Sobre o perigo de transformar a anarquia em um conjunto de práticas “alternativas” sem conteúdo de ofensiva ao poder.

20141213_004315-1

(publicado na revista “Contra toda autoridad”, Chile, Setembro 2014#1)

Fonte: ContraInformate

Sem dúvida um dos grandes perigos que assola a anarquia a todo tempo é a possibilidade de ela se transformar em um conjunto de práticas sem qualquer conteúdo de ofensiva contra o poder.

Esta situação é fomentada, por um lado, pelo mesmo inimigo através de seus valores aglutinantes em torno do domínio democrático, como a “diversidade”, a “tolerância”, o “pluralismo” e também a integração econômica por meio da mercantilização da rebeldia e do consumo “alternativo”.

Por outro lado, existe também toda uma gama de indivíduos e grupos “contestadores” e inclusive alguns “anarquistas” que de modo inconsciente ou deliberadamente se apagam do antagonismo e do conflito permanente para contra o domínio, tanto silenciando a necessidade da destruição e do ataque direto contra a autoridade ou, no pior dos casos, realizando campanhas toscas de limpeza da imagem do anarquismo, apresentando-se a si mesmos como patéticos defensores de uma ideologia alheia à confrontação ao poder.

Para nós, a recuperação de nossa vida é um processo que envolve a construção de nossa autonomia em relação ao modo de vida alienado, submisso e mercantil que oferece a sociedade do capital e da autoridade. Mas não abordamos essa proposta nunca a partir de uma lógica de coexistência pacífica com o poder, mas sim a partir de uma atitude de permanente confronto que também envolve a necessária perspectiva do ataque direto e da destruição do poder como elementos indispensáveis de todo o processo de libertação total.

E precisamente isso, uma proposta de confronto, de guerra e ataque ultrapassa a legalidade, é o que faz que toda prática que visa a “autogerir a vida” transborde qualquer iniciativa específica vivendo-a como parte de uma proposta de ofensiva impossível de ser assimilada pelo poder.

Não existem dúvidas de que a alimentação saudável e livre de exploração animal, as hortas autogeridas, a confecção de nossa própria vestimenta, a medicina natural e a libertação das relações entre indivíduos são práticas válidas na luta sempre e quando lhes resignifique como prática que propagem o antagonismo em relação à ordem social dominante. Também é importante valorar essas práticas em sua própria dimensão, a qual não é precisamente a de ser um ataque direto contra o domínio. Por isso, ao desenvolver boas iniciativas sob uma proposta de confronto anti-autoritário multiforme, estas terminam por ultrapassar as fronteiras de seus próprios limites, se mostrando como um suporte a mais na luta antes que como “a” forma de luta.

Além disso, as ações violentas que não se projetam como parte de uma ofensiva que envolve a recuperação integral da vida possuem também alcances limitados em suas perspectivas.

Tão importante como não hierarquizar os meios utilizados na luta contra o poder, é o fato de valorizar cada ferramenta em seu suporte pontual, visando a ultrapassar a luta na própria prática da permanente insurreição.

É por isso que nossa ofensiva fixa seu olhar em um horizonte que vai além dos meios utilizados, dotando de conteúdo e significado de rebelião a cada uma das práticas que desenvolvemos atrás da eliminação de todo poder e autoridade. Esta guerra contra o poder implica para nós a tensão constante e a autocrítica da qual emana a necessidade de sempre se superar, de nunca se conformar, de ganhar a rua e o terreno da polícia, de atacar a repressão e a ordem social visando permanentemente à destruição de toda forma de poder.

Difundir a anarquia não passa pela redenção dos valores antagônicos à ordem imperante, tampouco passa por fazer das formas de autogestão da vida um conjunto de práticas que evitam o confronto da ordem social. A anarquia não pode ser uma alternativa à cultura do consumo, um conjunto de práticas culturais que coexistem pacificamente com o inimigo.

A anarquia é um contínuo estar em guerra, vai além das práticas específicas arrasando com toda ideologia parcializante ou totalizante (animalismo, feminismo, naturismo, etc).

Quanto de nosso tempo e energia dedicamos a alimentar discursos e práticas carentes de conteúdo de ofensiva? Quanto dedicamos a projetos ou iniciativas destinados a propagar valores, ideias e práticas baseadas no confronto e ataque contra a dominação?

Por isso, companheiros, nem práticas de autonomia sem perspectiva de ataque, nem práticas de ataque sem perspectiva de libertação e autonomia nas relações e na vida como um todo. Porque, como disse um companheiro, a anarquia não é e nem pode ser um remédio ou um analgésico ante os males da sociedade; a anarquia é e deve ser um punhal carregado de veneno contra a ordem social e contra toda autoridade.

Decrescimento ou barbárie!

992993_653735791322148_447163038_n

Entrevista especial com Serge Latouche

Fonte IHU – Instituto Humanitas Unisinos

“O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando”, avalia o economista francês Serge Latouche, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, a crise financeira e o caos ambiental instalados no planeta farão o capitalismo reencontrar “a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, ele é enfático: “Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião”.

Segundo ele, o PIB não pode mais crescer, e a “única possibilidade para escapar ao pauperismo” é “retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.

Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em Ciências Econômicas, pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas, pela Université de Paris, e diretor de pesquisas. Entre suas publicações, citamos, La déraison de la raison économique (Paris: Albin Michel, 2001),  Justice sans limites – Le défi de l’éthique dans une économie mondialisée. (Paris: Fayard, 2003) e La pensée créative contre l’économie de l’absurde. (Paris: Parangon, 2003)

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio ambiente e do atual modelo econômico?

Serge Latouche – Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos subprimes é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e econômica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos ser taxados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo.
Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar, quando o hiperconsumo vem nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida. Pode-se imaginar que enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão social e civilizatória é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de trajetória.

IHU On-Line – Como manter o equilíbrio entre crescimento econômico e meio ambiente?

Serge Latouche – Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.

IHU On-Line – Quais são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais sustentável? Quais seriam os seus princípios?

Serge Latouche – Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto é, o produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos muito bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx, mas também John Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica – as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich, excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado. Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade ecossocialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que vivemos.

IHU On-Line – Como conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?

Serge Latouche – Uma lógica de crescimento e um projeto de decrescimento são incompatíveis, mas o projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos estresse, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.).

IHU On-Line – Alguns especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?

Serge Latouche – As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise econômica e financeira nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor. A rarefação do petróleo não prejudica, bem ao contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.

IHU On-Line – Qual é a marca socioecológica do Planeta? Já existe um déficit ecológico?

Serge Latouche – E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso sobre-crescimento econômico se furta aos limites da finitude da biosfera. A capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem transforma os recursos em rejeitos mais rapidamente do que a natureza consegue transformar esses rejeitos em novos recursos (1).

Se tomarmos como índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida sua “pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário, obtém-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extração da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 bilhões de hectares.

Todavia, o espaço “bioprodutivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fração do total, ou seja, em torno de 12 bilhões de hectares (2). Dividido pela população mundial atual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários para absorver dejetos e rejeitos da produção e do consumo (cada vez que queimamos um litro de essência, nós necessitamos de cinco metros quadrados de floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a isso o impacto do habitat e das infraestruturas necessárias, os pesquisadores que trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” [Redefinindo o progresso] e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo consumido por pessoa da humanidade era de 2,2 hectares na média.

Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população atual permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8.

Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada país, estamos bem longe da igualdade planetária. (2) Cada americano consome em média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo o mundo vivesse como nós franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável.

Notas:

1.- WWF, Rapport planète vivant [Relatório planeta vivo] 2006, p. 2.
2.- Um hectare de pasto permanente, por exemplo, é considerado como equivalente a 0,48 ha de espaço bioprodutivo e, para uma zona de pesca, 0,36. Wackemagel, Mathis, O nosso planeta se está exaurindo. In: Economia e Ambiente. O desafio do terceiro milênio. EMI, Bolonha 2005. (Nota do entrevistado)
3.- Gianfranco Bologna (org.), Itália capaz de futuro. WWF-EMI, Bolonha, 2001, pp. 86-88. (Nota do entrevistado)

A Era da Angústia

tumblr_lghqfzRrro1qz6f9yo1_r1_500

Por John Zerzan

Fonte: Anarco-Primitivismo

Envolve-nos um sentimento difundido de perda e mal-estar, uma tristeza cultural que somente pode ser comparada ao indivíduo que sofre uma perda pessoal.

Um capitalismo hiper-tecnológico está a fazer desaparecer a textura viva da existência, enquanto a maior mortandade em massa do mundo, em 50 milhões de anos, continua em ritmo acelerado: 50 mil espécies de plantas e animais desaparecem a cada ano (WWF – Fundo Mundial pela Vida Selvagem, 1996).

A nossa angústia toma a forma de uma exaustão pós-moderna, com a sua dieta desgastante de um relativismo ansioso e constante, e o apego a um superficial que teme em ligar-se ao facto de uma perda assombrosa. O vazio fatal do consumismo ironizado é marcado pela perda de energia, dificuldade de concentração, sentimentos de apatia, isolamento social; exactamente aqueles citados na literatura psicológica sobre a lamentação.

A falsidade do pós-modernismo consiste na negação da perda, a recusa da lamentação. Desprovido de esperança ou uma visão do futuro, o “zeitgeist” (de origem alemã, significa um ambiente geral ou uma qualidade de um período particular da História, mostrado por ideias, crenças, etc comuns no tempo) reinante também reduz explicitamente, uma compreensão do que aconteceu e o por quê. Há uma proibição sobre pensar nas origens, que é acompanhada de uma insistência no superficial, no momentâneo, no infundado.

Paralelos entre a angústia individual e uma esfera em comum desolada e aflita estão enraizadas. Considere o seguinte enunciado do terapeuta Kenneth Doka (1989): “A angústia ‘deslegitimada’ pode ser definida como a angústia que as pessoas vivem quando sofrem uma perda que não é ou não pode ser completamente admitida, publicamente lamentada, ou socialmente apoiada”. A negação de um nível individual fornece uma metáfora inescapável; a negação pessoal, tão frequentemente e exaustivamente compreendido, introduz a questão da recusa para se entender profundamente a crise que ocorre a cada nível.

Introduzido no milénio estão vozes dos quais a marca é a oposição da própria narrativa, escapando de qualquer tipo de conclusão. O projecto modernista ao menos fez sala para o apocalíptico; agora somos separados a pairar para sempre num mundo de aparências e simulações que asseguram a ”rasura” do mundo real e a separação do eu e do social. Baudrillard é obviamente emblemático sobre o “fim do fim”, baseado no seu prognóstico “extermínio do significado”.

Devemos direccionar-nos novamente para a literatura psicológica para uma descrição apropriada. Deutsch (1937) examinou a ausência de expressão de angústia que ocorre após alguma perda e considerou isto uma tentativa de defesa do ego de se preservar a si mesmo face a uma ansiedade esmagadora. Fenichel (1945) observou que a angustia é primeiramente experimentada em doses muito pequenas; se fosse liberada  totalmente, o sujeito poderia sentir um desespero esmagador. Similarmente, Grimspoon (1964) notou que “as pessoas não podem arriscar sendo esmagadas pela ansiedade, o que força acompanhadamente uma compreensão cognitiva e afectiva total da situação actual do mundo e das suas implicações para o futuro”.

Com estes conselhos e cuidados em mente, é óbvio portanto que a perda deve ser encarada. Tudo o mais, portanto, no reino da existência social, onde em distinção de, digamos, a morte de um ente querido, uma crise de proporções monumentais deve ser direccionada para uma solução transformadora, e não mais negada.
A repressão, mais claramente e presentemente experimentada via fragmentação e superficialização pós-moderna, não extingue o problema. “O reprimido”, de acordo com Bollas (1995) “significa o preservado: escondido na tensão organizada do inconsciente, os desejos e as suas memórias estão constantemente lutando para achar algum modo de satisfação no presente – o desejo refuta a aniquilação.”

A angustia é a contradição e destruição do desejo e assemelha-se muito a depressão; de facto, muitas depressões são precipitadas por perdas (Klerman, 1981). Ambos, angustia e depressão devem ter a fúria nas suas raízes; considere por exemplo a associação cultural da cor preta com a angustia, com o luto e com a fúria.

Tradicionalmente, a angustia tem sido vista como causadora do cancro. Uma variação contemporânea sobre esta tese é a noção de Norman Mailer de que o cancro é a insalubridade de uma sociedade demente tornada intima, estendendo-se nas esferas públicas e pessoais. Novamente, uma plausível conexão entre angustia, depressão, e fúria – e a evidência, penso eu, de uma repressão em massa. Os sinais são abundantes a respeito do enfraquecimento das defesas imunes; juntamente com o crescimento dos materiais tóxicos, parece existir uma elevação do nível de angustia e das suas concomitantes. Quando o significado e o desejo são tão dolorosos, tão desesperado para admitir ou prosseguir, os resultados acumulados apenas somam na catástrofe agora em expansão.

Olhar para o narcisismo, o modelo guia actual de carácter, é olhar o sofrimento como um conjunto de mais e mais aspectos próximos relacionados. Lasch (1979) escreveu sobre tais características peculiares da personalidade narcisista numa inabilidade de sentir, superficialidade ou pouca profundidade procectora, uma hostilidade repressora crescente, e um senso de irrealidade e vazio. Desta forma, o narcisismo também poderia ser agrupado sob o titulo da angustia, e uma ampla sugestão surge com possível grande força: Existe algo profundamente errado, algo no coração de toda esta tristeza, porém, muito disto é comummente rotulado sob varias categorias separadas.

Numa exploração de 1917, “Luto e melancolia”, um perplexo Freud questionou o porquê da memória de “cada único individuo sobre as memórias e esperanças” que são conectadas com a perda de um amado “devem ser tão extraordinariamente dolorosas”. Porém, lágrimas de angustia, é dito, são basicamente lágrimas para si mesmo. A intensa tristeza numa perda de uma pessoa, trágica e difícil como certamente é, deve ser de alguma maneira também uma vulnerabilidade para a tristeza sobre uma mais ampla e geralperda (que não abarca apenas a nossa espécie).

Waslter Benjamim escreveu Theses on History (“Teses sobre a Historia”) alguns meses antes da sua morte prematura em 1940, numa fronteira fechada que evitava a fugas dos Nazis. Quebrando os confinamentos do marxismo e da literatura, Benjamim alcançou um ponto alto do pensamento crítico. Ele viu que a civilização, a partir da sua origem, é a tempestade que esvaziou o Éden, viu o progresso como uma única e continua catástrofe.

A alienação e a angustia foram altamente, senão inteiramente, desconhecidas. Hoje o índice de depressão profunda, por exemplo, dobra a cada dez anos nos países desenvolvidos (Wright, 1995).

Como Peter Homans (1984) colocou habilmente, “o pesar não destrói o passado – reabre as relações com o passado e com as comunidades do passado”. Uma mágoa autêntica coloca a oportunidade de entender o que tem sido perdido e o porquê, e também requer a recuperação de um estado de ser inocente, no qual a perda desnecessária é banida.