Notas sobre Michel Foucault e os Anarco-Ecologistas

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Foto: Spencer Tunick: Anarquia global nos Alpes Suíços (2008).

 

Fonte: Ciência Social Ceará
Por Ubiracy de Souza Braga*

* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

O filósofo Michel Foucault deixou inscrita uma das mais belas profecias sobre o “cuidado de si”. Uma ética política sobre a história da sexualidade, incluída a morte. A problemática da “governamentalidade” (cf. Foucault, 1979; 1984a; 1984b) fora retomada no “resumo dos cursos do College de France” (1970-1984): “gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez durante dez anos”. Veio a falecer em 25 de junho de 1984, “quando seu estado de saúde não mais lhe permitia prepará-los”. Salvo engano, nenhum sistema de pensamento (cf. Foucault, 2000a) em tão pouco tempo, obteve repercussão tão ampla e evidente, do ponto de vista da mudança de simbólica, a partir de temas como: “a crítica da razão governamental”, “a analítica do poder”, sobre as relações “espaço-tempo” e “poder-saber”, “estética da existência” e “experimento moral”, e mesmo entre o “império do olhar” e “arte de ver”. É impossível esquecer a tese segundo a qual “a visibilidade é uma armadilha” numa sociedade que “canceriza” a vista através do poder disciplinar.

Greenpeace – é uma organização dita “não governamental” com sede em Amsterdã, nos Países Baixos, e escritórios espalhados por 40 países. Atuam internacionalmente em questões relacionadas à preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, com campanhas dedicadas às áreas de florestas (Amazônia brasileira), clima, nuclear, oceanos, engenharia genética, substâncias tóxicas, transgênicos e energia renovável. A “organização” busca sensibilizar a opinião pública através de atos, publicidades e outros meios. Sua atuação é baseada nos pilares filosóficos-morais da desobediência civil e tem como princípio básico a ação direta. Fundado em 1971 no Canadá por imigrantes americanos, tem atualmente cerca de três milhões de colaboradores em todo o mundo – quarenta mil no Brasil (Greenpeace Brasil) – que doam quantias mensais que variam de acordo com o país. Entre os primeiros ativistas que ajudaram a fundar a organização na década de 1970 havia pessoas com estilo de vida hippie e membros de comunidades quakers americanas, que migraram para o Canadá por não concordarem com a guerra do Vietnã.

Nascido em uma família tradicional de médicos, Michel Foucault frustrou as expectativas de seu pai, cirurgião e professor de anatomia em Poitiers, ao interessar-se por história e filosofia. Apoiado pela mãe, Anna Malapert, mudou-se para Paris em 1945 e antes de conseguir ingressar na École Normale da rue d`Ulm, foi aluno do filósofo Jean Hyppolite, que lhe apresentou à obra de Hegel. Em 1946 conseguiu entrar na École Normale. Seu temperamento fechado o fez uma…

…pessoa solitária, agressiva e irônica. Em 1948, após uma tentativa de suicídio, iniciou um tratamento psiquiátrico. Em contato com a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise, onde leu: Platão, Hegel, Marx, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Freud, Bachelard, Lacan e outros, aprofundando-se em Kant, embora criticasse a noção do sujeito enquanto mediador e referência de todas as coisas, já que, para ele, o homem é produto das práticas discursivas.

Portanto é a partir dela que, se tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault (1984; 1986) para identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas” entre arqueologia e história das ideias, pode-se agora inverter o procedimento; pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral, correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores, dos livros ou dos temas. Metodologicamente importante para o que nos interessa, na medida em que o Autor, com o único fim de estabelecê-las trabalhou com algumas séries de noções (formações discursivas, positividade, arquivo), definindo um domínio (os enunciados, o campo enunciativo, as práticas discursivas), tentando fazer surgir a especificidade de um método que não seria nem formalizador, nem interpretativo, “pois já existem muitos métodos capazes de descrever e analisar a linguagem, para que não seja presunção querer acrescentar-lhes outro”, afirma. Além disso, ele já havia mantido “sob suspeita”, expressão que Foucault utiliza repetidas vezes hic et nunc, unidades de discurso como o livro ou a obra porque desconfiava que não fosse tão imediatas e evidentes quanto pareciam:

será razoável opor-lhes unidades estabelecidas à custa de tal esforço, depois de tantas hesitações e segundo princípios tão obscuros que foram necessárias centenas de páginas para elucidá-los? E o que todos esses instrumentos acabam por delimitar, esses famosos ‘discursos’ cuja identidade eles demarcam, coincidem com as figuras (chamadas ‘psiquiatria’ ou ‘economia política’ ou ‘história natural’) de que eu tinha empiricamente partido, e que me serviram de pretexto para remanejar esse estranho arsenal? Forçosamente, preciso agora medir a eficácia descritiva das noções que tentei definir. Preciso saber se a máquina funciona e o que ela pode produzir. O que pode, então, oferecer essa ‘arqueologia’, que outras descrições não seriam capazes de dar? Qual é a recompensa de tão árdua empresa”? (cf. Foucault, 1986:155-56).

Entre “análise arqueológica” e “história das ideias”, os pontos de separação são numerosos para Michel Foucault, A Arqueologia do Saber(1986), mas simplificadamente apresentam quatro distinções: 1ª) A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como documento, mas onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não busca um “outro discurso” mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”; 2ª) A arqueologia não procura encontrar a transição contínua e insensível que liga, em declive suave, os discursos ao que os precede, envolve ou segue.

O problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua especificidade; mostrando em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a qualquer outro; segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor salientá-los. Ela não vai, afirma, em progressão lenta, do campo do confuso da opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não é uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª) A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela não é nem psicologia, nem sociologia, nem, num sentido mais geral, “antropologia da criação”. A obra não é para ele um recorte pertinente, mesmo se se tratasse de recolocá-la em seu contexto mais global ou na rede das causalidades que a sustentam. Ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais, às vezes as comandam inteiramente e as dominam sem que nada lhes escape; mas às vezes, também, só lhes rege uma parte. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser de uma obra e princípio de sua unidade lhe é estranha.

Finalmente, a arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde Autor e obra troca de identidade; onde o pensamento permanece ainda o mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria identidade. Não se pretende apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita; isto é, na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto. (cf. Rouanet, 1971; Jalón, 1994; Zurek e Oliveira, 2002; Braga, 2006; 2008).

Dois anos depois, Foucault se licenciou em Filosofia na Sorbonne e no ano seguinte formou-se em psicologia. Em 1950 entrou para o Partido Comunista Francês – PCF, mas “afastou-se devido a divergências doutrinárias”. No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica. No mesmo ano tornou-se assistente na Universidade de Lille. Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades, na Alemanha, na Suécia, na Tunísia, nos Estados Unidos e em outras. Escreveu para diversos jornais e trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões. Viajou o mundo fazendo conferências. Em 1955, mudou-se para Suécia, onde conheceu Dumézil. Este contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault. Conviveu com intelectuais importantes como Jean-Paul Sartre, Jean Genet, Canguilhem, Gilles Deleuze, Merlau-Ponty, Henri Ey, Lacan, Binswanger, etc. Aos 28 anos publicou “Doença Mental e Psicologia” (1954), mas foi com “História da Loucura” (1961), sua tese de doutorado na Sorbonne, que ele se firmou como filósofo, embora preferisse ser chamado de “arqueólogo”, dedicado à reconstituição do que mais profundo existe numa cultura – arqueólogo do silêncio imposto ao louco, da visão médica, e ainda “O Nascimento da Clínica”, (1963), das ciências humanas “As Palavras e as Coisas”, (1966), do saber em geral: “A Arqueologia do Saber” (1969). Esteve no Brasil em 1965 para conferência à convite de Gerard Lebrun, seu aluno na rue d`Ulm em 1954. Em 1971 ele assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento. A aula inaugural teve como título: “A Ordem do discurso”.

Metodologicamente Foucault, entende que,

o silêncio, ou melhor, a prudência com que as teorias unitárias cercam a genealogia dos saberes seria talvez uma razão para continuar. Poderíamos multiplicar os fragmentos genealógicos. Mas seria otimista, tratando-se de uma batalha dos saberes contra os efeitos de poder do discurso científico – tomar o silêncio do adversário como a prova de que lhe metemos medo. O silêncio do adversário – este é um princípio metodológico, um princípio tático que se deve sempre ter em mente – talvez seja também o sinal de que nós de modo algum lhe metemos medo. Em todo caso, deveríamos agir como se não lhe metêssemos medo. Trata-se, portanto não de dar um fundamento teórico contínuo e sólido a todas as genealogias dispersas, nem de impor uma espécie de coroamento teórico que as unificaria, mas de precisar ou evidenciar o problema que está em jogo nesta oposição, nesta luta, nesta insurreição dos saberes contra a instituição e os efeitos de poder e de saber do discurso científico” (cf. Foucault, 1984:173-74, grifos meus).

Esta “genealogia” ou “arqueologia”, pois os dois termos são praticamente equivalentes que encontramos no título de vários livros de Foucault não é o relato de um desenvolvimento continuo, acumulativo, progressivo, mas a exumação de uma série de estratos heterogéneos e descontínuos. Lembramos que a observação que lhe fez Henri Gouhier a Foucault em 1961 sobre Folie et déraison era profundamente exata: o acusava de “pensar mediante alegorias”, de recorrer a “conceitos mitológicos: a Idade Média, a Renascença, a Época clássica, o Homem ocidental, o Destino, a Nada, a memória dos homens”. E agregava: “São estas personificações as que lhe permitem uma espécie de invasão metafísica na história e as que transformam em certo modo o relato em epopeia, e a história em drama alegórico, animando uma filosofia”.

 

Michel Foucault: um arqueólogo do saber.

Assim, a “arqueologia” que propõe Foucault se assemelha mais a uma “fábula conceitual” do que a uma investigação histórica fiável. O que, por certo, não teria nada de ilegítimo e poderia justificar-se perfeitamente: segundo os princípios mesmos do aparente “relativismo nietzschiano”, na falta de melhor expressão, que ele reivindica todo historiador nunca faz outra coisa que correr atrás de uma verdade inatingível e só chega a uma versão provisória da “fábula do mundo”. Mas por que, neste caso, apresentar seu trabalho de forma dogmática, como fazia Foucault em seus livros? Quando se observa com detalhe, se constata que apresentou também seus livros como ficções, o que supunha um meio muito cômodo de evitar responder às objeções efetuadas por historiadores a propósito de tal ou qual aspecto de sua produção.

Politicamente falando Foucault, entende ainda que se se deve falar do sexo, e falar publicamente, de uma maneira que não seja ordenada em função de uma demarcação entre o lícito e o ilícito, mesmo se o locutor preservar para si a distinção (é para mostrá-lo que servem essas declarações solenes e liminares); cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. Para ele, com o qual concordamos em gênero, “o sexo, não se julga apenas, administra-se” (cf. Foucault, 1984: 27). Está tudo aí: o sentido da verdade paraMichel Foucault.

O “cuidado de si” – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação das relações sociais. Sêneca dedica um consolo à sua mãe, no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma” que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas. Enfim, para sermos breves, é esse tema do cuidado de si, consagrados por Sócrates, que a filosofia ulterior retomou, e que ela acabou situando no cerne dessa “arte da existência”, no sentido da espécie, do “sentido da verdade”, que extravasando de seu quadro de pensamento em sua origem e se desligando de suas significações filosóficas primeiras, adquiriu progressivamente as dimensões e as formas de uma verdadeira “cultura de si”.

Por essa expressão é preciso entender que o princípio do “cuidado de si” adquiriu um alcance bastante geral: o preceito segundo o qual convém ocupar-se consigo mesmo é em todo caso um imperativo que circula entre numerosas doutrinas diferentes; ele mesmo tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constituiu assim uma prática social, dando lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber. Daí a aproximação genealógica, fora da perspectiva individualista, mas dentro da ênfase da vontade de saber.

Lembramos que foi o teórico social francês Pierre Joseph Proudhon o primeiro a esboçar “o conceito de que igualdade e justiça devem ser consumadas através da extinção do Estado e sua substituição por livres acordos entre indivíduos”. Grupos de anarquistas tentaram encontrar apoio popular em vários Estados europeus nas décadas de 1860 e 1870. Eles hostilizavam o marxismo afirmando que a tomada de poder pelos trabalhadores apenas perpetuaria a opressão. O anarquista russo Mikhail Bakunin fundou a Aliança Social Democrática (1868) tentando tirar os trabalhadores da “Internacional de Marx”. Anarquistas oscilavam entre as estratégias de associações espontâneas e de atos violentos contra os representantes de Estado. O presidente da França, o rei da Itália e a imperatriz da Áustria foram assassinados por anarquistas entre 1894 e 1901. Subsequentemente eles tentaram mobilizar a massa trabalhadora apoiando a Greve Geral Russa, que delineou as revoluções russas de 1905 e 1917. Sua influência na Europa declinou após o aparecimento dos Estados totalitários. Na última metade do século 20 o anarquismo atraiu terroristas urbanos comum puzzle para repensar as formas de habitat nas metrópoles.

O anarquismo individualista ou “anarco-individualismo” é uma tradição filosófica do anarquismo com ênfase no indivíduo, e sua vontade, argumentando que “cada um é seu próprio mestre”, interagindo com os outros através de uma “associação voluntária”. O anarquismo individualista refere-se a algumas tradições de pensamento dentro do movimento anarquista que priorizam o indivíduo sobre todo tipo de determinação externa, que ele é “um fim em si mesmo” e “não um meio para uma causa”, incluindo grupos, “bem-comum”, sociedade, tradições e sistemas ideológicos. O anarquismo individualista não é uma forma simplificada de pensar a filosofia, mas que se refere modus operandi para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. Dessemodus resulta que se refere ainda a um conjunto de filosofias individualistas que estão frequentemente em conflito umas com as outras.

Historicamente surge em primeiro lugar nos Estados Unidos, depois na Europa no século XIX, sendo aderido especialmente por autores e ativistas estadunidenses que formaram tradição individualista nativa. Também teve um desenvolvimento particularmente forte em 1920 na França e no Reino Unido. O anarquismo individualista não é uma filosofia simples, mas que se refere a um conjunto de filosofias individualistas que estão frequentemente em conflito umas com as outras. As primeiras influências sobre o anarquismo individualista foram os pensamentos de William Godwin, Henry David Thoreau com a “temática do transcendentalismo”, Josiah Warren “defendendo a soberania individual”, Lysander Spooner, Pierre Joseph Proudhon e Benjamin Tucker “focando no Mutualismo”, Herbert Spencer e Max Stirner e seu egoísmo. Além disso, os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco, cidade onde Foucault pode vivenciar algumas experiências marcantes em sua vida pessoal no que diz respeito à sua homossexualidade. Berkeley tornou-se um pólo de contato entre Foucault e os Estados Unidos.

Esta é uma das duas principais categorias em que se divide o anarquismo, sendo a outra o anarquismo coletivista. Acrescentemos que ao contrário do anarquismo comunista, o anarquismo individualista nunca foi um movimento social, mas um fenômeno filosófico/literário. O anarquismo filosófico, isto é, que não defende uma revolução para remover o estado, “é um componente especial do anarquismo individualista”.  Dentre as semelhanças dos diversos tipos de anarquismos individualistas,                                        estão, entre outros aspectos políticos: a) A concentração sobre o indivíduo e sua vontade sobre quaisquer construções, tais como moralidade, ideologia, costume social, religião, metafísica, ideias ou “vontade de terceiros”; b) A rejeição ou restrição sobre a ideia de revolução, vendo-a como um momento de revolta em massa que poderia trazer novas hierarquias.

Em vez disso, é a favor de métodos mais evolutivos de levar a anarquia através de “experiências alternativas” e conhecimentos que poderiam ser trazidos hoje. Isto também porque não é visto como desejável para os indivíduos o fato de ter de esperar pela revolução para começar a experimentar experiências alternativas fora do que é oferecido no sistema social vigente; c) O ponto de vista de que as relações com as pessoas e outras coisas “só pode ser do próprio interesse e pode ser tão transitório e sem compromisso como desejado”, já que anarco-individualistas normalmente rejeitam o sacrifício. Desta forma, Max Stirner “recomendou associações de egoístas”. Por isso a experiência individual e exploração são temas sempre enfatizados.

Do ponto de vista da etno-musicologia, vale lembrar que houve um crescimento no interesse popular ao anarquismo ocorrido durante os anos 1970 no Reino Unido após o nascimento do punk rock, em particular os gráficos influenciados pelo situacionismo do artista Jamie Reid, que desenhava para os Sex Pistols e o primeiro single da banda, “Anarchy in the UK”. No entanto, enquanto que a cena punk inicial adotava imagens anarquistas principalmente por seu valor de choque, a banda Crass pode ter sido a primeira banda punk a expor ideias anarquistas e pacifistas sérias. O conceito do anarcopunk foi assimilado por bandas como Flux of Pink Indians e Conflict. O co-fundador do Crass, Penny Rimbaud, disse que sentia que os anarcopunks eram representantes do punk verdadeiro, enquanto que bandas como os Sex Pistols, The Clash e The Damned eram nada mais do que “fantoches da indústria musical”.

Enquanto passavam os anos 1980, dois novos subgêneros da música punk evoluíram do anarcopunk: crust punk e d-beat. O “crust punk”, e seus pioneiros foram as bandas: Antisect, Sacrilege e Amebix. Osd-beat foram uma forma de música punk “mais bruta e rápida”, e foi criada por bandas como Discharge e The Varukers. Um pouco depois, na mesma década, ogrindcore desenvolveu-se do anarcopunk. Semelhante com o “crust punk”, porém ainda mais extremo musicalmente (utilizava blast beats e vocais incompreensíveis), seus pioneiros foram Napalm Death e Extreme Noise Terror. Paralelamente ao desenvolvimento desses subgêneros, muitas bandas da cena hardcore punk dos Estados Unidos tinham a ideologia anarquista, incluindo MDC e Reagan Youth.

Uma Instalação do artista Spencer Tunick (foto), nos Alpes Suíços, mostra vulnerabilidade do homem diante das mudanças climáticas. Seiscentas pessoas tiraram suas roupas em uma geleira nos Alpes Suíços para pedir ajuda de emergência para todo o planeta: lutar contra o aquecimento global. Os voluntários posaram para o Greenpeace na “instalação de nu” do renomado fotógrafo Spencer Tunick na geleira Aletsch. O aquecimento global está derretendo nossas geleiras e deixando todo o planeta vulnerável a mudanças extremas de clima, inundação, elevação do nível do mar, aumenta de doenças e deslocamento de populações. Se o aquecimento global continuar nos níveis atuais, a maioria das geleiras na Suíça desaparecerá completamente até 2080. Nos últimos 150 anos, geleiras alpinas tiveram uma redução de aproximadamente um terço de sua superfície e cerca de metade de seu volume. E o derretimento está mais acelerado a cada dia.

De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o mundo tem apenas oito anos para tomar alguma atitude para frear uma catástrofe climática. Sem uma mudança de atitude, os danos podem ser irreversíveis. Nunca antes a humanidade enfrentou uma crise ambiental como essa. As mudanças climáticas exigem decisões políticas rápidas e corajosas para radicalmente reduzir as emissões de gases de efeito estufa e estabilizar o aquecimento do planeta. Governos de todo o mundo precisam saber que as pessoas que eles representam exigem que tomem uma atitude. Conhecido em todo o mundo por suas instalações, Spencer Tunick quer que as pessoas saibam que aquecimento global não é um assunto abstrato, mas uma ameaça real e perigosa que afeta a todos nós: “Eu quero que as pessoas sintam a vulnerabilidade de sua existência e como isso está diretamente relacionado com a fragilidade das geleiras mundiais”, disse.

O site dinamarquês Sermitsiaq teve uma ideia ousada para registrar o aquecimento global. Eles instalaram uma câmera no glaciar Ilulissat, na Groenlândia. Você pode assistir ao vivo pela internet o processo de derretimento das geleiras de lá. Em tempo real. A geleira se move 22 metros por dia. Cada uma das fraturas da geleira pode ter uma parede de gelo com mil metros de altura. Se todas as geleiras como essa continuarem derretendo, o nível do mar pode subir 7 metros. Não vai acontecer do dia para a noite, como se pode ver na câmera do site. A transmissão ao vivo da geleira serve como conscientização para o problema do aquecimento global.

Com a popularização das teses políticas e ecológicas colocadas em pauta em parte do mundo ocidental, mais fortemente a partir dos anos 1960, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são: a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte-americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e, b) a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotado pelo “eco-guerrilha”, ou “sabotagem ecológica”, pela organização chamada Earth Firstinicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não violência, ação direta e “ecologia profunda”.

Para seus próceres a Earth First! foi fundado em 1979, em resposta a uma comunidade “ambientalista letárgica”, transigente e crescentemente corporativa,

tem uma conduta decididamente diferente em relação aos problemas ambientais. Nós acreditamos em usar todas as ferramentas disponíveis, se estendendo desde organizar o povão e o envolvimento no processo legal até a desobediência civil e a danificação de equipamentos. Earth First! é diferente de outros grupos ambientais. Aí estão algumas coisas para se ter em mente sobre o Earth First! e algumas sugestões para ser um Earth First!er ativo e útil: Primeiro de tudo, Earth First! não é uma organização, e sim um movimento. Não existem “membros” do Earth First!, somente Earth First!ers. É uma convicção no biocenrismo de que a vida (a Terra) vem primeiro, e um exercício de pôr as nossas convicções em ação. Embora haja uma ampla diversidade dentro do Earth First! (de vegans defensores dos direitos dos animais a guias de caças em selvas, de sabotadores a atentos seguidores de Gandhi, de gentalha bêbada da roça a filósofos pensativos, de misantropos a humanistas), há acordo em uma coisa, a necessidade de ação!”.

Murray Bookchin (1921-2006) foi um escritor anarquista estado-unidense, fundador da escola da Ecologia Social. Na juventude foi influenciado pelo marxismo e mais tarde derivou para o trotskismo, mas foi gradualmente ficando cada vez mais desiludido com a coerção que viu como inerente ao marxismo-leninismo. Em alguns meios ficou conhecido por fazer críticas devastadoras ao marxismo usando linguagem marxista convencional. Nos anos 1960 foi membro da Liga Libertária. Durante os anos 1950 e 60, Bookchin construiu sobre os legados da filosofia social utópica e da teoria crítica, mudando a primazia do marxismo na esquerda e ligou crises ecológicas e urbanas contemporâneas aos problemas do capital e hierarquia social em geral. Bookchin permaneceu um anticapitalista radical defensor da descentralização da sociedade. Foi influente no movimento antiglobalização. Em meados dos anos 190 fundou o municipalismo. Alguns dizem que neste momento rompeu com o anarquismo. Entretanto suas ideias são cada vez mais “uma flexibilização das ideias anárquicas”. Bookchin é o autor de alguns livros importantes, tais como: Anarquismo Pós-Escassez, A Ecologia da Liberdade, Sociobiologia ou Ecologia Social?, e outras obras tratando do “municipalismo libertário”.

O “Anarquismo Verde”, ou “Eco Anarquismo”, é uma corrente anarquista que defende, como qualquer outra corrente anarquista, um movimento contra a hierarquia e qualquer forma de autoridade social, mas que parte de um ponto de vista centrado na natureza e na sua relação com ela. A maior parte dos apologistas do anarquismo verde defendem uma perspectiva anti-civilização, apontando para uma realidade humana sem hierarquia como tendo uma origem natural e biológica. O seu discurso distingue-se normalmente das outras correntes pela sua crítica à tecnologia, produto da lógica de domesticação da sociedade patriarcal, como sendo social e politicamente parcial. O anarquismo verde defende assim uma relação estreita do homem com a natureza, em alternativa à economia da produção em massa onde ele desempenha uma pequena tarefa, reduzido ao trabalho desumano, na gigante máquina industrial, também referida como a megamáquina.

Práticas de liberação acontecem, produzem éticas e problematizam a política. Não acolhem formalizações, mas delas se desvencilham. Foucault reparava, nos anos 1970 e 1980, como as práticas de liberação gradativamente se domesticavam sob o regime de direitos com mais direitos, abandonando o que tinham de experimentação inovadora. Em A hermenêutica do sujeito registrou a importância filosófica e política dos anarquistas, no século XIX, em função da constituição de um sujeito autônomo e livre, inclusive ultrapassando estes limites, dando atenção, ainda que brevemente, a Max Stirner. Mas como tratar da parrésia e ser um parresiasta numa era de culto global à democracia e de captura da Anarquia? Foucault mostrava em seu curso O nascimento da biopolítica, que a democracia – nesta sociedade que já não era mais só disciplinar e que mais tarde Gilles Deleuze anunciou como sociedade de controle, de intermináveis controles -, ampliava conservadorismos políticos, penalidades e religiosidades. Então, um parresiasta se atualiza ao questionar a democracia não pela sua bula, mas pelo paradoxo que faz conviver crescimento de liberdades com ampliação de “assujeitamentos”; ao discutir os anarquismos diante de sua incorporação no interior de lutas democráticas.

O parresiasta é próprio da democracia ateniense e também da Anarquia contemporânea. Ele pratica a verdade como obrigação e exige franqueza; escolhe a fala em vez do silêncio; reconhece o risco de morte sobre a segurança; evita a lisonja; faz de sua atitude uma obrigação moral em vez de agir segundo uma conduta relativa ao próprio interesse ou ao aparato moral. No campo filosófico a parrésia está relacionada com o cuidado de si. A palavra parrésia, que apareceu primeiro na tragédia mais racional de Eurípedes, em latim se transformou em libertas (liberdade de quem fala). O anarquista não se prepara para a revolução. Ele pratica insurreições todos os dias, associando-se aos parceiros e experimentando outros costumes. A associação é o lugar da existência amistosa e conflituosa, estabelecida por pessoas contundentes, livres de regras fixas, constantes e imutáveis. Relaciona-se formando federações, compostas de miríades de associações que atravessam territórios, fronteiras e certezas. Os anarquistas são nômades, máquinas de guerra voltadas para destruir desigualdades, hierarquias e experimentar libertarismos. Eles inventam seus próprios percursos.

A Anarquia é “o exercício da diferença na igualdade”; é a obstrução a modelos, semelhanças, representações e programas. O anarquista não se prepara para a revolução. Ele pratica insurreições todos os dias, associando-se aos parceiros e experimentando outros costumes. A associação é o lugar da existência amistosa e conflituosa, estabelecida por pessoas contundentes, livres de regras fixas, constantes e imutáveis. Relaciona-se formando federações, compostas de miríades de associações que atravessam territórios, fronteiras e certezas. Os anarquistas são nômades, máquinas de guerra voltadas para destruir desigualdades, hierarquias e experimentar libertarismos. Eles inventam seus próprios percursos. A Anarquia é o exercício da diferença na igualdade; é a obstrução a modelos, semelhanças, representações e programas. Distinto da Académie que se compõe de quarenta membros conhecidos por Immortels, sendo que os novos membros são eleitos pelos mais antigos. Uma vez ingressado em seus quadros, ali permanece por toda a vida, podendo, entretanto, ser removido por conduta inapropriada.

O eco-anarquismo não é, simplesmente, anarquismo com preocupações ecológicas. Desde sempre que em toda a tradição anarquista houve, de alguma forma, uma crítica em defesa do ambiente. É a ideia de que a luta contra a exploração capitalista nos atinge-nos mais diversos modos, e que as pessoas ao não se organizarem em beneficio próprio, enfrentam a degradação, e o ambiente é uma dimensão desse assalto, que existe apenas para o beneficio materialista de alguns. O “anarquismo verde” vai um pouco mais longe do que isto, e considera esta análise, em relação ao ambiente, tão mecanicista como a análise do poder politico por parte dos anarco-sindicalistas. O anarquismo verde, mais do que defender um mundo aparentemente mais “verde”, ou certas expressões superficiais de uma natureza intacta defende uma integração absoluta e necessária no ecossistema, abandonando por completo os valores de comodidades liberais da sociedade autoritária.

Ainda mais importante que a criatura selvagem individual é a comunidade selvagem interconectada – a vida selvagem, o fluxo de vida não impedido pela interferência industrial ou pela manipulação humana. Estes temas gêmeos da interconexão e do valor intrínseco formam o âmago das ideias de pensadores ecológicos pioneiros tais como John Muir, Aldo Leopold e Rachel Carson, e são a base da ação dos Earth First!ers. Esta visão de mundo biocêntrica, oposta ao paradigma antropocêntrico da civilização (e à posição reformista dos grupos ambientais do mainstream), tem sido desenvolvida na filosofia da chamada “Ecologia Profunda” por filósofos como Arne Naess, da Noruega, John Seed, da Austrália, Alan Drengson, do Canadá e George Sessions, Bill Devall, Dolores LaChapelle e Gary Snyder, dos Estados Unidos, entre outros.

Arne Dekke Eide Næss (1912-2009) foi um filósofo e ecologista norueguês, inventor da teoria da ecologia profunda. Formado em filosofia em 1933, foi o professor mais jovem já contratado pela Universidade de Oslo, com apenas 27 anos. Næss iniciou seus estudos em ecologia no início da década de 1970 e em 1973 formulou o conceito de ecologia profunda onde afirma que a humanidade é como mais um fio na teia da vida, cada elemento da natureza, inclusive a humanidade, deve ser preservado e respeitado para garantir o equilíbrio do sistema da biosfera. Arne Naess era irmão mais novo do armador Erling Naess e tio do alpinista e multimilionário Arne Naess Jr. E ex-marido da cantora norte-americana Diana Ross.

John Seed é fundador e diretor do Centro de Informação Rainforest na Austrália. Desde 1979 ele esteve envolvido nas ações diretas, que resultaram na proteção das florestas australianas. Em 1984 ele ajudou a iniciar os EUARainforest Action Network, que cresceu a partir de seus primeirosroadshows muitos norte-americanos. Em 1987, ele coproduziu um documentário para a televisão nacional australiano sobre a luta pela floresta tropical. Uma história de primeira página sobre o trabalho de João noChristian Science Monitor, neste momento se referiu a ele como “o pregador para a aldeia global”.  Ele criou vários projetos que protegem as florestas tropicais em Sth América, Ásia e Pacífico através do fornecimento de projetos de desenvolvimento benignas e sustentável para os seus habitantes indígenas vinculados à proteção de suas florestas.

Estes projetos foram financiados pelo Governo Australiano ajuda agência AusAID, o Conselho Australiano das Igrejas e fundações diversas. Doações para projetos Rainforest Centro de Informação são dedutíveis na Austrália, EUA e Reino Unido. Ele escreveu e ministrou inúmeras palestras sobre “ecologia profunda” e vem realizando Conselhos de todos os seres e outras oficinas de reação da Terra ao redor do mundo durante 25 anos. Nos EUA, suas oficinas foram hospedadas por Esalen, Omega, Naropa e do California Institute of Integral Studies. Em 1995, ele foi condecorado com a Medalha de Ordem da Austrália (OAM) pelo governo australiano para os serviços de conservação e meio ambiente. Ele é membro da Fundação Findhorn e ocasional Scholar-in-Residence do Instituto Esalen.

Num sentido bastante concreto, os “anarquistas de estilo de vida” não são mais socialistas – defensores de uma sociedade libertária comunalmente orientada – e abstêm-se de qualquer comprometimento com um confronto social organizado e programaticamente coerente contra a ordem existente. Aventurismo ad hoc, ostentação pessoal, uma aversão à teoria estranhamente similar às tendências antirracionais do pós-modernismo, celebrações de incoerência teórica (pluralismo), um compromisso basicamente apolítico e antiorganizacional com a imaginação, o desejo, o êxtase e um encantamento da vida cotidiano intensamente voltado para si mesmo refletem o preço que a reação social cobrou do anarquismo euro-americano nas últimas duas décadas.

O ego – mais precisamente sua encarnação em vários estilos de vida – tornou-se uma idéia fixa para muitos anarquistas pós-1960, que estão perdendo contato com a necessidade de uma oposição organizada, coletiva e programática à ordem social existente. “Protestos” sem firmeza, traquinagens sem objetivo, a afirmação dos próprios desejos, e uma “recolonização” muito pessoal da vida cotidiana, são um paralelo aos estilos de vida psicoterápicos, new age, auto-orientados de “baby boomers” entediados e membros da Geração X. O anarquismo de estilo de vida, assim como o individualista, aporta um desdém para com a teoria, de ascendências místicas e primitivistas geralmente muito vagas, intuitivas, e mesmo antirracionais, analisadas friamente.

Sua linha ideológica, se entendermos que a ideologie, é “a relação imaginária do homem com as suas condições reais de existência” (cf. Braga, 2012), neste caso  basicamente liberal, fundamentada no mito do indivíduo completamente autônomo cujas reivindicações da própria soberania se valem de axiomáticos “direitos naturais”, “valores intrínsecos”, ou, em um nível mais sofisticado, do eu transcendental kantiano produtor de toda a realidade cognoscível. Louis Althusser é considerado um dos principais nomes do estruturalismo francês dos anos 1960, juntamente com Claude Lévi-Strauss, na Antropologia, Jacques Lacan, na Psicanálise, Michel Foucault, acerca da “genealogia do saber”, ou Jacques Derrida, do ponto de vista da “metafísica da presença” e outros, como aparece em Elementos de Autocrítica.

Porém, entendemos que Althusser não é estruturalista, enquanto aquele que apreende a realidade social como um “conjunto formal de relações”, pois seu pensamento é marcado fortemente por Benedito Spinoza, um dos grandes racionalistas do século XVII, dentro da chamada filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Marxista, filiou-se ao Parti communiste français, PCF – em 1948. Filiou-se ao PCF – Partido Comunista Francês em 1948. Em suas notas intituladas: “Seis iniciativas comunistas” (1977: 3 e ss.), afirma:

Agradezco al Círculo UEC de Filosofía de la Sorbona el haberme invitado a este debate. Se e há dejado en libertad de escoger mi tema.Y he pensado que no había hoy, en Francia, no sólo ya para los comunistas, sino incluso para todos aquellos que quieran acabar con la ditadura de la burguesia, con su explotación, su opresión, su cinismo y sus mentiras, tema más importante que el del XXII Congreso del Partido Comunista Fancés. Presentaré, pues, una serie de breves observaciones sobre la repercusión del XXII Congreso”(Althusser, 1977: 3).

Em seu ensaio – Novos Escritos – La crisis del movimento comunista internacional frente a la teoria marxista (1978) disserta sobre algumas questões da crise da teoria marxista e do movimento Comunista Internacional:

Me siento muy honrado y emocionado de poder hablar ante todos vosotros, gracias a la amable invitación del Colegio de Aparejadores y Arquitectos Técnicos de Catalunha. Es esta la tecera vez que hablo em España. La primera vez fue en Granada, en Pascua del 76. Pronuncié una conferencia sobre si se tenía o no derecho a hablar de la existência de una filosofia marxista. La segunda vez, fue unos días más tarde en Madrid. Pronuncié la misma conferencia. Cada vez hubo varios miles etudiantes. En Granada había demasiada gente para un debate público. Em cambio, en Madrid la disposición del local permitia la discusión, a pesar de la gran cantidad de estudiantes. Se me hicieron preguntas sobre la situación política francesa e española, sobre el abandono de la ditadura del proletariado por el XXII Congreso del partido francês. Contesté a todo, pero tuvo la impresión de que uma gran parte delos oyentes opinaban que mi conferencia era demasiado filosófica y no lo suficiente política” (cf. Althusser, 1978: 9).

Quatro anos depois se tornou professor de Filosofia da Ecole Normale Supérieure. Em 1946 Althusser conheceu Hélène Rytmann, uma revolucionária de origem judaico-lituana, oito anos mais velha. Ela foi sua companheira até 16 de novembro de 1980, “ano em que foi estrangulada pelo próprio Althusser, num surto psicótico”. As exatas circunstâncias do ocorrido não são conhecidas – uns afirmam ter se tratado de um acidente; outros dizem que foi um ato deliberado. Althusser afirma não se lembrar “claramente do fato”, alegando que, “enquanto massageava o pescoço da mulher, descobriu que a tinha matado”. A justiça considerou-o inimputável no momento dos acontecimentos e, em conformidade com a legislação francesa, foi declarado incapaz e inocentado em 1981.

Cinco anos mais tarde, em seu livro L`avenir dure longtemps, Althusser refletiu sobre o fato, pretendendo reivindicar uma espécie de “responsabilidade por seus atos” quando do assassinato, o que gerou um puzzle entre seus correligionários e detratores, sobre tal responsabilidade “ser filosófica ou real”. Althusser não foi preso, mas foi internado no Hospital Psiquiátrico Sainte-Anne, onde permaneceu até 1983. Após esta data, ele se mudou para o norte de Paris, onde viveu de forma reclusa, vendo poucas pessoas e não mais trabalhando, a não ser em sua autobiografia. Louis Althusser morreu de ataque cardíaco em 22 de outubro de 1990, aos 72 anos. Foi um filósofo francês de origem argelina como o fora Jean-Paul Sartre. Seu nome nasceu de uma homenagem ao seu tio paterno. Segundo o filósofo, sua mãe pretendia casar-se com esse tio, mas, após a morte deste e apenas em função disso, casou-se com o pai de Althusser. Sem “pai na teoria”, seu nome advém de forma “postiça” no plano psicológico.

Do ponto de vista filosófico hic et nunc estas tradicionais visões vêm à tona no “eu” ou no único (ego) de Max Stirner, que tem em comum com o existencialismo a tendência a absorver toda a realidade em si mesmo, como se o universo girasse em torno das escolhas do indivíduo auto-orientado. Ao negar as instituições e a democracia, o anarquismo de estilo de vida isola-se da realidade social para que assim possa esfumar-se com uma fútil raiva ainda maior, continuando, por meio disso, a ser uma travessura subcultural para ingênuos jovens e entediados consumidores de roupas pretas e pôsteres excitantes.

Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa atividade consagrada “a si mesmo”. Ela não constitui um exercício da solidão; mas sim uma verdadeira prática social. E isso, em vários sentidos. Mas toda essa aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas, do ensino e dos profissionais da direção da alma; ela encontrava, facilmente, seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de obrigação. Quando, no exercício do “cuidado de si”, faz-se apelo a outro, o qual se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um direito; e é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda a outro ou quando se recebe com gratidão as lições que ele pode dar. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a ajuda do outro inserir-se em relações preexistentes às quais ele dá uma nova coloração e um calor maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação das relações sociais. Sêneca dedica um consolo à sua mãe, no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma” que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas.

O poder, que sempre existirá, pertencerá ou ao coletivo, em uma democracia cara-a-cara e claramente institucionalizada, ou aos egos de poucos oligarcas, como ainda ocorre nesse pobre país que tem reproduzido uma “tirania das organizações sem estrutura”. O isolamento do “anarquismo de estilo de vida” e seus fundamentos individualistas devem ser considerados responsáveis por restringir o desenvolvimento do ingresso de um potencial movimento libertário de esquerda numa esfera pública cada vez mais reduzida. A bandeira negra, que os revolucionários defensores do anarquismo social levantaram nas lutas insurrecionais na Ucrânia e Espanha, torna-se agora um “sarongue” da moda, para deleite de chiques pequeno-burgueses e idiotas maníacos assexuados ávidos pelo poder como vemos aqui e agora.Veillons!

Bibliografia geral consultada:

BRAGA, Ubiracy de Souza, “Prolegômenos sobre o “cuidado de si”, de Michel Foucault”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 23 de dezembro de 2006; Idem, “Notas sobre o sentido da verdade em Michel Foucault”. Disponível em:http://www.secundoneto.blogspot.com. Francisco Secundo da Silva Neto, Editor, 16 de março de 2008; Idem, “Os AIE revividos. O present perfect de Louis Althusser”. Disponível em:http://www.oreconcavo.com.br/2012/01/05/os-aie-revividos-o-present-perfect-de-louis-althusser/; PROKOP, Dieter, Massenkultur und Sponteneität Zur veränderten Warenform der Massenkommunikation im Spätkapitalismus. Surkamp Verlag; Frankfurt am Main, 1974; DEFERT, Daniel, Informação biográfica e cronologia  para Dits et écrits de Michel Foucault (vol. 1, 1995); Cf. também a relação que é apresentada no site www.michel-foucault-archives.fr.; CERTEAU, Michel de, La prise de parole. Paris: Seuil, 1968; BLANCHOT, Maurice, Michel Foucault tel que je l`imagine. Montpellier: Fata Morgana, 1986; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, A Arqueologia do Saber. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1986; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1977. Volumes 1 e 3; Idem, A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, 1979; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984a; Idem, “Deux essais sur le sujet et le pouvoir”. In: DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul, Michel Foucault, un parcous philosophique. Paris: Gallimard, 1984b; Idem, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Petrópolis (RJ): Vozes, 1987a; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987b; Idem, Nietzsche, Freud e Marx. Theatrum Phifosoficum. 4ª edição. São Paulo: Editora Princípio, 1987c; Idem, Em defesa da sociedade: curso do Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999; Idem, Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas(Org. e seleção de textos: Manoel Barros da Motta). Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2000a; Idem, Estratégia, Poder-Saber (Org. e seleção de textos: Manoel Barros da Motta). Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2000b; Idem, “Coraje y verdad”. In: ABRAHAM, Tomás, El último Foucault. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2003; pp. 263-406; Idem, “L’éthique du souci de soi comme pratique de la liberte”. In: DEFERT, Daniel; EWALD, François (Orgs.).Dits et écrits. Paris, Gallimard, v. IV, 1994, pp. 708-729; Idem, “É inútil revoltar-se?”. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Michel Foucault. Ética, sexualidade, política. Coleção: Ditos e Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 77-81; GRAEBER, David, Fragments of an Anarchist Anthropology. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2004; BOOKCHIN, Murray,“Anarquismo Social ou Anarquismo de Estilo De Vida”. Disponível em:http://www.anarkismo.net/article/; HOBSBAWM, Eric, Bandidos. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1975; Idem, Rebeldes Primitivos: Estudos de formas arcaicas de movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, entre outros.

Anarco-Primitivismo

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Fonte: Epifenômenos

Por John Zerzan
 
 
 
 
Uma mudança é definitivamente essencial para o que a filosofia da anarquia significa. Em paises como Inglaterra, França e Turquia assim como nos Estados Unidos, existe um crescente interesse em o que é chamado anarco-primitivismo. Publicações americanas como por exemplo, Anarchy, Fifth State e Feral refletem esta mudança. Assim como Green Anarchist e Do or Die! na Inglaterra.
 
Aqui está um olhar, de uma perspectiva Americana, sobre o movimento.
 
1. Existe uma profunda crise em todos os níveis; individual, social, ambiental. O câncer do capitalismo tecnológico esta se expandindo com um impacto devastador.
 
2 . Liberalismo, esquerdismo, pacifismo são faces de uma falida pseudo-oposição a ordem dominante. A única oposição radical é a anarquia.
 
3. A anarquia é cada vez mais militante. Sabemos que aproximações por métodos manipuladores e submissão são falsos. Se nós e o planeta desejamos sobreviver e nos tornar livres, devemos quebrar as regras e revidar.
 
4. A anarquia é cada vez mais primitivista. Sabemos que a tecnologia não é “neutra”, e incorpora o sistema sugador de vidas que esta nos cercando. Civilização, que é baseada na divisão de trabalho e domesticação, também deve ser abolida. Sua lógica desdobradora tem nos levado para a atual condição de vazio, destruição e patologia.
 
5. Nosso objetivo é uma comunidade não-hierárquica e face a face. Todo obstáculo para tal deve ser removido. Um grande desmantelamento é necessário para que a natureza e cada individuo seja honrado. A descentralização completa é o objetivo.
 
6. Tecnologia e capital a uma monocultura massificada que escraviza toda vida. Produção em massa, fabrica, especialização, pensamento separatista é parte do problema, e não da solução.
 
7. Livre associação, autonomia, transparência, espontaneidade, comunhão com a natureza, diversão, criatividade são requisitos para uma existência saudável e livre. Produtividade, hierarquia, coerção, trabalho, consciência de tempo não.
 
8. Se nossa missão e nossa visão parece loucura, quão mais louco é não fazer nada efetivo para impedir a marcha mortal da compra e venda global? No futuro uma criança pode perguntar: “Como você deixou tudo isso chegar a esse ponto? O que você fez para parar?”
 
9. Com a infelicidade difundida está exposto muito das mentiras e condicionamentos que defende este sistema de não futuro, vemos que um diálogo aberto entre todos é essencial.
 
10. Voto, programas de reciclagem, reformismo, e protestos não têm conseguido realmente nada. Tem que haver um rompimento qualitativo com a Mega-maquina.
 
De que lado você está?
 
 
 
John Zerzan – Anarchist Action Collective, PO Box 11703, Eugene, Oregon 97440, USA

Ecologia Social é Pelegagem!?

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Fonte: Nodo50

A Ecologia Social é pelegagem ou a Pedagogia Libertária é mera retórica, para um falar e agir intelectualmente “confortante”?

Todas as idéias novas e constatação de fatos quando concebidos ou descobertos, a princípio, sempre são recebidos com a “desconfiança” do preconceito e a sua decorrente animosidade e desvalorização. Isto para apresentar uma forma mais amena de contrariedade.

Vide o que ocorreu com “livres–pensadores” como Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei na assim chamada idade média. Homens que podem representar o advento da série de questionamentos em diversos setores do saber e na visão de mundo que desembocou no “Renascimento” cultural e a redescoberta do próprio Ocidente.

No caso de Copérnico foi uma profunda e radical mudança de paradigma, chamada de revolução Copernicana, que consistiu na teoria de que a terra move-se em torno do sol e não o inverso, que era postulado dogmaticamente pela igreja. Consiste na oposição do geocentrismo da igreja ao heliocentrismo de Copérnico, pela qual a detentora do monopólio ideológico perdia, e perdeu, muito de sua influência e poder.

Em seguida, com o “Renascimento”, como autoproclamado pelos estetas da época, surgiram novos paradigmas como o antropocentrismo, que colaborou para a desconstrução do teocentrismo até este momento dominante neste processo de transformações do Ocidente.

Decorreu em seguida o mercantilismo, a reforma protestante e o racionalismo cartesiano, de base “mecanicista” e etc. sendo que este último erigiu–se como uma “nova moral religiosa da modernidade” e sua conseqüência direta foi uma visão extremamente utilitarista do mundo, subordinando–o à sua lógica “analógica”, “analítica” e “digital”, antes da cibernética, com os seus: racional ou irracional, certo ou errado, lucrativo ou não.

Este tipo de visão tem como prioridade secionar, atomizar o conhecimento e a sua experiência. Ele vê as partes de uma árvore ao invés da árvore, ou de um bosque. “Adestra” a visão do homem em relação ao mundo e à “natureza”, das coisas a uma determinada lógica. Este paradigma gera um “conforto”, uma “conformidade” do pensamento no que ele poderia inspirar de reflexões mais instigantes, obscuras e ansiosas, pois as grandes questões não-eleitas como utilitárias ou importantes, e a própria reflexão sobre esses valores, são deixadas de lado. É um “conforto” que gera “conformismo” intelectual e pensamento estático. Ela divide, escrutina, separa, seciona o conhecimento e conquista o imaginário social diminuindo o poder de intervenção e elaboração simbólica de outros saberes como as culturas e tradições ancestrais em relação à natureza, sua ética e visão do mundo e para com o mundo.

Estamos numa época de profundos conflitos, gerados pela “globalização”. Também dentro desta conjuntura há o florescimento, e o resgate de outras visões de mundo, ou o surgimento de outras. Podemos afirmar que estamos caminhando, se não houver nenhum “acidente”, para uma provável nova “revolução Copernicana”. Mas deixemos este ponto para mais adiante. Falemos agora das polêmicas surgidas dentro do “movimento libertário” a partir destas novas conjunturas.

Com a derrocada dos regimes do capitalismo estatal, como ex–URSS e leste europeu, ou seja, o fim da “guerra fria”, com o mundo todo se tornando um imenso burgo lamacento, onde espaços antes ocupados no imaginário social, e antes de tudo nos movimentos sociais, em que esquerda fetichizava o operário industrial urbano e colonizava com o seu programa outros setores, tais como camponeses, favelados e contestações de fundo étnico, dando–lhes uma dinâmica monolítica e unidimensional, e com a falência deste projeto, novos movimentos e alternativas começaram a surgir ocupando estes espaços, dentro de uma enorme multiplicidade. Estes movimentos são de todos os tipos e aspectos. Muitos são meras reivindicações como princípios em si mesmos, como o movimento dos consumidores “conscientes”. Outros de perfil que poderíamos chamar “não rigidamente” de “libertários”. E muitos outros fundamentalistas, como os religiosos, nacionalistas e “Nazis”.

Dos anos 60, séc. XX, até a atualidade, popularizou–se a revalorização das teses e práticas “libertárias anarquistas”, o surgimento e valorização de movimentos étnicos, indígena e negro por exemplo, de gênero e anti–patriarcais, gays, lésbicas e mulheres, e a verdadeira “febre”” que é o “movimento ecológico internacional”, sendo isto, em muito, herdeiro de um arcabouço teórico de origem anarquista, tendo como exemplo evidente a obra “Campos, fábricas e oficinas”, de Pedro Kropotkin, e um dos seus lemas mais importantes é sintomático em relação a isto, “pensar globalmente, agir localmente”. Apesar deste florescimento de movimentos, ousadias intelectuais e ativistas, o mundo não se tornou uma grande “aldeia–livre”.

Estas novas concepções, e as resgatadas, de movimentos e visões de mundo ainda estão sendo digeridas, e talvez o seu pleno potencial ainda seja embrionário e contraditório. Conflitos entre estes elementos não foram totalmente superados, e isto somente a prática social quotidiana poderá silenciosamente responder.

Para assinalar a partir do campo da ação e reflexão anarquista pode ser exemplificada brevemente ao nível geral a polêmica surgida recentemente a respeito da Ecologia social e da Ecologia profunda. Tentar-se-á tratar deste tema como um todo.

Com a popularização das “teses” políticas e ecológicas colocadas em pauta em todo mundo, mais fortemente a partir dos anos 60, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte–americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotada pela “eco-guerrilha”, ou sabotagem ecológica, pela organização chamada Earth First!, “A Terra Primeiro!”, fundada inicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não–violência, ação direta e ecologia profunda.

Entre estas duas vertentes existe uma certa animosidade mútua principalmente no campo teórico, já que a militância da EF! é mais forte e contem muitas individualidades e organizações ácratas. A EF! acusa os ecologistas sociais de excessivamente “antropocêntricos”, preocupados apenas com a remediação dos problemas ecológicos, vendo apenas uma parte da vida, o homem, e não atentando para o todo do planeta, a Mãe Terra, categoria forte na EF!. Da parte dos Ecologistas sociais, aviso, nem todos de matriz anarquista já que a ecologia social se pretende enquanto uma das diversas subdivisões da ciência, acusam a Ecologia profunda de misantrópica, alienada das questões sociais e excessivamente “biocêntrica”. Na linha de frente desta crítica está o próprio M. Boockchin. Como podem ver, está formada uma querela. Embora o próprio M. Boockchin no seu trabalho “Por uma ecologia social”, reconheça a proximidade nos últimos tempos da EF! com a IWW, órgão sindical de orientação libertária, fato deveras inovador neste país onde o sindicalismo tem a tendência e tradição de ser corporativo e atrelado ao paradigma do credo industrial capitalista.

Para complicar um pouquinho mais este quadro, há a posição de setores anarco–sindicalistas portugueses da FAI que acusam os signatários das teses do Boockchin de “neo–anarquistas” de direita, que abandonaram “a luta dos trabalhadores”. Fazendo uma breve análise destas questões, no caso específico dos anarco–sindicalistas, existe um equívoco em relação a este assunto. Primeiro por que estes não consideram estas questões. As suas avaliações são realizadas em categorias cristalizadas, desconectadas com o real, feitas na maioria das vezes de forma apriorística, e não que os companheiros sejam obrigados a uma “concordância” inexorável e a se tornarem PhDs em ecologia social, mas um pouquinho de sensibilidade e menos ortodoxias ajudariam bastante a sensibilizarem–se a novas e pertinentes questões. Talvez em Portugal seja um pouco como no Brasil. Em segundo, o anarco–sindicalismo ainda está atrelado ao paradigma da “luta econômica industrialista”, sendo que é observado que esta tendência e as suas organizações não são mais um movimento preponderante, e nem representam mais uma alternativa concreta de transformação social. Sua preocupação primordial é promover a luta econômica industrial com tintas “anárquicas”, mas estes hoje apenas sobrevivem em formas mumificadas e em discursos radicalmente ultrapassadas, convertendo–os assim em ortodoxos.

Em relação à dicotomia Ecologia Profunda e Ecologia Social, a questão às vezes é meio espinhosa, mas mesmo assim há de se aprender muito com a prática e a teoria das duas vertentes. A princípio, deve-se observar e esclarecer que no caso da Ecologia social esta não consiste numa organização e sim em uma elaboração teórica e proposta, como tantas outras teses anarquistas: o apoio mútuo, a desobediência civil, a ação direta, a autogestão etc. Nos EUA esta prática habita duas esferas: a acadêmica, como uma espécie sui generis de transdiciplinaridade, e o ponto programático, idéia-força, tese e princípio dos grupos organizados anarquistas. Porém existem grandes polêmica sobre os limites desta última esfera por parte de outros ecólogos sociais.

No caso da Ecologia Profunda, esta pode ser considerada como um conjunto de princípios éticos sobre toda forma de vida no planeta, seja humana ou não-humana, como são trabalhadas as categorias de discurso por parte dos ecólogos profundos. Como foi dito antes, a principal organização política que adota esta teoria é a já referida EF!, mas também há a incorporação de pequenos grupos pacifistas e de direitos e liberação animal.

A EF! advoga uma profunda transformação nas estruturas econômicas, políticas e das mentalidades. As suas “ações diretas” de eco-sabotagem são contra os agentes diretos da poluição e depredação da natureza. O alvo principal é o grande capital das megacorporações transnacionais e também nacionais. Tem se observado que nos últimos anos, nas fileiras da EF!, tem crescido bastante o número de militantes de orientação anarquista.

Visto isso, pode-se interpretar que as posições de luta pela melhoria da qualidade de vida das comunidades humanas com uma conseqüente transformação “profunda” da sociedade a pressupostos de defesa de quaisquer formas de vida e seus ecossistemas não são contraditórios e nem oponentes. A dicotomia entre antropocentrismo e biocentrismo é falsa. Mas ocorre um fato além da vaidade e briga por espaço político. Acontece realmente que adeptos da Ecologia profunda, eventualmente, e alguns setores, têm a tendência há um certo “fundamentalismo biológico preservacionista”, e talvez isto seja reflexo das proposições do próprio Foreman. Mas o seu empenho ativista, dedicação e base ética bem constituída na esfera da condução filosófica do ativismo, são invejáveis, mesmo se estes ainda engatinharem na clareza de sua análise social para a “comunidade humana”. Enquanto que com a ecologia social, esta tem claras e objetivas propostas em relação ao social, mas apenas principia-se em uma visão mais holística com outros elementos vitais ao ser humano e à vida. Prendem-se a vícios do passado que também atrapalham com que esta visão se amplie.

Estas teses e proposições ideológicas, metodológicas, filosóficas, científicas, práticas e éticas devidamente criticizadas são possivelmente intercambiáveis aqui no Brasil. Jamais devemos ser certos de nossas certezas em demais pois isto atrofia a prática, esteriliza a reflexão e dogmatiza o espírito, mas mesmo assim nas condições tropicais brasileiras talvez seja possível florescer uma “Ecologia social de visão profunda” como uma linha de interpretação do mundo e linha de ação. O nosso patrimônio biológico, multicultural, humano e social podem contribuir muito para com a nossa própria sociedade e por que não com o próprio planeta. Esta temática e este tipo de proposta com certeza enfrentaram (e enfrentam) resistências infundadas ou talvez preconceituosas.

Dado que os anarquistas brasileiros, muitos, mas não todos, sofrem de uma estranha doença “da auto-afirmação”, depois de anos de inação e auto-enclausuramento em conventos culturalistas, agora que estes estão começando a despertar para a ação nas gerações mais recentes sofrem desta estranha patologia, que é repetir retoricamente um anarco-comunismo datado combinado aos vícios da visão anarco-sindicalista com práticas de análise em “dogmatismos principistas” da esquerda tradicional. Mas esta crítica está associada apenas aos reprodutores da “velha escola” e “culturalistas de classe média” por que já existe uma nova geração composta de elementos sinceros e tolerantes que estão trabalhando para alavancar as lutas sociais vitais para a nossa sociedade.

Pois é nítido, empiricamente comprovado, que o paradigma cartesiano-mecanicista, “industrialista” e utilitarista-econômico hoje, com o processo de globalização, porá em cheque a humanidade e quaisquer formas de vida ameaçando severamente a Mãe Terra.

A militância libertária para este princípio de terceiro milênio além de não transigir com os seus princípios vitais incorporados nas lutas populares, deve ter uma atuação prática dentro de uma visão multidimensional, ou seja, signatária de novos paradigmas Holísticos e transdiciplinares filosóficos-científicos como também otimisadores de outras tradições, saberes; o intuitivo com o racional conjugado com os saberes populares e comunitários, e também dos saberes milenares dos povos ancestrais “originários”, africanos, indígenas e etc. Pois urge cada vez mais o rompimento com as metafísicas mistificadoras religiosas tanto quanto com os vícios e males do materialismo. Deixemos isto para o marxismo.

Neste tempo de demanda por transformações politico–sociais, é contatado que novas formas de conhecimento como a ecologia, que por acaso significa o “estudo da casa”, ou seja ambiente, universo, requer o trabalho sócio-cultural da consciência ambiental irmanado com a questão econômica. Economia significa administração da casa, do ambiente. Para continuarmos a viver e não meramente sobreviver como humanos devemos entender e lutar por quem vai “administrar”, respeitar ou arrumar a casa. Nós todos ou uma casta genocida?

Tanto se fala entre os anarquistas brasileiros e outros ativistas populares na defesa de uma concepção de acordo com a cultura popular brasileira e latino-americana e se faz tão pouco para implementá-la. O paradigma Holístico é uma janela que se abre para esta questão.

Afinal de contas o termo libertário hoje é um conceito muito amplo. Ele não é mais de nenhuma forma monopólio dos anarquistas, devemos ter consciência disto, pois dentro dos próprios princípios dos “autonomistas” europeus, por exemplo, admite-se que em outras culturas, de outros continentes surjam formas diversas de “libertários”. Os “Resistentes”, “Magonistas” e “Zapatistas” podem enquadrar-se neste caso, ou seja, sermos globais, internacionalistas, sem esquecermos de quem somos ou dos nossos rituais culturais comunitários.

O que se entende por “libertários” são aqueles que lutam e ao mesmo tempo têm como princípio a liberdade. Isto dado não apenas numa forma idealizada e abstrata, metafísica, e sim com práticas concretas como, ação direta, descentralização, democracia direta horizontalizada, fóruns coletivos públicos de deliberação e federalismo. Dentro destes princípios existe hoje uma grande multiplicidade de correntes e movimentos sociais adeptos tais como os autonomistas, movimento Zapatista no México, movimento Okupas na Espanha, movimentos ecológicos, ação global dos povos, movimentos indígenas etc. Somente dialogando apoiando, agindo conjuntamente e incentivando estas iniciativas contra o verdadeiro adversário da humanidade que é o capitalismo “globalitarista” promotor de guerras, genocídios e ecocídios, somente através de alianças em “rede” e horizontalizadas que as pessoas poderão resistir “globalmente.”

Desconstruindo quaisquer formas de obscurantismos, mentalidades confortantes e acomodadas mal-disfarçadas de principismo, poderá se construir uma democratização econômica com a descentralização produtiva, com gestão comunitária em rede gerando empregos saudáveis e para todos em oposição às concentrações da produção industrial que é hierárquica, sexista, anti-humana e poluidora. Características típicas da economia capitalista.

Pode-se afirmar que a vida na terra seja humana e não-humana, seja comunitária e que os ecossistemas estão além do que nossas arbitrárias medidas de valores supõem.

Para esclarecer melhor o que foi discutido neste ensaio é recomendada a leitura de obras dos autores clássicos tais como Petr Kropotkin, os irmãos Reclus e de autores recentes como Felix Guatarri, Cornelius Castoriadis, Fritjof Capra, Michel Foucault, Arne Naess, Murray Boockchin, Lewis Munford e Pierre Clastres.

Concluindo, para se trabalhar de forma concreta a consciência ambiental e ecológica, de nossa casa que é o mundo, com um processo de aprofundamento da tomada de consciência social é pertinente se trabalhar na educação popular incluindo na sua área temática e didática a educação ambiental. E esta Educação popular pode apoiar-se no seguinte tripé temático: pedagogia libertária, estudo e aplicação da ecologia social mesclada à ecologia profunda e práticas técnicas para a melhoria direta da comunidade feita em regime de mutirão.

A pedagogia libertária é a educação na vida e a ecologia é a ética na ciência conjugando um “modo de vida” voltado para a vida.

Coletivo Domingos Passos – São Gonçalo, 2001.

[Curdistão] Surge uma Guerrilha Anarquista em Rojava

Postado em Jornal Bandeira Preta, Contrainformação Anarquista
Por JBP, em 06 de fevereiro de 2015
Fonte original: SOSYAL SAVAŞ

(Bandeira anarco-ecologista)

(Bandeira anarco-ecologista)

Recentemente um grupo de anarco-ecologistas da Turquia e outro da Espanha, assim como anarco-ecologistas de vários lugares do mundo, conjuntamente, somaram-se as Forças Unidas de Libertação (BOG), ”Birleşik Özgürlük Güçleri”, de Kobane (Rojava), formando uma frente internacionalista de combatentes anarquistas e comunistas.

Eles fizeram um chamado não só para anarquistas de varias tendências de todo o mundo, mas também a libertários, ecologistas e anti-capitalistas, a se somarem à luta e ao apoio desta revolução social. Cada um com sua língua e cor, através da auto-organização e solidariedade, mobilizando-se em rebeldia.

A guerrilha anarquista se comprometeu em continuar apoiando a defesa de Kobane e Rojava como um todo, assim como ajudar na reconstrução da vida comunal no local recém liberado.

O teórico que deu origem ao “Confederalismo Democrático”, a proposta revolucionária sendo atualmente implantada em Rojava, foi Murray Bookchin, um famoso ambientalista bem próximo dos ideais anarquistas, que escreveu sobre o “Municipalismo Libertário”.

(A cidade de Kobane, destruída após a batalha contra o “Estado Islâmico”)

(A cidade de Kobane, destruída após a batalha contra o “Estado Islâmico”)

(Anarquistas e comunistas somando forças para uma frente internacionalista em Rojava)

(Anarquistas e comunistas somando forças para uma frente internacionalista em Rojava)

Nós os Ecologistas, nós os Anarquistas

bookchin

Fonte: Protopia

Murray Bookchin

Hoje em dia, nossa relação com o mundo natural está atravessando uma fase crítica que não tem precedente na história da espécie humana. Estudos recentes sobre o “efeito invernal” (esfriamento global?) conduzidos nos Estados Unidos, demonstram que temos que encontrar desde agora a maneira de fazer diminuir a porcentagem de monóxido de carbono presente na atmosfera na qual vivemos. Caso contrário, não somente ocorrerão graves mutações químicas, como também a própria sobrevivência da espécie humana estará em grave perigo.

Não se trata nada mais do que de um problema de contaminação pelos venenos com os quais nos alimentamos. A alteração dos grandes ciclos geoquímicos poderia por fim à vida humana sobre este planeta. De minha parte estou consciente da necessidade de reagir imediatamente para neutralizar os processos que estão deteriorando a Terra. Sou totalmente solidário à muitos grupos ambientalistas, e nos últimos 30 anos tenho estado envolvido cotidianamente em atividades para a defesa do ambiente: contra usinas nucleares, contra a construção de novas estradas, contra a destruição do solo e o uso descontrolado de pesticidas e de biocidas, e pela promoção da reciclagem e de um crescimento qualitativo, não só quantitativo.

Estes problemas ambientais têm me preocupado por anos e décadas, tanto quanto atualmente continuam me preocupando. Estou de acordo com vocês sobre a necessidade de bloquear os reatores nucleares e de por fim à contaminação da atmosfera, das terras agrícolas e dos cultivos, ou seja, de libertarmo-nos dos venenos que se estão difundindo por todo o planeta e que põem em perigo a nossa espécie e toda a vida. Compartilho com vocês tudo isso, mas gostaria de ir um pouquinho mais além com nossos Plateamentos.

De fato penso que é essencial o empurrar sempre mais além o nosso questionamento, porque não podemos seguir pondo mais remendos (parches) aqui e ali que não resolvam os verdadeiros problemas. Possivelmente conseguimos um dia fechar uma fábrica que polui (inquina) a atmosfera. Mas no fim, o que conseguimos? Uma nova usina nuclear. Vivemos em um mundo baseado em intercâbios e contrapartidas, e seguimos nos comportando de acordo com essas leis. Definitivamente, passando de um mal maior a um mal menor, e de um mal a outro mal, seguimos piorando a situação geral. Não se trata só de uma questão de usinas para a produção de energia – por mais importante que elas sejam -, nem tampouco o problema dos gases poluentes, nos danos que causamos à agricultura, ou o congestionamento e poluição dos centros urbanos.

O problema é outro mais grave: estamos simplificando o planeta. Estamos dissolvendo os ecossistemas que se formaram em milhares de anos. Estamos destruindo as cadeias alimentares. Estamos rompendo as ligações naturais e levando o relógio evolutivo a um atraso de milhões de anos no tempo. Para a época em que o mundo era muito mais simples e não se encontrava a possibilidade de sustentar a vida humana.

Uma Visão Do Mundo Mais Coerente

Não se trata de nada mais do que a tecnologia, mesmo que o controle tecnológico seja muito importante. É claro que necessitamos de uma tecnologia baseada na energia solar e na eólica, e necessitamos novas formas de agricultura. Sobre isso não há dúvidas, estamos todos de acordo. Mas existem problemas de fundo, muito mais graves que aqueles criados pela tecnologia e pelo desenvolvimento moderno. Temos que buscá-los nas próprias raízes do desenvolvimento. E, antes de tudo, temos que buscá-los nas origens de uma economia baseada no conceito de “crescimento”: a economia de mercado; uma economia que promove a competição e não a colaboração, que se baseia na exploração e não na harmonia. E, quando digo viver em harmonia, entendo não somente o fazê-lo com a natureza, senão com as próprias pessoas.

Temos que empurrar até a construção de uma sociedade ecológica que mude completamente, que transforme radicalmente, nossas relações básicas. Enquanto vivermos numa sociedade que marcha em busca de conquista e poder, fundada na hierarquia e na dominação, não faremos nada mais do que piorar o problema ecológico, independentemente das concessões e pequenas vitórias que conseguirmos ganhar. Por exemplo, na Califórnia, doaram-nos alguns hectares de árvores, e logo derrubaram (talado) bosques completos. Na Europa estão fazendo a mesma coisa.

Prometem acabar com as chuvas ácidas, e as chuvas ácidas seguem caindo. Decidem por no mercado alimentos naturais, não contaminados por pesticidas e, efetivamente, a porcentagem de veneno diminui, mas o pouco que resta está constituído pelos venenos mais perigosos para o organismo.

Nosso problema não é só melhorar o ambiente, ou parar as usinas nucleares, bloquear a construção de novas estradas, ou a construção, expansão e superpopulação das cidades, a contaminação do ar, da água e dos alimentos. A questão que temos que enfrentar é muito mais profunda.

Temos que chegar a uma visão de mundo muito mais coerente. Não temos que nos por a proteger os pássaros esquecendo-nos das usinas nucleares, e tampouco lutar contra as usinas nucleares esquecendo dos pássaros e da agricultura. Temos que chegar a compreender os mecanismo sociais e fazê-lo de uma maneira coerente.

Temos que focá-los numa visão coerente, uma lógica que prevê a longo prazo uma transformação radical da sociedade e da nossa própria sensibilidade. Até que essa transformação radical comece, conseguiremos pequenas coisas, de pouca importância. Venceremos algumas batalhas, mas perderemos a guerra, melhoraremos algo, mas não obteremos nenhuma vitória. Hoje em dia, vivemos em um momento culminante de crise ambiental que ameaça a nossa própria sobrevivência, temos de avançar até uma transformação radical, baseada em uma visão coerente que englobe todos os problemas. As causas da crise têm de aparecer, claras e lógicas, de maneira que todos nós, juntos, possamos entendê-las. Em outras palavras, todos os problemas ecológicos e ambientais são problemas sociais, que tem a ver fundamentalmente com uma mentalidade e um sistema de relações sociais baseadas na dominação e nas hierarquias. Estes são os problemas que nos oferecem, atualmente, a grande difusão da cultura tecnológica.

Nenhum Presente Da Parte Do Estado

O que então têm que fazer os Verdes? Antes de tudo, temos que clarear as idéias. Temos de evidenciar as relações existentes entre os problemas ecológicos e os problemas sociais.

Temos de demonstrar que uma sociedade baseada na economia de mercado, na exploração da natureza e na competição acabará por destruir ao planeta. Temos de fazer o possível para entendermos que se queremos resolver de uma vez por todas nossos problemas com a natureza, temos de nos preocupar com as relações sociais. O povo tem de entender que tudo precisa unificar-se em uma visão de mundo coerente, em uma visão baseada em análise, em uma crítica e em soluções de nível político, pessoal e histórico.

Isso significa dar outra a força ao povo. Temos de criar uma cultura política com uma visão libertária não limitada a um projeto que o estado execute. Temos de criar uma literatura política, uma cultura política que leve pessoas à participação, libertando-se, autonomamente, deste tipo de economia, de sociedade e de sensibilidade.

No movimento feminista, começa-se a discutir o tema da dominação do homem sobre a mulher, principiando na própria da família. Nos movimentos comunitários, se fala de necessidades na “escala humana” e de dar força aos bairros, às comunidades, s regiões.

Estes são os argumentos importantes que se discutem nos Estados Unidos. Em relação à tecnologia, não temos de nos preocupar somente com que esta seja mais eficiente e renovável, temos de inventar uma tecnologia criativa, que não só leve consigo um trabalho mais criativo, mas que contribua para melhorar o mundo natural, ao mesmo tempo que melhore o modo e a qualidade de nossas vidas.

Porém, tudo isso não nos será alcançado desde cima. Não pode ser um presente que o Estado nos faça. Não pode traduzir-se em uma lei salpicada por um Parlamento. Tem de ser fruto de uma cultura popular, de uma cultura política e ecológica difundida pelo povo. Então não teremos mais de elaborar estratégias libertárias que conduzam as pessoas, o povo, a participar do processo de transformação social, porque se não são as pessoas a querer mudar a sociedade, então não se efetuará nenhuma mudança real ou radical. Quando falamos de Ecologia, falamos de participação no mundo natural. Dizemos que nós, como seres humanos, compartilhamos a esfera da vida juntos, com todos os demais seres vivos, e com eles buscamos aplicar um sistema de relações que nos faça partícipes do eco-sistema.

Mas eu lhes pergunto, queridos amigos, se queremos ser Verdes, se queremos “reverdecer” o planeta: Como podemos fazê-lo sem reverdecer a sociedade mesma? E se queremos reverdecer a sociedade: Como podemos pensar em uma participação do mundo natural a qual tome em consideração a participação popular na vida social?! Se, antes de tudo, queremos conquistar o poder para mudar a sociedade, lhes garanto que vamos perder. E não só porque alguns de nós, com toda a força de boa fé, se encontraram no Parlamento buscando fazer coalizões, fazer alianças, e usar o poder desde cima. De alguma maneira, eles também tornaram-se líderes espirituais aspirantes ao poder. Agora, raciocinam em termos de “males menores”, de um mal “sempre menor” que, no final, nos levará ao pior de todos os males. Isto é o que a história sempre nos ensinou.

Ecologia Profunda

Já é tempo de nós, os Verdes, propormos uma visão libertária, uma visão anarquista que leve as pessoas até um movimento Verde, que possa ser um movimento Verde no sentido mais profundo do termo. Um movimento Verde no qual não nos limitemos a levar adiante um projeto coerente e que unifique todos os problemas em um programa de análise comum, se não em um movimento no qual as pessoas sejam as primeiras protagonistas de sua história. Temos de apoiar a criação de uma sociedade libertária: ecolibertária. Isso é o que nos ensinaram as experiências alemãs e do Estados Unidos, alguns movimentos buscaram perseguir objetivos Verdes atuando “desde cima” através das leis, e sempre teve de ceder. Abandonar uma posição atrás de outra.

Com isso não quero dizer que não temos de nos empenhar em levar a cabo mudanças que possam atrasar ou bloquear a desagregação da sociedade atual e do mundo natural. Já sei que não temos muito tempo à nossa disposição. Os problemas são reais e envolvem também as duas gerações seguintes, e talvez nem sequer as duas gerações seguintes sejam decisivas pelo que diz respeito à sobrevivência de nosso planeta. De todas as formas, se não podemos dar às pessoas uma imagem unitária, uma visão prática e ética ao mesmo tempo, e que questionem as suas sensibilidades, então, vocês sabem quem vai tomar o poder neste caos?: a direita, os reacionários.

Hoje na América, a direita qualifica-se a si mesma como “a maioria moral”, e diz: – “Devolvamos seu significado à vida. Devolvamos seu significado às relações humanas.” E, por má sorte, o que sobrou da esquerda americana não faz outra coisa a não ser falar de “progresso”, de “centralizar” e de todas as mesmas coisas que o socialismo repete já faz 150 anos.

Primeiro temos que recuperar aquele campo sobre o qual as pessoas, o povo, está buscando a verdade, e não apenas a sobrevivência: uma maneira de viver que fale de qualidade e não só de quantidade. Temos de difundir uma mensagem coerente para todos, uma mensagem que seja para a base da sociedade, que a faça participante, que ensine o que significa ser cidadão e decidir autonomamente. Em outras palavras, temos que elaborar uma nova política, uma política Verde que desloque e substitua (reemplace) a velha política autoritária e centralista, baseada nas estruturas dos partidos e na burocracia. Isso é o mais importante que temos de aprender. Se não o conseguirmos, os movimentos verdes serão absorvidos pouco a pouco pelos movimentos tradicionais. O objetivo principal se dissolverá frente aos pequenos objetivos a curto prazo, de término rápido.

Os compromissos sobre “males menores” nos levará sempre a males piores. As pessoas dirão: O que é isso!? A mesma política de sempre! A mesma burocracia de sempre? O mesmo parlamentarismo que sempre tivemos? Porque eu deveria votar no verde? Porque deveria dar força aos verdes? Porque não deveria seguir apoiando a democracia cristã, ou o partido comunista, ou qualquer outro partido que garanta resultados imediatos, e satisfações imediatas? Nossa responsabilidade de Verdes da Europa – como na América – na Alemanha, como em tantas partes do mundo, e, sobretudo na Itália, já que vocês estão apenas começando agora, é de aprender o que está ocorrendo nos movimentos verdes já faz entre 5 e 10 anos.

Temos de nos dar conta que há que se substituir a velha política tradicional dos partidos, com uma política verde. Que há que se por energia em nível de base nas comunidades, que há que se elaborar análises que possam ir mais além do puro ambientalismo e dos outros problemas importantes aos quais nos dedicamos cotidianamente (pesticidas, energia nuclear, Chernobyl).

Temos de nos dar conta que esta sociedade não é somente dura e insensível, mas que suas próprias leis preveem a sua própria destruição, a destruição do planeta e das bases de sobrevivência humana. Temos de propor novas alternativas, novas instituições fundadas em uma democracia local, na participação local, que possa constituir um novo poder contra o Estado centralizado, que possa constituir um novo sistema de relações sociais, no qual um número cada vez maior de pessoas tome parte ativa em uma política realmente libertária. Esta é nossa única alternativa para evitar cair em uma mesma política de partido, corrupta e baixa, que torna as pessoas cínicas, indiferentes, sempre mais encerradas em suas próprias esferas privadas.

Um Momento De Transição

Deixem-me concluir com uma última consideração importante. Não só estamos para melhorar nossas relações humanas. Como o sistema de mercado, também o sistema capitalista segue simplificando não só a obra complexa de milhões de anos, mas também o espírito humano. Se está simplificando o espírito da própria humanidade, está se tirando a complexidade e a plenitude que contribuem para formar pessoas criativas. Então, nossa nova política não deve ter como único objetivo o de salvar o planeta e criar uma sociedade verde, ecológica, de caráter libertário, e uma alternativa política em nível de base. Há também que se ver além disso: se não se puser um fim à simplificação do planeta, da comunidade e da sociedade, conseguirão simplificar o espírito humano a tal ponto ( e com lixo do tipo de Dallas e de Dinasty”: e outros programas televisivos) que se acabará até mesmo com o espírito de rebeldia, o único capaz de promover uma mudança social e um reverdecimento real do planeta.

Hoje vivemos em um momento de transição, não só de uma sociedade para outra, mas também de uma personalidade à outra nova. Muito obrigado!!!

Decrescimento ou barbárie!

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Entrevista especial com Serge Latouche

Fonte IHU – Instituto Humanitas Unisinos

“O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando”, avalia o economista francês Serge Latouche, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, a crise financeira e o caos ambiental instalados no planeta farão o capitalismo reencontrar “a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, ele é enfático: “Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião”.

Segundo ele, o PIB não pode mais crescer, e a “única possibilidade para escapar ao pauperismo” é “retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.

Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em Ciências Econômicas, pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas, pela Université de Paris, e diretor de pesquisas. Entre suas publicações, citamos, La déraison de la raison économique (Paris: Albin Michel, 2001),  Justice sans limites – Le défi de l’éthique dans une économie mondialisée. (Paris: Fayard, 2003) e La pensée créative contre l’économie de l’absurde. (Paris: Parangon, 2003)

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio ambiente e do atual modelo econômico?

Serge Latouche – Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos subprimes é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e econômica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos ser taxados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo.
Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar, quando o hiperconsumo vem nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida. Pode-se imaginar que enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão social e civilizatória é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de trajetória.

IHU On-Line – Como manter o equilíbrio entre crescimento econômico e meio ambiente?

Serge Latouche – Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.

IHU On-Line – Quais são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais sustentável? Quais seriam os seus princípios?

Serge Latouche – Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto é, o produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos muito bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx, mas também John Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica – as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich, excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado. Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade ecossocialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que vivemos.

IHU On-Line – Como conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?

Serge Latouche – Uma lógica de crescimento e um projeto de decrescimento são incompatíveis, mas o projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos estresse, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.).

IHU On-Line – Alguns especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?

Serge Latouche – As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise econômica e financeira nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor. A rarefação do petróleo não prejudica, bem ao contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.

IHU On-Line – Qual é a marca socioecológica do Planeta? Já existe um déficit ecológico?

Serge Latouche – E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso sobre-crescimento econômico se furta aos limites da finitude da biosfera. A capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem transforma os recursos em rejeitos mais rapidamente do que a natureza consegue transformar esses rejeitos em novos recursos (1).

Se tomarmos como índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida sua “pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário, obtém-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extração da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 bilhões de hectares.

Todavia, o espaço “bioprodutivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fração do total, ou seja, em torno de 12 bilhões de hectares (2). Dividido pela população mundial atual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários para absorver dejetos e rejeitos da produção e do consumo (cada vez que queimamos um litro de essência, nós necessitamos de cinco metros quadrados de floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a isso o impacto do habitat e das infraestruturas necessárias, os pesquisadores que trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” [Redefinindo o progresso] e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo consumido por pessoa da humanidade era de 2,2 hectares na média.

Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população atual permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8.

Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada país, estamos bem longe da igualdade planetária. (2) Cada americano consome em média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo o mundo vivesse como nós franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável.

Notas:

1.- WWF, Rapport planète vivant [Relatório planeta vivo] 2006, p. 2.
2.- Um hectare de pasto permanente, por exemplo, é considerado como equivalente a 0,48 ha de espaço bioprodutivo e, para uma zona de pesca, 0,36. Wackemagel, Mathis, O nosso planeta se está exaurindo. In: Economia e Ambiente. O desafio do terceiro milênio. EMI, Bolonha 2005. (Nota do entrevistado)
3.- Gianfranco Bologna (org.), Itália capaz de futuro. WWF-EMI, Bolonha, 2001, pp. 86-88. (Nota do entrevistado)