As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio

anarchists_of_chicago

 

Por Jorge E. Silva – Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania – Florianópolis (CECCA)

Fonte: Insurgentes

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos “seus” trabalhadores. Também existem – ou existiam – aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a idéia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oitos horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oitos horas tornou-se uma das reivindicações mais freqüentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: “Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou”. Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: “Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje”.

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os “Mártires de Chicago”, tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.

O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”, mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: “Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações…”

Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.

A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.

Foram décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.

Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários “pais dos pobres” do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oitos horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oitos horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de eqüidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.

Milton Lopes. “Anarquismo e Primeiro de Maio no Brasil”

1-de-maio-no-rj-1919-revista-da-semana-10-de-maio-1919

Fonte: Instituto de História e Teoria Anarquista

À partir da análise da relação do Primeiro de Maio, o movimento operário e o anarquismo no Brasil, Lopes debate criticamente as apropriações e as construção de significados nessa data, tendo como pano de fundo momentos-chaves e dilemas políticos da classe trabalhadora no país. Servindo-se de um amplo corpus documental de jornais, periódicos operários e anarquistas, o pesquisador analisa a conformação da data no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Recife, Amazonas e outros estados. Da consolidação das primeiras comemorações do Primeiro de Maio na Primeira República (1889-1932), às divergências internas com os comunistas, passando pelos deslocamentos de sentido operados pela disputa com o Estado getulista (1932-1945) e a tentativa de retomada dos significados anarquistas e sindicalistas revolucionários da data (1946-1964), o texto explicita a importância do elemento simbólico como um aglutinador de determinados projetos políticos.

* Baixe o artigo completo aqui: Milton Lopes – Anarquismo e Primeiro de Maio no Brasil

Os mártires do 1º de Maio

 

1o-de-maio

 

Fonte: Aversão ao Estado

Porque se apagaram os seus rostos da história do movimento operário?
Porque não são reconhecidos? Talvez por tal não ser importante…
Ou talvez, antes, porque a sua lembrança era incomoda.
A história do movimento operário foi, ao longo do século XX, objeto de grandes manipulações. São relativamente bem conhecidos os casos de reconstrução das fotografias da revolução russa, em que a figura de Trotsky foi apagada, ou aquelas, do funeral de Mao, em que os membros do chamado Bando dos Quatro desapareceram simplesmente das exéquias do “Grande Timoneiro”.
Menos conhecidos serão os fatos do assassínio de Rosa Luxemburgo às mãos da democracia alemã ou de todos os crimes levados a cabo pelos chefes democratas de todo o lado, já que, tratando-se de provar que este é o melhor dos mundos, não se pode deixar que se saibam os seus crimes.
Melhor do que a manipulação, funciona geralmente a omissão pura e simples.
O ascenso da influência comunista no mundo, após a Revolução de Outubro e a consolidação do poder bolchevique, permitiu meios de propaganda apontados como de apoio ao movimento operário internacional nunca vistos até aí. Mas esses meios de propaganda foram sempre extremamente criteriosos a selecionar a História que lhes convinha e a esconder os fatos que não fossem tanto da sua conveniência.
Este – o caso do 1º de Maio – é mais um dos exemplos tristes de como se pode reescrever, ou simplesmente apagar a história no sentido que mais convenha.

A luta pelas 8 horas 

No 1º de Maio de 1886 travou-se nos Estados Unidos uma importante luta dos trabalhadores pela conquista da jornada das 8 horas de trabalho. Cerca de 400 mil trabalhadores abandonaram então o seu local de trabalho e dispuseram-se ao combate de classe. Mas estes acontecimentos viriam a ter uma trágica dimensão. No dia 3, os grevistas dirigiram-se à fábrica MacCormick, o único centro de trabalho que não tinha cessado a laboração, pois cerca de 1.200 trabalhadores tinham sido despedidos e substituídos por fura-greves. Quando aí chegaram os trabalhadores, a polícia disparou, apesar da presença de mulheres e crianças, provocando seis mortos e uma centena de feridos.
A indignação dos trabalhadores cresceu, e foi convocado um encontro para o dia 5 de Maio, na Praça Haymarket, em Chicago, convocado pelos grupos anarquistas. Assistiram a ele, de forma pacífica, cerca de 15 mil pessoas. Antes de terminar o ato, centenas de polícias armados carregaram sobre os manifestantes e, nesse momento, sem que se soubesse de onde, explodiu uma bomba no meio dos polícias, provocando a morte de oito deles. A isto se seguiu uma selvagem e brutal repressão sangrenta dos trabalhadores, tendo perecido cerca de oitenta, e registrando-se ainda centenas de feridos.

O julgamento

Do processo então instruído, foram presos os militantes anarquistas August Spies, Adolf Fischer, Luis Lingg, Albert Parsons, George Engel, Michael Schwab, Oscar Neebe e Samuel Fielden, tendo três deles, Spies, Parsons e Fielden, estando entre os oradores do encontro.
A paródia do julgamento que se seguiu foi apenas um processo ao anarquismo, então em fase de rápido crescimento. O delegado do ministério público, aliás, não pediu a forca para os réus por causa de terem lançado a bomba, mas sim por professarem ideais anarquistas. Fizeram-se então leis de aviário, à pressa, para que se pudessem mandar para a forca os acusados. A sentença, ditada a 20 de Agosto de 1886, condenou à morte os oito réus, embora posteriormente Schwab e Fielden vissem a pena comutada para prisão perpétua e Neebe para 15 anos de prisão. A execução dos condenados foi marcada para 11 de Novembro de 1887.
Na antevéspera, Lingg suicidou-se, numa última tentativa de salvar a vida dos companheiros. Mas as autoridades não recuaram, os quatro ativistas foram executados, enquanto a tropa se encarregava de conter a multidão nas ruas.

Circunstâncias

A grande importância do movimento operário norte-americano da época é também hoje, muitas vezes ignorada. Uma das mais importantes associações de trabalhadores, a IWW, manteve, e mantém ainda hoje – a uma menor escala, claro – bem viva a luta por uma sociedade sem oprimidos. Muitos dos ativistas do movimento operário norte-americano eram trabalhadores imigrados, não sendo de admirar encontrarem-se entre os seus mártires muitos italianos, como Sacco e Vanzetti, ou alemães, como a maior parte dos mártires do 1º de Maio.

Conclusão

O 1º de Maio é hoje comemorado praticamente em todo o mundo, por vezes no confronto direto com a repressão. Apesar disso, o acontecimento que se comemora, a jornada de luta e os seus mártires são um fato esquecido (ou apagado) por aqueles que, nas últimas décadas, mais têm influenciado o movimento operário.

Retirado do www.azine.org

Alexandre Samis. “A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Conformação da Tradição Libertária”

a

Fonte: Instituto de Teoria e História Anarquista

Nesse texto, Samis analisa a formação e consolidação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), chamada posteriormente de Primeira Internacional, e da matriz libertária do socialismo. Com uma análise minuciosa das atas e minutas congressuais da AIT, sempre relacionado-as ao contexto de seu tempo, ele elucida a composição de forças, estratégias e tendências políticas dessa associação. Num trabalho de reconstituição dos fios históricos que conformaram a tradição libertária, o autor discute as principais polêmicas congressuais abordando, além dos primeiros congressos, as resoluções e conflitos internos do Congresso da Basiléia (1869), da Conferência de Londres (1871) e por fim, a formação em Saint-Imier da Internacional Anti-autoritária (1872), que pode ser vista, do ponto de vista simbólico, como o ponto o marco definitivo da conformação da tradição libertária. Longe de reduzir a formação da tendência libertária e da própria Internacional, tratando-os como produto de uma doutrina sem relação com as questões da classe trabalhadora, o autor evidencia que as posições ideológicas e políticas dessa associação ligam-se diretamente a uma experiência de classe.

* Baixe o artigo completo aqui: Alexandre Samis – A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Conformação da Tradição Libertária

A filosofia do anarquismo

bandeira

Por Herbert Read

Fonte: anarkio.net

Fonte: Protopia

A atitude característica política de hoje não é um crer positivo, mas no desespero.

Ninguém acredita seriamente nas filosofias sociais do passado recente. Existem algumas pessoas, mas um número cada vez menor, que ainda acreditam que o marxismo, como um sistema econômico, oferece uma alternativa coerente ao capitalismo e o socialismo, de fato, triunfou em apenas em um país. Mas não mudou a natureza servil da condição humana. O homem está em todo lugar ainda em cadeias. O motivo de sua atividade econômica permanece, e este motivo econômico conduz inevitavelmente às desigualdades sociais, as quais ele tinha esperança de escapar. Diante desta falha dupla, do capitalismo e do socialismo, o desespero das massas tomou forma com o fascismo – um movimento revolucionário, mas totalmente negativo, que visa à criação de uma organização egoísta de poder dentro do caos geral. Neste deserto político a maioria das pessoas está perdida, e se não cedem ao desespero, eles recorrem à um mundo particular de oração. Mas outros persistem em acreditar que um mundo novo pode ser construído se nós abandonarmos os conceitos econômicos sobre os quais tanto o socialismo quanto o capitalismo se baseiam. Para concretizar esse novo mundo, devemos preferir os valores de liberdade e igualdade acima de todos os outros valores — acima de riqueza pessoal, poder técnico e nacionalismo. No passado, essa visão tem sido sustentada pelos maiores esclarecidos do mundo, mas seus seguidores foram uma minoria numericamente insignificante, especialmente na esfera política, onde a sua doutrina tem sido chamado de anarquismo. Pode ser um erro tático em reafirmar um conceito válido sob uma palavra que é ambígua — para o que é “sem governo,” o significado literal da palavra, não é necessariamente “sem ordem”, o significado mais livremente associado. O sentido da continuidade histórica, e um sentimento de retidão filosófica não podem, no entanto, serem comprometidos. Toda associação vaga ou romântica que a palavra adquiriu é incidental. A doutrina em si permanece absoluta e pura. Existem milhares, se não milhões, de pessoas que, instintivamente, possuem essas ideias, e muitos outros que aceitariam a doutrina se fosse claro para eles. A doutrina deve ser reconhecida por um nome comum. Não sei de nenhum nome melhor do que o anarquismo. Neste ensaio vou tentar reafirmar os princípios fundamentais da filosofia política denotada por esse nome.

1

Vamos começar fazendo uma pergunta muito simples: Qual é o tamanho do progresso humano? Não há necessidade de discutir se tais progressos existem ou não, até mesmo para chegar a uma conclusão negativa, devemos ter um parâmetro. Na evolução da humanidade sempre houve certo grau de coerência social. Os registros mais antigos de nossa de espécies em organizações de grupo — a horda primitiva, tribos nômades, assentamentos, comunidades, cidades, nações. Esses grupos progrediram em números, riqueza e inteligência, subdivididos em grupos especializados, classes sociais, seitas religiosas, associações culturais e sindicatos profissionais ou artesanais. Seria esta complicação ou articulação da sociedade em si, um sintoma de progresso? Eu não penso que ele possa ser descrito assim, na medida em que são apenas mudanças quantitativas. Mas se isso implica em uma divisão dos homens, segundo as suas capacidades inatas, de modo que o homem forte funciona exigindo grande força e que o homem sutil tenha habilidade em um trabalho que requer sensibilidade, então, obviamente, como grãos que formam um todo, estão em melhor posição para continuar a luta por uma vida qualitativamente melhor.

Estes grupos dentro de uma sociedade se distinguiram de acordo ao fato de, como um exército ou uma orquestra, funcionaram como um único corpo, ou se são unidos apenas para defenderem seus interesses comuns em determinadas circunstâncias, em outras, agem como indivíduos separados. Num caso de agregação das unidades impessoais, se unem em um corpo com uma única finalidade; noutro caso, há uma suspensão das atividades individuais para a finalidade de prestar ajuda mútua.

O primeiro tipo de grupo — o exército, por exemplo — é historicamente o mais primitivo. É verdade que as sociedades secretas de curandeiros aparecem muito cedo na cena, mas esses grupos são realmente do primeiro tipo que agir como um grupo e não como indivíduos separados. O segundo tipo de grupo — a organização dos indivíduos para a promoção ativa dos seus interesses comuns — vem relativamente tarde no desenvolvimento social. O ponto que eu estou fazendo é que nas formas mais primitivas da sociedade o indivíduo é apenas uma unidade, em formas mais desenvolvidas da sociedade, ele é uma personalidade independente.

Isto leva à minha medida de progresso. O progresso é medido pelo grau de diferenciação dentro de uma sociedade. Se o indivíduo é uma unidade de massa corporativa, sua vida não é simplesmente brutal e curta, mas monótona e mecânica. Se o indivíduo é uma unidade por conta própria, com espaço e potencialidade para a ação separada, então ele pode estar mais sujeito a acidente ou acaso, mas pelo menos ele pode se expandir e se expressar. Ele pode desenvolver — desenvolver-se no único significado real da palavra — desenvolver na consciência de força, vitalidade e alegria.

Tudo isso pode parecer muito elementar, mas é uma distinção fundamental, que ainda divide as pessoas em dois campos. Você pode pensar que seria ele o desejo natural de todo homem a se desenvolver como uma personalidade independente, mas isso não parece ser verdade. Porque eles são ou economicamente ou psicologicamente predispostos, há muitas pessoas que encontram segurança nos números, a felicidade no anonimato e da dignidade na rotina. Eles pedem nada melhor do que ser ovelha em um pastor, soldados sob um capitão, os escravos sob um tirano. Os poucos que devem expandir-se os pastores, os capitães e líderes desses seguidores dispostos.

Tais pessoas servis existem aos milhões, mas volto a perguntar: Qual é a nossa medida de progresso? E novamente eu respondo que é só na medida em que o escravo é emancipado e da personalidade diferenciada que se pode falar de progresso. O escravo pode ser feliz, mas a felicidade não é suficiente. Um cão ou um gato pode ser feliz, mas nós não, portanto, concluir que esses animais são superiores aos seres humanos — apesar de Walt Whitman, num poema conhecido, os detém para a nossa emulação. O progresso é medido pela riqueza e intensidade da experiência — por uma apreensão mais ampla e profunda sobre o significado e o alcance da existência humana

Tal são, de fato, o critério consciente ou inconsciente de todos os historiadores e filósofos. O valor de uma civilização ou uma cultura não é valorizado em termos de sua riqueza material ou poder militar, mas pela qualidade e realizações de seus indivíduos representativos — os seus filósofos, seus poetas e seus artistas.

Podemos, portanto, expressar a nossa definição de progresso de uma forma um pouco mais precisa. Progresso, poderíamos dizer, é a criação gradual de uma diferenciação qualitativa dos indivíduos dentro de uma sociedade[1]. Na longa história da humanidade, o grupo deve ser considerado como um expediente — uma ajuda evolutiva. É um meio para a segurança e bem-estar econômico: é essencial para o estabelecimento de uma civilização. Mas o passo adicional, por meio do qual uma civilização é dada a sua qualidade ou cultura, só é alcançado por um processo de divisão celular, no decurso da qual o indivíduo é diferenciada, feita distinta e independente do grupo pai. Quanto mais uma sociedade progride, mais claramente o indivíduo se torna a antítese do grupo.

Em determinados períodos da história do mundo tornou-se uma sociedade consciente de suas personalidades: seria talvez mais verdadeiro dizer que ele estabeleceu condições sociais e econômicas que permitam o livre desenvolvimento da personalidade. A grande época da civilização grega é a idade das grandes personalidades da poesia grega, arte grega e oratória grega: e apesar de a instituição da escravidão, ele pode ser descrito, relativamente às idades que o precederam, como uma era de política libertação. Mas perto do nosso tempo, temos o Renascimento chamado, inspirado por esta civilização helênica antes, e ainda mais consciente do valor do desenvolvimento individual livre. O Renascimento europeu é uma época de confusão política, mas, apesar das tiranias e da opressão, não há dúvida de que, em comparação com o período anterior[2], também foi uma época de libertação. O indivíduo, mais uma vez entra em si próprio, e as artes são cultivadas e apreciadas como nunca antes. Mas ainda mais importante, surge a consciência do fato de que o valor de uma civilização é dependente da liberdade e variedade dos indivíduos que o compõem. Pela primeira vez, a personalidade é deliberadamente cultivada, como tal, e desde aquele tempo até hoje, não foi possível separar as realizações de uma civilização a partir das realizações dos indivíduos que o compõem. Mesmo nas ciências que agora tendem a pensar no crescimento do conhecimento em termos particulares e pessoais da física, por exemplo, como uma linha de indivíduos que se estende entre Galileu e Einstein.

2

Eu não tenho a menor dúvida de que esta forma de individualização representa um estágio superior na evolução da humanidade. Pode ser que estamos apenas no início de tal fase alguns séculos são um curto período de tempo na história de um processo biológico. Credos e castas, e todas as formas de agrupamento intelectual e emocional, pertencem ao passado. A futura unidade é o indivíduo, um mundo em si mesmo, autossuficiente e auto-criativa, livremente dar e receber livremente, mas, essencialmente, um espírito livre.

Foi Nietzsche quem primeiro fez-nos conscientes da importância do indivíduo como um termo no processo evolutivo em que parte do processo evolutivo que tem ainda a ter lugar. No entanto, existe nos escritos de Nietzsche uma confusão que deve ser evitado. Isso pode ser evitado é devido, principalmente, às descobertas científicas feitas desde o primeiro dia de Nietzsche, para Nietzsche deve em certa medida ser dispensado. Refiro-me às descobertas da psicanálise. Freud mostrou claramente uma coisa: que só esquecemos-nos de nossa infância por enterrá-la no inconsciente, e que os problemas deste período são difíceis de encontrar solução, sob uma forma disfarçada na vida adulta. Eu não desejo importar a linguagem técnica da psicanálise para essa discussão, mas foi demonstrada que a devoção irracional que um grupo vai mostrar ao seu líder é simplesmente uma transferência de uma relação emocional que tem sido dissolvido ou reprimido dentro do círculo familiar. Quando descrevemos um rei como “o pai de seu povo”, a metáfora é uma descrição exata de um simbolismo inconsciente. Além disso, nós transferimos a esta figura de proa todos os tipos de virtudes imaginárias que nós mesmos gostaríamos de ter: é o processo inverso do bode expiatório, que é o destinatário da nossa culpa secreta.

Nietzsche, como os admiradores de nossos ditadores contemporâneos, não suficientemente percebe esta distinção, e ele está apto a louvar como um super-homem, uma figura que é apenas inflado com os desejos inconscientes do grupo. O verdadeiro super-homem é o homem que se mantém distante do grupo — um fato que Nietzsche reconheceu em outras ocasiões. Quando um indivíduo tornou-se consciente, não apenas de sua “Eigentum” (Propriedade), de seu próprio circuito fechado de desejos e potencialidades (em que fase ele é um egoísta), mas também das leis que regem suas reações para o grupo de que é mentira um membro, então ele está a caminho de se tornar o novo tipo de ser humano que Nietzsche chamou de o Super-homem.

O indivíduo e o grupo — este é o relacionamento a partir da qual brotam todas as complexidades da nossa existência e a necessidade de desvendar e simplificar. A própria consciência nasce dessa relação, e todos os instintos de uma simpatia mutua e que se tornam codificados na moral. A moral, como muitas vezes tem sido apontado, é antecedente à religião ainda existe em uma forma rudimentar entre os animais. Religião e política seguir, como tentativas de definir a conduta instintiva natural para o grupo e, finalmente, você começa o processo histórico muito bem conhecido por nós, em que as instituições da religião e a política são capturadas por um indivíduo ou uma classe e voltou-se contra o grupo que eles foram projetados para se beneficiar. Homem encontra seus instintos, já deformada por ser definida, agora totalmente inibida. A vida biológica do grupo, uma vida autorreguladora como a vida de todas as entidades orgânicas, é esticada sobre a estrutura rígida de um código. Ele deixa de ser vida, em qualquer sentido real, e só funciona como conformidade, convenção e disciplina.

Há uma distinção a ser feita aqui entre a disciplina imposta sobre a vida, e a lei que é inerente à vida. Minha própria experiência precoce na guerra levou-me a suspeitar que o valor da disciplina, mesmo nesse domínio, onde é muitas vezes considerado como o primeiro ponto essencial para o sucesso. Não foi a disciplina, mas duas qualidades que eu chamaria de iniciativa e livre associação, que se mostrou essencial no esforço de ação. Estas qualidades são desenvolvidas individualmente e tendem a ser destruído pela rotina mecânica da praça do quartel. Quanto à obediência inconsciente, que disciplina e broca supostamente incutem, ele quebra tão facilmente como casca de ovo no rosto de metralhadoras e explosivos avançados.

A lei que é inerente na vida é de um tipo completamente diferente. Temos de admitir “o fato singular”, como Nietzsche dizia, “que tudo da natureza da liberdade, elegância, ousadia, dança, e de certeza magistral, o que existe ou existiu, seja no próprio pensamento, ou na administração, ou em falar e convencer, na arte como na conduta, só se desenvolveu por meio da tirania de lei arbitrária tal, e com toda a seriedade, não é de todo improvável que este é precisamente a “natureza e “natural”. (Além do bem e do mal, § 188) que a “natureza” é penetrada por toda a “lei” é um fato que se torna mais clara a cada avanço da ciência, e precisamos apenas criticar Nietzsche para chamar essa lei “arbitrária”. O que é arbitrário não é a lei da natureza, em qualquer esfera existe, mas a interpretação do homem dela. A única necessidade é descobrir as verdadeiras leis da natureza e conduzir nossas vidas de acordo com elas.

A lei mais geral na natureza é a igualdade, o princípio de equilíbrio e simetria que orienta o crescimento de formas ao longo das linhas de maior eficiência estrutural. É a lei o que dá a folha, bem como a árvore, o corpo humano e do universo em si, uma forma harmoniosa e funcional, que é ao mesmo tempo a beleza objetivo. Mas quando usamos a expressão: a lei da igualdade resulta em um curioso paradoxo. Se olharmos para a definição do dicionário da equidade, encontramos: “Recorrer a princípios de justiça para corrigir ou completar o direito” Como tantas vezes, as palavras que usamos nos trair: temos de confessar, usando a palavra equidade, que a lei estatuto comum que é a lei imposta pelo Estado não é necessariamente o direito natural ou justo; que existem princípios de justiça que são superiores a essas leis feitas pelo homem de princípios de igualdade e justiça inerente à ordem natural do universo.

O princípio da equidade veio pela primeira vez em evidência no jurisprudência romana e foi derivada por analogia com o significado físico da palavra. Em uma discussão clássica sobre o assunto em seu livro sobre a Lei Antiga, Sir Henry Maine aponta que os Aequitas[3] dos romanos implica de fato o princípio da distribuição igualitária ou proporcional. “A divisão igual de números ou grandezas físicas é, sem dúvida, intimamente entrelaçada com as nossas percepções de justiça, há poucas associações que mantêm suas posições na mente tão teimosamente ou são demitidos a partir dele com tanta dificuldade pelos mais profundos pensadores.” “A característica do Jus Gentium[4], que foi apresentado para a apreensão de um romano pelo Patrimônio palavra, era exatamente a característica primeira e mais vividamente realizada do estado hipotético de natureza. Natureza implícita ordem simétrica, em primeiro lugar no mundo físico, e no próximo na noção mais antiga moral, e telha de ordem, sem dúvida envolvido linhas retas, superfícies planas, e as distâncias medidas.” Enfatizo essa origem da palavra, porque é muito necessário distinguir entre as leis da natureza (que, para evitar confusão, devemos antes de chamar as leis do universo físico) e que a teoria de um estado primitivo da natureza que foi feito a base do igualitarismo sentimental de Rousseau. Foi, este último conceito que, como observou secamente Maine, “Ajudou muito para trazer as decepções mais grosseiras na primeira revolução francesa, onde era fértil.” A teoria ainda é a dos advogados: romanos, mas a teoria é, por assim dizer, de cabeça para baixo. “O romano tinha concebido que pela observação cuidadosa das instituições existentes partes delas poderiam ser apontadas, que seriam expostas já, ou através de uma purificação criteriosa ser feita para expor os vestígios de que o reino da natureza, cuja realidade ele vagamente afirmou. A crença de Rousseau era de que uma ordem social perfeita poderia ser evoluída a partir da consideração desassistida do estado natural, uma ordem social inteiramente independentemente da condição atual do mundo e totalmente diferente dele. A grande diferença entre os pontos de vista é que se amargamente e amplamente condena o presente para a sua dessemelhança com o passado ideal; enquanto o outro, assumindo o presente para ser tão necessário quanto o passado, não, afetam a desconsiderar ou censurá-lo”.

Não vou afirmar que o anarquismo moderno tem qualquer relação direta com a jurisprudência romana, mas afirmo que ele tem sua base nas leis da natureza e não no estado de natureza. Ela é baseada em analogias derivadas da simplicidade e harmonia universais leis físicas, e não em suposições da bondade natural da natureza humana, e isso é precisamente onde começa a divergir radicalmente do socialismo democrático, que remonta a Rousseau, o verdadeiro fundador do socialismo de Estado,[5]. Embora o socialismo de Estado procure dar a cada um segundo suas necessidades, ou, como hoje em dia na Rússia, de acordo com seus desertos, a noção abstrata de capital próprio é realmente muito estranho em seu pensamento. A tendência do socialismo moderno é o de estabelecer um vasto sistema de direito positivo contra o qual já não existe um fundamento no patrimônio líquido. O objetivo do anarquismo, por outro lado, é estender o princípio da equidade até substituir completamente a lei estatutária.

Esta distinção já estava clara para Bakunin, como a citação seguinte irá mostrar:

“Quando falamos de justiça, não queremos dizer o que está previsto nos códigos e nos editais de jurisprudência romana, fundada na maior parte em atos, de violência, consagrada pelo tempo e as bênçãos de uma igreja, seja ela pagã ou cristã, e como tal aceites como princípios absolutos de que o resto pode ser deduzida logicamente, queremos dizer sim a justiça que se baseia unicamente na consciência da humanidade, que está presente na consciência de cada um de nós, mesmo nas mentes das crianças, e que é simplesmente traduzida como equalness[6].

“Essa justiça que é universal, mas que, graças ao abuso da força e influências religiosas, nunca prevaleceu, nem na política e nem no jurídico, nem no mundo econômico. Este sentido universal de justiça deve ser a base constitutiva de um novo mundo. Sem ele nenhuma liberdade, nenhuma república, nenhuma prosperidade, nenhuma paz! ” (Oeuvres, 1 (1912), pp.54-5.)

3

É certo que um sistema de equivalência patrimonial, não menos do que um sistema de direito, implica num mecanismo para determinar e administrar os seus princípios. Não consigo imaginar a sociedade que não incorpora algum método de arbitragem. Mas, assim como o juiz no capital próprio é suposto a apelar para os princípios universais da razão, e por ignorar o direito legal quando ele entra em conflito com esses princípios, de modo que o árbitro de uma comunidade anarquista vai apelar para esses mesmos princípios, como determinado pela filosofia ou senso comum, e irá fazê-lo sem restrições por todos os preconceitos jurídicos e econômicos que a organização atual da sociedade acarreta.

Será dito que eu estou apelando a entidades místicas, as noções idealistas que todos os materialistas rejeitam. Eu não nego isso. O que eu nego é que você pode construir uma sociedade duradoura sem algum ethos[7] tal mística. Tal declaração vai chocar o socialista marxista, que, apesar das advertências de Marx, é normalmente um materialista ingênuo. A teoria de Marx, como eu acho que ele mesmo faria, teria sido o primeiro a não admitir-se uma teoria universal. Não lidar com todos os fatos da vida ou só lidava com alguns deles de uma forma muito “superficial”. Marx rejeitou corretamente os métodos não históricos dos metafísicos alemães, que tentaram fazer os fatos se encaixarem numa teoria pré-concebida. Ele também, com igual firmeza, rejeitou o materialismo mecânico do século XVIII, rejeitou alegando que apesar de que poderiam explicar a natureza de coisas existente, ignorou todo o processo de desenvolvimento histórico do universo como um crescimento orgânico. A maioria dos marxistas esquece a primeira tese sobre Feuerbach, onde se lê: “O principal defeito de todo materialismo até agora existente ao qual Feuerbach é incluído, é que o objeto, a realidade, a sensualidade, é concebido apenas sob a forma do objeto, mas não como atividade sensorial humana, e a prática, não subjetivamente”. Naturalmente, quando se tratava de interpretar a história da religião, Marx teria tratado como um produto social, mas que está longe de tratá-la como uma ilusão. De fato, a evidência histórica deve tender o todo na direção oposta, e obrigar-nos a reconhecer na religião uma necessidade social. Nunca houve uma civilização sem a sua religião correspondente, e o aparecimento do racionalismo e do ceticismo é sempre um sintoma de decadência.

É certo que há um fundo geral da razão, que todas as civilizações a sua parte e que inclui uma atitude de desapego comparativo da religião em particular de sua época. Mas, para reconhecer a evolução histórica do fenômeno como a religião não é explicá-la. É muito mais provável dar-lhe uma justificação científica, para revelá-lo como uma condição necessária da “atividade humana sensível”, e, portanto, para lançar suspeita sobre qualquer filosofia social que exclui a religião de forma arbitrária por parte da organização que se propõe para a sociedade.

Já está claro, depois de vinte anos de socialismo na Rússia, que, se você não fornecer a sua sociedade uma nova religião, ela irá gradualmente reverter-se para a antiga. O comunismo tem, naturalmente, os seus aspectos religiosos, e para além da readmissão gradual da Igreja Ortodoxa[8], a deificação de Lênin (um túmulo sagrado, suas efígies, a criação de uma lenda, todos os elementos “divinizadores” estão lá) é uma tentativa deliberada de criar um válvula de escape para emoções religiosas. Ainda mais tentativas deliberadas para criar uma parafernália de um novo credo estão sendo feitas na Alemanha, onde a necessidade de uma religião de algum tipo nunca foi oficialmente negado. Na Itália, Mussolini tem sido demasiado astuto para fazer qualquer coisa, e sim chegar em um acordo com a Igreja Católica predominante. Longe de escárnio a estes aspectos irracionais do comunismo e do fascismo, devemos sim apenas criticá-los por sua estupidez, sua falta de qualquer conteúdo real, sensorial e estético, pela pobreza de seu ritual, e, sobretudo, pela sua incompreensão da função de poesia e da imaginação na vida da comunidade.

Podemos ter certeza de que das ruínas da nossa civilização capitalista uma nova religião vai surgir, assim como o cristianismo surgiu das ruínas da civilização romana. O socialismo, tal como concebido pelos pseudo-históricos materialistas, não é uma religião, e nunca será. E, embora, a partir deste ponto de vista, é preciso reconhecer que o fascismo tem se mostrado mais imaginativo, é em si um fenômeno de decadência a consciência defensiva, antes de um destino aguardado de uma ordem social existente, e que a sua superestrutura ideológica não é de interesse permanente. Uma religião nunca é uma criação sintética – você não pode selecionar as lendas e os santos do passado mítico e combiná-los com algum tipo de orientação política ou racial para fazer um bom credo conveniente. Um profeta, como um poeta, nasce. Mas mesmo concebido o profeta, você ainda está longe de ter o estabelecimento de uma religião. Ele precisou de cinco séculos para construir a religião do cristianismo sobre a mensagem de Cristo. Essa mensagem foi moldada, alargada e em grande medida distorcida até expressar o que Jung chamou de inconsciente coletivo, um complexo de fatores psicológicos que deu coesão a uma sociedade. A religião, em suas fases posteriores, pode muito bem ser o ópio do povo, mas ao mesmo tempo se torna a única força que pode conter um povo de forma ampla, que pode fornecer-lhes uma autoridade natural para atrair ao confronto de interesses de seu pessoal.

Eu chamo a religião de uma autoridade natural, mas tem sido geralmente concebido como uma entidade sobrenatural. É natural em relação à morfologia da sociedade; sobrenatural em relação à morfologia do universo físico. Mas em qualquer aspecto, é em oposição à autoridade artificial do Estado. O Estado só adquire a sua autoridade suprema quando a religião começa a declinar, e a grande luta entre a Igreja e o Estado, quando, como na Europa moderna, que termina de forma tão decisiva em favor do Estado, é do ponto de vista da vida orgânica do uma sociedade, eventualmente, fatal. É porque o socialismo moderno tem sido incapaz de perceber esta verdade e, em vez disso, liga-se a mão morta do Estado, e consequentemente em todos os lugares, o socialismo se torna derrotado. O aliado natural do socialismo era a Igreja, embora reconhecidamente nas circunstâncias atuais históricos do século XIX era difícil ver isso. A Igreja estava tão corrompida, em uma dependência das classes dominantes, que apenas alguns espíritos raros podiam ver através de aparições às realidades, e conceber o socialismo nos termos de uma nova religião, ou mais simplesmente como uma nova reforma do cristianismo.

Se, nas circunstâncias atuais de hoje, ainda é possível encontrar um caminho a partir da antiga religião, uma nova religião seria duvidosa. O cristianismo está tão comprometido com os regimes atuais, que qualquer reforma que seria suficientemente drástica e é quase inconcebível. A nova religião é mais provável que surja passo a passo com uma nova sociedade, talvez, no México, talvez na Espanha, talvez nos Estados Unidos: é impossível dizer onde, porque mesmo o germe de uma sociedade nova é nada evidente e sua formação completa está profundamente enterrada no futuro.

Eu não sou um revivalista cristão ou sem religião, nem recomendo ou indico alguma em que se acredite, apenas me baseio na evidência da história das civilizações, em que uma religião é um elemento necessário em qualquer sociedade orgânica. * E eu sou tão consciente do lento processo de desenvolvimento espiritual e que estou sem vontade de procurar uma nova religião, muito menos esperar encontrar uma. Eu apenas arrisco uma observação. Tanto em suas origens e desenvolvimento, até o seu apogeu, a religião está intimamente associada com a arte. Religião e arte são, de fato, se não de modos alternativos de expressão, modos intimamente associados. Para além da natureza essencialmente estética do ritual religioso, além, também, da dependência da religião na arte para a visualização de seus conceitos subjetivos, há, além disso, uma identidade das maiores formas de expressão poética e mística. Poesia, nos seus momentos mais intensos e criativos, penetra no mesmo nível do inconsciente como o misticismo. Escritores, e com certeza que estão entre os grandes nomes, temos St. Francis, Dante, Santa Teresa, São João da Cruz, como poetas e como místicos. Por esta razão, pode muito bem acontecer que as origens de uma nova religião serão encontradas na arte, em vez de qualquer forma de revivalismo moralista. *

O que tudo isso a ver com o anarquismo? Simplesmente isto: o socialismo da tradição marxista, que é o socialismo, quer dizer, estatal, tão completamente isola-se das sanções religiosas e foi levado a tais subterfúgios lamentáveis em sua busca por substitutos para a religião, que ao contrário do anarquismo, que não é sem sua linhagem mística, é uma religião em si. É possível, isto é, conceber uma nova religião em desenvolvimento fora do anarquismo. Durante a Guerra Civil Espanhola, muitos observadores ficaram impressionados com a intensidade religiosa dos anarquistas. Nesse país de potencial renascimento do anarquismo inspirou, não apenas heróis, mas até mesmo os santos de uma nova raça de homens cujas vidas são dedicadas, na imaginação sensual e, na prática, à criação de um novo tipo de sociedade humana.

4

Estas são as frases retumbantes de um visionário, me dirão, e não os acentos práticos do socialismo “construtivo”. Mas o ceticismo do homem chamado prática é destrutiva para a única força que pode trazer uma comunidade socialista na existência. Sempre foi profetizado, nos anos pré- guerra, que o socialismo de Estado era o ideal visionário, impossível de realização. Além do fato de que cada país industrial do mundo foi se movendo rapidamente em direção ao socialismo de Estado durante o último quarto de século, há o exemplo da Rússia para provar como muito possível uma organização central de produção e distribuição é, desde que você tenha visionários suficiente implacáveis, e neste caso inumanos suficientes, para transportar do ideal à prática. Eu não acredito que este tipo particular de organização social possa durar por muito tempo, simplesmente porque, como já sugeri, não é orgânico. Mas se tal forma (ou, se você preferir a palavra, lógico) arbitrária da sociedade pode ser estabelecida, ainda por alguns anos, quanto mais provável é que uma sociedade que não contradiz as leis de crescimento orgânico pode ser estabelecida e perdurará. Um começo estava sendo feito na Espanha, apesar da Guerra Civil e todas as restrições que uma condição de emergência implícitas. A indústria têxtil de Alcoy, a indústria da madeira em Cuenca, o sistema de transporte em Barcelona – estes são alguns exemplos dos muitos coletivos anarquistas que estavam funcionando de forma eficiente por mais de dois anos. * Tem sido demonstrado para além de qualquer possibilidade de negação, os vários méritos ou deméritos do sistema anarcossindicalista, que consegue fazer o trabalho. Uma vez que prevalece sobre toda a vida econômica do país, deve funcionar melhor ainda e fornecer um padrão de vida muito maior do que a realizado sob qualquer forma anterior de organização social.

Eu não pretendo repetir em detalhe as propostas sindicais para a organização da produção e distribuição. O princípio geral tem uma forma clara: cada indústria faz-se em uma federação de autogestão em coletivos, o controle de cada indústria está inteiramente nas mãos dos trabalhadores, de toda a indústria, e estes coletivos administram toda a vida econômica do país. Isso lembra em natureza de um parlamento de indústrias, para ajustar as relações mútuas entre os coletivos diversos e decidir sobre questões gerais de política, mas este Parlamento, em nenhum sentido é um órgão administrativo ou executivo, mas que formará uma espécie de serviço diplomático industrial, ajustando as relações e preservam a paz, mas não possuindo poderes legislativos e não de status privilegiado. Também tende a haver um corpo que corresponda representar os interesses dos consumidores, e para organizar as questões de preço e distribuição, junto aos coletivos.

É certo que haverá todos os tipos de dificuldades de ordem prática a serem superadas, mas o sistema é a própria simplicidade em comparação com o monstro do controle estatal centralizado, que estabelece uma distância tão desumana entre o trabalhador e o administrador que não há espaço de intervenção para mil dificuldades existentes. Depois de fazer da subsistência e não aproveitaria o motivo para a associação e da ajuda mútua, ali tudo para ele disse para o controle local, a iniciativa individual e da igualdade absoluta. Caso contrário, pode ter certeza de que alguma máquina ex deus será controlar as coisas para seu próprio benefício, e talvez colocar uma roda na engrenagem para sua própria satisfação sádica.

O único outro problema prático a considerar nesta fase é o que vou chamar de desigualdade de interpretação do que a administração da justiça. Obviamente, a grande massa de processos cíveis e criminais irá simplesmente desaparecer com o desaparecimento do lucro motivacional, e outros permaneceriam como o ato antinatural de cobiça, raiva e autoindulgência de vontade, em grande medida tratou pelos coletivos, assim como o tribunal de pequenas causas tratam com todos os crimes contra a paz da localidade. Se é verdade que certas tendências perigosas persistirão, estes devem ser mantidos sob controle. “Manter a seleção” é o clichê que nasce primeiro para a mente, mas indica os métodos repressivos da velha moralidade. A palavra mais elegante seria “sublimado”, e por isto queremos dizer à formulação de saídas inofensivas para as energias emocionais que, quando reprimidos, tornam-se mal e antissociais. Os instintos agressivos, por exemplo, são gastos em jogos competitivos de vários tipos, a nação mais divertida é mesmo agora menos agressiva.

O caso todo para descansos anarquismo em uma suposição geral de que faz especulações detalhadas desse tipo completamente desnecessário. A suposição é que o tipo certo de sociedade é um ser orgânico não apenas semelhante a um ser orgânico, mas na verdade estrutura a vida com apetites e digestões, instintos e paixões, a inteligência e a razão. Assim como um indivíduo por um equilíbrio adequado dessas faculdades podem manter-se na saúde, assim que uma comunidade pode viver naturalmente e livremente, sem a doença do crime. Crime é um sintoma de doença social, de pobreza, desigualdade e restrição. * Livrar o corpo social destas doenças e que a sociedade livrar do crime. A menos que você pode acreditar nisso, não como um ideal ou fantasia, mas como uma verdade biológica, pode não ser um anarquista. Mas se você acreditar, você deve logicamente chegar anarquismo. Sua única alternativa é ser um cético e autoritário, uma pessoa que tem tão pouca fé na ordem natural que ele vai tentar fazer do mundo estar de acordo com algum sistema artificial de sua própria invenção.

5

Tenho falado pouco sobre a organização real de uma comunidade anarquista, em parte porque eu não tenho nada a acrescentar ao que foi dito por Kropotkin e por sindicalistas contemporâneos como Dubreuil, em parte porque é sempre um erro construir constituições priori. A coisa principal é estabelecer seus princípios – os princípios da igualdade, da liberdade individual, de controle dos trabalhadores. A comunidade, em seguida, visa o estabelecimento destes princípios a partir do ponto de partida das necessidades locais e as condições locais. Que deve ser estabelecida por métodos revolucionários é, talvez, inevitável. Mas, neste contexto, eu gostaria de reviver a distinção feita por Max Stirner entre revolução e insurreição. Revolução “consiste em uma revirada das condições, da condição estabelecida ou status, o Estado ou a sociedade, e é, portanto, um ato político ou social.” Insurreição “tem como consequência inevitável uma transformação das circunstâncias, ainda não começar a partir dele, mas do descontentamento dos homens consigo mesmos, não é uma insurreição armada, mas um aumento dos indivíduos, um levantar-se, sem levar em conta as regras da mola que a partir dele.”

Insurreição “tem como consequência inevitável uma transformação das circunstâncias, ainda não iniciar a partir dele, mas do descontentamento dos homens com eles mesmos, não é uma insurreição armada, mas uma crescente de indivíduos, um levantar-se, sem levar em conta os arranjos mola que a partir dele. “Stirner realizada a distinção mais longe, mas o ponto que eu quero fazer é que há toda a diferença do mundo entre um movimento que visa à troca de instituições políticas, noção do que é o burguês socialista (Fabian) de uma revolução, e uma movimento que tem como objetivo se livrar dessas instituições políticas completamente. Uma insurreição, portanto, é dirigido contra o Estado, enquanto tal, e este objetivo vão determinar nossas táticas. Obviamente, seria um erro para criar o tipo de máquinas que, no final de uma revolução bem sucedida, seria meramente tomada pelos líderes da revolução, que, em seguida, assumir as funções de um governo. Que está fora da frigideira para o fogo. É por esta razão que a derrota do Governo espanhol, lamentável em que ele deixa o poder do Estado nas mãos de ainda mais cruéis, deve ser encarado com uma certa indiferença, pois no processo de defender a sua existência, o Governo espanhol criou, na forma de uma matriz de pé e uma polícia secreta, todos os instrumentos de opressão, e que havia pouca chance de que esses instrumentos teria sido descartado pelo grupo especial de homens que teria sido no controle, se a guerra tinha terminado em uma vitória do Governo.

A arma natural das classes trabalhadoras é a greve, e se me disseram que a greve foi usada e falhou, devo responder que a greve como uma força estratégica está em sua infância. Este poder supremo que está nas boas mãos das classes trabalhadoras e ainda nunca foi usado com inteligência e com coragem. A greve-geral a nossa greve geral de 1926, por exemplo, é uma imbecilidade. O que é necessário é uma disposição de forças em profundidade, de modo que os vastos recursos dos trabalhadores poderão ser organizados em apoio a um ataque em um ponto vital. O Estado é tão vulnerável quanto um ser humano, e pode ser morto pelo corte de uma única artéria. Mas você tem perceber e evitar que os cirurgiões não se apressem em salvar a vítima. Você deve trabalhar secretamente e agir rapidamente: o evento deve se catastrófico. Tirania, seja de uma pessoa ou de uma classe, não pode ser destruída de qualquer outra maneira. Foi o próprio Grande Insurgente, que disse: “Sede prudentes como as serpentes”.

Uma insurreição é necessária pela simples razão de que, quando se chega ao ponto que mesmo o homem de boa vontade, se está no topo, não sacrificará suas vantagens pessoais para o bem geral. No tipo voraz do capitalismo existente no país e na América, tais vantagens pessoais são o resultado de um exercício de baixa astúcia dificilmente compatível com um senso de justiça e são baseados em uma especulação insensível em finanças que não conhece e nem se importa com o ser humano, só com os elementos que estão envolvidos no movimento abstrato de preços de mercado. Durante os últimos 50 anos tem sido evidente para qualquer pessoa com uma mente inquiridora que o sistema capitalista chegou a um estágio de seu desenvolvimento em que só pode continuar sob a cobertura de agressão imperial – em que só pode estender seus mercados atrás de uma barragem de explosivos. Mas a mesma percepção de que – a percepção de que o capitalismo envolve um sacrifício humano para além dos desejos de Moloch – a realização não convence os nossos governantes para humanizar a economia social das nações. Em nenhuma parte – nem mesmo na Rússia – já abandonaram os valores econômicos sobre os quais toda a sociedade desde a Idade Média tentou basear-se em vão. Só foi provado, mais uma vez, que na questão dos valores espirituais, não pode haver compromisso. Medidas paliativas não conseguiram e agora a catástrofe inevitável tem nos sobrecarregado. Quer que a catástrofe seja o paroxismo final de um sistema condenado, deixando o mundo mais escuro e mais desesperado do que nunca, ou se é o prelúdio de uma insurreição espontânea e universal, vai depender de uma apreensão rápida do destino que está sobre nós. A fé na bondade fundamental do homem, humildade na presença de lei natural; razão e ajuda mútua – estas são as qualidades que podem nos salvar. Mas elas devem ser unificadas e vitalizadas por uma paixão insurrecional, uma chama em que todas as virtudes são temperadas e esclarecidas, tornando-se mais eficiente e mais forte.

Referências

  1. Vale a pena observar que está é a medida no Curso no Platão na República, II, 369 e ss.

  2. Vale a pena observar que está é a medida no Curso no Platão na República, II, 369 e ss.

  3. Relacionado a Justiça. No direito romano, é aquele ideal ético que existe, em estado amorfo, na consciência social, e que tende a transformar-se em direito positivo . NT

  4. Direito estabelecido pela razão natural para todos os homens e que era guardado por todos os povos: por isso era o direito observado, em comum, pelo povo romano e pelos demais povos (conhecidos daquele, naturalmente): por isso, também, era que tanto aquele como estes se utilizavam de normas, sejam próprias, sejam comuns a todos os povos e diferente do Jus Civile, ou seja, do direito próprio e exclusivo de cada povo. NT<

  5. Isto é claramente demonstrado por Rudolf Rocker em Nacionalismo e Cultura. (New York, 1937.)

  6. Princípio de igualdade. NT

  7. O termo indica, de maneira geral, os traços característicos de um grupo, do ponto de vista social e cultural, que o diferencia de outros. Seria assim, um valor de identidade social.

  8. Para as relações atuais entre o governo soviético e da Igreja, ver A. Ciliga, O Enigma Russo (Routledge, 1940), p. 160-5.

Anarcosindicalistas espanhóis pretendem julgamento do genocídio franquista cometido entre 1936 e 1977

Fonte: Coletivo Libertário Évora

Mulheres Republicanas raspadas pela repressão Franquista

Mulheres Republicanas raspadas pela repressão Franquista

Em Portugal isso nunca aconteceu. Nunca houve um julgamento do regime fascista. No Estado Espanhol, a CNT pretende levar para a frente o processo do franquismo e associou-se às  acções que estão a ser levadas a cabo, nos tribunais argentinos, por iniciativa de familiares de vítimas e associações que lutam contra o branqueamento do fascismo. Entre 1936 e 1977, a CNT contabiliza 50 mil fuzilados, 73 mil assassinados e 30 mil desaparecidos.

A Confederação Nacional do Trabalho apresentou recentemente  em Madrid a denúncia que juntou no passado mês de Dezembro ao processo que está a transitar nos tribunais argentinos e que pretende julgar o genocídio cometido pelo regime de Franco desde 1936 até 1977. Deste modo a CNT associa-se às acções empreendidas por parte de familiares de assassinados e desaparecidos, associações de recuperação da memória histórica e outras entidades interessadas.

A CNT pretende assim trazer para a luz do dia a repressão sofrida pela organização e pelo Movimento Libertário desde o golpe militar de 18 de Julho de 1936 até à lei da amnistia de 1977, uma lei que pretende passar em branco mais de 40 anos de um regime instaurado pela força e baseado na violência física e social. O seu máximo dirigente e executor, o general Francisco Franco, contou para isso com a colaboração de diferentes sectores militares, financeiros, políticos e eclesiásticos católicos, todos eles implicados na autoria e direcção do golpe.

Neste acto público participaram Alfonso Alvarez, secretário geral da CNT, José Ramon Palacios, presidente da Fundação Anselmo Lorenzo e Javier Antón, coordenador do Grupo de Trabalho da Memória Histórica –CNT. Além destes, prestaram o seu testemunho três sobreviventes da repressão franquista, Félix Padin, Antonio Amate e Aurora Tejerina,

Com esta acção a CNT pretende proclamar “publica e energicamente, face a um esquecimento cúmplice, o seu desejo e interesse em por a claro e divulgar o desastre que foi a instauração do franquismo, assim como os terríveis danos causados à organização confederal que foi o alvo principal da acção repressiva do regime durante décadas”.

Um balanço objectivo da repressão, passados já quase três quartos de séculos do golpe militar e após consulta à numerosa bibliografia especializada sobre a Guerra Civil espanhola, dá-nos a números dramáticos, alguns baseados inclusivamente em fontes oficiais do governo franquista: 50 mil fuzilados, 73.000 assassinados na retaguarda, 30.000 desaparecidos; 500.000 levados para campos de concentração, 300.000 presos e um número indeterminado de violações, raptos e roubo de crianças.

(com: Secretariado Permanente del Comité Confederal CNT-AITprensa@cnt.es )

Desobediência: A virtude original do homem

FreeHuey[1]

-Oscar Wilde em The Soul of Man Under Socialism, 1891.

Fonte: Aversão ao Estado

Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes – e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola sentimental, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela e agora começam a percebê-lo. Quando ao descontentamento, qualquer homem que não se sentisse descontente com o péssimo ambiente e o baixo nível de vida que lhe são reservados seria realmente muito estúpido.

Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem. O pregresso é uma conseqüência da desobediência e da rebelião. Muitas vezes elogiamos os pobres por serem econômicos. Mas recomendar aos pobres que poupem é algo grotesco e insultante. Seria como aconselhar um homem que está morrendo de fome a comer menos; um trabalhador urbano ou rural que poupasse seria totalmente imoral. Nenhum homem deveria estar sempre pronto a mostrar que consegue viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, roubar ou fazer greve – o que para muitos é uma forma de roubo.

Quanto à mendicância, é muito mais seguro mendigar do que roubar, mas é melhor roubar do que mendigar. Não! Um pobre que é ingrato, descontente, rebelde e que se recusa a poupar terá, provavelmente, uma verdadeira personalidade e uma grande riqueza interior. De qualquer forma, ele representará uma saudável forma de protesto. Quanto aos pobres virtuosos, devemos ter pena deles mas jamais admirá-los. Eles entraram num acordo particular com o inimigo e venderam os seus direitos por um preço muito baixo. Devem ser também extraordinariamente estúpidos. Posso entender que um homem aceite as leis que protegem a propriedade privada e admita que ela seja acumulada enquanto for capaz de realizar alguma forma ed atividade intelectual sob tais condições. Mas não consigo entender como alguém que tem uma vida medonha graças a essas leis possa ainda concorda dar com a sua continuidade.

Entretanto, a explicação não é difícil, pelo contrário. A miséria e a pobreza são de tal modo degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência de seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e mesmo assim muitas vezes não acreditam nelas.

O que os patrões dizem sobre os agitadores é totalmente verdadeiro. Os agitadores são um bando de pessoais intrometidas que se infiltram num determinado segmento da comunidade totalmente satisfeito com a situação em que vive e semeiam o descontentamento nele.

É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles, em nosso estado imperfeito, a civilização não avançaria. A abolição da escravatura nos EUA não foi uma consequência da ação direta dos escravos nem uma expressão do seu desejo de liberdade. A escravidão foi abolida graças à conduta totalmente ilegal de certos agitadores vindos de Boston e de outros lugares,que não eram escravos, não tinham escravos nem qualquer relação direta com o problema.  Foram eles, sem dúvida que começaram tudo. É curioso observar que dos próprios escravos eles só receberam pouquíssima ajuda material e quase nenhuma solidariedade. E quando a guerra terminou e os escravos descobriram que estavam livres, tão livres que podiam até morrer de fome livremente, muitos lamentaram amargamente a nova situação.

Para o pensador, o fato mais trágico na Revolução Francesa não foi que Maria Antonieta tenha sido morta por ser rainha, mas que os camponeses famintos da Vendée tivessem concordado em morrer defendendo a causa do feudalismo.

 

(Nota do Editor: Wilde cometeu um erro comum à sua época ignorando a ação dos próprios escravos como protagonistas de sua libertação. Hoje se sabe na historiografia que houve um feroz protagonismo escravo na obtenção de sua liberdade, atuando desde em  movimentos abolicionistas organizados até promovendo rebeliões e revoltas que constituiam mecanismo de negociação e conflito. Um dos exemplos foram as Ferrovias Subterrâneas, que eram rotas de libertação de escravos que contavam com forte militância de escravos).

1º de abril de 1964, a data que não podemos esquecer e a ideologia que seguimos combatendo

ditadura-951x476

Federação Anarquista Gaúcha – Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)

Fonte: Federação Anarquista Gaúcha – Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)


Fazer memória ao golpe militar levado a efeito em 1º de abril de 1964 com o amplo apoio das elites e do empresariado nacional e internacional é dever de todo campo da esquerda que se reivindica combativa e, especialmente, do Anarquismo organizado que desde os primórdios tem estampado no alto da sua bandeira a luta contra todas as formas de opressão representadas pelo Estado, pelo capital e pelos lacaios de farda que lhes dão sustentação. Para além de fazer a denúncia e trazer a tona à memória da barbárie sem escrúpulos materializada nos sequestros, desaparecimentos forçados, torturas e assassinatos que se tornaram lugar comum durante os longos 21 anos de chumbo é fundamental que se aponte as heranças desse período. Heranças essas evidenciadas objetivamente no judiciário e nas ações militares das polícias que seguem fazendo da história fato presente através da criminalização da pobreza, do protesto, das perseguições às e aos que lutam, das torturas, dos assassinatos, dos indiciamentos sem provas, das condenações políticas, entre tantos outros fatos que fazem da memória histórica subsídio para pensar e atuar no presente.

Para nós é fundamental fazer memória as e aos que tombaram lutando contra o arbítrio e a opressão do Estado ditatorial, não apenas pela necessária lembrança e reconhecimento, mas também pela força que o elemento de luta e de resistência carrega em si. Se ontem foram eles que através da organização resistiam e lutavam contra a ditadura escancarada, hoje segue posto para nós seguir combatendo o Estado e suas heranças ditatoriais que mantém a gênese autoritária e opressora muito viva, mesmo escondida sob mal camuflada democracia. O Estado continua servindo como aparelho de classe para manutenção dos interesses dos “de cima”, da mesma elite podre que apoiou a ditadura. Longe de querer comparar o período ditatorial e a exceção permanente tornada regra com o cenário que vivemos hoje, é fundamental que a memória daqueles tempos tome lugar nos nossos debates e nas nossas lutas cotidianas. Essa atitude tem potencial efetivo para garantir acúmulo de forças para a luta dos “de baixo” e para que opressão – em todas as suas formas – tenha fim.

É muito difundido entre amplos setores sociais o entendimento sobre o que representa e o que representou a ditadura empresarial-militar para a história do Brasil, bem como para a história dos países do cone sul. Contudo, muito devido à timidez de parte da esquerda em fazer essa denúncia, da dificuldade de criar espaços de difusão das memórias do período ditatorial e, principalmente, pela ausência de punição aos agentes da ditadura e aos seus cúmplices, que ainda pairam muitas dúvidas e desconhecimentos entre o grosso da população. As disputas que atravessam o tema da ditadura bem como as heranças daquele período que seguem presentes nos dias de hoje estão intimamente ligadas às práticas de esquecimento e à ausência do elemento de justiça na tríade composta por memória e verdade.

Se torna ineficiente tocar nesse tema apenas em datas pontuais. Os exemplos dos demais países que passaram por ditaduras nos ensinam desde há muito tempo que é a organização desde as ruas, sindicatos, escolas, locais de trabalho que impulsiona o debate social e que pode garantir a punição aos crimes cometidos pelos agentes e apoiadores da ditadura. Que em nossos atos e em nossas lutas se façam sempre presentes àquelas e àqueles que lutaram e em muitos casos entregaram suas vidas para que hoje pudéssemos falar, distribuir, ler e opinar sobre a covardia que é uma ditadura.

Ontem e hoje, seguir organizando, resistindo e lutando com os “de baixo”!

Arriba todas e todos os que lutaram e todas e todos que seguem lutando!

Pelo socialismo e pela liberdade!

A atualidade de Errico Malatesta – Maurício Tragtenberg

Retirado da revista online Espaço Acadêmico

Errico Malatesta nasceu em 1853 e morreu em 1932, tendo assistido, assim, à criação e extinção da Primeira Internacional, à formação da Segunda Internacional – que teve como carro chefe o Partido Social Democrata Alemão –, à emergência da Revolução Russa e sua burocratização e, finalmente, a ascensão do fascismo na Itália.

Essa trajetória de vida de um filho a burguesia, que largou os estudos de Medicina no segundo ano, explica porque ao longo de sua obra está sempre presente uma grande temática, a reprodução do movimento real das classe na Itália entre 1853 e 1932: o socialismo libertário.

Da Primeira Internacional, apreende a noção e auto-organização do trabalhador e de sua ação direta, que serão os elementos fundantes de sua atuação social e política. Em relação à Segunda Internacional, assume uma atitude crítica, denunciando a confusão que se estabelecera entre participação (lema da social-democracia) e incorporação ao sistema capitalista. Verifica que os “participacionistas” se convertiam nos cães de guarda do sistema exploratório e opressivo – não era por acaso, pois, que, na fase monopolista do capitalismo, em suas áreas desenvolvidas, a repressão contra os trabalhadores passava a ser feita pela social-democracia, cujo exemplo maior foi a repressão à revolução alemã de 18, com o assassinato de Liebknecht e Rosa Luxembourg.

Em relação à Terceira Internacional, Malatesta mantém a crítica clássica à burocracia emergente após 18 na URSS – já delineada por Luigi Fabbri em “Ditadura e revolução” –, quando a revolução dos operários e camponeses é capturada pelos burocratas, e o socialismo começa a ser sinônimo de planismo estatal-burocrático, onde os gestores coletivamente detêm os meios de produção em nome dos produtores.

A Comuna de Paris

Mas, sem dúvida, é a proclamação da Comuna de Paris, em março de 1871, que influenciará Malatesta em suas propostas mais amplas: auto-organização dos trabalhadores, autogestão econômico-social e política, como sinônimo de um processo de socialização. Isso porque a Comuna de Paris – nunca suficientemente estudada – é a primeira grande revolução moderna, onde o proletariado tentou a extinção do poder político. Ela representou a prática da organização social e econômica pelas massas, eleição pela população dos intermediários políticos (representantes) e econômicos (administradores), a ausência de privilégios e revogabilidade universal dos eleitos.

Isso significou a constituição de um novo modo de produção constatado por Bakunin e Marx, – pois Comuna de Paris representava um poder político em extinção. Suas instituições criadas pelos produtores significava um ponto de partida para a estruturação de um novo modo de produção com a dominação do econômico pelo social (J. Bernardo), muito longe de um planejamento da produção dependente da distribuição via Estado, o que seria apenas uma reprodução do poder político. A Comuna de Paris tentava fundir o nível político no econômico, através da extinção da esfera política. Isso, numa proposta de uma sociedade auto-institucionalizada. É dessa prática social que Malatesta estruturará seus conceitos sobre a ação direta dos produtores, auto-organização dos assalariados e a rejeição do planismo burocrático como sinônimo de “socialismo”.

Após 1874, abate-se um período repressivo na história italiana, atingindo o movimento operário, e os “internacionais” – como eram chamados os adeptos da Primeira Internacional – operários na sua maioria, sofrem perseguições de todo tipo.

A repressão leva-o a emigrar, desenvolvendo sua atividade de militante operário em vários países europeus. É o período em que polemiza duramente com Andrea Costa, que aderira à social-democracia e ao socialismo parlamentar. Mostrava Malatesta que a melhor maneira de sujeitar um povo consiste em lhe dar a ilusão de que participa de decisões.

Na Argentina participa da formação da FORA (Federação Operária Regional Argentina), que influenciará os trabalhadores de origem européia até início do século 20. Na Europa, de volta da Argentina, participa do movimento operário na Espanha, Bélgica e França, insistindo na auto-organização do trabalhador a partir do local de trabalho, como elemento fundante de sua ação político-social. Tal postura se dá em relação ao individualismo fundado por Stirner, que ainda encontrava adeptos entre os militantes libertários da época.

Os operários integrados

É através de sua polêmica com a social-democracia italiana e os adeptos do socialismo parlamentar, que Malatesta define seu perfil político e sua crítica à instituição do partido político.

Após a repressão à Comuna de Paris por Thiers, utilizando as armas que Bismarck lhe cedera para isso, desenvolvem-se como verdadeira praga partidos “bem comportados” – são partidos “operários” que surgem dos partidos “plebeus”, que deviam sua organização às velhas associações populares, fraternais e religiosas.

Após as revoluções de 1848 esses velhos partidos plebeus cedem espaço a outras instituições. Entre 1848 e 1871 os sindicatos e os conselhos constituíam elementos organizadores do operariado nascente, donde a preocupação da Primeira Internacional em articular os trabalhadores a partir de suas lutas fabris, nos sindicatos de militantes que surgiam então.

Porém, com a formação da Segunda Internacional e a difusão dos partidos socialistas parlamentares pelo mundo, aparece uma tecnocracia na constituição desses partidos “operários” – que mantêm esse nome pelo fato de integrarem os trabalhadores em suas estruturas burocráticas. Não é por acaso que o estudo-modelo sobre partido burocrático tem como sujeito o Partido Social-Democrata Alemão, a obra de Michels intitulada “Os Partidos Políticos”.

Há uma razão para o Partido Social-Democrata Alemão ter sido o modelo de partido burocrático, altamente centralizado – é que a Alemanha era o país onde a tecnocracia era mais poderosa, se constituindo em força reprodutiva do sistema capitalista. Esses partidos social-democráticos mantêm a cisão entre o econômico e o político, não integrando-os como o fizera a Comuna de Paris, razão pela qual aparecerão sob o bolchevismo na forma de partido único. Eis que Lenin, embora classifique Kaustski de “renegado”, herdou dele a concepção de partido-vanguarda que faz a felicidade da burocracia partidária na URSS e no leste europeu.

Malatesta se diferenciava de outros teóricos do socialismo libertário – como Goodwin, Proudhon, Bakunin ou Kropotkin –, que procuravam fundamentar suas premissas socialistas na razão (Goodwin), nas leis do social (Proudhon) ou no determinismo evolucionista (Kropotkin). Ele buscou explicar a validade da proposta socialista libertária a partir do movimento real da sociedade e da ação da classe trabalhadora. É desta perspectiva que os bens econômicos aparecem como fruto da “ação coletiva” dos produtores, onde a solidariedade no processo produtivo é a base da solidariedade no social e político. Assim, igualdade, liberdade e solidariedade se constituem nos fundamentos ético-políticos da proposta de Malatesta. Nessa proposta o futuro é entendido como ultrapassagem do presente, e a liberdade é tomada como um processo de ruptura com as formas de servidão econômico-social e política.

O socialismo libertário

Para Malatesta a revolução não se constituía num golpe de Estado, onde um grupo toma o poder “em nome” dos trabalhadores. Para ele, a revolução se constituía num ato de libertação, fruto de uma “vontade” sintonizada com a compreensão da conjuntura histórica específica. A proposta socialista libertária, para Malatesta, era a tradução dos valores e motivações que permanecem no plano histórico, entendido como um processo em mudança contínua. A seu ver a única lei geral, era a lei do movimento, que demonstrava a importância e também a precariedade dos sistemas fechados – quanto mais “acabados”, mais precários.

Por isso Malatesta não se permitia perfilar entre os criadores de “sistemas”, é mais uma atitude ante o real histórico, onde a exigência da auto-organização dos interessados (povo), de igualdade e combate às hierarquias sociais opressivas colocam a exigência de uma igualdade que tenha a liberdade como fundamento – pressupondo que a liberdade sem igualdade é uma mistificação, a igualdade sem liberdade é uma nova escravidão.

Para ele, a quem relatividade e contingência marcam as concepções do social, conceitos como liberdade, igualdade e fraternidade não se constituíam em noções dogmáticas, mas sim em traduções do movimento real da sociedade, que apontava à hegemonia dos trabalhadores.

O ideal emancipatório

Porém o ideal emancipatório da humanidade trabalhadora não se esgotava ao se converter em patrimônio teórico de uma minoria ilustrada. Para Malatesta, a vitória da proposta libertária se daria no momento em que seus princípios básicos se convertessem em categorias do senso comum da massa trabalhadora. Não se tratava de plasmar ideologicamente a população – o que seria a demonstração de um estranho autoritarismo – mas, através da propaganda e da ação, conquistá-la para os princípios libertários.

É essa preocupação de Malatesta em traduzir os grandes princípios libertários para a linguagem do senso comum da população que explica a forma coloquial da maioria dos seus escritos, especialmente “Entre Camponeses”, “No Café” e “Nas Eleições”.

Malatesta participara da insurreição de Bolonha de 1874, do levante camponês de 1877 em Benevento, emigrando para Londres, onde durante quarenta anos sedia sua ação político-militante. Na Argentina, onde permanecerá quatro anos, propaga as idéias libertárias entre os trabalhadores de origem italiana. Volta à Itália e é preso em 1898. Participa em 1919 da “Semana Rossa”, onde o movimento sindical dirige um processo de greve geral na Itália – sem contar porém com o apoio da CGT, o movimento morre. Preso por Mussolini em 1921, estava com 70 anos e continuava a sobreviver exercendo a profissão de mecânico e eletricista, espantando a burguesia italiana, que tinha dificuldades em enxergar naquele operário idoso e gentil o “terrível” Malatesta. Morre em 1932 em plena vigência do fascismo.

De sua fidelidade aos seus princípios fala sua via, a ele aplica-se o julgamento de Robespierre pelos historiadores: nunca se atemorizou, nunca transigiu, não se corrompeu. É um exemplo de integração de teoria e prática, raro nos dias que correm.

Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/015/15pm_160183malatesta.htm

Christiania: a prova de que anarquia não é utopia

anarquiaRetirado do www.nodo50.org

Christiania: A Lenda da Liberdade No coração gelado do capitalismo europeu, na fria Copenhagen, Dinamarca, uma comunidade de 10 mil pessoas vive num outro compasso. Cristiania não tem prefeito, não tem eleição e funciona sem governo, sem imposição de leis que controlem a organização social. A lenda da cidade-livre da Dinamarca é real: inspirada no Anarquismo, Christiania resiste há mais de 20 anos, inventando um jeito novo de conviver com os problemas da vida comunitária. Limpeza das ruas, rede de esgoto, manutenção dos serviços básicos, tudo é decidido e feito a partir de reuniões entre os moradores da cidade.

Eles se definem como uma comunidade ecologicamente orientada, com uma economia discreta e muita autogestão, sem hierarquia estabelecida e o máximo de liberdade e poder para o indivíduo. Uma verdadeira democracia popular direta, onde o bom senso e o diálogo substituem as leis. No Brasil, poucos conhecem a história da cidade-livre. O TESÃO vai contar, com exclusividade, a lenda da liberdade.

Christiania começou a escrever sua história em 1971. Foi a partir das idéias de um jornal alternativo, o Head Magazine, que um grupo de pessoas, de idades e classes sociais variadas, decidiu ocupar os barracos de uma área militar desativada na periferia de Copenhagen. Era o início de uma luta incansável contra o Estado. A polícia tentou várias vezes expulsar os invasores da área, mas sem sucesso. Christiania virou um problema político, sendo discutida no parlamento dinamarquês. A primeira vitória veio com o reconhecimento da cidade-livre como um “experimento social”, em troca do pagamento das contas de luz e água, até então a cargo dos militares, proprietários da área. O Parlamento decidiu que o experimento Christiania continuaria até a conclusão de um concurso público destinado a encontrar usos para a área ocupada.

Em 73 houve troca de governo na Dinamarca e a situação de radicalizou: o plano agora era expulsar todos e fechar o local. O governo decretou que a área seria esvaziada até o dia 1º de abril de 1976. Na última hora, o Parlamento decidiu adiar o fechamento de Christiania. A população da cidade-livre tinha se mobilizado para o confronto com o Estado, mas a guerra não aconteceu. O dia 1º de abril tornou-se o dia de uma grande manifestação da Dinamarca Alternativa. Ao longo dos anos, a cidade-livre aprimorou sua autogestão: casa comunitária de banhos, creche e jardim de infância, coleta e reciclagem de lixo; equipes de ferreiros para fazer aquecedores a lenha de barris velhos, lojas e fábricas comunitárias de bicicletas.

A década de 80 foi marcada pelas drogas. Em 82, o governo começou uma campanha difamatória contra Christiania: a cidade-livre era considerada o centro das drogas do Norte da Europa e a raiz de muitos males. A comunidade teve então que organizar programas de recuperação de drogados e expulsar comerciantes de drogas pesadas, como a heroína. O mercado de haxixe continua funcionando normalmente. O governo dinamarquês nunca deixou Christiania em paz, Vários planos foram elaborados visando a “normalização e legalização” da área.

Em janeiro de 92, finalmente um acordo foi assinado. Christiania já tinha mais de vinte anos de independência e provara ao mundo que é possível viver em liberdade. Mesmo com o acordo, o governo ainda tenta controlar a cidade-livre. A resposta veio no ano passado, com o lançamento do Plano Verde, onde os moradores de Christiania expressam sua visão de futuro e que rumos tomar. A lenda de Christiania continua sendo escrita.


Christiania: uma cidade sem governo

Christiania II: Uma Cidade sem Governo Christiania tem provado ao mundo que é possível viver numa sociedade sem autoridade constituída, sem delegação de poder através de mandatos e eleições. A cidade-livre da Dinamarca criou um experimento social definitivo contra a idéia dominante de que a humanidade se auto-destruirá se não existir um controle sobre a liberdade individual.

Os habitantes de Christiania decidiram correr o risco de andar na contra-mão da história. Para eles, o governo, seja lá qual for, e seus mecanismos de administração pública são sinônimos de burocracia, abuso de poder e corrupção.

Vivendo sem a necessidade de leis que controlem a organização social, cada morador da cidade livre tem que fazer sua parte enquanto cidadão e confiar que todos farão o mesmo. É uma nova ética de convivência, baseada na honestidade e na solidariedade.

Em 23 anos de existência, a cidade-livre sempre esteve associada a rebelião contra a ordem estabelecida e experimentando novos meios de democracia e formas de autogestão da administração pública. Christiania se organiza em vários conselhos, onde todos os moradores têm direito a opinar e discutir os problemas comunitários. As decisões não são feitas por votação, mas sim através do consenso. Isso significa que não é a maioria que decide e sim que todos tem que estar de acordo com as decisões tomadas nas reuniões. Às vezes, contam-se os votos somente para se ter uma idéia mais clara das opiniões, mas essas votações não tem nenhum significado deliberativo, não contam como uma solução para os problemas da comunidade. Christiania é dividida em 12 áreas, cada uma administrada pelos seus moradores, para facilitar o funcionamento dos serviços básicos. As decisões tomadas sempre por consenso podem parecer difíceis para nós, brasileiros acostumados ao poder da maioria sobre a minoria (pelo menos, é assim que se justificam os defensores das eleições).

Mas para os habitantes da cidade-livre, o consenso só é impossível quando existe autoritarismo, quando alguém tenta impor uma opinião sem dar abertura para que outras idéias apareçam e até prevaleçam como melhor solução. A experiência tem ensinado aos moradores de Christiania que cada reunião deve discutir só um assunto, principalmente na Reunião Comum, que decide sobre os problemas mais importantes da comunidade. E, contrariando o pessimismo dos que não conseguem imaginar uma vida sem governo institucional, a utopia está dando certo: a vida comunitária de Christiania preserva a liberdade individual e constrói uma eficiente dinâmica de relacionamento social, livre do autoritarismo e da submissão. A cidade-livre vive o anarquismo aqui e agora.


Ação Direta

Os moradores da Christiania fazem questão de ser uma pedra no sapato do capitalismo. Eles não se contentam apenas em incomodar os valores tradicionais da sociedade européia com a vida alternativa que levam. Christiania também desenvolve várias atividades com o objetivo de contestar o sistema capitalista e divulgar as idéias anarquistas.

Durante os primeiros anos, a cidade-livre se tornou conhecida por suas ações no teatro e na política. E quem conseguiu maior sucesso nessa área foi o grupo Solvognen. Uma de suas ações diretas mais famosas foi em 1973, quando a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma espécie de braço armado dos Estados Unidos na Europa, realizou um encontro de cúpula em Copenhagen. Inspirados no programa de rádio “Guerra dos Mundos” de Orson Welles, que simulou uma invasão de marcianos colocando em pânico a população norte-americana na década de 40, centenas de pessoas, lideradas pelo grupo de teatro de Christiania, fizeram parecer que um exército da OTAN tinha ocupado a Rádio Dinamarca e outros pontos estratégicos da cidade. A impressão que se tinha era que a Dinamarca estava ocupada por forças estrangeiras. Durante várias horas, o país inteiro ficou em dúvida se a invasão era teatro ou realidade. A ação foi uma dura crítica a intervenção dos Estados Unidos na vida dos países europeus.

O Solvognen também usou a critividade para contestar o comércio da maior festa do cristianismo. Em 1974, o grupo organizou o primeiro Natal dos Pobres da Dinamarca. Milhares de presentes foram distribuídos por um batalhão de Papai Noéis. Detalhe: os presentes eram artigos roubados das lojas de Copenhagen. Resultado: foram todos presos, mas o escândalo ganhou as manchetes dos principais jornais da europa, com fotos de dezenas de Papais Noéis sendo carregados pela polícia. Até hoje o Natal dos Pobres continua sendo organizado como uma tradição e todo ano aproximadamente 2 mil pessoas recebem uma grande ceia em Christiania. Vote Nulo.

Fonte: https://www.nodo50.org/insurgentes/textos/autonomia/09christiania.htm