Erdoğán e Barzani buscam enganar a imprensa

Turkey Kurds

Os Estados Unidos têm pressionado a Turquia, país membro da OTAN, durante semanas para que faça mais por Kobane

Por Michael Rubin 
6 de novembro de 2014

Fonte: Diário Siglo XXI 

Tradução: Coletivo Anarquia ou Barbárie

Os peshmerga curdos iraquianos atravessaram a Turquia a caminho de Kobane, o cantão curdo-sírio atualmente sitiado pelo Estado Islâmico. O The New York Times informa que os “Líderes curdos sírios de Kobane afirmam que pequenos grupos de guerrilheiros não são suficientes para reverter a situação atual”, mas a Turquia tem o benefício da dúvida, e continua:

Os Estados Unidos têm pressionado a Turquia, país membro da OTAN, durante semanas para que faça mais. Mas a Turquia tem se esforçado em solicitar que a intervenção americana busque depor o presidente sírio Bashar al-Assad, manifestando grandes reservas quanto à ajuda às minorias curdas da Síria e Iraque, alinhadas com as suas próprias populações curdas descontentes. Os grupos que combatem pelo município de Kobane entendem a política por trás da recente decisão turca de lhes ajudar a repelir o Estado Islâmico. Os analistas apontam que a minimização desse descontentamento na Turquia seja importante.”

Tais matérias interpretam mal a dinâmica curda ou os reais interesses do presidente turco, Erdoğán. Quando Erdoğán pensa a Síria, o inimigo número um a bater é Assad, o número dois são os curdos sírios e, apenas num distante terceiro lugar, o Estado Islâmico. Durante os últimos meses, Erdoğán esperava que o Estado Islâmico fizesse o trabalho sujo por ele, derrotando os curdos sírios. Entretanto, duas coisas aconteceram: as Unidades Populares da resistência em Kobane (YPG e YPJ) não apenas não se renderam como também poderiam até ter revertido a situação; e os Estados Unidos decidiram ignorar a proibição de cooperar com tais Unidades e as abasteceu, na prática, armando pela primeira vez o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Erdoğán jogou suas cartas, e os EUA, por fim, viu a luz no fim do túnel. Ao permitir que os curdos cruzem sua fronteira – mesmo como um gesto simbólico – a intenção de Erdoğán não é exatamente ver uma vitória dos curdos, mas sim impedir que os EUA voltem a colaborar com o PKK.

Erdoğán não é o único a se mostrar hostil aos curdos sírios. O presidente do Curdistão iraquiano, Massoud Barzani, também. Barzani desfaz-se em elogios ao nacionalismo curdo, porém os antecedentes pesam. Barzani almeja, antes de tudo, aumentar seu poder pessoal. É totalmente a favor do nacionalismo curdo desde que seja ele quem mande. Contudo, preferiria ver o fracasso da empreitada curda ao se ver substituído por um rival. Em 1996, por exemplo, ele arriscou tudo o que os curdos haviam conquistado até então, ao chamar a Erbil ( capital do Curdistão iraquiano) a Guarda Republicana do então Presidente Saddam Hussein para que este o apoiasse em seu enfrentamento ao líder curdo rival, Jalal Talabani. Atenção: apenas oito anos após o regime de Saddam ter utilizado seu arsenal de armas químicas contra os curdos.

Barzani considera os curdos sírios como rivais políticos, tendo em vista que estes pendem mais para o lado do líder do PKK, Abdullah Öcalan, do que ao seu. Em visita ao Curdistão sírio no início deste ano, Barzani bloqueou ativamente a ajuda humanitária requerida pelos curdos sírios. Toneladas de medicamentos doadas em solidariedade aos curdos de país vizinho foram “esquecidas” em seus armazéns. Todavia, a salvação dos yazidis de Shingal por parte das Unidades Populares – depois que os próprios peshmerga de Barzani tinham fugido – não fez senão destacar ainda mais a relevância das Unidades Populares aos olhos dos curdos. Em outras palavras, se o Estado Islâmico cortasse as asas das Unidades Populares, Barzani não derramaria sequer uma lágrima.

O envio de um contingente simbólico de peshmergas curdos a Kobane é simplesmente o plano de contingencia de Erdoğán e de Barzani. Para as Unidades não faz nenhuma diferença, e a sua defesa de Kobane apenas tem aumentado sua fama. Adicionar os peshmerga iraquianos à mistura não vai mudar os rumos do combate, mas permitirá que Erdoğán e Barzani reivindiquem a vitória dos curdos sírios caso as Unidades consigam realizar tal façanha. Basicamente, Erdoğán e Barzani esperam se beneficiar da ação das Unidades Populares e compartilhar sua glória.

Os EUA podem querer derrotar o Estado Islâmico, mas não devemos ter dúvidas: o Estado Islâmico não teria chegado até aqui se não fosse pela cumplicidade da Turquia e, mais especificamente, do próprio Erdoğán. Seria um erro fatal dos legisladores estadunidenses, ao tratar de Kobane, supor que o resto da região compartilha do nosso programa. Isso não significa que não podemos ter aliados de conveniência, mas não devemos vê-los como algo que não são.

Núcleo Nova Santa Quitéria – PR

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Fonte: Movimento de Organização de Base

A Nova Santa Quitéria é uma ocupação urbana localizada no Bairro Santa Quitéria de Curitiba. Também conhecida como Portelinha 2 é vizinha da Portelinha e tem a situação do terreno igual a da comunidade vizinha. Desde 2006 centenas de famílias lutam por moradia digna e regularização.

Neste ano de 2014 os moradores estão construindo uma Associação de Moradores ativa e de luta, em que o MOB está presente.

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Ciranda Espertirina Martins

ciranda2A partir do segundo semestre de 2014 o Movimento de Organização de Base – Paraná em conjunto com o Coletivo Quebrando Muros estão construindo a Ciranda Espertirina Martins. De segunda à sexta, das 8 hrs ao meio dia, militantes do MOB, CQM e voluntários organizam várias oficinas em conjunto com as crianças da Nova Santa Quitéria e Portelinha.

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Um pouco de História…. – A REVOLTA DOS ANARQUISTAS 1918

 

 

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Fonte:  O Rio de Janeiro através dos Jornais

 

Ano: 1918

“Começou ontem o movimento dos operários a favor da greve geral. A polícia interveio, com o objetivo de impedir que algumas fábricas tivessem seu movimento paralisado. Logo depois, eram espalhados boatos alarmantes de que “os operários anarquistas planejavam uma revolução, estando, para isso, fortemente municiados”. Em realidade, pelo que pudemos verificar, os operários não têm pretensões políticas; disputam tão somente a garantia de um direito, que é assegurado aos operários de todas as partes do mundo e que aqui, até agora, lhes tem sido negado. (…)

O que querem os operários é suavisar suas condições de vida; é a regulamentação das horas de trabalho; é uma lei sobre os acidentes; é a proteção às crianças e mulheres; é, enfim, fiscalizar como compete a todos os cidadãos a ação do poder público, submetendo ao seu exame as soluções desses problemas, entre nós, tão retardado. Este movimento dos operários era conhecido e esperado. Infelizmente, porém, não se revestiu de uma caráter inteiramente pacífico. Houve sérias consequências a lamentar, talvez, devido à ação das autoridades policiais, que se precipitaram em sua ação, efetuando prisões a torto e a direito, utilisando da maior violência, trancafiando no xadrez todo aquele que julga responsável pela situação, sem atender à sua condição social. Foi o que se deu ontem com o professor Oiticica, que antes de ser transferido para a Brigada Policial, esteve encarcerado nas enxovias do palácio da rua da Relação. (…)

De sorte que o movimento operário anunciado por todos os jornais, em favor da greve geral, assim de um momento para outro, assumiu o mais grave aspecto. (…)” – O Imparcial, 19 de novembro de 1918.

“Os acontecimentos que se passaram ontem nesta cidade devem ter trazido a todas as classes conservadoras da população a convicção de que não é mais possível transigir com os agitadores, que procuram arrastar o proletariado brasileiro a uma perigosa aventura, para repetir no nosso país as cenas de anarquia que desorganizaram a Russia e eliminaram, politicamente, do convivio das nações o antigo império moscovita. Quando o movimento revolucionário vem para as ruas lançar bombas e tentar assaltar os depósitos de material bélico, não é mais tempo de discutir reivindicações e de argumentar sobre teorias sociológicas. A hora é de ação, de açào energica, de ação inflexível, sem hesitações e sem temores, para defender a ordem pública, para proteger a propriedade particular, para assegurar a inviolabilidade dos lares, ameaçados pelo saque e pela violência da mashorca. (…)”

“Era já há dias assunto cogitado pela polícia o esperado movimento operário, que, segundo os boatos que corriam, teria as mais graves consequências. Sabedora desse movimento hostil, a que não faltaria o elemento anarquista, a polícia começou a desenvolver a sua atividade, no sentido de reprimir o movimento logo à primeira manifestação de alteração da ordem pública. Todo esse cuidado, entretanto, não só da polícia como das corporações armadas, apesár da rigorosa prontidão em que há dias se achavam os quarteis, não evitou a violência do movimento operário que ontem, à tarde, se fez sentir com tiroteios de revólveres e bombas de dinamite. Atacados no primeiro momento, parece terem fracassado as intenções malevolas dos grevistas, mas, durante as duas horas, mais ou menos, em que reinou a desordem, houve tempo bastante para trazer um grande pânico à população, principalmente dos bairros onde a violência do movimento mais se fez sentir. (…)” O Paiz, 19 de novembro de 1918.

“Declararam-se ontem em greve, precisamente, às 3 horas da tarde, os operários das fábricas de tecidos Carioca e Corcovado, situadas no bairro da Gávea. O número de operários que ali trabalham é aproximadamente de 4000. Os grevistas se mantiveram em atitude pacífica. A polícia imediatamente mandou fortes contingentes de força para guardar as fábricas e as suas imediações transformando o belo e pacato bairro proletário numa verdadeira praça de guerra. (…)

Como é sabido, desde julho do ano próximo passado, os operários tecelões conseguiram, à custa de grandes sacrifícios, a semana de 56 horas, que representavam 6 dias de serviço. Os industriais sempre procuraram, por todos os meios, apesár dos acordos que faziam hipocritamente com a União, arrancar essa concessão por eles próprios oferecidos aos seus operários. No último acordo realizado em fins de agosto último, sorrateiramente os industriais quizeram abolir esse horário, querendo estabelecer o pagamento por horas e não pelos 6 dias da semana, conforme estava fixado. A comissão da União que fez parte do acordo por delegação dos operários não aceitou tal sugestão. Os industriais continuam a persistir no seu intento, apesár de já estar aprovado o acordo aludido. (…)

É, pois, justificável essa greve, que não representa senão um movimento de instinto de conservação, porquanto, com o novo horário imposto pelos industriais, os operários trabalhavam mais ou menos 28 horas por semana, equivalentes a 3 dias completos, fazendo menos da metade dos salários que antes percebiam.

Com a situação deplorável a que foram reduzidos pela epidemia e pelo espectro da fome que paira sobre os seus lares, só a greve geral como único recurso, poderia ser o protesto desses trinta mil trabalhadores espoliados.” A Razão, 19 de novembro de 1918.

“Não há mais dúvida que a greve, o movimento preparado pelos agitadores, está por pouco, esperando-se a todo o momento o estourar do petardo. A polícia cometendo agora verdadeiras violências, vem, mesmo assim, tomando várias providências. Desde muitos dias, como se sabe, está a polícia de rigorosa prontidão, pernoitando constantemente, no seu gabinete o respectivo chefe. Hoje, à tarde, por determinação desta mesma autoridade, foram presos vários individuos apontados como agitadores. E esses, cujo número atinge a cerca de 10, estão recolhidos, incomunicáveis, ao Corpo de Segurança. (…)

Às 3 horas da tarde todas as fábricas paralisaram os serviços, tendo os operários abandonado o trabalho.” A Rua, 18 de novembro de 1918.

“Continua reforçada a guarda do palacio do Catete por uma companhia de guerra do 56o de caçadores, sob o comando do capitão Gregório da Fonseca. (…)

É uma medida cujos resultados têm sido os melhores possíveis, esta tomada hoje pelas nossas autoridades. É o caso que, dos trens procedentes de Bangu e adjacências, em Deodoro, são os passageiros convenientemente revistados por soldados do exército que ali estão sob odem imediata de um oficial. Até à 1 hora da tarde, muitas eram as armas e outros apetrechos suspeitos apreendidos naquela estação. (…)

De regresso paraa estação da Carioca, da estação de Neves, já madrugada, vinha o bonde no 21, conduzido pelo motorneiro Antonio da Silva, quando um forte estampido da explosão de uma bomba se fez ouvir sob as rodas. O veículo passava justamente em frente ao poste no 148 e com o choque veio até a frente do 146, já com o assoalho e o teto furados, desconjuntado, sendo necessário o emprego de grande perícia da parte do motorneiro, para que o carro não tombasse.

Outra bomba, porém, estava colocada nas proximidades deste último poste, que fica quase à esquina da rua Silva Manuel e as rodas do lado contrário do veículo tocaram-na também, explodindo o pétardo, com grande fragor. Mãos terroristas haviam-na colocado alí para que explodissem à passagem dos elétricos. parado, enfim, o veículo, verificaram os que nele estavam que a linha estava minada de aparelhos explosivos. Do lado contrário as rodas quase tocavam um novo pétardo e mais adiante, na linha contrária, em frente à casa no 54, viam-se colocadas mais duas bombas. (…)

A polícia, num cálculo ao que parece errado, forneceu à imprensa a nota de que se acham paralisados apenas 15 fábricas, estando em greve cerca de 15.190 operários.” – A Rua, 19 de novembro de 1918.

“Pelo movimento observado de hoje pela manhã, em toda a capital está já extinta a agitação que ontem irrompeu em vários pontos da cidade. Ninguém mais ignora pelas notícias dos jornais da manhã de hoje, as ocorrências havidas. Assim só temos que registrar a mais, o aparecimento de bombas de dinamite em vários pontos e ameaças constantes de grevistas a fábricas cujos operários estão em número reduzido trabalhando. No mais, boatos, com o intuito de perturbar a ordem e manter acesa a agitação, que neste momento não serve aos interesses operários e perturba a normalidade governamente, preparada, porém, para manter a tranqüilidade pública. A opinião pública, acompanha sobressaltada a imprevista e injustificável agitação e espera que tanto o patriotismo do proletariado, como as providências do governo concorram para que a vida nacional volte o mais breve possível à normalidade.” Rio Jornal, 19 de novembro de 1918.

“Terminou a bernarda à dinamite que deu ao povo uma impressão pouco favorável do modo por que os anarquistas querem realizar a “nova sociedade”. O governo, que agora reprimiu a desordem, deve saber quais são as justas reivindicações operárias, para apoiá-las. (…)

A cidade voltou ao seu aspecto normal, estando completamente dominado o movimento que quizeram fazer em o operariado. Por precaução, a polícia mantém ainda o policiamento reforçado, não permitindo reuniões na praça pública, nem nas associações operárias. Algumas fábricas já começaram a funcionar, continuando em outras a greve pacífica. (…)

Um perverso, de idéias anárquicas, pela manhã de hoje arremeçou uma bomba de dinamite contra um edifício da Rua Cândido Benicio, em Jacarepaguá, onde funciona um orfanato. O estrondo foi enorme, alarmando todo o bairro, não fazendo, felizmente, nenhuma vítima. Preso o perverso individuo, foi levado à delegacia do 24o distrito, onde deu o nome de Rodolfo Pereira Leal. É ele um vagabundo conhecido na zona.” – Rio Jornal, 20 de novembro de 1918.

“A polícia do 23o distrito apreendeu hoje, no morro da Carolina, na Vila Militar, duas bombas pequenas de dinamite, que se achavam colocadas sob um montão de capim sapê. Essas duas bombas foram levadas para a delegacia, de onde o sr. delegado fê-las remeter para a Central de Polícia. O policiamento de todo o subúrbio continua com o mesmo número de praças, conforme tem sido feito, apesár do movimento grevista encontrar-se mais ou menos tranqüilizado.” Rio Jornal, 21 de novembro de 1918.

AS MANCHETES

Um Sussuro De Mashorca Politiqueira Explora A Greve Geral Dos Operários Tecelões – Na Iminência De Uma Greve Geral – Rebentou, Ontem, A Parede De Todos Os Tecelões Do Rio E De Niterói – Setenta Mil Operários Em Greve – O Movimento Paredista Alastra-se À Medida Que A Polícia Estabelece E Espalha O Terror – A Greve Dos Operários Prossegue Intensa, A Despeito Da Barbariedade Alemã Da Polícia. (A Razão)

Os Operários Das Fábricas De Tecidos Declaram-se Em Greve – Uma Delegacia Atacada Pelos Grevistas – Grande Conflito Na Fábrica Confiança – Um Delegado Ferido E Um Grevista Morto – O Litoral E Outros Pontos Da Cidade Policiadas Pelo Exército (O Imparcial)

Estaremos Sobre Um Vulcão? Procura-se Dar À Greve Dos Tecelões Um Caráter Político Muito Sério – A Polícia Age Nas Trevas – Que Haverá De Verdade? – Estará Sufocado O Movimento? – Gorou O Movimento Operário? Tudo Em Paz? (A Rua)

Bernarda Ou Greve? O Aspecto Da Cidade É De Relativa Calma. As Fábricas Continuam Paralisadas, Estando Algumas Delas Ameaçadas Pelos Grevistas. Bombas De Dinamite Encontradas Por Toda A Parte (Rio Jornal)

Ideias e movimentos de organização anarquista hoje – Um papo sobre municipalismo libertário.

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Por Gilson Moura Henrique Junior

Para discutir teoricamente sobre organização e prática anarquista, é de bom tom ter em mente que, em relação aos movimentos e organizações de cunho socialista, o movimento anarquista parte de pontos organizativos, digamos assim, menos sólidos. Esta ausência de solidez não parte de diferenças qualitativas entre métodos de organização e sim da capilaridade relacionada ao socialismo e ao anarquismo. Esta diferença na penetração das ideias anarquistas em relação às socialistas não tem outra raiz senão a história de cada movimento: a perseguição a anarquistas, desde o fim do século XIX até os primeiros vinte anos do século XX; a cooptação que o movimento socialista levou a cabo junto aos movimentos anarquistas após a revolução russa de 1917; as duas severas ditaduras que reprimiram todo o espectro de esquerda, mas atingiram em cheio o movimento anarquista, que também era combatido pela esquerda, a partir de grupos alinhados ao partido comunista, que perseguia com ferocidade tudo o que fugisse da órbita soviética, como se viu na guerra civil espanhola.

Levando tudo isso em conta, temos diante de nós, nos últimos vinte anos, uma retomada do processo de organização anarquista e uma busca de protagonismo dessa vertente ideológica, que tem encontrado vasto sucesso e campo de atuação na juventude brasileira. Esse sucesso, no entanto, esbarra nas fragilidades organizativas do anarquismo, o que é típico nas organizações mais horizontais e cuja ausência de centralidade e centralismo exige menos unidade que a imposição das organizações socialistas de linha marxista-leninista. Uma dessas fragilidades é a dificuldade de formação, especialmente uma formação unitária, que leve em conta o maior grupo possível de pensadores anarquistas – e são muitos – de modo a ampliar a percepção da anarquia para além da ideia romântica de rebeldia momentânea, que acaba não refletindo sobre o que é preciso transformar, no presente, em cada indivíduo, para além da aparência externa e da simbologia anarquista utilizada.

Essa dificuldade de formação é combatida com muita competência por portais como o Protopia, que fornece um amplo número de textos dos mais diversos pensadores e que auxilia assim aos neófitos a entenderem mais da anarquia. Outros espaços são a Anarcopedia e o Instituto de Teoria e História Anarquista, que atuam divulgando ideias, base teórica e a história do movimento.

Essa fragilidade, embora seja um ônus, é parte dos riscos da horizontalidade e que precisa ser visto dessa forma. Assim como na ecologia a diversidade é mãe dileta da manutenção das espécies, na anarquia a diversidade, pluralidade e ausência de centralismo é mãe dileta da liberdade e da manutenção da ideologia em curso.

Diante desas colocações, a ideia de organização anarquista que perpassa pra quem observa de fora é extremamente diversificada e propõe uma gama de soluções para os dilemas da luta de classes que lidam com os mais diversos autores e propostas, na maior parte atuam como ferramenta de organização periférica, onde os partidos não atuam e formando focos de rebelião nas localidades onde os partidos passeiam apenas com o discurso de fomento eleitoral e com menos participação concreta na organização da população para um enfrentamento organizado ao estado. Essa fórmula de organização propõe o fortalecimento da organização de base, que consolide uma alternativa ao viés eleitoralista que acaba por, na hora H, trair o discurso de construção da revolução em nome da construção de aparatos.

Essa ideia de ação anarquista propõe uma solução viável e em curso de alternativa concreta à lógica partidária e que fomenta a organização popular, a questão é o passo adiante da tomada de poder e de empoderamento pelos coletivos organizados nas periferias. Que passo se dá para a ocupação dos espaços que o estado não ocupa?

Óbvio que seria muita arrogância propor de fora soluções às uma gama de coletivos organizados e com problemas práticos in loco, porém sugerir não dói. E a sugestão é que se integre as ações locais com a formação de conselhos coletivos de empoderamento local para a transformação de bairros em focos de comunas. A partir disso a constituição de um lastro de poder local criando uma rede coletiva horizontal que confronte o estado em nome da revolução no modo de vida dos bairros e ruas dentro do município.

Claro que isso tem em mente uma objetificação ideal da ação de coletivos inteiros e que não tem como medir os dramas diários de cada coletivo organizado nas periferias do país afora para compreender as dinâmicas internas que se se fazem presentes, os problemas e os enfrentamentos ao estado, especialmente em favelas, onde ele se mostra em uma face mais dura do que os intelectuais de classe média, entre os quais e me incluo pela casse e não pelo intelecto, cogitam compreender para além da formulação empática.

Só que é fundamental perceber o avanço da ocupação de espaço por coletivos anarcos ou autonomistas onde não se vê o discurso partidário, ocupadíssimo em conquistar CAS, DCEs, Grêmios, e não muito em organizar meios de enfrentamento político onde o estado não vai, e nem quem o busca ocupar para “fazer a revolução”, e tentar a partir disso auxiliar à construção de redes de transformação social que construam ferramentas revolucionárias de combate ao racismo ambiental, à criminalização da pobreza, ao racismo etnocida de estado, a partir do empoderamento simbólico e concreto dos moradores de periferia que a partir de suas associações (Não necessariamente associações formais) podem formar conselhos locais de percepção e resolução de problemas, que utilizem menos o aparato do estado e mais o cotidiano das ruas e vielas para tensionar o estado rumo à construção de alternativas de desenvolvimento local não paroquiais.

Essa ideia não se prende apenas nas periferias, as usa pela percepção de ocupação destes espaços pro coletivos autonomistas e anarquistas, e parte da ideia de Municipalismo Libertário criada por Murray Bookchin. E a proposta é incitar o debate sobre as táticas propostas por este pensador no cotidiano das cidades, atuando de forma a construir meios de reduzir o poder central do estado e combatê-lo rua a rua, bairro a bairro, cidade a cidade.

É fundamental entendermos também que essa proposta foi posta em prática no cotidiano do autor Murray Bookchin e hoje é praticada na Turquia pelos partidários do PKK e atual Curdistão Sírio pelo PYD (com o apoio do PKK), o que nos fornece meios práticos de percepção de suas implicações práticas, tão caras aos críticos.

A cidade independente de Kobane, membro do cantão de Rojava, que equivale ao Curdistão Sírio, é alvo tanto dos fundamentalistas islâmicos do Estado Islâmico (ISIS em Inglês) e das potências da OTAN, quanto dos islamistas moderados turcos do AKP, partido do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que ao negar a entrada de combatentes curdos ligados ao PKK pelas fronteiras turcas, permitindo apenas a entrada dos pershmerga do Curdistão Iraquiano, que não praticam o confederalismo democrático, buscam enfraquecer o crescimento da atuação do PKK em território turco, abatendo o bastião da prática libertária me Rojava.

foto-2-eduardinhoEsse exemplo dá uma ideia de quão perigosa é a ideia de uma confederação de cantões ou cidades livres, o quão é perigosa a ideia de bairros, ruas, favelas, livres e organizadas em conselho se pondo a enfrentar o estado a partir de conselhos de jovens, mulheres, velhos, de artesãos, de donas de casa, que se propõem a construir soluções práticas para enfrentar a ditadura do estado, que promete a paz, mas fornece uma paz sem voz, garantida no medo das unidades de polícia pacificadora (UPP) e na garantia de lei e ordem (GLO) com as digitais das forças armadas, as mesmas forças armadas que prenderem, mataram, torturaram marxistas na década de 1970, e mataram indígenas, camponeses e quilombolas, que jamais receberam tanto holofote quanto os membros das organizações comunistas e socialistas (muitos hoje no poder mantendo as ocupações militares e as unidades de “pacificação”).

É por isso que entendemos que uma boa sugestão é a percepção dos meios pelos quais se organizaram os curdos e propõe Murray Bookchin como meio de agir de forma revolucionária na construção cotidiana adaptando as experiências propostas pelo anarquista estadunidense e postas em práticas pelos curdos à realidade brasileira, atuando de um jeito onde se construam ferramentas concretas de superação do estado e das formas de organização hierárquicas, fornecendo alternativas concretas pra resolução de problemas cotidianos sem a intermediação de líderes paroquiais e de vereadores, desta forma fortalecendo a percepção do poder popular e empoderando os envolvidos na sua construção.