Militarismo e fascismo na Argentina contemporânea

“Primeiro mataremos todos os subversivos, depois os seus colaboradores, depois os simpatizantes, depois os indiferentes e por último os tímidos”.

“Primeiro mataremos todos os subversivos, depois os seus colaboradores, depois os simpatizantes, depois os indiferentes e por último os tímidos”.

Por Ángel Cappelleti

Fonte:  Polêmica

Em 6 de agosto de 1936, em um momento luminoso da revolução espanhola, escrevia Solidaridad Obrera: “Os militares têm sido o pesadelo da nação”. A frase poderia servir de epígrafe para uma história do último meio século na Argentina.

O exército argentino, organizado como exército regular depois da batalha de Caseros, teve seu olhar sobre os exércitos europeus durante muitas décadas. Sarmiento fundou o colégio militar com a finalidade de “europeizar” técnica e ideologicamente a oficialidade nacional. A tecnificação foi bem sucedida, em maior ou menor grau; a ideologização também. Teve o país, assim, um exército “liberal”, com todas as consequências que isto implicava. Liberais foram a maioria dos oficiais argentinos, porque criam firmemente no livre câmbio e na livre empresa. Também o foram no político e no cultural. Pensavam que cada cidadão podia expressar suas ideias, quaisquer que fossem, sempre que com elas não atentasse contra a constituição, quer dizer, contra a propriedade privada, a família patriarcal, a hierarquia de classes, a autoridade do governo. Um argentino podia ser católico, metodista ou agnóstico: conservador, radical ou até socialista. Mas, desde já, não comunista ou anarquista. Podia-se, segundo eles e os governos que sustentavam, criticar os homens e as instituições e falar mal dos ministros e ainda do presidente durante todo o ano, mas no dia das eleições não se podia votar a não ser em quem asseguraria a continuidade da ordem e do progresso. O presidente Roca teve um conflito com o núncio papal; os generais liam Spencer e ainda a José Ingenieros; a educação era laica, gratuita e obrigatória. Mas, em caso de greve, as forças armadas tinham já preparados os seus Falcón e seus Varela, sempre prontos para servir à pátria massacrando trabalhadores (conf. O. Bayer. La Patagonia rebelde).

Este “liberalismo” dos militares argentinos, suficiente para assegurar a perduração do latifúndio e o domínio político da oligarquia, começou, no entanto, a ser questionado, por sua debilidade intrínseca, a partir do crescimento da classe média e do triunfo do radicalismo (1960). Nos anos 20, alguns oficiais começaram a ver com simpatia o triunfo do fascismo italiano e se sentiram deslumbrados pela retórica grandiloquente de Mussolini. Desde o fim dessa década, esses militares formavam já um grupo significativo que consolidava seu ideário com a leitura de Maurras e o magistério “filosófico” de alguns “hispanistas”. O nacionalismo consistia, até então, em renunciar toda história nacional (feita por maçons e jacobinos) para reivindicar a Felipe II e em sonhar com a reinstauração do Vice-reinado por cima desse engendro rousseauniano chamado República Argentina. Trata-se de reinventar a Santa Inquisição contra anarquistas, comunistas, socialistas e ainda liberais; de negar o internacionalismo “moscovita” em prol do internacionalismo vaticano; de impedir a toda custa, com a cruz e a espada, que alguém tomasse a sério a frase do evangelho: Insuerientes implevit bonis et divit dimisit inanis (“Aos famintos os encheu de bens e aos ricos os devolveu vazios”, quer dizer, os despojou de suas riquezas). Em 6 de setembro de 1930, o general Uriburu interrompeu meio século de relativo constitucionalismo civilista a fim de assegurar o essencial desses ideais de “nacionalismo” e derrubou o presidente Irigoyen. O acompanharam no golpe, além dos cadetes da Escola Militar, um seleto grupo de oficiais do exército, entre os quais estavam o capitão Perón, o capitão Franklin Lucero, o major Sosa Molina, etc. Era “a hora da espada”, como diria o ex anarquista Lugones. Um dos ideólogos daquele primeiro golpe fascista dos militares argentinos, Carlos Ibarguren (La historia que he vivido, Buenos Aires, 1969, p. 369), descreve assim o ideário dos que inspiraram, realizaram, usufruíram da “gloriosa” revolução de 1930:

Esses núcleos de juventude sentiam-se em desacordo com nosso regime individualista, que fomentava a anarquia em uma época em que o clima da sociedade sofria grandes comoções no mundo. Na França, cuja cultura e mentalidade exerciam poderosa influência entre nós, o modo de trabalhar e o discurso do grande político e nacionalista Maurras e da Action Française – descartando a tendência monárquica – provocava revolta nesses momentos, o que atraiu aqui profundo interesse em muitos jovens, determinando tendências políticas e socias definidas, quanto a combater o liberalismo e o parlamentarismo, a necessidade de organizar um Estado vigoroso e um governo representativo do país real e não dos comitês eleitorais; aos anseios de implantação de uma democracia funcional, baseada nas forças sociais e não em partidos manejados e usufruídos por demagogos e oligarquias de políticos profissionais. Exerciam também influência as ideias difundidas por Mussolini, e se bem se repudiava as ditaduras (?), sustentava-se a necessidade de governos fortes que mantivessem energicamente a ordem social, as hierarquias e a disciplina para evitar a ameaça do comunismo soviético.

De resto, o governo de Uriburu cumpriu, até onde se pôde, com este programa. A repressão contra políticos (radicais, socialistas) foi leve, caso se compare com a que exerceu contra os militantes obreiros. A prisão de Usuhaia, “o sepulcro dos vivos” do extremo sul argentino, se encheu de anarquistas e comunistas; se implantou sistematicamente a tortura; se fuzilou a Severino Di Giovanni e a outros revolucionários.

Na década de 30, a ideologia fascista logrou prestígio crescente entre os militares argentinos, assim como entre uma minoria de intelectuais “aristocratas”. O triunfo de Hitler na Alemanha e de Salazar em Portugal; o falangismo espanhol de José Antônio Primo de Rivera; Codreanu e a Guarda de Ferro, etc., para não falar do Estado Novo de Getulio Vargas, do integrismo de Plínio Salgado e de outros avanços das forças totalitárias, corroboraram as tendências iniciais de alguns e arrastaram a outros até então indecisos.

Enquanto Uriburu desmantelava o FORA e, aplicando com rigor a famosa “lei de residência”, devolvia à Itália ou à Espanha aos mais aguerridos lutadores obreiros, os intelectuais “nacionalistas” revisavam a história argentina, exaltavam a Rosas, denegriam a Sarmiento e Rivadavia, confeccionavam impecáveis sonetos ao Garcilaso e se esforçavam por substituir a Hegel por São Augustín e a Kant por Santo Tomás.

Muitos oficiais, instruídos por “filósofos” como Giordano Bruno Genta, começaram a sentir-se “cruzados”, cuja missão sagrada era a luta contra o comunismo e seu lacaio, o demoliberalismo. Surgiram lojas1 evidentemente imbuídas de ideias fascistas ou falangistas. O GOU (Grupo de Oficiais Unidos), que levou ao poder, em 1943, a Ramírez, Farrell e Péron, foi uma delas. A vivacidade criola deste último (mais próxima, sem dúvida, da sabedoria do velho Vizcacha que da de Martín Fierro) supôs disfarçar habilmente a aspiração a um Estado corporativo com o percal floreado das dádivas e os “benefícios sociais”. Mas quando o fascismo manso e popular deixou de ser possível (porque já não sobrava nada para presentear) o fascismo em sua pura virulência ressurgiu. Lonardi e seus amigos da Unión Federal em 1955 eram parentes próximos do franquismo contemporâneo, mas os “liberais” de Aramburu, recorrendo à herança de Augustín P. Justo e de Roca, preferiram retornar a vias mais moderadas. Quando estas se mostraram insuficientes, surgiu, uma década mais tarde, Onganía, progênie do Opus Dei e da CIA, dos Cursos de Cristandade e da OAS, com menos inibições que Lonardi (e também com menos oposição dentro das forças armadas). Assumiu alegremente a postulação de um corporativismo tecnocrático. Para isso, começou por escolher da Universidade Nacional os melhores técnicos e homens de ciência. A petulante ineficiência de seu governo naufragou no Cordobazo. Foi a vez da outra cara do fascismo criolo. Retornou, então, com sua recapturada presença de general, Juan Domingo Perón, seguido por sua corte de bruxos e seu bando de guerrilheiros. Estes eram “socialistas nacionalistas”, aqueles “nacionais socialistas” (o qual, no fundo, vem a ser o mesmo). Perón os cobriu primeiro, a uns e outros, com sua boemia de duce ressuscitado. Ao final, repudiou aos montoneros2 cuja estridência pseudo-revolucionária turbava suas sestas de ancião aprazível; e se juntou a López Rega e aos sindicalistas, para liquidar desde o governo aos “apressurados”. Assentou assim as bases da repressão apocalíptica; e fundou direta ou indiretamente, querendo-o ou sem querê-lo, os esquadrões da morte e a Triple A, cuja titularidade ostentavam López Rega, e outros camelots du roi.

O golpe de 1976 deu lugar ao período indubitavelmente mais sangrento e amoral de toda a história argentina. Os militares reivindicaram o monopólio do crime e da corrupção. Declararam a guerra à subversão, que identificavam com “o marxismo apátrida”, embora fosse mais supernacionalismo fascista, na maioria dos casos. Deu-se o paradoxo – que só pôde se dar na Argentina – de uma versão do fascismo tratando de exterminar a outra. A luta “militares versus montoneros” foi o enfrentamento de dois fascismos: um fascismo que defende a civilização “ocidental e cristã”, quer dizer, os interesses do Estados Unidos, das transnacionais, da hierarquia católica, da oligarquia financeira e, sobre tudo, das forças armadas, e outro, terceiro-mundista, apoiado as vezes em Cuba, as vezes nos países árabes e no capital petroleiro, sempre nostálgico da figura do líder (o Duce), alimentado ideologicamente pelos dejetos do marxismo e pelas ambiguidades de certa teologia pós-conciliar, basicamente católica e não carente de afinidades com o falangismo “independente” em tudo o que se refere a concepção de Estado – os sindicatos, a igreja, a família, etc. (Linke Leute von Recht) –. É claro que a grande ação repressiva arrastou muitos homens que não eram montoneros nem socialistas nacionais. Caíram nela marxistas (mais ou menos autênticos), sociais democratas, radicais e até algum anarquista; personalidades independentes, cristãos sinceros, defensores dos direitos humanos, etc. Os liberais, por outro lado, se dobraram ou se redobraram. Videla teve, mais até mesmo que Mussolini, seus Salandra e seus Giollitti. O Estado fascista assumiu a vestimenta de Estado terrorista. Os militares, donos do poder absoluto, consideraram “que o princípio de sujeição à lei, à publicidade dos atos e o controle judicial dos mesmos incapacitam definitivamente o Estado para a defesa dos interesses da sociedade”, e de tais premissas surgiu “a necessidade de estruturação – quase com tanta força quanto o Estado público – do Estado clandestino e, como instrumento deste, o terror como método” (E.L. Duhalde, El Estado terrorista argentino, Buenos Aires, 1983, p. 28). Nesta nova modalidade do fascismo argentino, os militares não só assumem o poder absoluto, não só subordinam a sociedade ao Estado e o Estado às forças armadas, mas também fazem tábua rasa de toda normalidade jurídica e ética. Para poder defender melhor a lei e a moral, suprimem toda moral e toda lei. Seu poder, tanto mais obsceno quanto mais pretende exercesse em nome dos valores cristãos, tanto mais semelhante ao despotismo oriental quanto mais se esforça por se mostrar paladino da civilização ocidental, tende a ser assim não só infinito, mas também, como diria Spinoza, infinitamente infinito. Tal fascismo castrense ultraterrorista se baseia na doutrina da seguridade nacional. Esta doutrina “acabada elaboração do Estado-Maior Conjunto Militar dos Estados Unidos” é, como disse Duhaldem, o fundamento dos “Estados militares ou Estados contra insurgentes que precipitaram a formação dos Estados terroristas” (opt. cit. p.32). O mencionado historiador caracteriza assim esses Estados, dos quais são exemplos o Chile de Pinochet, o Uruguai de Gregorio Álvarez e a Argentina de Videla, Viola e Galtieri: “Neles, a ênfase de seu discurso ideológico está posto na defesa da seguridade da nação, supostamente ameaçada pela ‘agressão permanente a serviço de uma superpotência extracontinental e imperialista’, nas palavras de Augusto Pinochet, a qual está representada pela invasão no seio do país de elementos subversivos empenhados em destruí-lo em todos os níveis. Os ditos elementos – sustenta-se – lograram ou se empenharam em lograr a destruição do sistema democrático ocidental, influídos pelo marxismo mediante projetos políticos alheios à idiossincrasia e às tradições de seus respectivos povos. A preocupação prioritária e determinante que orienta a ação do Estado e, em consequência, a luta frontal contra as atividades de todas as organizações sociais, sindicais, políticas e, por suposição, armadas, cujos postulados ou atividades tragam, de alguma maneira, propostas alternativas ou diferentes do que se caracteriza como o modo de vida ocidental e cristão” (op. cit. p.32-33).

O Estado terrorista argentino instaurado em 1976 não pode confundir-se com as clássicas ditaduras latino-americanas, nem se quer com as mais arbitrárias e sangrentas. Entre outras diferenças poderia assinalar-se a seguinte: Os clássicos ditadores latino-americanos (Juan Vicente Gómez, em Venezuela, por exemplo), ainda que na maioria dos casos sejam militares e chegam ao poder com o apoio das forças armadas, não só costumam perseguir, mas a quem se opõe diretamente a seu governo, a seus interesses ou aos de seu grupo e sua classe. Exercem um terror limitado pela economia de suas próprias forças e pela estreiteza de suas perspectivas. Entretanto, a repressão do Estado terrorista é absoluta e universal. E se em verdade o terror é, como disse Hannah Arendt, a essência da dominação totalitária, resulta evidentemente que esse Estado tem levedo o fascismo a sua perfeição ontológica. Um célebre governador argentino, o general Saint Jean, sintetizou assim o programa político do Proceso3: “Primeiro mataremos todos os subversivos, depois os seus colaboradores, depois os simpatizantes, depois os indiferentes e por último os tímidos”. No entanto, o terror não se limita ao assassinato: recorre a todos os âmbitos da existência humana, se implanta na fábrica, na oficina, no periódico, na escola, na arte, na família, etc. Afeta a indivíduos de todas as idades, profissão, condição social (ainda que obviamente prefira aos das classes inferiores). Morrem ou desaparecem indivíduos que tem entre oitenta anos e oitenta dias. Mas o mais significativo não é o aspecto quantitativo da repressão (no qual Videla talvez foi superado por Hitler, ainda que não por Mussolini, Stalin ou Franco), sim o qualitativo, do qual não seria aventurado afirmar que o regime militar fascista Argentino alcançou os cumes nunca escalados na história latino-americana e universal. Não creio que o refinamento sádico dos torturadores da Escola de Mecânica da Armada tenha sido superado em Auschwitz. Parece-me, pelo contrário, que a Gestapo poderia aprender bastante com os Grupos de Tarefa Argentino, e que Mengele, mais que dá lições a Astiz, deveria tê-las tomado dele.

Pode dizer-se, em todo caso, em favor dos nazis alemãs, que não uniam a hipocrisia à crueldade, que não se escondiam atrás da cruz de Cristo, sim que levavam com orgulho, à frente, a cruz gamada (para muitos, a cruz do Anticristo). O grande problema é que os fascistas argentinos não tiveram seu Nuremberg. Depois de oprimir, empobrecer e assassinar “valentemente” a seu próprio povo, os militares argentinos empreenderam uma guerra absurda (cortina de fumaça, autojustificação, mas também consequência forçosa da ideologia fascista, que tende necessariamente para o conflito bélico). Venceram os montoneros, mas não puderam vencer os ingleses. Demonstraram que não só eram absolutamente ineptos como governantes, mas também inteiramente incapazes como militares. O mínimo que se poderia pedir frente a esta demonstrada e flagrante inutilidade é a abolição de tais forças armadas ou por pelo menos sua redução a uma limitadíssima oficina técnica. Mas isto seguramente não acontecerá.

Publicado em Polêmica, n. 17, maio de 1985.

1 Como as lojas maçônicas; logia.

2 Organização política e militar argentina que lutou contra a ditadura militar.

3 Proceso de Reorganización Nacional, nome do período de governo ditatorial na Argentina de 24 de março de 1973 à 10 de dezembro de 1983.

“Morte AOS RADICAIS!” A ARTE DA CRIMINALIZAÇÃO

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Por El Fauno

(De “Hermenêutica das Prisões”, 2015)

Fonte: Bloque Libertário

Apontamentos Micro-Históricos: A Teoria do Nexo Político e a Violência “Patológica” do Anarquista

Se é bom de antemão apontar primeiramente que nem todo anarquista veste capuz em protestos, e nem todo encapuzado se harmoniza com a ideologia anarquista, para esclarecermos que a raiva de uma manifestação não pode caracterizar a um grupo social específico. Às vezes a rebeldia e o “já me cansei” são indícios de atuar até as últimas consequências contra a podridão do México atual.

Os anarquistas não exercem sua ideologia política através de partidos de qualquer índole. Nem o Partido Liberal Mexicano fundado em 1906 pelos irmãos Flores Magón foi uma amostra da busca da democracia representativa e sim, da organização autônoma ao Estado para criar alternativas em razão de uma Revolução violenta que seria a única via para exercer a Liberdade humana e econômica. Os anarquistas buscam não buscam a representatividade de massas, mas destruir estas representatividades para evocar o indivíduo que representa a si mesmo.

schwarze block (black block), aparece a partir da década de 1970 na Alemanha Ocidental, pois a onda repressiva intensa contra grupos pacifistas, células estudantis e Okupas provocou a autodefesa como forma de reinvindicação rebelde. Em 1999 o termo se popularizou diante dos protestos em Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) que deu início ao movimento antiglobalização do novo século. Em 2001, se realizaram protestos de oposição semelhantes na Cúpula das Américas em Quebec, aonde tempos depois a polícia da cidade afirmaria que “seus agentes se infiltraram como manifestantes”. No México aparecem na Cúpula de Cancún (OMC) 2003em Guadalajara em 2004, durante la resistência da APPO – Oaxaca em 2006 – em 2011 durante vários atentados contra bancos empresariais e o fenômeno pelo qual quiseram se aprofundar para explicar o temor aos encapuzados: o #1DMX.

Até este dia, explodiria na maioria da população um repúdio/mal-entendido diante do protesto do encapuzado, sob o nome de anarquismo; com o quebrador de vidraças, o lançador de coquetéis molotov, a identidade visual preta. Daí que certos setores estudantis e anarquistas nos colocamos diante da tarefa de acercar tanto na História do anarquismo do século XIX, como com as práticas cotidianas que se veem em grande parte do mundo como uma ideologia obsoleta, mas como um caminho para a libertação da sociedade de consumo.

Consideremos; o período de bonança para os “radicais” foi dado a partir da situação contra a imposição de Enrique Peña Nieto, isto como resultado do período 2006-2011 entre as revoltas de Oaxaca e o Primeiro Congresso Anarquista celebrado no Auditório Che Guevara, ambos os fenômenos difundindo o anarquismo principalmente dentro das Universidades. Entre 2012 e 2014 se deu as criminalizações mais fortes contra os encapuzados, catalogando-os como grupos de choque pagos, de organizações da esquerda “radical” ou de maníacos antissociais. Estas acusações não são em nada novidade, acontecem desde o czarismo ultra-conservador de 1878 no qual começou a popularização da propaganda pelo fato com organizações como a Zemlya i Voyla (Terra e Vontade) fundada en 1862; alguns de seus integrantes como Alexander Milhailov ou Sofía Perovskaya foram fortemente difamados em todos os periódicos do mundo, já que a imprensa foi meio de manipulação ideológica, a partir de 1864 contra as sociedades secretas da AIT, e em maior medida contra os setores anarquistas. A mesma sorte tiveram Johann Most, Emma Goldman, Sacco e Vanzetti, e um sem fim de pensadores anarquistas que foram relacionados mais fortemente com grupos afins de indivíduos radicalizados, ainda quando eles exerciam o pensamento individual, tinham função de “profetas” e poucas vezes se dedicaram a exercer manifestações públicas. O “nós estamos cheios desta merda!” tornou-se um slogan que diz respeito globalmente a diferentes tipos de ações políticas, desde pôr em perigo a vida de um explorador, a destruir os produtos do sistema capitalista. Como mencionamos em Todo tipo de protesto é legítimo, os ataques à propriedade privada não são comparáveis como um crime em relação à função histórica de privar o excedente de produção coletiva durante séculos.

Durante o movimento #YoSoy132, muitas assembleias estudantis questionaram os princípios deste (da mesma burguesia do ITAM e a IBERO), em especial o da não-violência e de protestos dentro do quadro legal. Vários grupos com influência da corrente anarquista e anarco-punk da CGH na UNAM, da ENAH, da UAM e outros lugares, se encarregaram de formar estes núcleos de protesto, acrescentando a estes, estudantes formados e trabalhadores que seguiam o trabalho de informação de organismos como a FAM e a FAT. Veja!, isto não é dizer que seus membros foram partícipes somente atividades ligadas ao anarquismo, mas a sua atividade atraiu os jovens a autores como Bakunin, Malatesta e Alfredo M. Bonanno que inspiram protestos na Grécia em 2008 e dos sindicatos estudantis chilenos desde 2011. Os “radicais” se deram conta de que a rebelião era internacional.

Ante o triunfo do EPN nas eleições presidenciais, a opinião pública se baseou mais na noção da grande imprensa dos anarquistas como “vândalos”, “pseudo-estudantes” e “bêbados”, resultando em substantivos quase-linchamentos para o contigente encapuzado. A estratégia entre a opinião pública tinha se levantado como uma horda de manifestantes pagos pelo Estado, com a finalidade de gerar caos e romper os marcos legais dos protestos. O 2 de Outubro de 2012, o Bloque Negro teria uma breve aparição na dita conjuntura, um grupo de 15 encapuzados evitaria a passagem de uma caminhonete de soldados em frente à Catedral no Centro Histórico. A imprensa gravou depoimentos e se encarregaram de tomar testemunhos de pessoas que não se incomodaram com os atos de violência; durante sua transmissão na televisão aberta, foi curioso escutar da voz de Javier à Torre, Francisco Zea e Joaquín López Dóriga dizer a palavra “infiltrado”, tudo começaria a tomar um novo rumo. Desde as primeiras mega-marchas com a slogan de “No + PRI”, as massas começaram a chama-las de “perredistas” ou “AMLOvers” aos estudantes que saíam às ruas, porque foi no ano de 2012 a segunda ocasião na qual Andrés Manuel López Obrador se candidatou à presidência. Também, relacionaram os manifestantes com o ex-deputado Gerardo Fernández Noroña; é compreensível, os protestos violentos foram vinculados com os atos de desobediência civil que haviam realizado estes dois políticos passivos.

Outro fator que foi de grande importância para a criminalização foi o dos círculos anarquistas dentro da UNAM, em especial no movimento dos CCH’s contra a Reforma dos “12 Pontos” e outras medidas de austeridade, tudo isto em Fevereiro de 2013. A expulsão de 5 estudantes da CCH Naucalpan e a negação das autoridades a dialogar sobre os danos da reforma educativa ao setor estudantil, fez com que diversas células convocassem a tomada da Torre da Reitoria na Cidade Universitária no mês de abril do mesmo ano, e nessa ocasião, a grande imprensa nunca entrevistou aos estudantes anarquistas, e se dedicaram a gerar notas de ódio por alunos de outras faculdades (sobretudo Direito) e de pessoas alheias à UNAM, nas quais o motivo buscado era difamar e criminalizar, nunca informar sobre a reforma dos CCH’s e o assunto das expulsões arbitrárias.

Em abril de 2014, Carlos Loret de Mola escreveria: “para as áreas de inteligência do governo do Distrito Federal os grupos anarquistas que operam frequentemente nos protestos se articulam politicamente através de uma poderosa mulher: a deputada federal Aleida Alavez Ruiz, braço direito de René Bejarano (…), segundo suas informações, a deputada injeta de 7 a 10 milpesos diários não-rastreáveis que servem para a compra do material explosivo dos anarquistas e paga 200 pesos por cabeça para eles (…), também ligados com líderes como o ex-deputado Gerardo Fernández Noroña e o Movimento de Regeneração Nacional”[1]Vão idiotas!, a violência sempre ira gerar confusão entre as massas, e o recurso mais fácil para os pseudo-jornalistas de Estado será vinculá-los como um fetiche dos partidos “de esquerda”, que são uma suposta “frente alternativa” face às políticas priistas.

De mão deste artigo, constantemente se publicaram no La Razón, La Jornada e Milenio “investigações” do CISEN sobre as formas de operar dos grupos anarquistas que fizeram parte dos enfrentamentos do 13 de Setembro, 2 de Outubro, 10 de Junho e 1 de Dezembro de 2013, assim como essas datas comemorativas e o 20 de Novembro de 2014, afirmando um perfil de anarquista semelhante ao do terrorista, acrescentando que “os violentos são pessoas desonestas e mentirosas e (sic) em geral utilizam umos pessoais ou prazer[2].

La tarefa do anarquista em plena manipulacão da massa cinzenta, é formar grupos de afinidade, encarregados inicialmente de difundir a teoria de sua disciplina, a solidariedade alheia ao oportunismo, estratégias de não-consumo e ações políticas das minorias para a classe trabalhadora.

 ¡Muorte às criminalizações!


[1] “Quem é a “Lady Anarco?”, no El Universal, 09 de Abril de 2014.

A partir deste artigo, acusando ativistas que respeitamos e, em medida elemental, criminalizando o movimento anarquista, se realizaram vários comunicados por parte de Acción Directa – Prensa Libre, Cuartel Anarquista, MTS e diversas organizações com o fim de mostrar a participação dos “jornalistas” da Televisa e seu periódico, sempre orientada a caracterizar e espalhar confusão sobre os lutadores sociais.

[2] “Perfil de ‘anarquistas’ é semelhante ao de terroristas” no La Razón, 24 de Novembro de 2014, por Carlos Jímenez e Susana Guzmán.

Causou estragos nas redes sociais, tanto, que diversas células convocaram a um protesto simbólico nas instalações do edifício do La Razón. Foi cancelada esta ação.

 

1º de abril de 1964, a data que não podemos esquecer e a ideologia que seguimos combatendo

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Federação Anarquista Gaúcha – Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)

Fonte: Federação Anarquista Gaúcha – Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)


Fazer memória ao golpe militar levado a efeito em 1º de abril de 1964 com o amplo apoio das elites e do empresariado nacional e internacional é dever de todo campo da esquerda que se reivindica combativa e, especialmente, do Anarquismo organizado que desde os primórdios tem estampado no alto da sua bandeira a luta contra todas as formas de opressão representadas pelo Estado, pelo capital e pelos lacaios de farda que lhes dão sustentação. Para além de fazer a denúncia e trazer a tona à memória da barbárie sem escrúpulos materializada nos sequestros, desaparecimentos forçados, torturas e assassinatos que se tornaram lugar comum durante os longos 21 anos de chumbo é fundamental que se aponte as heranças desse período. Heranças essas evidenciadas objetivamente no judiciário e nas ações militares das polícias que seguem fazendo da história fato presente através da criminalização da pobreza, do protesto, das perseguições às e aos que lutam, das torturas, dos assassinatos, dos indiciamentos sem provas, das condenações políticas, entre tantos outros fatos que fazem da memória histórica subsídio para pensar e atuar no presente.

Para nós é fundamental fazer memória as e aos que tombaram lutando contra o arbítrio e a opressão do Estado ditatorial, não apenas pela necessária lembrança e reconhecimento, mas também pela força que o elemento de luta e de resistência carrega em si. Se ontem foram eles que através da organização resistiam e lutavam contra a ditadura escancarada, hoje segue posto para nós seguir combatendo o Estado e suas heranças ditatoriais que mantém a gênese autoritária e opressora muito viva, mesmo escondida sob mal camuflada democracia. O Estado continua servindo como aparelho de classe para manutenção dos interesses dos “de cima”, da mesma elite podre que apoiou a ditadura. Longe de querer comparar o período ditatorial e a exceção permanente tornada regra com o cenário que vivemos hoje, é fundamental que a memória daqueles tempos tome lugar nos nossos debates e nas nossas lutas cotidianas. Essa atitude tem potencial efetivo para garantir acúmulo de forças para a luta dos “de baixo” e para que opressão – em todas as suas formas – tenha fim.

É muito difundido entre amplos setores sociais o entendimento sobre o que representa e o que representou a ditadura empresarial-militar para a história do Brasil, bem como para a história dos países do cone sul. Contudo, muito devido à timidez de parte da esquerda em fazer essa denúncia, da dificuldade de criar espaços de difusão das memórias do período ditatorial e, principalmente, pela ausência de punição aos agentes da ditadura e aos seus cúmplices, que ainda pairam muitas dúvidas e desconhecimentos entre o grosso da população. As disputas que atravessam o tema da ditadura bem como as heranças daquele período que seguem presentes nos dias de hoje estão intimamente ligadas às práticas de esquecimento e à ausência do elemento de justiça na tríade composta por memória e verdade.

Se torna ineficiente tocar nesse tema apenas em datas pontuais. Os exemplos dos demais países que passaram por ditaduras nos ensinam desde há muito tempo que é a organização desde as ruas, sindicatos, escolas, locais de trabalho que impulsiona o debate social e que pode garantir a punição aos crimes cometidos pelos agentes e apoiadores da ditadura. Que em nossos atos e em nossas lutas se façam sempre presentes àquelas e àqueles que lutaram e em muitos casos entregaram suas vidas para que hoje pudéssemos falar, distribuir, ler e opinar sobre a covardia que é uma ditadura.

Ontem e hoje, seguir organizando, resistindo e lutando com os “de baixo”!

Arriba todas e todos os que lutaram e todas e todos que seguem lutando!

Pelo socialismo e pela liberdade!

Ideias e movimentos de organização anarquista hoje – Um papo sobre municipalismo libertário.

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Por Gilson Moura Henrique Junior

Para discutir teoricamente sobre organização e prática anarquista, é de bom tom ter em mente que, em relação aos movimentos e organizações de cunho socialista, o movimento anarquista parte de pontos organizativos, digamos assim, menos sólidos. Esta ausência de solidez não parte de diferenças qualitativas entre métodos de organização e sim da capilaridade relacionada ao socialismo e ao anarquismo. Esta diferença na penetração das ideias anarquistas em relação às socialistas não tem outra raiz senão a história de cada movimento: a perseguição a anarquistas, desde o fim do século XIX até os primeiros vinte anos do século XX; a cooptação que o movimento socialista levou a cabo junto aos movimentos anarquistas após a revolução russa de 1917; as duas severas ditaduras que reprimiram todo o espectro de esquerda, mas atingiram em cheio o movimento anarquista, que também era combatido pela esquerda, a partir de grupos alinhados ao partido comunista, que perseguia com ferocidade tudo o que fugisse da órbita soviética, como se viu na guerra civil espanhola.

Levando tudo isso em conta, temos diante de nós, nos últimos vinte anos, uma retomada do processo de organização anarquista e uma busca de protagonismo dessa vertente ideológica, que tem encontrado vasto sucesso e campo de atuação na juventude brasileira. Esse sucesso, no entanto, esbarra nas fragilidades organizativas do anarquismo, o que é típico nas organizações mais horizontais e cuja ausência de centralidade e centralismo exige menos unidade que a imposição das organizações socialistas de linha marxista-leninista. Uma dessas fragilidades é a dificuldade de formação, especialmente uma formação unitária, que leve em conta o maior grupo possível de pensadores anarquistas – e são muitos – de modo a ampliar a percepção da anarquia para além da ideia romântica de rebeldia momentânea, que acaba não refletindo sobre o que é preciso transformar, no presente, em cada indivíduo, para além da aparência externa e da simbologia anarquista utilizada.

Essa dificuldade de formação é combatida com muita competência por portais como o Protopia, que fornece um amplo número de textos dos mais diversos pensadores e que auxilia assim aos neófitos a entenderem mais da anarquia. Outros espaços são a Anarcopedia e o Instituto de Teoria e História Anarquista, que atuam divulgando ideias, base teórica e a história do movimento.

Essa fragilidade, embora seja um ônus, é parte dos riscos da horizontalidade e que precisa ser visto dessa forma. Assim como na ecologia a diversidade é mãe dileta da manutenção das espécies, na anarquia a diversidade, pluralidade e ausência de centralismo é mãe dileta da liberdade e da manutenção da ideologia em curso.

Diante desas colocações, a ideia de organização anarquista que perpassa pra quem observa de fora é extremamente diversificada e propõe uma gama de soluções para os dilemas da luta de classes que lidam com os mais diversos autores e propostas, na maior parte atuam como ferramenta de organização periférica, onde os partidos não atuam e formando focos de rebelião nas localidades onde os partidos passeiam apenas com o discurso de fomento eleitoral e com menos participação concreta na organização da população para um enfrentamento organizado ao estado. Essa fórmula de organização propõe o fortalecimento da organização de base, que consolide uma alternativa ao viés eleitoralista que acaba por, na hora H, trair o discurso de construção da revolução em nome da construção de aparatos.

Essa ideia de ação anarquista propõe uma solução viável e em curso de alternativa concreta à lógica partidária e que fomenta a organização popular, a questão é o passo adiante da tomada de poder e de empoderamento pelos coletivos organizados nas periferias. Que passo se dá para a ocupação dos espaços que o estado não ocupa?

Óbvio que seria muita arrogância propor de fora soluções às uma gama de coletivos organizados e com problemas práticos in loco, porém sugerir não dói. E a sugestão é que se integre as ações locais com a formação de conselhos coletivos de empoderamento local para a transformação de bairros em focos de comunas. A partir disso a constituição de um lastro de poder local criando uma rede coletiva horizontal que confronte o estado em nome da revolução no modo de vida dos bairros e ruas dentro do município.

Claro que isso tem em mente uma objetificação ideal da ação de coletivos inteiros e que não tem como medir os dramas diários de cada coletivo organizado nas periferias do país afora para compreender as dinâmicas internas que se se fazem presentes, os problemas e os enfrentamentos ao estado, especialmente em favelas, onde ele se mostra em uma face mais dura do que os intelectuais de classe média, entre os quais e me incluo pela casse e não pelo intelecto, cogitam compreender para além da formulação empática.

Só que é fundamental perceber o avanço da ocupação de espaço por coletivos anarcos ou autonomistas onde não se vê o discurso partidário, ocupadíssimo em conquistar CAS, DCEs, Grêmios, e não muito em organizar meios de enfrentamento político onde o estado não vai, e nem quem o busca ocupar para “fazer a revolução”, e tentar a partir disso auxiliar à construção de redes de transformação social que construam ferramentas revolucionárias de combate ao racismo ambiental, à criminalização da pobreza, ao racismo etnocida de estado, a partir do empoderamento simbólico e concreto dos moradores de periferia que a partir de suas associações (Não necessariamente associações formais) podem formar conselhos locais de percepção e resolução de problemas, que utilizem menos o aparato do estado e mais o cotidiano das ruas e vielas para tensionar o estado rumo à construção de alternativas de desenvolvimento local não paroquiais.

Essa ideia não se prende apenas nas periferias, as usa pela percepção de ocupação destes espaços pro coletivos autonomistas e anarquistas, e parte da ideia de Municipalismo Libertário criada por Murray Bookchin. E a proposta é incitar o debate sobre as táticas propostas por este pensador no cotidiano das cidades, atuando de forma a construir meios de reduzir o poder central do estado e combatê-lo rua a rua, bairro a bairro, cidade a cidade.

É fundamental entendermos também que essa proposta foi posta em prática no cotidiano do autor Murray Bookchin e hoje é praticada na Turquia pelos partidários do PKK e atual Curdistão Sírio pelo PYD (com o apoio do PKK), o que nos fornece meios práticos de percepção de suas implicações práticas, tão caras aos críticos.

A cidade independente de Kobane, membro do cantão de Rojava, que equivale ao Curdistão Sírio, é alvo tanto dos fundamentalistas islâmicos do Estado Islâmico (ISIS em Inglês) e das potências da OTAN, quanto dos islamistas moderados turcos do AKP, partido do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que ao negar a entrada de combatentes curdos ligados ao PKK pelas fronteiras turcas, permitindo apenas a entrada dos pershmerga do Curdistão Iraquiano, que não praticam o confederalismo democrático, buscam enfraquecer o crescimento da atuação do PKK em território turco, abatendo o bastião da prática libertária me Rojava.

foto-2-eduardinhoEsse exemplo dá uma ideia de quão perigosa é a ideia de uma confederação de cantões ou cidades livres, o quão é perigosa a ideia de bairros, ruas, favelas, livres e organizadas em conselho se pondo a enfrentar o estado a partir de conselhos de jovens, mulheres, velhos, de artesãos, de donas de casa, que se propõem a construir soluções práticas para enfrentar a ditadura do estado, que promete a paz, mas fornece uma paz sem voz, garantida no medo das unidades de polícia pacificadora (UPP) e na garantia de lei e ordem (GLO) com as digitais das forças armadas, as mesmas forças armadas que prenderem, mataram, torturaram marxistas na década de 1970, e mataram indígenas, camponeses e quilombolas, que jamais receberam tanto holofote quanto os membros das organizações comunistas e socialistas (muitos hoje no poder mantendo as ocupações militares e as unidades de “pacificação”).

É por isso que entendemos que uma boa sugestão é a percepção dos meios pelos quais se organizaram os curdos e propõe Murray Bookchin como meio de agir de forma revolucionária na construção cotidiana adaptando as experiências propostas pelo anarquista estadunidense e postas em práticas pelos curdos à realidade brasileira, atuando de um jeito onde se construam ferramentas concretas de superação do estado e das formas de organização hierárquicas, fornecendo alternativas concretas pra resolução de problemas cotidianos sem a intermediação de líderes paroquiais e de vereadores, desta forma fortalecendo a percepção do poder popular e empoderando os envolvidos na sua construção.