Reino Unido após o nascimento do punk rock, em particular os gráficos influenciados pelo situacionismo do artista Jamie Reid, que desenhava para os Sex Pistols e o primeiro single da banda, “Anarchy in the UK”. No entanto, enquanto que a cena punk inicial adotava imagens anarquistas principalmente por seu valor de choque, a banda Crass pode ter sido a primeira banda punk a expor ideias anarquistas e pacifistas sérias. O conceito do anarcopunk foi assimilado por bandas como Flux of Pink Indians e Conflict. O co-fundador do Crass, Penny Rimbaud, disse que sentia que os anarcopunks eram representantes do punk verdadeiro, enquanto que bandas como os Sex Pistols, The Clash e The Damned eram nada mais do que “fantoches da indústria musical”.

Enquanto passavam os anos 1980, dois novos subgêneros da música punk evoluíram do anarcopunk: crust punk e d-beat. O “crust punk”, e seus pioneiros foram as bandas: Antisect, Sacrilege e Amebix. Osd-beat foram uma forma de música punk “mais bruta e rápida”, e foi criada por bandas como Discharge e The Varukers. Um pouco depois, na mesma década, ogrindcore desenvolveu-se do anarcopunk. Semelhante com o “crust punk”, porém ainda mais extremo musicalmente (utilizava blast beats e vocais incompreensíveis), seus pioneiros foram Napalm Death e Extreme Noise Terror. Paralelamente ao desenvolvimento desses subgêneros, muitas bandas da cena hardcore punk dos Estados Unidos tinham a ideologia anarquista, incluindo MDC e Reagan Youth.

Uma Instalação do artista Spencer Tunick (foto), nos Alpes Suíços, mostra vulnerabilidade do homem diante das mudanças climáticas. Seiscentas pessoas tiraram suas roupas em uma geleira nos Alpes Suíços para pedir ajuda de emergência para todo o planeta: lutar contra o aquecimento global. Os voluntários posaram para o Greenpeace na “instalação de nu” do renomado fotógrafo Spencer Tunick na geleira Aletsch. O aquecimento global está derretendo nossas geleiras e deixando todo o planeta vulnerável a mudanças extremas de clima, inundação, elevação do nível do mar, aumenta de doenças e deslocamento de populações. Se o aquecimento global continuar nos níveis atuais, a maioria das geleiras na Suíça desaparecerá completamente até 2080. Nos últimos 150 anos, geleiras alpinas tiveram uma redução de aproximadamente um terço de sua superfície e cerca de metade de seu volume. E o derretimento está mais acelerado a cada dia.

De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o mundo tem apenas oito anos para tomar alguma atitude para frear uma catástrofe climática. Sem uma mudança de atitude, os danos podem ser irreversíveis. Nunca antes a humanidade enfrentou uma crise ambiental como essa. As mudanças climáticas exigem decisões políticas rápidas e corajosas para radicalmente reduzir as emissões de gases de efeito estufa e estabilizar o aquecimento do planeta. Governos de todo o mundo precisam saber que as pessoas que eles representam exigem que tomem uma atitude. Conhecido em todo o mundo por suas instalações, Spencer Tunick quer que as pessoas saibam que aquecimento global não é um assunto abstrato, mas uma ameaça real e perigosa que afeta a todos nós: “Eu quero que as pessoas sintam a vulnerabilidade de sua existência e como isso está diretamente relacionado com a fragilidade das geleiras mundiais”, disse.

O site dinamarquês Sermitsiaq teve uma ideia ousada para registrar o aquecimento global. Eles instalaram uma câmera no glaciar Ilulissat, na Groenlândia. Você pode assistir ao vivo pela internet o processo de derretimento das geleiras de lá. Em tempo real. A geleira se move 22 metros por dia. Cada uma das fraturas da geleira pode ter uma parede de gelo com mil metros de altura. Se todas as geleiras como essa continuarem derretendo, o nível do mar pode subir 7 metros. Não vai acontecer do dia para a noite, como se pode ver na câmera do site. A transmissão ao vivo da geleira serve como conscientização para o problema do aquecimento global.

Com a popularização das teses políticas e ecológicas colocadas em pauta em parte do mundo ocidental, mais fortemente a partir dos anos 1960, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são: a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte-americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e, b) a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotado pelo “eco-guerrilha”, ou “sabotagem ecológica”, pela organização chamada Earth Firstinicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não violência, ação direta e “ecologia profunda”.

Para seus próceres a Earth First! foi fundado em 1979, em resposta a uma comunidade “ambientalista letárgica”, transigente e crescentemente corporativa,

tem uma conduta decididamente diferente em relação aos problemas ambientais. Nós acreditamos em usar todas as ferramentas disponíveis, se estendendo desde organizar o povão e o envolvimento no processo legal até a desobediência civil e a danificação de equipamentos. Earth First! é diferente de outros grupos ambientais. Aí estão algumas coisas para se ter em mente sobre o Earth First! e algumas sugestões para ser um Earth First!er ativo e útil: Primeiro de tudo, Earth First! não é uma organização, e sim um movimento. Não existem “membros” do Earth First!, somente Earth First!ers. É uma convicção no biocenrismo de que a vida (a Terra) vem primeiro, e um exercício de pôr as nossas convicções em ação. Embora haja uma ampla diversidade dentro do Earth First! (de vegans defensores dos direitos dos animais a guias de caças em selvas, de sabotadores a atentos seguidores de Gandhi, de gentalha bêbada da roça a filósofos pensativos, de misantropos a humanistas), há acordo em uma coisa, a necessidade de ação!”.

Murray Bookchin (1921-2006) foi um escritor anarquista estado-unidense, fundador da escola da Ecologia Social. Na juventude foi influenciado pelo marxismo e mais tarde derivou para o trotskismo, mas foi gradualmente ficando cada vez mais desiludido com a coerção que viu como inerente ao marxismo-leninismo. Em alguns meios ficou conhecido por fazer críticas devastadoras ao marxismo usando linguagem marxista convencional. Nos anos 1960 foi membro da Liga Libertária. Durante os anos 1950 e 60, Bookchin construiu sobre os legados da filosofia social utópica e da teoria crítica, mudando a primazia do marxismo na esquerda e ligou crises ecológicas e urbanas contemporâneas aos problemas do capital e hierarquia social em geral. Bookchin permaneceu um anticapitalista radical defensor da descentralização da sociedade. Foi influente no movimento antiglobalização. Em meados dos anos 190 fundou o municipalismo. Alguns dizem que neste momento rompeu com o anarquismo. Entretanto suas ideias são cada vez mais “uma flexibilização das ideias anárquicas”. Bookchin é o autor de alguns livros importantes, tais como: Anarquismo Pós-Escassez, A Ecologia da Liberdade, Sociobiologia ou Ecologia Social?, e outras obras tratando do “municipalismo libertário”.

O “Anarquismo Verde”, ou “Eco Anarquismo”, é uma corrente anarquista que defende, como qualquer outra corrente anarquista, um movimento contra a hierarquia e qualquer forma de autoridade social, mas que parte de um ponto de vista centrado na natureza e na sua relação com ela. A maior parte dos apologistas do anarquismo verde defendem uma perspectiva anti-civilização, apontando para uma realidade humana sem hierarquia como tendo uma origem natural e biológica. O seu discurso distingue-se normalmente das outras correntes pela sua crítica à tecnologia, produto da lógica de domesticação da sociedade patriarcal, como sendo social e politicamente parcial. O anarquismo verde defende assim uma relação estreita do homem com a natureza, em alternativa à economia da produção em massa onde ele desempenha uma pequena tarefa, reduzido ao trabalho desumano, na gigante máquina industrial, também referida como a megamáquina.

Práticas de liberação acontecem, produzem éticas e problematizam a política. Não acolhem formalizações, mas delas se desvencilham. Foucault reparava, nos anos 1970 e 1980, como as práticas de liberação gradativamente se domesticavam sob o regime de direitos com mais direitos, abandonando o que tinham de experimentação inovadora. Em A hermenêutica do sujeito registrou a importância filosófica e política dos anarquistas, no século XIX, em função da constituição de um sujeito autônomo e livre, inclusive ultrapassando estes limites, dando atenção, ainda que brevemente, a Max Stirner. Mas como tratar da parrésia e ser um parresiasta numa era de culto global à democracia e de captura da Anarquia? Foucault mostrava em seu curso O nascimento da biopolítica, que a democracia – nesta sociedade que já não era mais só disciplinar e que mais tarde Gilles Deleuze anunciou como sociedade de controle, de intermináveis controles -, ampliava conservadorismos políticos, penalidades e religiosidades. Então, um parresiasta se atualiza ao questionar a democracia não pela sua bula, mas pelo paradoxo que faz conviver crescimento de liberdades com ampliação de “assujeitamentos”; ao discutir os anarquismos diante de sua incorporação no interior de lutas democráticas.

O parresiasta é próprio da democracia ateniense e também da Anarquia contemporânea. Ele pratica a verdade como obrigação e exige franqueza; escolhe a fala em vez do silêncio; reconhece o risco de morte sobre a segurança; evita a lisonja; faz de sua atitude uma obrigação moral em vez de agir segundo uma conduta relativa ao próprio interesse ou ao aparato moral. No campo filosófico a parrésia está relacionada com o cuidado de si. A palavra parrésia, que apareceu primeiro na tragédia mais racional de Eurípedes, em latim se transformou em libertas (liberdade de quem fala). O anarquista não se prepara para a revolução. Ele pratica insurreições todos os dias, associando-se aos parceiros e experimentando outros costumes. A associação é o lugar da existência amistosa e conflituosa, estabelecida por pessoas contundentes, livres de regras fixas, constantes e imutáveis. Relaciona-se formando federações, compostas de miríades de associações que atravessam territórios, fronteiras e certezas. Os anarquistas são nômades, máquinas de guerra voltadas para destruir desigualdades, hierarquias e experimentar libertarismos. Eles inventam seus próprios percursos.

A Anarquia é “o exercício da diferença na igualdade”; é a obstrução a modelos, semelhanças, representações e programas. O anarquista não se prepara para a revolução. Ele pratica insurreições todos os dias, associando-se aos parceiros e experimentando outros costumes. A associação é o lugar da existência amistosa e conflituosa, estabelecida por pessoas contundentes, livres de regras fixas, constantes e imutáveis. Relaciona-se formando federações, compostas de miríades de associações que atravessam territórios, fronteiras e certezas. Os anarquistas são nômades, máquinas de guerra voltadas para destruir desigualdades, hierarquias e experimentar libertarismos. Eles inventam seus próprios percursos. A Anarquia é o exercício da diferença na igualdade; é a obstrução a modelos, semelhanças, representações e programas. Distinto da Académie que se compõe de quarenta membros conhecidos por Immortels, sendo que os novos membros são eleitos pelos mais antigos. Uma vez ingressado em seus quadros, ali permanece por toda a vida, podendo, entretanto, ser removido por conduta inapropriada.

O eco-anarquismo não é, simplesmente, anarquismo com preocupações ecológicas. Desde sempre que em toda a tradição anarquista houve, de alguma forma, uma crítica em defesa do ambiente. É a ideia de que a luta contra a exploração capitalista nos atinge-nos mais diversos modos, e que as pessoas ao não se organizarem em beneficio próprio, enfrentam a degradação, e o ambiente é uma dimensão desse assalto, que existe apenas para o beneficio materialista de alguns. O “anarquismo verde” vai um pouco mais longe do que isto, e considera esta análise, em relação ao ambiente, tão mecanicista como a análise do poder politico por parte dos anarco-sindicalistas. O anarquismo verde, mais do que defender um mundo aparentemente mais “verde”, ou certas expressões superficiais de uma natureza intacta defende uma integração absoluta e necessária no ecossistema, abandonando por completo os valores de comodidades liberais da sociedade autoritária.

Ainda mais importante que a criatura selvagem individual é a comunidade selvagem interconectada – a vida selvagem, o fluxo de vida não impedido pela interferência industrial ou pela manipulação humana. Estes temas gêmeos da interconexão e do valor intrínseco formam o âmago das ideias de pensadores ecológicos pioneiros tais como John Muir, Aldo Leopold e Rachel Carson, e são a base da ação dos Earth First!ers. Esta visão de mundo biocêntrica, oposta ao paradigma antropocêntrico da civilização (e à posição reformista dos grupos ambientais do mainstream), tem sido desenvolvida na filosofia da chamada “Ecologia Profunda” por filósofos como Arne Naess, da Noruega, John Seed, da Austrália, Alan Drengson, do Canadá e George Sessions, Bill Devall, Dolores LaChapelle e Gary Snyder, dos Estados Unidos, entre outros.

Arne Dekke Eide Næss (1912-2009) foi um filósofo e ecologista norueguês, inventor da teoria da ecologia profunda. Formado em filosofia em 1933, foi o professor mais jovem já contratado pela Universidade de Oslo, com apenas 27 anos. Næss iniciou seus estudos em ecologia no início da década de 1970 e em 1973 formulou o conceito de ecologia profunda onde afirma que a humanidade é como mais um fio na teia da vida, cada elemento da natureza, inclusive a humanidade, deve ser preservado e respeitado para garantir o equilíbrio do sistema da biosfera. Arne Naess era irmão mais novo do armador Erling Naess e tio do alpinista e multimilionário Arne Naess Jr. E ex-marido da cantora norte-americana Diana Ross.

John Seed é fundador e diretor do Centro de Informação Rainforest na Austrália. Desde 1979 ele esteve envolvido nas ações diretas, que resultaram na proteção das florestas australianas. Em 1984 ele ajudou a iniciar os EUARainforest Action Network, que cresceu a partir de seus primeirosroadshows muitos norte-americanos. Em 1987, ele coproduziu um documentário para a televisão nacional australiano sobre a luta pela floresta tropical. Uma história de primeira página sobre o trabalho de João noChristian Science Monitor, neste momento se referiu a ele como “o pregador para a aldeia global”.  Ele criou vários projetos que protegem as florestas tropicais em Sth América, Ásia e Pacífico através do fornecimento de projetos de desenvolvimento benignas e sustentável para os seus habitantes indígenas vinculados à proteção de suas florestas.

Estes projetos foram financiados pelo Governo Australiano ajuda agência AusAID, o Conselho Australiano das Igrejas e fundações diversas. Doações para projetos Rainforest Centro de Informação são dedutíveis na Austrália, EUA e Reino Unido. Ele escreveu e ministrou inúmeras palestras sobre “ecologia profunda” e vem realizando Conselhos de todos os seres e outras oficinas de reação da Terra ao redor do mundo durante 25 anos. Nos EUA, suas oficinas foram hospedadas por Esalen, Omega, Naropa e do California Institute of Integral Studies. Em 1995, ele foi condecorado com a Medalha de Ordem da Austrália (OAM) pelo governo australiano para os serviços de conservação e meio ambiente. Ele é membro da Fundação Findhorn e ocasional Scholar-in-Residence do Instituto Esalen.

Num sentido bastante concreto, os “anarquistas de estilo de vida” não são mais socialistas – defensores de uma sociedade libertária comunalmente orientada – e abstêm-se de qualquer comprometimento com um confronto social organizado e programaticamente coerente contra a ordem existente. Aventurismo ad hoc, ostentação pessoal, uma aversão à teoria estranhamente similar às tendências antirracionais do pós-modernismo, celebrações de incoerência teórica (pluralismo), um compromisso basicamente apolítico e antiorganizacional com a imaginação, o desejo, o êxtase e um encantamento da vida cotidiano intensamente voltado para si mesmo refletem o preço que a reação social cobrou do anarquismo euro-americano nas últimas duas décadas.

O ego – mais precisamente sua encarnação em vários estilos de vida – tornou-se uma idéia fixa para muitos anarquistas pós-1960, que estão perdendo contato com a necessidade de uma oposição organizada, coletiva e programática à ordem social existente. “Protestos” sem firmeza, traquinagens sem objetivo, a afirmação dos próprios desejos, e uma “recolonização” muito pessoal da vida cotidiana, são um paralelo aos estilos de vida psicoterápicos, new age, auto-orientados de “baby boomers” entediados e membros da Geração X. O anarquismo de estilo de vida, assim como o individualista, aporta um desdém para com a teoria, de ascendências místicas e primitivistas geralmente muito vagas, intuitivas, e mesmo antirracionais, analisadas friamente.

Sua linha ideológica, se entendermos que a ideologie, é “a relação imaginária do homem com as suas condições reais de existência” (cf. Braga, 2012), neste caso  basicamente liberal, fundamentada no mito do indivíduo completamente autônomo cujas reivindicações da própria soberania se valem de axiomáticos “direitos naturais”, “valores intrínsecos”, ou, em um nível mais sofisticado, do eu transcendental kantiano produtor de toda a realidade cognoscível. Louis Althusser é considerado um dos principais nomes do estruturalismo francês dos anos 1960, juntamente com Claude Lévi-Strauss, na Antropologia, Jacques Lacan, na Psicanálise, Michel Foucault, acerca da “genealogia do saber”, ou Jacques Derrida, do ponto de vista da “metafísica da presença” e outros, como aparece em Elementos de Autocrítica.

Porém, entendemos que Althusser não é estruturalista, enquanto aquele que apreende a realidade social como um “conjunto formal de relações”, pois seu pensamento é marcado fortemente por Benedito Spinoza, um dos grandes racionalistas do século XVII, dentro da chamada filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Marxista, filiou-se ao Parti communiste français, PCF – em 1948. Filiou-se ao PCF – Partido Comunista Francês em 1948. Em suas notas intituladas: “Seis iniciativas comunistas” (1977: 3 e ss.), afirma:

Agradezco al Círculo UEC de Filosofía de la Sorbona el haberme invitado a este debate. Se e há dejado en libertad de escoger mi tema.Y he pensado que no había hoy, en Francia, no sólo ya para los comunistas, sino incluso para todos aquellos que quieran acabar con la ditadura de la burguesia, con su explotación, su opresión, su cinismo y sus mentiras, tema más importante que el del XXII Congreso del Partido Comunista Fancés. Presentaré, pues, una serie de breves observaciones sobre la repercusión del XXII Congreso”(Althusser, 1977: 3).

Em seu ensaio – Novos Escritos – La crisis del movimento comunista internacional frente a la teoria marxista (1978) disserta sobre algumas questões da crise da teoria marxista e do movimento Comunista Internacional:

Me siento muy honrado y emocionado de poder hablar ante todos vosotros, gracias a la amable invitación del Colegio de Aparejadores y Arquitectos Técnicos de Catalunha. Es esta la tecera vez que hablo em España. La primera vez fue en Granada, en Pascua del 76. Pronuncié una conferencia sobre si se tenía o no derecho a hablar de la existência de una filosofia marxista. La segunda vez, fue unos días más tarde en Madrid. Pronuncié la misma conferencia. Cada vez hubo varios miles etudiantes. En Granada había demasiada gente para un debate público. Em cambio, en Madrid la disposición del local permitia la discusión, a pesar de la gran cantidad de estudiantes. Se me hicieron preguntas sobre la situación política francesa e española, sobre el abandono de la ditadura del proletariado por el XXII Congreso del partido francês. Contesté a todo, pero tuvo la impresión de que uma gran parte delos oyentes opinaban que mi conferencia era demasiado filosófica y no lo suficiente política” (cf. Althusser, 1978: 9).

Quatro anos depois se tornou professor de Filosofia da Ecole Normale Supérieure. Em 1946 Althusser conheceu Hélène Rytmann, uma revolucionária de origem judaico-lituana, oito anos mais velha. Ela foi sua companheira até 16 de novembro de 1980, “ano em que foi estrangulada pelo próprio Althusser, num surto psicótico”. As exatas circunstâncias do ocorrido não são conhecidas – uns afirmam ter se tratado de um acidente; outros dizem que foi um ato deliberado. Althusser afirma não se lembrar “claramente do fato”, alegando que, “enquanto massageava o pescoço da mulher, descobriu que a tinha matado”. A justiça considerou-o inimputável no momento dos acontecimentos e, em conformidade com a legislação francesa, foi declarado incapaz e inocentado em 1981.

Cinco anos mais tarde, em seu livro L`avenir dure longtemps, Althusser refletiu sobre o fato, pretendendo reivindicar uma espécie de “responsabilidade por seus atos” quando do assassinato, o que gerou um puzzle entre seus correligionários e detratores, sobre tal responsabilidade “ser filosófica ou real”. Althusser não foi preso, mas foi internado no Hospital Psiquiátrico Sainte-Anne, onde permaneceu até 1983. Após esta data, ele se mudou para o norte de Paris, onde viveu de forma reclusa, vendo poucas pessoas e não mais trabalhando, a não ser em sua autobiografia. Louis Althusser morreu de ataque cardíaco em 22 de outubro de 1990, aos 72 anos. Foi um filósofo francês de origem argelina como o fora Jean-Paul Sartre. Seu nome nasceu de uma homenagem ao seu tio paterno. Segundo o filósofo, sua mãe pretendia casar-se com esse tio, mas, após a morte deste e apenas em função disso, casou-se com o pai de Althusser. Sem “pai na teoria”, seu nome advém de forma “postiça” no plano psicológico.

Do ponto de vista filosófico hic et nunc estas tradicionais visões vêm à tona no “eu” ou no único (ego) de Max Stirner, que tem em comum com o existencialismo a tendência a absorver toda a realidade em si mesmo, como se o universo girasse em torno das escolhas do indivíduo auto-orientado. Ao negar as instituições e a democracia, o anarquismo de estilo de vida isola-se da realidade social para que assim possa esfumar-se com uma fútil raiva ainda maior, continuando, por meio disso, a ser uma travessura subcultural para ingênuos jovens e entediados consumidores de roupas pretas e pôsteres excitantes.

Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa atividade consagrada “a si mesmo”. Ela não constitui um exercício da solidão; mas sim uma verdadeira prática social. E isso, em vários sentidos. Mas toda essa aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas, do ensino e dos profissionais da direção da alma; ela encontrava, facilmente, seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de obrigação. Quando, no exercício do “cuidado de si”, faz-se apelo a outro, o qual se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um direito; e é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda a outro ou quando se recebe com gratidão as lições que ele pode dar. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a ajuda do outro inserir-se em relações preexistentes às quais ele dá uma nova coloração e um calor maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação das relações sociais. Sêneca dedica um consolo à sua mãe, no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma” que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas.

O poder, que sempre existirá, pertencerá ou ao coletivo, em uma democracia cara-a-cara e claramente institucionalizada, ou aos egos de poucos oligarcas, como ainda ocorre nesse pobre país que tem reproduzido uma “tirania das organizações sem estrutura”. O isolamento do “anarquismo de estilo de vida” e seus fundamentos individualistas devem ser considerados responsáveis por restringir o desenvolvimento do ingresso de um potencial movimento libertário de esquerda numa esfera pública cada vez mais reduzida. A bandeira negra, que os revolucionários defensores do anarquismo social levantaram nas lutas insurrecionais na Ucrânia e Espanha, torna-se agora um “sarongue” da moda, para deleite de chiques pequeno-burgueses e idiotas maníacos assexuados ávidos pelo poder como vemos aqui e agora.Veillons!

Bibliografia geral consultada:

BRAGA, Ubiracy de Souza, “Prolegômenos sobre o “cuidado de si”, de Michel Foucault”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 23 de dezembro de 2006; Idem, “Notas sobre o sentido da verdade em Michel Foucault”. Disponível em:http://www.secundoneto.blogspot.com. Francisco Secundo da Silva Neto, Editor, 16 de março de 2008; Idem, “Os AIE revividos. O present perfect de Louis Althusser”. Disponível em:http://www.oreconcavo.com.br/2012/01/05/os-aie-revividos-o-present-perfect-de-louis-althusser/; PROKOP, Dieter, Massenkultur und Sponteneität Zur veränderten Warenform der Massenkommunikation im Spätkapitalismus. Surkamp Verlag; Frankfurt am Main, 1974; DEFERT, Daniel, Informação biográfica e cronologia  para Dits et écrits de Michel Foucault (vol. 1, 1995); Cf. também a relação que é apresentada no site www.michel-foucault-archives.fr.; CERTEAU, Michel de, La prise de parole. Paris: Seuil, 1968; BLANCHOT, Maurice, Michel Foucault tel que je l`imagine. Montpellier: Fata Morgana, 1986; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, A Arqueologia do Saber. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1986; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1977. Volumes 1 e 3; Idem, A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, 1979; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984a; Idem, “Deux essais sur le sujet et le pouvoir”. In: DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul, Michel Foucault, un parcous philosophique. Paris: Gallimard, 1984b; Idem, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Petrópolis (RJ): Vozes, 1987a; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987b; Idem, Nietzsche, Freud e Marx. Theatrum Phifosoficum. 4ª edição. São Paulo: Editora Princípio, 1987c; Idem, Em defesa da sociedade: curso do Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999; Idem, Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas(Org. e seleção de textos: Manoel Barros da Motta). Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2000a; Idem, Estratégia, Poder-Saber (Org. e seleção de textos: Manoel Barros da Motta). Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2000b; Idem, “Coraje y verdad”. In: ABRAHAM, Tomás, El último Foucault. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2003; pp. 263-406; Idem, “L’éthique du souci de soi comme pratique de la liberte”. In: DEFERT, Daniel; EWALD, François (Orgs.).Dits et écrits. Paris, Gallimard, v. IV, 1994, pp. 708-729; Idem, “É inútil revoltar-se?”. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Michel Foucault. Ética, sexualidade, política. Coleção: Ditos e Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 77-81; GRAEBER, David, Fragments of an Anarchist Anthropology. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2004; BOOKCHIN, Murray,“Anarquismo Social ou Anarquismo de Estilo De Vida”. Disponível em:http://www.anarkismo.net/article/; HOBSBAWM, Eric, Bandidos. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1975; Idem, Rebeldes Primitivos: Estudos de formas arcaicas de movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, entre outros.

Entrevista: Eduardo Viveiros de Castro sobre Lévi-Strauss

Foto: Flor Pensée Sauvage

Foto: Flor Pensée Sauvage

Fonte: Epifenomenos

O etnólogo do Museu Nacional explica, nesta entrevista, o que distingue, para Lévi-Strauss, o pensamento em estado selvagem do pensamento científico.

Por Carolina Cantarino e Rodrigo Cunha

Etnólogo americanista, com experiência de pesquisa na Amazônia, professor e pesquisador do Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eduardo Viveiros de Castro referiu-se recentemente a Lévi-Strauss, no último encontro da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (Anpocs), como autor de uma obra de incrível versatilidade. Nesta entrevista, ele explica a abordagem de Lévi-Strauss sobre a distinção entre Natureza e Cultura, entre o pensamento selvagem e o científico, fala da universalidade do etnocentrismo, da importância do corpo para as culturas ameríndias e das relações entre mito, ciência e arte para Lévi-Strauss.

Em artigo publicado na revista Mana, o senhor afirma que a diferenciação entre Natureza e Cultura é, para Lévi-Strauss, o maior tema da mitologia ameríndia. Como ele descreve e interpreta essa diferenciação e quais os desdobramentos disso para a antropologia, em termos de novas interpretações ou revisões críticas?

Eduardo Viveiros de Castro – Com efeito, Lévi-Strauss afirma repetidas vezes, em sua obra, que a mitologia ameríndia – ou pelo menos aquela vasta porção da mitologia ameríndia que foi objeto de sua atenção ao longo de pelo menos sete livros – teria como tema central a diferenciação entre Natureza e Cultura. Interpretar essa afirmação aparentemente tão simples é, na verdade, tarefa bastante complicada, para a qual eu mesmo, entre outros colegas, venho tentando contribuir há vários anos. Em primeiro lugar, a dita diferenciação entre Natureza e Cultura é menos (ou mais) que umtema; ela é um problema para o pensamento indígena. Pois o tal tema central raras vezes se reduz, tanto no discurso mitológico como na análise levistraussiana do mesmo, a uma narrativa unívoca sobre a transcendência, conquista e domínio da Natureza pela Cultura, ao contrário do que se passa dominantemente em nossa mitologia ocidental (também conhecida pelo nome de “metafísica”). Ao contrário, os mitos, assim como seu analista, insistem sobre o caráter multiplamente problemático dessa separação: seja pelo alto preço que ela custa à espécie humana (a origem da cultura é costumeiramente associada, nos mitos, à origem da mortalidade, e à perda da comunicação linguística com os outros viventes do cosmos), seja pela remanência crucial de zonas, momentos ou fenômenos em que a separação se mostra incompleta ou impossível, seja, finalmente, por um poderoso impulso em direção contrária, uma “marcha regressiva” da Cultura em direção à Natureza que acompanha como uma sombra o movimento de separação, ao longo de toda essa mitologia. Na verdade, o percurso interpretativo empreendido por Lévi-Strauss dá testemunho de um progressivo deslocamento de ênfase, desde O cru e o cozido(1964) até História de Lince (1991), onde o caráter equívoco, ambivalente e problemático da separação entre Natureza e Cultura, vai predominando sobre um discurso “antropológico” ou hominizante. Esse deslocamento ecoa, por sua vez, a crescente indignação de Lévi-Strauss com as consequências suicidas da metafísica ocidental a respeito da “separação” entre Natureza e Cultura – estou-me referindo aqui à crise ecológica planetária.

Quando se pensa na abordagem de Lévi-Strauss sobre ciência, a primeira obra que tende a ser lembrada é O pensamento selvagem (1962), em que ele confere estatuto de pensamento aos mitos indígenas. Segundo Lévi-Strauss, a ciência ocidental teria acesso à natureza tal como é, enquanto que outras culturas fariam apenas imagens ou representações dessa natureza. Há outras possibilidades de se pensar a relação entre a ciência ocidental e o pensamento selvagem?

Viveiros de Castro O pensamento selvagem não versa sobre mitos indígenas, mas sobre certas disposições universais do pensamento humano: ameríndio, europeu, asiático ou qualquer outro. O “pensamento selvagem” não é o pensamento dos “selvagens” ou dos “primitivos” (em oposição ao “pensamento ocidental”), mas o pensamento em estado selvagem, isto é, o pensamento humano em seu livre exercício, um exercício ainda não-domesticado em vista da obtenção de um rendimento. O pensamento selvagem não se opõe ao pensamento científico como duas formas ou duas lógicas mutuamente exclusivas. Sua relação é, antes, uma relação entre gênero (o pensamento selvagem) e espécie (o pensamento científico). Ambas as formas de pensamento se utilizam dos mesmos recursos cognitivos; o que as distingue é, diz Lévi-Strauss, o nível do real ao qual eles se aplicam: o nível das propriedades sensíveis (caso do pensamento selvagem), e o nível das propriedades abstratas (caso do pensamento científico). Mas a tendência, diz o autor, é que o pensamento científico, à medida em que avança, vá-se aproximando do pensamento selvagem, ao se mostrar capaz de incorporar as dimensões sensíveis da experiência humana em uma abordagem unificada, onde física e semântica não estão mais separadas por um abismo ontológico. Ou seja, o futuro da ciência não é se distanciar do pensamento selvagem, mas convergir com ele.

Para Lévi-Strauss, a visão de mundo indígena é tão etnocêntrica quanto a ocidental, e a distinção básica entre ambas estaria na relação entre corpo e alma. Como ele explica isso?


Viveiros de Castro
– A questão do etnocentrismo não passa pela distinção (ou pela indistinção) entre pensamento selvagem e pensamento domesticado. O que Lévi-Strauss diz é que existe uma tendência humana universal a tomar o próprio grupo como exemplo acabado da humanidade, e a ver os demais coletivos humanos (outras culturas, povos e sociedades) como exemplares menos perfeitos dessa humanidade e, no limite, como estando fora do escopo desse conceito. Isso é o chamado etnocentrismo. A universalidade de tal disposição, porém, não exclui diferenças importantes em seu modo de exercício e de manifestação. Assim, ao falar das percepções recíprocas da alteridade mobilizadas pela invasão e conquista européia das Américas, Lévi-Strauss insiste sobre a diferença radical entre o que chama de “abertura ao Outro”, característica do pensamento ameríndio, e o fechamento fanático dos europeus – fechamento político, filosófico, estético – diante da alteridade social e natural oferecida pelo Novo Mundo. As consequências políticas dessa diferença dispensam, creio, comentários.

Quais foram as principais contribuições de Lévi-Strauss acerca da importância do corpo para as culturas ameríndias, em obras como O cru e o cozido? Há releituras posteriores desses trabalhos que mereçam ser destacadas?

Viveiros de Castro – Ao mesmo tempo em que é um estudo formal dedicado às mitologias ameríndias, as Mitológicas, cujo primeiro volume é justamente O cru e o cozido, revelam também outra coisa, a saber, que os materiais simbólicos de que as sociedades indígenas lançam mão para se constituírem são refratários às categorias tradicionais da sociologia e da antropologia social. Princípios cosmológicos embutidos em oposições de qualidades sensíveis, uma economia simbólica da alteridade inscrita no corpo e nos fluxos materiais, um modo de articulação com a natureza que pressupõe uma socialidade universal (a diferenciação entre Natureza e Cultura de que falávamos não exclui, muito pelo contrário, um fundo comum de socialidade que atravessa todo o campo do vivente), são os materiais e processos que parecem tomar o lugar dos idiomas jurisdicistas e economicistas com que a antropologia descreveu as sociedades de outras partes do mundo, com seus feixes de direitos e deveres, suas corporações de parentesco perpétuas e territorializadas, seus elaborados regimes de propriedade e herança, seus modos de produção linhageiros… Longe de se constituírem em conteúdos “superestruturais” ou “culturais” das formações sul-americanas, esses materiais e processos articulam diretamente uma sociologia indígena.

Lévi-Strauss estabelece uma relação entre arte, mito e conhecimento. Muitos trabalhos contemporâneos em ciências humanas e sociais costumam ver a arte como único conhecimento, hoje, capaz de questionar politicamente a ciência, inclusive nos seus princípios operatórios. Como pensar essa relação entre mito, ciência e arte, partindo de Lévi-Strauss?

Viveiros de Castro – A arte é, para Lévi-Strauss, como que o refúgio ecológico do pensamento selvagem dentro do mundo racionalizado e tecnicizado das sociedades modernas. Na arte, ainda é lícito sermos “selvagens”, no bom sentido que o adjetivo sempre tem na pena de Lévi-Strauss. O mestre francês não entende, porém, ao contrário desses trabalhos contemporâneos mencionados pela pergunta (e que confesso ignorar completamente quais sejam), que a arte, ou o mito, possuam qualquer superioridade sobre a ciência. Ao contrário, Lévi-Strauss afirma repetidas vezes que a ciência é uma aquisição fundamental da espécie, e que o tipo de conhecimento tornado possível pela ciência é de um valor inestimável, ao qual nem o mito nem a arte podem pretender. Não há como transformar Lévi-Strauss em um profeta anti-científico! Mas ele certamente não é, por outro lado, um admirador incondicional da civilização que gerou a ciência (e que é até certo ponto gerida por ela, ou pior, que pensa sê-lo); muito pelo contrário. E também é certo que Lévi-Strauss vê na arte a expressão máxima do gênio humano. A arte é para ele, no final das contas (assim me parece), um modelo para a ciência, essa forma de conhecimento que em seus momentos culminantes se aproxima da arte. O mito representa para Lévi-Strauss aquele momento quase-adâmico da história cognitiva da espécie, quando a arte e a ciência ainda não haviam tomado rumos distintos. E o futuro do pensamento humano – se é que há um – não poderá consistir senão em um movimento em espiral de volta à região onde impera, inesgotável, o impulso gerador do mito.

Extraído de : Revista Com Ciência, No. 114 – 10/12/2009

Anarquismo, parlamentarismo e democracia, por Miguel Amorós

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Miguel Amorós

Fonte: La Haine

Quando durante a Revolução Francesa se tratou de instituir a democracia como poder do “povo” ou da nação – entendido como o poder do “terceiro estado” -, surgiram imediatamente graves problemas entre a maioria do tal “povo” e o Governo, nomeados como seus “representantes” eleitos.

A democracia popular baseada em clubes, seções e assembleias entrava em contradição com a democracia parlamentar jacobina. O Governo, a Convenção, as instituições nacionais, as leis e o sufrágio não garantiam a liberdade e a igualdade mais do que as classes possuidoras. Um setor radical dos “descamisados” de Paris (o povo parisino), os “Enragés”, no manifesto que apresentou na câmara de deputados no dia seguinte após ter sido votada a Constituição, no dia 25 de junho de 1793, afirmaria que: “A liberdade não é mais que um fantasma vão, quando um tipo de gente pode matar de fome a outra, impunemente. A igualdade não é mais que um fantasma vão, quando o rico, graças ao monopólio, dispõe do direito à vida e à morte sobre seus semelhantes”.

O experimento constitucional e parlamentar fracassaria devido à forte oposição entre os interesses das classes detentoras e os das classes populares. O “povo” não era mais que algo irreal. No parlamento não se manifestava nenhuma “vontade popular” senão os interesses da classe dominante. Não podia ter liberdade real sem igualdade econômica e a fonte de tal desigualdade radicava na propriedade. “O que é a propriedade? A propriedade é um roubo”, responderia Proudhon. E seguia: “a liberdade é igualdade, porque a liberdade não existe senão no estado social”. A questão da propriedade dividiu os democratas revolucionários e alcançou sua maior amplitude quando entrou em cena o proletariado e os “democratas sociais” – Marx, Proudhon e Bakunin se chamaram assim – identificaram seus interesses com os de todos os oprimidos. A tão desgastada vontade popular não seria outra coisa que não o interesse “da imensa maioria”, a saber, os operários. A “democracia social” equivaleria a um regime cujo protagonista principal seria a classe operária. Para uns, esse regime seria comunista. O jovem Marx acreditava que “o comunismo era a solução ao enigma da história”. Proudhon, em contrapartida, rechaçava as formulações autoritárias dos primeiros comunistas e se inclinava pela “organização das forças econômicas sob a lei suprema do contrato”, ou seja, pela propriedade cooperativa ou coletiva dos meios de produção, das “associações operárias organizadas democraticamente” e livremente federadas. Frequentemente, levaram-lhe pouco em consideração e o colocaram ao lado dos “utópicos”, isso quando não lhe tacharam de representante do “socialismo burguês”, tal como lhe qualificara injustamente Marx no Manifesto. Entretanto, Proudhon foi o primeiro que formulou uma crítica social especificamente proletária e a ele corresponde a crítica política do sistema parlamentar burguês mais incisiva, a que deu impulso ao ideário operário anarquista.

Para Proudhon, a autoridade chamada de Governo ou Estado, existente por cima da “vontade popular”, representava o mesmo despotismo dos reis, pois “o que compõe a realeza não é o rei, não é a herança; é o acúmulo dos poderes; é a concentração hierárquica de todas as faculdades políticas e sociais em uma só e indivisível função, que é o governo, este representado por um príncipe hereditário, ou também por um ou vários mandatários imóveis e eleitos”. A falha do sistema representativo estava na delegação de poderes, causa da separação entre governantes e governados: “Hoje mesmo, temos exemplos vivos de que a democracia mais perfeita não garante a liberdade. E isso não é tudo: o povo rei não pode exercer a soberania por si mesmo; está obrigado a delegá-la aos encarregados do poder. Se estes funcionários são cinco, dez, cem, mil, que importa o número ou o nome? Sempre será o governo do homem, o império da vontade e do favoritismo”. Se nenhum indivíduo reconhecesse mais autoridade que ele mesmo, se o povo inteiro quisesse realmente governar, não haveria governados. A impossibilidade de refletir-se a vontade do povo em uma autoridade delegada, exterior a ele, é o que forçava Proudhon a se declarar anarquista, partidário da abolição de qualquer forma de autoridade e chamar de “anarquia” o regime dos homens livres e iguais: “anarquia, ausência de amo, de soberano, tal é a forma de governo à que cada dia nos aproximamos”. A vontade popular somente podia se manifestar sem mediações, de modo direto. O governo do povo era uma falácia; se havia governo, não havia povo e vice-versa; se realmente um povo conseguisse se constituir, exercendo o poder diretamente, sem mediações, o governo não existiria. A anarquia era o governo de todos, e, portanto, o de ninguém: “a fórmula revolucionária não pode ser nem a legislação direta, nem governo direto, nem governo simplificado; a fórmula é nada de governo”. Bakunin contribuiu bem pouco para a análise proudhoniano. Partindo da premissa de que o governo tinha opção de ser verdadeiramente popular e representativo só se estava controlado pelo povo, como tal controle era fictício não existiu em nenhum país, concluía que a liberdade sob tal regime era irreal: “Todo o sistema do governo representativo é uma imensa fraude que se apoia nesta ficção: que os corpos legislativo e executivo, eleitos em sufrágio universal pelo povo, devem ou até podem representar a vontade do povo”. Esses poderes promoviam unicamente os poderes da burguesia. O sufrágio universal, dadas a desigualdade e a opressão em que se encontrava o povo trabalhador, era uma zombaria; votando, cada um elegia seu patrão. Devido a sua miséria, a sua falta de formação, à pouca disponibilidade de tempo, à ausência de informação, à inexistência de espaços de discussão etc., o povo não podia formular uma opinião geral e, por conseguinte, não podia utilizar o sufrágio universal “para a conquista da igualdade econômica. Sempre será de forma necessária um instrumento hostil ao povo, que de fato apoia a ditadura de fato da burguesia”. Malatesta chegou a dizer que “o direito eleitoral é o direito de renúncia aos próprios direitos”. O mesmo raciocínio circular há em Bakunin e Malatesta como em Proudhon: o governo não podia ser representativo porque a vontade popular não podia se formular através dele; si o fizesse, seria representativo, mas já não seria governo. A identidade entre governantes e governados, essência verdadeira da democracia, não podia se realizar mediante um governo parlamentar senão mediante sua abolição. As ideias proudhonianas de autonomia operária inspiraram os internacionalistas durante a Comuna de Paris (1871). Tanto Bakunin como o próprio Marx viram na Comuna a democracia proletária e a negação do Estado.

Na Espanha, país pouco afetado pela revolução industrial, e portanto, com um proletariado pouco desenvolvido, as ideias igualitárias e “socialistas” (contrárias à propriedade privada) foram filtradas pelos movimentos radicais da burguesia. A palavra “democrata”, em seus inícios, designava na política algo parecido com anarquista. No “Dicionário dos Políticos” (1855), do monarquista Juan Rico e Amat, dizia-se que “o democrata puro é inimigo acérrimo de tudo o que se relacione ao governo”; o democrata confiava na insurreição como método para alcançar seu objetivo, a igualdade política: “Se pertence à classe mediana, nunca usa “senhor”; sempre se chama fulano de tal apenas: gosta de tratar por “você” e de dar a mão aos de classe baixa, e nos pronunciamentos, chama de cidadãos os homens e de cidadãs as mulheres”. Uma fração dos democratas, os republicanos federais, trataram de conciliar o problema da mediação entre o povo e o Estado recorrendo à descentralização administrativa.

Nas palavras de Pi e Margall, tradutor de Proudhon: “Na atual organização, o Estado administra tudo; na federação, o Estado, a Província e o Município são três entidades igualmente autônomas, ligadas por pactos sinalagmáticos e concretos. Tem cada uma determinada sua esfera de ação pela mesma índole que os interesses que representa e podem todos moverem-se livremente sem que se entrechoquem”. A República Federal, governo do povo soberano, não seria mais do que a soma federada desses pactos. Mas para se constituir o povo primeiro teria que se romper o Estado monárquico, de forma que seus fragmentos autônomos decidissem livremente se confederarem. O partido federal, ao propugnar o desmembramento do Estado, se situava contra todos os demais partidos, mas mantinha distância do proletariado. Acreditava na harmonia das classes, respeitava a propriedade e era inimigo das greves e demais manifestações da luta social, e por isso bastou apenas que surgisse a Associação Internacional de Trabalhadores na Espanha para que perdesse o apoio dos militantes operários. Sua oportunidade histórica sumiu com o fracasso da Primeira República, a de 1873; não obstante, a ideia do município como célula da sociedade livre penetrou tão fundo como o pensamento de Bakunin, transmitido aos trabalhadores espanhóis pelos internacionalistas.

A distância entre As Cortes espanholas e a realidade social foi tão grande durante o século XIX que as massas populares, normalmente alheias à política, receberam as ideias anarquistas com agrado. O sistema político da Restauração baseado na alternância de dois partidos monarquistas artificiais não fez senão contribuir à identificação entre política, corrupção e coronelismo [em espanhol, caciquismo, que significa, segundo a RAE “Intromissão abusiva de uma pessoa ou uma autoridade em determinados assuntos, valendo-se de seu poder ou influência”; nota do tradutor]. Não obstante, um setor do movimento operário, o partido socialista, aceitou as regras do jogo e exerceu oposição junto com as minorias republicanas, enquanto à margem se desenvolvia um potente sindicalismo revolucionário. Entre 1916 e 1923 a CNT foi capaz de desenvolver uma democracia operária alheia completamente à política e consolidada pela solidariedade de classe, a base de assembleias sindicais, plenárias, palestras e congressos, o que alarmou tanto as classes detentoras que estas substituíram sua democracia coronelista [em espanhol, caciquista; cf. nota n°1] pela ditadura militar do general Primo de Rivera. A clandestinidade arruinou as possibilidades do sindicalismo revolucionário e arrastou seus dirigentes ao terreno das conspirações políticas e do possibilismo. A CNT entrou nela dividida entre moderados e revolucionários, para não pretender mais do que ser bucha de canhão em uma coalizão de partidos e personalidades opostas à ditadura e à monarquia, que abandonadas por seus aliados, caíram. A Segunda República não tratou bem os trabalhadores. A posição a respeito da República e a seu sistema parlamentar dividiu os anarcossindicalistas entre partidários de uma linha insurrecional e partidários da permanência dentro da legalidade republicana. Para os segundos, o abstencionismo, as alianças políticas ou inclusive a participação institucional eram questões táticas, não princípios. Enquanto isso, o avanço do proletariado tinha dividido a burguesia em duas metades opostas: uma, reformista, representada por partidos republicanos, e outra, militarista e clerical, representada pelo partido radical e pela direita. Quando a aliança direitista subiu ao poder – graças a umas eleições nas que as mulheres votavam pela primeira vez – teve de se enfrentar duas tentativas de insurreição, que terminaram enchendo as prisões de operários. Os anarquistas tiveram que atar novamente relações com seus inimigos de ontem, a burguesia republicana, parar separar do poder a outros muito piores, a burguesia fascista. Então renunciaram ao seu tradicional abstencionismo, e, embora não hajam convocado o voto em fevereiro de 1936, tampouco convocaram a abstenção. Entre os anarquistas se impunha uma tendência revolucionária que considerava a participação eleitoral como uma tática destinada a resistir ao fascismo. Durruti o expressou claramente com a seguinte instrução: “estamos diante da revolução ou da guerra civil. O operário que não votar e ficar também em sua casa, será outro contrarrevolucionário”.

A questão principal não era o temido triunfo da direita, mas sim o fracasso eleitoral que impulsionaria o golpe de estado. Para Durruti, o triunfo eleitoral dos socialistas e republicanos permitia ganhar tempo, mas somente um movimento revolucionário poderia detê-las de fato: “O fascismo, ou Revolução Social”, tal era sua conclusão. Como tanto a sublevação militar como a revolução social triunfaram meio a meio e se desencadeou uma guerra civil ficando o proletariado isolado internacionalmente, o “antifascismo” deixou de ser uma tática antiburguesa para acontecer colaboracionismo de classes. O Estado, o Governo, a Nação, as instituições democráticas, as leis, os partidos, a própria burguesia, foram valorados de modo diferente como habitualmente o haviam sido. O anarquismo saiu profundamente alterado da guerra civil e nunca se recompôs desde então.

O sistema parlamentar voltou à Espanha em 1977 como prolongamento da ditadura franquista. A vontade popular só podia se formular em torno da democracia proletária das assembleias. Unicamente o proletariado constituído politicamente como classe em coordenações ou conselhos operários podia encarnar o interesse da imensa maioria. Mas quem realmente se constituiu como nação, como “povoado”, foi a burguesia franquista. Longe de dissolver as instituições fascistas, pactuou a desativação do movimento operário em troca de um espaço político para a oposição. O exílio pôde regressar sem compensações, sequer morais: a oposição tinha assinado também um pacto de silêncio: o esquecimento do genocídio do pós-guerra civil e dos anos de perseguições e sofrimentos. O franquismo anistiado legalizou os partidos e sindicatos e convocou eleições, livrando-se de cadáveres como As Cortes, a CNS ou o Movimento Nacional, mas guardou íntegro seu aparato, que se transformou no aparato da nova “democracia”. A polícia, a Justiça, a Monarquia, a guarda civil, o Exército, os deputados, os governos civis e militares, as capitanias, a diplomacia, a administração, os serviços secretos…; tudo, absolutamente tudo, permaneceu intocável. Nem as eleições, nem o processo constituinte nascido delas afetaram à burocracia estatal ou à burguesia. Um partido nascido do franquismo, a UCD, comandou o processo de “transição” – ou acordou a “reforma” – em suma, o sobrevir democrático da ditadura, auxiliado pela oposição: esse foi o “contrato social” da democracia espanhola. O advento da “democracia” – as eleições municipais, as duas câmaras, o sindicalismo reformista, os Pactos da Moncloa, a constituição, os estatutos de autonomia – foi uma sinistra comédia que teve como preço a liquidação da democracia socialista esboçada pelos trabalhadores. Representou-se quando o sistema parlamentar no mundo subsistia como caricatura. O Parlamentarismo espanhol teve todas as misérias dos demais e nenhuma de suas glórias. Todos os partidos eram partidos de ordem burguesa. Votar significou em seu primeiro momento adoecer voluntariamente de amnésia e colaborar com a farsa, legitimá-la, sujar-se com o sangue dos mortos que até o fim acompanharam o franquismo. O anarquismo precisava de uma revisão a fundo de sua experiência que queria passar a borracha naquelas datas cruciais. Ao não o fazer, não pôde renovar sua crítica, nem tornar concreta uma tática, e não influenciou nos acontecimentos. Acabou sem se inteirar de nada, convertido numa ideologia autista e contemplativa, apoiada em um relato sem contradições de um passado histórico mutilado. Os efeitos foram paralizadores.

A transformação da classe operária em massa sem classe acabou com a possibilidade de que ela mesma pudesse alçar-se como representante do interesse geral e encarnar a vontade popular nas formas da democracia direta que tinha conseguido pôr de pé nas fábricas e nos bairros. O reino indiscutível do capital transformou em pouco tempo a sociedade graças a um desenvolvimento acelerado da tecnologia. As características próprias das massas, como a atomização, a movimentação frenética, o consumismo e o confinamento na vida privada, se acentuaram na sociedade tecnológica, eliminando os restos de sociabilidade e potenciando o controle social totalitário. Ao ganhar preponderância o mercado mundial sobre os Estados, os parlamentos perderam o escasso poder que conservavam. Nem sequer serviam para formular o interesse específico da classe dominante; este se formava diretamente nas instituições mundiais do mercado capitalista. A maioria parlamentar de tal ou qual partido podia introduzir mudanças no espetáculo político, mas na verdade essas mudanças afetavam o poder real. Os aspectos técnicos do parlamentarismo – a campanha, a recontagem de votos, os debates televisivos, as votações nas câmaras, as moções, as comissões etc. – foram conservados, mas o que progredia era o monólogo da dominação, a tecnovigilância, a erosão do direito, a criminalização da dissidência e a população carcerária. Nesse momento se concluía um ciclo: os partidos deixavam de representar opções distintas da mesma ordem para não representar mais do que interesses particulares e de particulares, o que bastaria para explicar a extensão do fenômeno da corrupção política. Por sua parte, o sistema parlamentar deixava de se diferenciar da ditadura fascista. Fascismo tão suave como se queira dizer, fascismo tecnológico, mas fascismo. Na etapa globalizadora as liberdades aparentes pouco a pouco se afogam num estado de exceção e o estado tecno-democrático se dirige para o Estado penal. A política do ano 200 é a do “panóptico” de Bentham ou a do “Big brother”, o Grande Irmão do qual falava Orwell. Nestas circunstâncias a abstenção é mero reflexo da dignidade dos oprimidos. As razões táticas do tipo “para que não ganhe a direita” não atrasam a marcha do totalitarismo, ou como sempre se disse, do “fascismo”, mas sim contribuem com ela. Tal como estamos agora, quando dizem “cidadão”, é preciso entender “fascista”, pois quem acredita nas instituições, confia no novo totalitarismo. A cidadania satisfeita é a base do fascismo moderno. Não há direita nem esquerda porque não há política. Os assuntos do poder se resolvem em outra parte, são extraparlamentares. A luta social também o será.

Aqueles núcleos de discussão que sobrevivem ou se organizam têm sobre suas costas a missão de reconstruir retalhos de vida pública e de democracia direta dentro de uma sociedade massificada que não sejam efêmeros experimentos. E a partir deles forjar opiniões, discutir, informar, instruir, enfim, ligar à memória esquecida e às tradições perdidas de luta. É o conhecimento com que se terá de enfrentar à classe dominante e seu totalitarismo tecnófilo. Saberão interpretar as questões tecnológicas como problemas políticos e sociais da maior magnitude, pois lutam contra um regime totalitário fascista com roupagem liberal e nos sistemas desse tipo as verdadeiras questões aparecem como se fossem problemas técnicos. “A tecnologia é o futuro”, dizem os servos. O anarquismo, se souber escapar das armadilhas da ideologia, será o instrumento teórico mais adequado para forjar uma crítica radical da sociedade, porque é o único ideário que insistiu na democracia direta como fórmula emancipadora. Enquanto que as teorias comunistas puseram em destaque a igualdade como condição necessária da liberdade humana, sem que a travessia por fases autoritárias as afetasse, em troca, o anarquismo proclamou que sem liberdade não pode ter igualdade, e, por conseguinte, o caminho da emancipação estará fecundado por ela.

A política sexual, o surgimento do Estado e a contrarrevolução (nota sobre a prostituição), por Silvia Federici

Albrecht Dürer, A queda do homem (1510) Esta cena impactante sobre a expulsão de Adão e Eva dos jardins do Éden evoca a expulsão dos camponeses de seus campos comuns, que começava a ocorrer na Europa oriental exatamente ao mesmo tempo em que Dürer produzia este trabalho.

Fonte: Notícias y Anarquía
Tradução: José Roberto de Luna

Os seguintes fragmentos correspondem à parte final do capítulo 1, “O mundo inteiro precisa de uma sacudida”, do livro Calibã e a Bruxa de Silvia Federici. Recomendo que não se faça uma interpretação limitada do pensamento federiciano sobre a prostituição a partir destes fragmentos, pois ao longo do livro Silvia Federici continua abordando o tema da prostituição de diversas perspectivas. As ilustrações e legendas correspondem à edição original do Livro. Saudações. N&A.

A fins do século XV, se pôs em marcha uma contrarrevolução que agia em todos os níveis da vida social e política. Em primeiro lugar, as autoridades políticas realizaram importantes esforços para cooptar os trabalhadores mais jovens e rebeldes por meio de uma maliciosa política sexual, que lhes deu acesso a sexo gratuito e transformou o antagonismo de classe em hostilidade contra as mulheres proletárias. Como demonstrou Jacques Rossiaud em Medieval Prostitution (1988) [A prostituição medieval], na França as autoridades municipais praticamente deixaram de considerar o estupro de mulheres proletárias como delito nos casos em que as vítimas foram mulheres de classe baixa. Na Veneza do século XIV, o estupro de mulheres proletárias solteiras poucas vezes tinha como consequência algo mais que um puxão de orelhas, inclusive no caso frequente de um ataque em grupo (Ruggiero, 1989: 94, 91-108). O mesmo acontecia na maioria das cidades francesas. Nelas, a violação em bando de mulheres proletárias se transformou numa prática comum, que os autores realizavam aberta e ruidosamente pela noite, em grupos de dois a quinze, entrando nas casas ou arrastando as vítimas pelas ruas sem a mínima tentativa de se esconder ou dissimular. Quem participava nestes “esportes” eram aprendizes ou empregados domésticos, jovens e filhos das famílias acomodadas sem um centavo no bolso, enquanto que as mulheres eram garotas pobres que trabalhavam como criadas ou lavadeiras, de quem se espalhava que eram “possuídas” por seus amos (Rossiaud, 1988:22). Quase todos os jovens participaram alguma vez destes ataques, que Rossiaud descreve como uma forma de protesto de classe, um meio para que homens proletários – forçados a adiar seu matrimônio durante muitos anos devido a suas condições econômicas – cobravam “o seu” e se vingavam dos ricos. Mas os resultados foram destrutivos para todos os trabalhadores, assim que o estupro de mulheres pobres com consentimento estatal debilitou a solidariedade de classe que se alcançara na luta anti-feudal. Como se esperava, as autoridades perceberam os distúrbios causados por semelhante política (as algazarras, a presença de bandos de jovens perambulando pelas ruas em busca de aventuras e perturbando a tranquilidade pública) como um pequeno preço a pagar em troca da diminuição das tensões sociais, já que estavam obcecados pelo medo das grandes insurreições urbanas e da crença de que se os pobres conseguissem se impor, empoderariam suas esposas e as colocariam em igualdade (ibidem: 13).

Para estas mulheres proletárias, tão arrogantemente sacrificadas por amos e servos, o preço a pagar foi incalculável. Uma vez estupradas, não lhes era fácil recuperar seu lugar na sociedade. Com sua reputação destruída, tinham que abandonar a cidade ou se dedicar à prostituição (ibidem/ Ruggiero, 1985: 99). Mas não eram as únicas que sofriam. A legalização do estupro criou um clima intensamente misógino que degradou todas as mulheres, qualquer que fosse sua classe.

Também insensibilizou a população ante à violência contra as mulheres, preparando o terreno para a caça às bruxas que começaria nesse mesmo período. As primeiras condenações por bruxaria tiveram lugar a fins do século XIV; pela primeira vez a Inquisição registrou a existência de uma heresia e uma seita de adoradores do demônio completamente feminina.

Bordel, de uma impressão alemã do século XV. Os bordéis eram vistos como um remédio contra a luta social, a heresia e a homossexualidade.

Outro aspecto da política sexual fragmentadora que príncipes e autoridades municipais executaram com o fim de dissolver o protesto dos trabalhadores foi a institucionalização da prostituição, implementada a partir do estabelecimento de bordéis municipais que logo proliferaram por toda Europa. Possibilitada pelo regime de salários elevados, a prostituição gerida pelo Estado foi vista como um remédio útil contra a turbulência da juventude proletária, que podia desfrutar em La Grand Maison – como era chamado o bordel estatal na França – de um privilégio previamente reservado a homens mais velhos (Rossiaud, 1988). O bordel municipal também era considerado como um remédio contra a homossexualidade (Otis, 1985), que em algumas cidades europeias (por exemplo, Pádua e Florência) se praticava ampla e publicamente, mas que depois da Peste Negra começou a ser temida como causa de despovoação. (34)

Assim, entre 1350 e 1450 em cada cidade e aldeia da Itália e da França se abriram bordéis, geridos publicamente e financiados através de impostos, em uma quantidade muito superior à alcançada no século XIX. Em 1453, só Amiens tinha 53 bordéis. Além disso, eliminaram-se todas as restrições e penalidades contra a prostituição. As prostitutas podiam agora abordar seus clientes em qualquer parte da cidade, inclusive defronte à igreja e durante a missa. Já não estavam atadas a nenhum código de vestimenta ou a usar marcas distintivas, pois a prostituição era oficialmente reconhecida como um serviço público (ibidem: 9-10).

Inclusive a própria Igreja chegou a ver a prostituição como uma atividade legítima. Cria-se que o bordel administrado pelo Estado provia um antídoto contra as práticas sexuais orgiásticas das seitas hereges e que era um remédio para a sodomia, assim como também um meio para proteger a vida familiar.

Torna-se difícil discernir, de forma retrospectiva, até que ponto essa “cartilha sexual” ajudou o Estado a disciplinar e dividir o proletariado medieval. O que é verdade é que este new deal foi parte de um processo mais amplo que, em resposta à intensificação do conflito social, conduziu à centralização do Estado como o único agente capaz de afrontar a generalização da luta e a preservação das relações de classe.

Neste processo, como se verá mais adiante, o Estado se converteu no gestor supremo das relações de classe e no supervisor da reprodução da força de trabalho – uma função que continua realizando até o dia de hoje.

Levando à frente esta função, os funcionários de muitos países criaram leis que estabeleciam limites ao custo do trabalho (fixando o salário máximo), proibiam a vadiagem (agora castigada duramente) (Geremek, 1985: 61 e sg.) e incentivavam os trabalhadores a se reproduzirem.

Em última instância, o crescente conflito de classes provocou uma nova aliança entre a burguesia e a nobreza, sem a qual as revoltas proletárias não teriam podido ser derrotadas. De fato, é difícil aceitar a afirmação que frequentemente fazem os historiadores de acordo com a qual estas lutas não tinham possibilidade de êxito devido à limitação de seu horizonte político e “à confusão de suas demandas”. Na verdade, os objetivos dos camponeses e artesãos eram absolutamente transparentes. Exigiam que “cada homem tivesse tanto como qualquer outro” (Perenne, 1937: 202) e, para conseguir este objetivo, uniam-se a todos aqueles “que não tivessem nada a perder”, agindo conjuntamente, em diferentes regiões, sem medo de se enfrentarem com os bem treinados exércitos da nobreza, e isto embora carecessem de técnicas militares.

Se foram derrotados, foi porque todas as forças do poder feudal – a nobreza, a Igreja e a burguesia -, apesar de suas divisões tradicionais, enfrentaram-nos de forma unificada por medo de uma rebelião proletária. Efetivamente, a imagem que chegou até nós de uma burguesia em guerra perene contra a nobreza e que levava em suas bandeiras a busca pela igualdade e pela democracia é uma distorção. Na Baixa Idade Média, onde quer que olhemos, de Toscana até Inglaterra e os Países Baixos, encontramos a burguesia já aliada com a nobreza na eliminação das classes baixas. (35) A burguesia reconheceu, tanto nos camponeses como nos costureiros e sapateiros democratas de suas cidades, um inimigo muito mais perigoso que a nobreza – um inimigo que inclusive fez que valesse a pena sacrificar sua apreciada autonomia política. Assim foi como a burguesia urbana, depois de dois séculos de lutas para conquistar a plena soberania dentro das muralhas de suas comunas, restituiu o poder da nobreza se subordinando voluntariamente ao reinado do Príncipe e dando assim o primeiro passo no caminho para o Estado Absoluto.

John Hus martirizado em Gottlieben sobre o Rin em 1413. Depois de sua morte, suas cinzas foram jogadas ao rio.

Alberto Durero, a queda do homem (1510)

Esta cena impactante sobre a expulsão de Adão e Eva dos jardins do Éden evoca a expulsão dos camponeses de seus campos comuns, que começava a ocorrer na Europa oriental exatamente ao mesmo tempo em que Durero produzia este trabalho.

John Hus martirizado em Gottlieben sobre o Rin em 1413. Depois de sua morte, suas cinzas foram jogadas ao rio.

Notas

34- assim, a proliferação de bordéis públicos esteve acompanhada por uma campanha contra os homossexuais que se estendeu inclusive a Florência, onde a homossexualidade era uma parte importante do tecido social “que atraía homens de todas as idades, estados civis e níveis sociais”. A homossexualidade era tão popular em Florência que as prostitutas costumavam usar roupa masculina para atrair seus clientes. Os sinais de mudança vieram de duas iniciativas introduzidas pelas autoridades em 1403, quando a cidade proibiu os “sodomitas” de receberem cargos públicos e instituiu uma comissão de controle dedicada a extinguir a homossexualidade: a Oficina da Decência. Significativamente, o primeiro passo que deu a oficina foi preparar a abertura de um novo bordel público, de tal maneira que, em 1418, as autoridades ainda seguiam buscando meios para erradicar a sodomia “da cidade e do campo” (Rocke, 1997: 30-2, 35). Sobre a promoção da prostituição financiada publicamente como remédio contra a diminuição da população e a “sodomia” por parte do governo florentino, veja-se também Richard C. Trexler (1993:32):

Como outras cidades italianas do século XV, Florência cria que a prostituição patrocinada oficialmente combatia outros dois males incomparavelmente mais importantes do ponto de vista moral e social: a homossexualidade masculina – a cuja prática se atribuía o escurecimento da diferença entre os sexos e portanto de toda diferença e decoro – e a diminuição da população legítima como consequência de uma quantidade insuficiente de matrimônios.

Trexler aponta que é possível encontrar a mesma correlação entre a difusão da homossexualidade, a diminuição da população e os auspício estatal da prostituição em Lucca, Veneza e Sena entre os fins do século XIV e princípios do XV; aponta também que o crescimento em quantidade e poder social das prostitutas conduziu finalmente a uma reação violenta, de tal maneira que enquanto que: [A] começos do século XV pregadores e estadistas acreditaram profundamente (em Florência) que nenhuma cidade na que as mulheres e os homens parecessem iguais podia se sustentar por muito tempo […] um século mais tarde se perguntavam se uma cidade podia sobreviver quando as mulheres de classe alta não pudessem se distinguir das prostitutas de bordel (ibidem:65).

35- Em Toscana, aonde a democratização da vida política chegara mais longe do que em qualquer outra região europeia, na segunda metade do século XV se deu uma inversão desta tendência e uma restauração do poder da nobreza promovida pela burguesia mercantil com o fim de bloquear a ascensão das classes baixas. Nessa época se produziu uma fusão orgânica entre as famílias dos mercadores e as da nobreza, por meio de matrimônios e prerrogativas compartilhadas. Isto deu por terminada a mobilidade social, o logro mais importante da sociedade urbana e da vida comunal na Toscana medieval (Luzzati, 1981: 187, 206).

Silvia Federici

Fonte: Livro Calibã e a Bruxa (pág. 78-84).