Os Estados Unidos têm pressionado a Turquia, país membro da OTAN, durante semanas para que faça mais por Kobane
Por Michael Rubin
6 de novembro de 2014
Fonte: Diário Siglo XXI
Tradução: Coletivo Anarquia ou Barbárie
Os peshmerga curdos iraquianos atravessaram a Turquia a caminho de Kobane, o cantão curdo-sírio atualmente sitiado pelo Estado Islâmico. O The New York Times informa que os “Líderes curdos sírios de Kobane afirmam que pequenos grupos de guerrilheiros não são suficientes para reverter a situação atual”, mas a Turquia tem o benefício da dúvida, e continua:
“Os Estados Unidos têm pressionado a Turquia, país membro da OTAN, durante semanas para que faça mais. Mas a Turquia tem se esforçado em solicitar que a intervenção americana busque depor o presidente sírio Bashar al-Assad, manifestando grandes reservas quanto à ajuda às minorias curdas da Síria e Iraque, alinhadas com as suas próprias populações curdas descontentes. Os grupos que combatem pelo município de Kobane entendem a política por trás da recente decisão turca de lhes ajudar a repelir o Estado Islâmico. Os analistas apontam que a minimização desse descontentamento na Turquia seja importante.”
Tais matérias interpretam mal a dinâmica curda ou os reais interesses do presidente turco, Erdoğán. Quando Erdoğán pensa a Síria, o inimigo número um a bater é Assad, o número dois são os curdos sírios e, apenas num distante terceiro lugar, o Estado Islâmico. Durante os últimos meses, Erdoğán esperava que o Estado Islâmico fizesse o trabalho sujo por ele, derrotando os curdos sírios. Entretanto, duas coisas aconteceram: as Unidades Populares da resistência em Kobane (YPG e YPJ) não apenas não se renderam como também poderiam até ter revertido a situação; e os Estados Unidos decidiram ignorar a proibição de cooperar com tais Unidades e as abasteceu, na prática, armando pela primeira vez o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Erdoğán jogou suas cartas, e os EUA, por fim, viu a luz no fim do túnel. Ao permitir que os curdos cruzem sua fronteira – mesmo como um gesto simbólico – a intenção de Erdoğán não é exatamente ver uma vitória dos curdos, mas sim impedir que os EUA voltem a colaborar com o PKK.
Erdoğán não é o único a se mostrar hostil aos curdos sírios. O presidente do Curdistão iraquiano, Massoud Barzani, também. Barzani desfaz-se em elogios ao nacionalismo curdo, porém os antecedentes pesam. Barzani almeja, antes de tudo, aumentar seu poder pessoal. É totalmente a favor do nacionalismo curdo desde que seja ele quem mande. Contudo, preferiria ver o fracasso da empreitada curda ao se ver substituído por um rival. Em 1996, por exemplo, ele arriscou tudo o que os curdos haviam conquistado até então, ao chamar a Erbil ( capital do Curdistão iraquiano) a Guarda Republicana do então Presidente Saddam Hussein para que este o apoiasse em seu enfrentamento ao líder curdo rival, Jalal Talabani. Atenção: apenas oito anos após o regime de Saddam ter utilizado seu arsenal de armas químicas contra os curdos.
Barzani considera os curdos sírios como rivais políticos, tendo em vista que estes pendem mais para o lado do líder do PKK, Abdullah Öcalan, do que ao seu. Em visita ao Curdistão sírio no início deste ano, Barzani bloqueou ativamente a ajuda humanitária requerida pelos curdos sírios. Toneladas de medicamentos doadas em solidariedade aos curdos de país vizinho foram “esquecidas” em seus armazéns. Todavia, a salvação dos yazidis de Shingal por parte das Unidades Populares – depois que os próprios peshmerga de Barzani tinham fugido – não fez senão destacar ainda mais a relevância das Unidades Populares aos olhos dos curdos. Em outras palavras, se o Estado Islâmico cortasse as asas das Unidades Populares, Barzani não derramaria sequer uma lágrima.
O envio de um contingente simbólico de peshmergas curdos a Kobane é simplesmente o plano de contingencia de Erdoğán e de Barzani. Para as Unidades não faz nenhuma diferença, e a sua defesa de Kobane apenas tem aumentado sua fama. Adicionar os peshmerga iraquianos à mistura não vai mudar os rumos do combate, mas permitirá que Erdoğán e Barzani reivindiquem a vitória dos curdos sírios caso as Unidades consigam realizar tal façanha. Basicamente, Erdoğán e Barzani esperam se beneficiar da ação das Unidades Populares e compartilhar sua glória.
Os EUA podem querer derrotar o Estado Islâmico, mas não devemos ter dúvidas: o Estado Islâmico não teria chegado até aqui se não fosse pela cumplicidade da Turquia e, mais especificamente, do próprio Erdoğán. Seria um erro fatal dos legisladores estadunidenses, ao tratar de Kobane, supor que o resto da região compartilha do nosso programa. Isso não significa que não podemos ter aliados de conveniência, mas não devemos vê-los como algo que não são.