Emma Goldman & Alexander Berkman – Sacco e Vanzetti

alastrosFonte: Literatura Anarquista

Os nomes do “bom sapateiro e do pobre peixeiro” já cessaram de representar meramente dois trabalhadores italianos. Por todo o mundo civilizado, Sacco e Vanzetti se tornaram símbolos, o shibboleth* da Justiça esmagada pela Força. Esse foi o grande significado histórico desta crucificação do século XX, e as palavras de Vanzetti foram verdadeiramente proféticas ao declarar “O último momento pertence a nós – essa agonia é o nosso triunfo”.

Sempre ouvimos as pessoas falarem a respeito de um grande progresso, querendo dizer com isso melhorias de vários tipos, na maior parte das vezes descobertas salva-vidas ou invenções poupa-trabalhos, quando não, reformas na vida política e social. Mas todas estas coisas podem ou não representar um avanço real, pois as reformas não significam necessariamente progresso.

É inteiramente falsa e viciosa a concepção de que a civilização consistiria de mudanças políticas ou mecânicas. Por si mesma, nenhuma melhoria indica progresso real: ela simplesmente simboliza o seu resultado. A verdadeira civilização, o progresso real consiste em humanizar a humanidade, em fazer do mundo um lugar decente para viver. Desse ponto de vista, apesar de todas as reformas e aperfeiçoamentos, ainda estamos muito distantes de sermos civilizados.

O verdadeiro progresso é uma luta contra a inumanidade de nossa existência social, contra a barbaridade das concepções dominantes. Em outras palavras, o progresso é uma luta espiritual, uma luta para libertar o homem de sua herança bestial, de sua condição primitiva de crueldade e medo. Romper os grilhões da superstição e da ignorância; libertar o homem do apego às idéias e práticas escravizantes; extinguir a escuridão de seu espírito e o terror de seu coração; levantando-o de sua postura abjeta à estatura plena do homem – essa é a missão do progresso. Só assim o homem, individual e coletivamente, se tornará verdadeiramente civilizado e nossa vida social mais proveitosa e humana.

Esta luta é a que traça a história real do progresso. Seus heróis não são Napoleões nem Bismarcks, nem generais nem políticos. Seu caminho foi trilhados pelas valas-comuns dos Saccos e Vanzettis da humanidade, por aqueles agraciados com o auto-da-fé, as câmaras de tortura, os cadafalsos e a cadeira elétrica. À estes mártires da liberdade e da justiça são a quem devemos o pouco de civilização e progresso real que temos hoje.

O aniversário da morte de nossos camaradas, portanto, de maneira alguma representa uma ocasião de luto. Pelo contrário, deveríamos nos regozijar, pois neste tempo de degradação e depreciação, de histeria por conquista e ganho a qualquer custo, ainda existem homens que ousam desafiar o espírito dominante e levantar a  sua voz contra a inumanidade e a reação: Que ainda há homens que mantém as chamas da razão e da liberdade acesas, e que possuem a coragem de morrer, e de morrer triunfalmente, pela sua ousadia. Pois Sacco e Vanzetti morreram, como todo mundo sabe hoje, porque eram anarquistas. Isto é, porque pregavam e acreditavam na fraternidade e na liberdade humana. E como tais, não podiam esperar receber nem justiça, nem humanidade. Por elas, os Mestres da Vida perdoariam qualquer crime ou ofensa, mas nunca um intento de minar sua segurança diante das massas. Portanto Sacco e Vanzetti tiveram que morrer, não obstante os protestos ao redor do mundo. Mas Vanzetti estava certo ao declarar que sua execução seria seu maior triunfo, pois por toda a história os mártires do progresso é que triunfaram ultimamente. Onde estão os Césares e Torquemadas de hoje em dia? Quem se lembrará do nome dos juízes que condenaram Giordano Bruno e John Brown? Os Parsons, os Ferrers, os Saccos e Vanzettis vivem eternamente e seus espíritos ainda marcham.

Que nenhum desespero entre em nossos corações diante dos túmulos de Sacco e Vanzetti. O que a eles devemos pelo crime de permitir que sua execução acontecesse é manter sua memória verde e o estandarte do seu ideal anarquista ao alto. E que nenhum míope pessimista confunda e desconcerte os verdadeiros fatos da história do homem, de sua ascensão à maior humanidade e liberdade. Na longa batalha das trevas à luz, na antiga luta por maior liberdade e bem-estar, foram os rebeldes, os mártires que venceram. A escravidão cedeu, o absolutismo foi suplantado, o feudalismo e a servidão passaram, os tronos foram suprimidos para as repúblicas se estabelecerem em seu lugar. Inevitavelmente, foram os mártires e suas idéias que triunfaram, apesar de todos os cadafalsos e cadeiras elétricas. Inevitavelmente, os povos, as massas é que venceram seus mestres, e agora mesmo as tantas fortalezas da Força, do Capital e do Estado, estão sob ameaça. A Rússia nos mostrou a direção do progresso com a sua tentativa de eliminar ambos os mestres, políticos e econômicos. Mas esse experimento inicial fracassou, pois como todas as grandes revalorações sociais demandam repetidos esforços para sua concretização. Mas esse magnificente fracasso histórico é similar ao martírio de Sacco e Vanzetti – é o símbolo e a garantia do triunfo final.

Contudo, para que seja claramente lembrado; nos primeiros intentos nas mudanças sociais fundamentais, o fracasso sempre se deve ao falso método de tentar estabelecer o Novo pelas práticas e meios do Velho. O Novo só pode conquistar por meio de seu próprio espírito novo. Tirania vive pela supressão; Liberdade medra em liberdade. O erro fatal da grande Revolução Russa foi tentar estabelecer novas formas de vida social e econômica sobre o velho fundamento de coerção e força. O pleno desenvolvimento da sociedade humana acontece longe da coerção e do governo, longe da autoridade, e em direção a maior liberdade e independência. Nessa luta, o espírito da liberdade foi vencido. Mas na mesma direção reside o êxito. A história mostra, e a Rússia é a demonstração recente mais convincente disso. Que, então, aprendamos a lição e que estes grandes esforços em prol de um novo mundo de humanidade e liberdade nos inspirem, e que o triunfal martírio de Sacco e Vanzetti possa nos dar grande força e coragem nesta luta estupenda.

França: Julho, 1929

Notas do Tradutor:

* Shibboleth é palavra hebraica, do vocabulário bíblico, significa divisa, racha, para demarcar e separar. N.T.

Disponível em: <http://theanarchistlibrary.org/sacco-and-vanzetti&gt;. Acesso em: 21 nov. 2009, 16:20:01.
Notes: Published in The Road to Freedom (New York), Vol. 5, Aug. 1929. Source: Retrieved on March 15th, 2009 from http://sunsite.berkeley.edu/Goldman/Writings/Essays/sacco.html

Revisado: 07/07/2011

Militarismo e fascismo na Argentina contemporânea

“Primeiro mataremos todos os subversivos, depois os seus colaboradores, depois os simpatizantes, depois os indiferentes e por último os tímidos”.

“Primeiro mataremos todos os subversivos, depois os seus colaboradores, depois os simpatizantes, depois os indiferentes e por último os tímidos”.

Por Ángel Cappelleti

Fonte:  Polêmica

Em 6 de agosto de 1936, em um momento luminoso da revolução espanhola, escrevia Solidaridad Obrera: “Os militares têm sido o pesadelo da nação”. A frase poderia servir de epígrafe para uma história do último meio século na Argentina.

O exército argentino, organizado como exército regular depois da batalha de Caseros, teve seu olhar sobre os exércitos europeus durante muitas décadas. Sarmiento fundou o colégio militar com a finalidade de “europeizar” técnica e ideologicamente a oficialidade nacional. A tecnificação foi bem sucedida, em maior ou menor grau; a ideologização também. Teve o país, assim, um exército “liberal”, com todas as consequências que isto implicava. Liberais foram a maioria dos oficiais argentinos, porque criam firmemente no livre câmbio e na livre empresa. Também o foram no político e no cultural. Pensavam que cada cidadão podia expressar suas ideias, quaisquer que fossem, sempre que com elas não atentasse contra a constituição, quer dizer, contra a propriedade privada, a família patriarcal, a hierarquia de classes, a autoridade do governo. Um argentino podia ser católico, metodista ou agnóstico: conservador, radical ou até socialista. Mas, desde já, não comunista ou anarquista. Podia-se, segundo eles e os governos que sustentavam, criticar os homens e as instituições e falar mal dos ministros e ainda do presidente durante todo o ano, mas no dia das eleições não se podia votar a não ser em quem asseguraria a continuidade da ordem e do progresso. O presidente Roca teve um conflito com o núncio papal; os generais liam Spencer e ainda a José Ingenieros; a educação era laica, gratuita e obrigatória. Mas, em caso de greve, as forças armadas tinham já preparados os seus Falcón e seus Varela, sempre prontos para servir à pátria massacrando trabalhadores (conf. O. Bayer. La Patagonia rebelde).

Este “liberalismo” dos militares argentinos, suficiente para assegurar a perduração do latifúndio e o domínio político da oligarquia, começou, no entanto, a ser questionado, por sua debilidade intrínseca, a partir do crescimento da classe média e do triunfo do radicalismo (1960). Nos anos 20, alguns oficiais começaram a ver com simpatia o triunfo do fascismo italiano e se sentiram deslumbrados pela retórica grandiloquente de Mussolini. Desde o fim dessa década, esses militares formavam já um grupo significativo que consolidava seu ideário com a leitura de Maurras e o magistério “filosófico” de alguns “hispanistas”. O nacionalismo consistia, até então, em renunciar toda história nacional (feita por maçons e jacobinos) para reivindicar a Felipe II e em sonhar com a reinstauração do Vice-reinado por cima desse engendro rousseauniano chamado República Argentina. Trata-se de reinventar a Santa Inquisição contra anarquistas, comunistas, socialistas e ainda liberais; de negar o internacionalismo “moscovita” em prol do internacionalismo vaticano; de impedir a toda custa, com a cruz e a espada, que alguém tomasse a sério a frase do evangelho: Insuerientes implevit bonis et divit dimisit inanis (“Aos famintos os encheu de bens e aos ricos os devolveu vazios”, quer dizer, os despojou de suas riquezas). Em 6 de setembro de 1930, o general Uriburu interrompeu meio século de relativo constitucionalismo civilista a fim de assegurar o essencial desses ideais de “nacionalismo” e derrubou o presidente Irigoyen. O acompanharam no golpe, além dos cadetes da Escola Militar, um seleto grupo de oficiais do exército, entre os quais estavam o capitão Perón, o capitão Franklin Lucero, o major Sosa Molina, etc. Era “a hora da espada”, como diria o ex anarquista Lugones. Um dos ideólogos daquele primeiro golpe fascista dos militares argentinos, Carlos Ibarguren (La historia que he vivido, Buenos Aires, 1969, p. 369), descreve assim o ideário dos que inspiraram, realizaram, usufruíram da “gloriosa” revolução de 1930:

Esses núcleos de juventude sentiam-se em desacordo com nosso regime individualista, que fomentava a anarquia em uma época em que o clima da sociedade sofria grandes comoções no mundo. Na França, cuja cultura e mentalidade exerciam poderosa influência entre nós, o modo de trabalhar e o discurso do grande político e nacionalista Maurras e da Action Française – descartando a tendência monárquica – provocava revolta nesses momentos, o que atraiu aqui profundo interesse em muitos jovens, determinando tendências políticas e socias definidas, quanto a combater o liberalismo e o parlamentarismo, a necessidade de organizar um Estado vigoroso e um governo representativo do país real e não dos comitês eleitorais; aos anseios de implantação de uma democracia funcional, baseada nas forças sociais e não em partidos manejados e usufruídos por demagogos e oligarquias de políticos profissionais. Exerciam também influência as ideias difundidas por Mussolini, e se bem se repudiava as ditaduras (?), sustentava-se a necessidade de governos fortes que mantivessem energicamente a ordem social, as hierarquias e a disciplina para evitar a ameaça do comunismo soviético.

De resto, o governo de Uriburu cumpriu, até onde se pôde, com este programa. A repressão contra políticos (radicais, socialistas) foi leve, caso se compare com a que exerceu contra os militantes obreiros. A prisão de Usuhaia, “o sepulcro dos vivos” do extremo sul argentino, se encheu de anarquistas e comunistas; se implantou sistematicamente a tortura; se fuzilou a Severino Di Giovanni e a outros revolucionários.

Na década de 30, a ideologia fascista logrou prestígio crescente entre os militares argentinos, assim como entre uma minoria de intelectuais “aristocratas”. O triunfo de Hitler na Alemanha e de Salazar em Portugal; o falangismo espanhol de José Antônio Primo de Rivera; Codreanu e a Guarda de Ferro, etc., para não falar do Estado Novo de Getulio Vargas, do integrismo de Plínio Salgado e de outros avanços das forças totalitárias, corroboraram as tendências iniciais de alguns e arrastaram a outros até então indecisos.

Enquanto Uriburu desmantelava o FORA e, aplicando com rigor a famosa “lei de residência”, devolvia à Itália ou à Espanha aos mais aguerridos lutadores obreiros, os intelectuais “nacionalistas” revisavam a história argentina, exaltavam a Rosas, denegriam a Sarmiento e Rivadavia, confeccionavam impecáveis sonetos ao Garcilaso e se esforçavam por substituir a Hegel por São Augustín e a Kant por Santo Tomás.

Muitos oficiais, instruídos por “filósofos” como Giordano Bruno Genta, começaram a sentir-se “cruzados”, cuja missão sagrada era a luta contra o comunismo e seu lacaio, o demoliberalismo. Surgiram lojas1 evidentemente imbuídas de ideias fascistas ou falangistas. O GOU (Grupo de Oficiais Unidos), que levou ao poder, em 1943, a Ramírez, Farrell e Péron, foi uma delas. A vivacidade criola deste último (mais próxima, sem dúvida, da sabedoria do velho Vizcacha que da de Martín Fierro) supôs disfarçar habilmente a aspiração a um Estado corporativo com o percal floreado das dádivas e os “benefícios sociais”. Mas quando o fascismo manso e popular deixou de ser possível (porque já não sobrava nada para presentear) o fascismo em sua pura virulência ressurgiu. Lonardi e seus amigos da Unión Federal em 1955 eram parentes próximos do franquismo contemporâneo, mas os “liberais” de Aramburu, recorrendo à herança de Augustín P. Justo e de Roca, preferiram retornar a vias mais moderadas. Quando estas se mostraram insuficientes, surgiu, uma década mais tarde, Onganía, progênie do Opus Dei e da CIA, dos Cursos de Cristandade e da OAS, com menos inibições que Lonardi (e também com menos oposição dentro das forças armadas). Assumiu alegremente a postulação de um corporativismo tecnocrático. Para isso, começou por escolher da Universidade Nacional os melhores técnicos e homens de ciência. A petulante ineficiência de seu governo naufragou no Cordobazo. Foi a vez da outra cara do fascismo criolo. Retornou, então, com sua recapturada presença de general, Juan Domingo Perón, seguido por sua corte de bruxos e seu bando de guerrilheiros. Estes eram “socialistas nacionalistas”, aqueles “nacionais socialistas” (o qual, no fundo, vem a ser o mesmo). Perón os cobriu primeiro, a uns e outros, com sua boemia de duce ressuscitado. Ao final, repudiou aos montoneros2 cuja estridência pseudo-revolucionária turbava suas sestas de ancião aprazível; e se juntou a López Rega e aos sindicalistas, para liquidar desde o governo aos “apressurados”. Assentou assim as bases da repressão apocalíptica; e fundou direta ou indiretamente, querendo-o ou sem querê-lo, os esquadrões da morte e a Triple A, cuja titularidade ostentavam López Rega, e outros camelots du roi.

O golpe de 1976 deu lugar ao período indubitavelmente mais sangrento e amoral de toda a história argentina. Os militares reivindicaram o monopólio do crime e da corrupção. Declararam a guerra à subversão, que identificavam com “o marxismo apátrida”, embora fosse mais supernacionalismo fascista, na maioria dos casos. Deu-se o paradoxo – que só pôde se dar na Argentina – de uma versão do fascismo tratando de exterminar a outra. A luta “militares versus montoneros” foi o enfrentamento de dois fascismos: um fascismo que defende a civilização “ocidental e cristã”, quer dizer, os interesses do Estados Unidos, das transnacionais, da hierarquia católica, da oligarquia financeira e, sobre tudo, das forças armadas, e outro, terceiro-mundista, apoiado as vezes em Cuba, as vezes nos países árabes e no capital petroleiro, sempre nostálgico da figura do líder (o Duce), alimentado ideologicamente pelos dejetos do marxismo e pelas ambiguidades de certa teologia pós-conciliar, basicamente católica e não carente de afinidades com o falangismo “independente” em tudo o que se refere a concepção de Estado – os sindicatos, a igreja, a família, etc. (Linke Leute von Recht) –. É claro que a grande ação repressiva arrastou muitos homens que não eram montoneros nem socialistas nacionais. Caíram nela marxistas (mais ou menos autênticos), sociais democratas, radicais e até algum anarquista; personalidades independentes, cristãos sinceros, defensores dos direitos humanos, etc. Os liberais, por outro lado, se dobraram ou se redobraram. Videla teve, mais até mesmo que Mussolini, seus Salandra e seus Giollitti. O Estado fascista assumiu a vestimenta de Estado terrorista. Os militares, donos do poder absoluto, consideraram “que o princípio de sujeição à lei, à publicidade dos atos e o controle judicial dos mesmos incapacitam definitivamente o Estado para a defesa dos interesses da sociedade”, e de tais premissas surgiu “a necessidade de estruturação – quase com tanta força quanto o Estado público – do Estado clandestino e, como instrumento deste, o terror como método” (E.L. Duhalde, El Estado terrorista argentino, Buenos Aires, 1983, p. 28). Nesta nova modalidade do fascismo argentino, os militares não só assumem o poder absoluto, não só subordinam a sociedade ao Estado e o Estado às forças armadas, mas também fazem tábua rasa de toda normalidade jurídica e ética. Para poder defender melhor a lei e a moral, suprimem toda moral e toda lei. Seu poder, tanto mais obsceno quanto mais pretende exercesse em nome dos valores cristãos, tanto mais semelhante ao despotismo oriental quanto mais se esforça por se mostrar paladino da civilização ocidental, tende a ser assim não só infinito, mas também, como diria Spinoza, infinitamente infinito. Tal fascismo castrense ultraterrorista se baseia na doutrina da seguridade nacional. Esta doutrina “acabada elaboração do Estado-Maior Conjunto Militar dos Estados Unidos” é, como disse Duhaldem, o fundamento dos “Estados militares ou Estados contra insurgentes que precipitaram a formação dos Estados terroristas” (opt. cit. p.32). O mencionado historiador caracteriza assim esses Estados, dos quais são exemplos o Chile de Pinochet, o Uruguai de Gregorio Álvarez e a Argentina de Videla, Viola e Galtieri: “Neles, a ênfase de seu discurso ideológico está posto na defesa da seguridade da nação, supostamente ameaçada pela ‘agressão permanente a serviço de uma superpotência extracontinental e imperialista’, nas palavras de Augusto Pinochet, a qual está representada pela invasão no seio do país de elementos subversivos empenhados em destruí-lo em todos os níveis. Os ditos elementos – sustenta-se – lograram ou se empenharam em lograr a destruição do sistema democrático ocidental, influídos pelo marxismo mediante projetos políticos alheios à idiossincrasia e às tradições de seus respectivos povos. A preocupação prioritária e determinante que orienta a ação do Estado e, em consequência, a luta frontal contra as atividades de todas as organizações sociais, sindicais, políticas e, por suposição, armadas, cujos postulados ou atividades tragam, de alguma maneira, propostas alternativas ou diferentes do que se caracteriza como o modo de vida ocidental e cristão” (op. cit. p.32-33).

O Estado terrorista argentino instaurado em 1976 não pode confundir-se com as clássicas ditaduras latino-americanas, nem se quer com as mais arbitrárias e sangrentas. Entre outras diferenças poderia assinalar-se a seguinte: Os clássicos ditadores latino-americanos (Juan Vicente Gómez, em Venezuela, por exemplo), ainda que na maioria dos casos sejam militares e chegam ao poder com o apoio das forças armadas, não só costumam perseguir, mas a quem se opõe diretamente a seu governo, a seus interesses ou aos de seu grupo e sua classe. Exercem um terror limitado pela economia de suas próprias forças e pela estreiteza de suas perspectivas. Entretanto, a repressão do Estado terrorista é absoluta e universal. E se em verdade o terror é, como disse Hannah Arendt, a essência da dominação totalitária, resulta evidentemente que esse Estado tem levedo o fascismo a sua perfeição ontológica. Um célebre governador argentino, o general Saint Jean, sintetizou assim o programa político do Proceso3: “Primeiro mataremos todos os subversivos, depois os seus colaboradores, depois os simpatizantes, depois os indiferentes e por último os tímidos”. No entanto, o terror não se limita ao assassinato: recorre a todos os âmbitos da existência humana, se implanta na fábrica, na oficina, no periódico, na escola, na arte, na família, etc. Afeta a indivíduos de todas as idades, profissão, condição social (ainda que obviamente prefira aos das classes inferiores). Morrem ou desaparecem indivíduos que tem entre oitenta anos e oitenta dias. Mas o mais significativo não é o aspecto quantitativo da repressão (no qual Videla talvez foi superado por Hitler, ainda que não por Mussolini, Stalin ou Franco), sim o qualitativo, do qual não seria aventurado afirmar que o regime militar fascista Argentino alcançou os cumes nunca escalados na história latino-americana e universal. Não creio que o refinamento sádico dos torturadores da Escola de Mecânica da Armada tenha sido superado em Auschwitz. Parece-me, pelo contrário, que a Gestapo poderia aprender bastante com os Grupos de Tarefa Argentino, e que Mengele, mais que dá lições a Astiz, deveria tê-las tomado dele.

Pode dizer-se, em todo caso, em favor dos nazis alemãs, que não uniam a hipocrisia à crueldade, que não se escondiam atrás da cruz de Cristo, sim que levavam com orgulho, à frente, a cruz gamada (para muitos, a cruz do Anticristo). O grande problema é que os fascistas argentinos não tiveram seu Nuremberg. Depois de oprimir, empobrecer e assassinar “valentemente” a seu próprio povo, os militares argentinos empreenderam uma guerra absurda (cortina de fumaça, autojustificação, mas também consequência forçosa da ideologia fascista, que tende necessariamente para o conflito bélico). Venceram os montoneros, mas não puderam vencer os ingleses. Demonstraram que não só eram absolutamente ineptos como governantes, mas também inteiramente incapazes como militares. O mínimo que se poderia pedir frente a esta demonstrada e flagrante inutilidade é a abolição de tais forças armadas ou por pelo menos sua redução a uma limitadíssima oficina técnica. Mas isto seguramente não acontecerá.

Publicado em Polêmica, n. 17, maio de 1985.

1 Como as lojas maçônicas; logia.

2 Organização política e militar argentina que lutou contra a ditadura militar.

3 Proceso de Reorganización Nacional, nome do período de governo ditatorial na Argentina de 24 de março de 1973 à 10 de dezembro de 1983.

[Reino Unido] Brighton: Crônica da manifestação em solidariedade com os presos no estado espanhol

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Fonte: ANA – Agência de Notícias Anarquistas

No domingo, 12 de abril, aproximadamente 40 pessoas participaram de um protesto contra a repressão na Espanha. A manifestação aconteceu em resposta a recente “Operação Piñata”, onde houve uma enorme (e barulhenta) incursão policial contra o movimento anarquista na Espanha. No momento, cinco pessoas permanecem detidas em regime de isolamento.

Desde as 18 horas, as pessoas foram chegando à praça central da Clock Tower. Com faixas e distribuindo folhetos, os manifestantes explicaram a quem passava por ali a situação repressiva na Espanha e o caso específico dos nossos companheiros. Também foram ecoados gritos contra a repressão e contra a polícia e as prisões (alguns em espanhol).

Meia hora após o início da concentração, os ativistas decidiram bloquear o tráfego por alguns minutos, caminhando até a Churchill Square. Lá, foi lido um comunicado em frente do Banco Santander e da O2 (Telefônica), duas das principais multinacionais espanholas. O grupo, então, voltou para a Clock Tower, onde terminou a ação.

A concentração contou com um número significativo de imigrantes do estado espanhol residente em Brighton e de companheiros de vários movimentos sociais da cidade. Grupos como Brighton-SolFed, Brighton Antifascists, Brighton Anarchist Black Cross e o Cowley Clube mostraram sua solidariedade.

Esta ação foi organizada por um grupo de ativistas preocupados com a situação na Espanha. Enquanto as condições de vida estão piorando, a classe dominante do país responde com a criminalização dos movimentos sociais e dos que lutam.

Agora, a solidariedade internacional é especialmente importante. Temos de mostrar que não temos medo, que estamos alertas e que nossos companheiros não estão sozinhos. A solidariedade continua.

Espanha cheira a Estado Policial!

Liberdade presos anarquistas!

Conteúdo relacionado:

http://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2015/04/02/alemanha-berlim-solidariedade-com-detidos-na-operacao-pinata/

Das canções barulhentas que animam rebeldes: uma nota sobre Redson, a banda Cólera e a emergência do anarco-punk.

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Por Acácio Augusto *

Fonte: GEAPI – Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí

Você era um bom menino

mas um dia se cansou

de ser dominado

de tanta pressão

Cólera

O punk foi o grito de guerra que marcou um rompimento com as tecnologias disciplinares e, ao mesmo tempo, anunciou rebeldias contra os governos na sociedade de controle. Diante do fim do sonho, jovens que adotaram a revolta como atitude estética bradavam: não há futuro! Mais do que moda juvenil ou produto da indústria cultural — como querem as definições sociológicas de gabinete —, o punk rock deu forma, trilha e estética aos jovens que odiavam a família, a escola, a igreja, o exército, a polícia, o emprego, o Estado, enfim, toda e qualquer autoridade que se apresentasse a eles como tal. Tudo ou nada. Afirmava não ser preciso que alguém lhe autorizasse se seu querer era destruir uma sociedade que se apresentava tão podre quanto sua calça jeans, sua jaqueta de couro e seu coturno. Destruição!

No Brasil, o punk encontrou um país saindo de uma ditadura civil-militar e em um processo de democratização que fedia tanto quanto o chulé de garotos petulantes e mal-

criados oriundos dos bairros pobres da cidade de São Paulo. “O punk veio para pintar a asa branca de negro, atrasar o trem das onze e fazer da Amélia uma mulher qualquer”, declarou Clemente, da banda Inocentes, a um repórter da TV Cultura durante a realização, em 1982, do festival “O começo do fim do mundo”, realizado no SESC Pompéia, em São Paulo, com decisiva interferência do jornalista e dramaturgo Antonio Bivar.

O festival contou com uma prévia, meses antes, no antigo Salão Beta, dos estudantes

da PUC-SP, onde hoje é o Tucarena. Uma das bandas que tocaram nesse festival foi o Cólera.

O Cólera foi formado em 1979 pelos irmãos Pierre e Edson Pozzi, este adotando o nome punk de Redson, o filho vermelho, o som vermelho. Não cabe para um punk um obituário ou uma nota biográfica, mas o registro do ano de início de uma banda que, junto com Restos de Nada, amplificou em termos sonoros, estéticos e políticos o que havia de mais visceral e contundente no punk da periferia e do subúrbio de São Paulo.

Agora, o dia 27 de setembro de 2011, com a morte de Redson, marca o final da banda mais longeva do punk no Brasil: 32 anos de cólera, de revolta, de gritos de ódio. Finda uma obra feita com o que os punks chamam de do it yourself.

Sem grandes gravadoras, sem facilidades computacionais, sem patrocínios ou paitrocínios. O Cólera foi uma das primeiras bandas a gravar um disco com selo próprio, o Ataque Frontal; a primeira a se arriscar, em meados dos anos 1980, a tocar em squats e ocupações de quase toda Europa, com a ajuda de amigos cultivados por correspondências; a gravar, fazer shows, participar de manifestações e até, eventualmente, tocar em programas de TV, como o extinto Boca Livre, sem um esquema empresarial. A proximidade do punk com a autogestão e os anarquismos não foi mera coincidência ou afinidade ideológica: se tocaram pelo jeito de fazer as coisas e de se inventar no mundo.

Marcante, também, na existência de Redson e do Cólera, foi a temática recorrente em suas letras. Além daquelas sobre a vida de jovens na cidade, o combate à polícia, o ódio simultâneo ao consumismo, ao comunismo e ao fascismo, e as brigas pelas ruas, comuns a quase toda banda punk que se preze, foi a partir do disco “Pela paz em todo mundo”, de 1986, que temáticas como o pacifismo ativo, as preocupações ecológicas, o combate à homofobia, ao machismo e ao sexismo, o antimilitarismo e os alertas antinucleares passaram a fazer parte do repertório e da verve dos punks no Brasil.

Tal atenção para com a elaboração e temática das letras fez do Cólera procedência imediata do que depois se conhecerá como anarco-punk no Brasil, em especial por evidenciar e investir no rompimento com uma educação de costumes conservadores trazida de casa e sustentadas por muitos punks.

Impressionante, também, era a energia de Redson, Val e Pierre no palco: ágeis, sagazes e incansáveis. Qualquer um que fitasse o brilho nos olhos de Redson tocando e Das canções barulhentas que animam rebeldes cantando não conseguiria ficar indiferente a músicas como “Agir”, “Histeria”, “Subúrbio Geral”, “São Paulo”, “Duas Ogivas” ou “Quanto vale a liberdade?”.

Redson era um homem generoso, atento às bandas que desapareciam tão rápido quanto apareciam e defensor de uma atitude não violenta que se afastava de certa rabugice da maioria dos punks. Sabia que lutar contra fascismo não era matar e morrer estupidamente nas ruas da cidade. Atravessou, corajosamente, três décadas de punk como um quase infame que viu muita gente morrer, virar crente ou skinhead, casar e depois ver no punk um arroubo juvenil. Seguiu sem esmorecer insuflando a revolta de novos garotos que queriam “destruir o sistema”. Com guitarra em punho, com suas hesitações e contradições, mostrou com sua existência que é possível viver diferentemente do que se destina a você quando nasce. Mostrou que é possível deixar uma marca sem abrir mão da liberdade e sem “se entregar ao sistema”.

Hoje, abundam as chamadas bandas e gravadoras alternativas e independentes, e a internet ampliou a possibilidade de espalhar uma banda ou um som. A maioria dos jovens das periferias, encantados com o rap oriundo dos Estados Unidos, querem ser integrados e fazer sucesso. Os punks, na sua maioria, matam-se estupidamente na porta de shows e produzem ecumênicas alianças com skinheads. Parecem perdidos numa justificativa ideológica de brigas de gangue. Paradoxalmente, foi a ousadia de pessoas como Redson, no começo dos anos 1980, que abriu caminho para isso. O grito de revolta de trinta anos atrás, em pouco tempo foi respondido com essa pacificação violenta que oscila entre um punk que não produz mais algo como o Cólera e um rap que é quase unânime nos bairros pobres da cidade e nas rodinhas das classes médias politizadas.

A morte de Redson lembra que já faz trinta anos que a revolta eclodiu na cidade e que hoje ela está sufocada, ou impedida de aparecer, pela intensificação da comunicação e por uma recusa das condições de vida nos bairros pobres que se expressa como vontade de inclusão e expressão de assujeitamentos.

***

Conheci e convivi com Redson em momentos efêmeros e intermitentes. Não era um homem extraordinário, mas um sujeito incomum. Assisti muitos dos seus shows, em casas noturnas do centro e em bares imundos nas bordas mais ermas da cidade. O mais marcante era a energia e o brilho no olhar. Ao escrever sobre sua morte, por sugestão de um amigo, que sensivelmente notou minha perturbação com a notícia, dou-me conta de que cheguei à quarta página sem arriscar escrever na primeira pessoa do singular. De fato, a banda Cólera e seu front man, Redson, tem toda essa importância descrita acima, talvez até mais, e sua morte me levou a pensar sobre essa diferença entre o que foi possível de vivamente revoltado e rebelde num momento, e o que é tão raro hoje; como o punk rock abriu a possibilidade de um rompimento que hoje é dificilmente ensaiado.

A revolta contra a sociedade parece ter virado muro de lamentações. A rapidez e urgência do hardcore foi cedendo espaço ao peso e lentidão do rap. Redson morreu, tendo vivido à sua maneira, escapou do itinerário destinado a um jovem de periferia sem virar “macaco” da classe média. Como todo vivente não escapou da morte, mas viveu a intensidade da vida numa cidade estúpida que só poderia ser desafiada com a agressividade própria do

punk rock.

Das canções barulhentas que animam rebeldes Quando eu tinha 14 anos e um tremendo mal-estar de habitar um mundo que então se abria, foi muito bom ouvir, num disco de vinil ainda, Redson cantar: “Quanto vale a liberdade?/Pra vocês ela tem um preço/Quanto vale a confiança?/Não quero esperar/Não acredito no seu dinheiro/Onde está o seu caráter?/Deve estar perdido em algum beco/Horas você enlouquece/E depois quer fugir/Se refugia como um animal, como um animal/Dia após dia eu procuro ir em frente/Vê se me entende, não há razão, não há razão/Já não pode mais pensar/Olhe para tudo como está/Agora eu sei que não há preço/Mas me sinto acorrentado/Dia após dia, e não há razão, não há razão/Quanto vale a liberdade?/Quanto vale a liberdade?/Não importa, eu vou em frente/Não importa, eu vou em frente!” Que a revolta e o barulho, em vermelho e negro, que animou jovens como Redson siga existindo e seja capaz de inventar novos percursos de liberdade à sua maneira, como há trinta anos esse punk inventou.

*Acácio Augusto é doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP, professor no Cur-

so de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina e pesquisador no

Nu-Sol. Escreveu em parceria com Edson Passetti Anarquismos e educação,

Editora Autêntica, 2008.

Os amigos de Hitler (Um texto de Eduardo Galeano)

Tradução por José Roberto de Luna, Maio de 2015.

Reproduzimos um esclarecedor texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, extraído de seu livro Espelhos: uma história quase universal. Galeano, com mãos de um cirurgião especialista, disseca e descreve a perfeita simbiose entra as grandes corporações capitalistas dos EUA e da Alemanha – de antes e de agora – que com a inestimável colaboração da Igreja Católica e dos bancos suíços abriram caminho para a ascensão do Nazi-fascismo e sua conquista da Europa… e para a maior hecatombe que já conheceu a história humana. Uma leitura necessária e muito recomendável de um dos ensaístas mais lúcidos do panorama literário atual em espanhol. [Os negritos são nossos]

“Os amigos de Adolf Hitler têm má memória, mas a aventura nazi não teria sido possível sem a ajuda que deles recebeu.

Como seus colegas Mussolini e Franco, Hitler contou com o precoce beneplácito* da Igreja Católica.

Hugo Boss vestiu seu exército.

Bertelsmann publicou as obras que instruíram seus oficiais.

Seus aviões voavam graças ao combustível da Standard Oil [hoje Exxon e Chevron], seus soldados viajavam em caminhões e jeeps da marca Ford.

Henry Ford, criador desses veículos e do livro O judeu internacional, foi sua musa inspiradora. Hitler agradeceu por tudo condecorando-o.

Também condecorou o presidente da IBM, a empresa que tornou possível a identificação dos judeus.

A Rockefeller Foundation financiou investigações raciais e racistas da medicina nazi.

Joe Kennedy, pai do presidente, era embaixador dos Estados Unidos em Londres, porém mais parecia embaixador da Alemanha. E Prescott Bush, pai e avô de presidentes, foi colaborador de Fritz Thyssen, quem pôs sua fortuna à disposição de Hitler.

O Deutsche Bank financiou a construção do campo de concentração de Auschwitz.

O consórcio IGFarben, o gigante da indústria química alemã, que depois passou a se chamar Bayer, Basf ou Hoechst, usava como ratos de laboratório os prisioneiros dos campos, e além disso os usava como mão de obra. Estes operários escravos produziam de tudo, incluindo o gás que ia matá-los.

Os prisioneiros trabalhavam também para outras empresas, como Krupp, Thyssen, Siemens, Vasrta, Bosch, Daimler Benz, Volkswagen e BMW, que eram a base econômica dos delírios Nazis.

Os bancos suíços ganharam uma nota preta comprando de Hitler o ouro de suas vítimas: suas joias e seus dentes. O ouro entrava na Suíça com assombrosa facilidade, enquanto a fronteira estava completamente fechada* para os fugitivos de carne e osso.

A Coca-cola inventou a Fanta para o mercado alemão em plena guerra. Nesse período, também Unilever, Westinghouse e General Eletric multiplicaram ali seus investimentos e suas ganâncias.

Quando a guerra terminou, a empresa ITT recebeu uma milionária indenização porque os bombardeios aliados haviam danificado suas fábricas na Alemanha”.

Eduardo Galeano (Uruguai, 1940)

Fragmento de Espejos: una historia casi universal (ISBN: 978-84-323-1314-1)

Siglo XXI Ed. (Madrid, México, Buenos Aires, 2008)

Notas do tradutor:

* Aprovação.

* Aqui se perdeu um jogo de palavras. No original, Galeano usa a expressão “a cal y canto” (que significa que algo está absolutamente fechado) para contrastar com a expressão “de carne e osso” que vem em seguida.

Anarcosindicalistas espanhóis pretendem julgamento do genocídio franquista cometido entre 1936 e 1977

Fonte: Coletivo Libertário Évora

Mulheres Republicanas raspadas pela repressão Franquista

Mulheres Republicanas raspadas pela repressão Franquista

Em Portugal isso nunca aconteceu. Nunca houve um julgamento do regime fascista. No Estado Espanhol, a CNT pretende levar para a frente o processo do franquismo e associou-se às  acções que estão a ser levadas a cabo, nos tribunais argentinos, por iniciativa de familiares de vítimas e associações que lutam contra o branqueamento do fascismo. Entre 1936 e 1977, a CNT contabiliza 50 mil fuzilados, 73 mil assassinados e 30 mil desaparecidos.

A Confederação Nacional do Trabalho apresentou recentemente  em Madrid a denúncia que juntou no passado mês de Dezembro ao processo que está a transitar nos tribunais argentinos e que pretende julgar o genocídio cometido pelo regime de Franco desde 1936 até 1977. Deste modo a CNT associa-se às acções empreendidas por parte de familiares de assassinados e desaparecidos, associações de recuperação da memória histórica e outras entidades interessadas.

A CNT pretende assim trazer para a luz do dia a repressão sofrida pela organização e pelo Movimento Libertário desde o golpe militar de 18 de Julho de 1936 até à lei da amnistia de 1977, uma lei que pretende passar em branco mais de 40 anos de um regime instaurado pela força e baseado na violência física e social. O seu máximo dirigente e executor, o general Francisco Franco, contou para isso com a colaboração de diferentes sectores militares, financeiros, políticos e eclesiásticos católicos, todos eles implicados na autoria e direcção do golpe.

Neste acto público participaram Alfonso Alvarez, secretário geral da CNT, José Ramon Palacios, presidente da Fundação Anselmo Lorenzo e Javier Antón, coordenador do Grupo de Trabalho da Memória Histórica –CNT. Além destes, prestaram o seu testemunho três sobreviventes da repressão franquista, Félix Padin, Antonio Amate e Aurora Tejerina,

Com esta acção a CNT pretende proclamar “publica e energicamente, face a um esquecimento cúmplice, o seu desejo e interesse em por a claro e divulgar o desastre que foi a instauração do franquismo, assim como os terríveis danos causados à organização confederal que foi o alvo principal da acção repressiva do regime durante décadas”.

Um balanço objectivo da repressão, passados já quase três quartos de séculos do golpe militar e após consulta à numerosa bibliografia especializada sobre a Guerra Civil espanhola, dá-nos a números dramáticos, alguns baseados inclusivamente em fontes oficiais do governo franquista: 50 mil fuzilados, 73.000 assassinados na retaguarda, 30.000 desaparecidos; 500.000 levados para campos de concentração, 300.000 presos e um número indeterminado de violações, raptos e roubo de crianças.

(com: Secretariado Permanente del Comité Confederal CNT-AITprensa@cnt.es )