Contra a Assembleia Constituinte como contra a ditadura

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Por Errico Malatesta

Traducción al castellano: @rebeldealegre

Tradução: Coletivo Anarquia ou Barbárie

Fonte: Rebelde Alegre

(Adunata, 4 de Octubre de 1930)


Todos tem direito a assinalar e defender suas ideias, mas ninguém tem direito a distorcer as ideias de outro para fortalecer as próprias, Depois de anos sem ver o Martello, o número do 21 de junho caiu em minhas mãos. Encontrei em um artigo firmado por X., que fala, de um modo mais ou menos imaginário, sobre um projeto insurrecional, que supostamente era promovido por mim, Giulietti e … D’Annunzio. O artigo parecia que alguém mais que escreveu abaixo do nome de Ursus havía escrito antes sobre tais eventos, mas não se pode encontrar seu texto.

Não importa, Não posso contar agora como ocorreram realmente os eventos referidos por X. e Ursus, porque este não é o momento correto para fazê-lo ao público, e por assim à polícia, o que um poderia ter feito ou tentado fazer. Além do mais, não poderia trair a confiança de pessoas que não quiseram ser nomeadas aqui. Não obstante, posso me surpreender, de que estes X. e Ursus, movidos pelo desejo de encontrar apoio às suas teses táticas, não se deram conta de quanto carente de tática é se envolver com alguém que usualmente não recebe periódicos, e sendo assim não sabe o que se diz sobre ele e não pode responder – somado a não sentir dever nenhum, como assunto pessoal, de ao menos assumir a responsabilidade pelo que dizem afirmar com nomes reais.

O que importa – e o que me faz tomar o cuidado de anotar esses itens – é protestar contra a declaração completamente falsa de que, em momento algum sequer de minha atividade política, havia sido eu defensor da Assembleia Constituinte. O assunto tem tal importância teórica e prática, que poderia tornar-se de atualidade em qualquer momento, e não pode deixar indiferente a nada que se chame anarquista e queira atuar como anarquista em toda situação dada. Para ser preciso, no momento em que ocorreram os eventos mal recordados por X. e Ursus, eu estava me esforçando, com minhas palavras e escritos, por lutar conta a fé e a esperança posta por muitos subversivos (obviamento não anarquistas) na possibilidade de uma Assembleia Constituinte.


Nesse momento afirmei, como sempre o faço antes e depois, que uma Assembleia Constituinte é o meio utilizado pelas classes privilegiadas, quando uma ditadura não é possível, seja para prevenir uma revolução ou, quando uma revolução já está instalada, para deter seu progresso com a desculpa de legalizá-la, e retirar muitos dos seus possíveis ganhos que o povo obteve durante o período insurrecional.

A Assembleia Constituinte, com seu adormecimento e sufocamento, e a ditadura, com o seu esmagar e assassinar, são os dois perigos que ameaçam toda a revolução. Os anarquistas devem apontar seus esforços contra eles.

Naturalmente, já que somos uma minoria relativamente pequena, é muito possível, e provável, que a próxima revolta termine em uma Assembleia Constituinte. Sem embargo, isso não ocorreria com nossa participação e cooperação. Ocorreria somente contra nossa vontade , apesar de nossos esforços, simplesmente porque não teríamos sido suficientemente fortes para preveni-lo. Neste caso, teríamos que ser tão desconfiados e inflexivelmente contrários a uma Assembleia Constituinte como temos sido sempre aos parlamentos ordinários e a todo outro corpo legislativo.


***

Que isto fique claro. Não sou defensor do “tudo ou nada”. Creio que nada na realidade se comporta de maneira correspondente ao que indica e implica a teoria: seria impossível.


Esse é só um lema usado por muitos para advertir sobre a ilusão das reformas insignificantes e de supostas concessões do governo e dos patrões, e para sempre lembrar a necessidade e a urgência do ato revolucionário: é uma frase que pode servir, se se interpreta folgadamente, como um incentivo à uma luta sem quartel contra todo tipo de opressores e exploradores. Sem embargo, se se toma literalmente, é claramente um absurdo.


El ‘todo’ es el ideal que se torna más lejano y más amplio a medida que se realizan progresos, y por ende nunca puede alcanzarse. El ‘nada’ sería cierto estado abismalmente incivilizado, o al menos una sumisión supina a la opresión presente.

O “todo” é o ideal que se torna mais longínquo e mais amplo à medida que se realizam os progressos, e que nunca podeser alcançado. O “nada” seria certo estado abismalmente incivilizado,a barbárie, ou ao menos uma apresentação indolente à opressão presente.


Creio que devemos tentar tudo que possa, seja muito ou pouco: fazer o que seja possível hoje, mas sempre lutar por fazer possível o que hoje parece impossível.


Por exemplo, se hoje não podemos desfazermos de todo o tipo de governo, esta não é uma boa razão para não tomar interesse em defender as poucas liberdades adquiridas e lutar por obter mais delas.

Se agora não podemos abolir completamente o sistema capitalista e a exploração resultante dos trabalhadores, esta não é uma boa razão para abandonar a luta por obter maiores salários e melhores condições de trabalho. Se não podemos abolir o comércio e substituir pelo direto intercambio entre produtores, esta não é uma boa razão para não buscar os meios para escapar da exploração de negociantes e especuladores tanto quanto seja possível.

Se não temos como abolir o poder dos opressores e do estado da opinião pública previne agora a abolição das prisões e da provisão a todos de defesa contra os malfeitores com meios mais humanos, não por isto perderíamos interesse em uma ação para abolir a pena de morte, a prisão perpétua, o confinamento fechado e, em geral, os mais ferozes meios de repressão com que a assim chamada justiça social, que mais equivale a uma vingança selvagem, é exercida. Se não podemos abolir a polícia, não é por isso que permitiremos, sem protestar e resistir, que os policiais golpeiem aos prisioneiros e se permitam todo o tipo de excessos, sobrepassando o limite prescrito pelas leis vigentes…

Termino aqui, pois há milhões de casos, tanto na vida individual, como na sociedade, em que, sendo incapazes de obter “tudo”, deve-se tentar obter tanto quanto seja possível.

Neste momento, surge a pergunta de importância fundamental sobre o melhor modo de defender o que se obteve e lutar por obter mais; Pois há um modo que debilita e mata o espírito de independência e a consciência do direito próprio, comprometendo assim o futuro e o presente, mas há outro modo que utiliza toda pequena vitória para fazer melhores demandas, preparando assim as mentes e o ambiente para a ansiada emancipação total.

O que constitui a “razão de ser” característica do anarquismo é a convicção de que os governos – ditaduras, parlamentos, etc. – são sempre instrumentos de conservação, reação, opressão; de que a liberdade, a justiça, o bem estar para todos deve vir da luta contra a autoridade, desde a livre iniciativa ao livre acordo entre indivíduos e grupos.

***

É um problema preocupa a muitos anarquistas hoje em dia, e justamente, posto que encontram motivação insuficiente no trabalhar na propaganda abstrata e na preparação técnica revolucionária, que não sempre é possível e se faz sem saber quando será frutífera, buscam algo prático que se faça aqui e agora, para cumprir o quanto seja possível com nossas ideias, apesar das condições adversas; algo que moralmente e materialmente ajude aos anarquistas e que ao mesmo tempo serve de exemplo, de escola, de campo experimental.


As propostas práticas vêm de vários lados. São todas boas para mim, se apelam à livre iniciativa e a um espírito de solidariedade e justiça, e tendem a remover os indivíduos da dominação do governo e do patrão. E para evitar perder tempo em discussões continuamente recorrentes que nunca trazem novos feitos ou argumentos, incentivaria a quem tem um projeto e que tende a cumpri-lo imediatamente, tão pronto como encontrem o apoio do mínimo número necessário de participantes, sem esperar, usualmente em vão, pelo apoio de todos ou de muitos: a experiência mostrará se esses projetos eram possíveis, e deixará que os vitais sobrevivam e prosperem.

Que todos tentem os caminhos que consideram melhores e mais adequados ao seu temperamento, tanto hoje com respeito às coisas pequenas que podem fazer-se em ambiente presente, como amanhã no vasto terreno que oferecerá a revolução à nossa atividade. Em qualquer caso, o que é logicamente obrigatório para todos nós, se não queremos deixar se ser realmente anarquistas, é nunca entregar nossa liberdade em mãos da ditadura de um indivíduo ou classe, um déspota ou uma Assembleia Constituinte; pois é do que nós dependemos, nossa liberdade deve encontrar seu reconhecimento na igual liberdade de todos.

A Organização, por Errico Malatesta

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Fractal: Conjunto de Mandelbrot

 Fonte: Arte e Anarquia

A ORGANIZAÇÃO I
(Agitazione de Ancone, 04/07/1897.)

Há anos que muito se discute entre os anarquistas esta questão. E como freqüentemente acontece quando se discute com ardor à procura da verdade, acredita-se, em seguida, ter razão. Quando as discussões teóricas são apenas tentativas para justificar uma conduta inspirada por outros motivos, produz-se uma grande confusão de idéias e de palavras.

Lembraremos, de passagem, sobretudo para nos livrarmos delas, as simples questões de frases empregadas, que, às vezes, atingiram o cúmulo do ridículo, como por exemplo: “Não queremos a organização, mas a harmonização”, “Opomo-nos à associação, mas a admitimos”, “Não queremos secretário ou caixa, porque é um sinal de autoritarismo, mas encarregamos um camarada para se ocupar do correio e outro do dinheiro”; passemos a discussão séria.

Se não pudermos concordar, tratemos pelo menos de nos compreender.

Antes de mais nada, distingamos, visto que a questão é tripla: a organização em geral, como princípio e condição da vida social, hoje, e na sociedade futura; a organização das forças populares, e, em particular, a das massas operárias, para resistir ao governo e ao capitalismo.

A necessidade de organização na vida social – direi que organização e sociedade são quase sinônimos – é coisa tão evidente que mal se pode acreditar que pudesse ter sido negada.

Para nos darmos conta disso, é preciso lembrar que ela é a função específica, característica do movimento anarquista, e como homens e partidos estão sujeitos a se deixarem absorver pela questão que os interessa mais diretamente, esquecendo tudo o que a ela se relaciona, dando mais importância à forma que ao conteúdo e, enfim, vendo as coisas somente de um lado, não distinguindo mais a justa noção da realidade.

O movimento anarquista começou como uma reação contra o autoritarismo dominante na sociedade, assim como todos os partidos e organizações operárias, e se acentuou com os adventos de todas as revoltas contra as tendências autoritárias e centralistas.

Era natural, em conseqüência, que inúmeros anarquistas estivessem como que hipnotizados por esta luta contra a autoridade e que eles combatem, para resistir à influência da educação autoritária, tanto a autoridade quanto a organização, da qual ela é a alma.

Na verdade, esta fixação chegou ao ponto de fazer sustentar coisas realmente incríveis. Combateu todo o tipo de cooperação e de acordo porque a associação é a antítese da anarquia. Afirma-se que sem acordos, sem obrigações recíprocas, cada um fazendo o que lhe passar pela cabeça, sem mesmo se informar sobre o que fazem os outros, tudo estaria espontaneamente em harmonia: que a anarquia significa que cada um deve bastar-se a si mesmo e fazer tudo que tem vontade, sem troca e sem trabalho em associação. Assim, as ferrovias poderiam funcionar muito bem sem organização, como acontecia na Inglaterra (!). O correio não seria necessário: alguém de Paris, que quisesse escrever uma carta a Petersburgo… Podia ele próprio levá-la (!!) etc.

Dir-se-á que são besteiras, que não vale a pena discuti-las. Sim, mas estas besteiras foram ditas, propagadas: foram autêntica das idéias anarquistas. Servem sempre como armas de combate aos adversários, burgueses ou não, que querem conseguir uma fácil vitória sobre nós. E, também, estas “besteiras” não são sem valor, visto que são a conseqüência lógica de certas premissas e que podem servir como prova experimental da verdade, ou pelo menos dessas premissas.

Alguns indivíduos, de espírito limitado, mas providos de espírito lógico poderoso, quando aceitam premissas, extraem delas todas as conseqüências até que, por fim, e se a lógica assim o quer, chegam, sem se desconcertar, aos maiores absurdos, à negação dos fatos mais evidentes. Mas há outros indivíduos mais cultos e de espírito mais amplo que encontram sempre um meio de chegar a conclusões mais ou menos razoáveis, mesmo ao preço da violentação da lógica. Para eles, os erros teóricos têm pouca ou nenhuma influência na conduta prática. Mas, em suma, desde que não se haja renunciado a certos erros fundamentais, estamos sempre ameaçados por silogismos exagerados, e voltamos sempre ao começo.

O erro fundamental dos anarquistas adversários da organização é crer que não há possibilidade de organização sem autoridade. E uma vez admitida esta hipótese, preferem renunciar a toda organização, ao invés de aceitar o mínimo de autoridade.

Agora que a organização, quer dizer, a associação com um objetivo determinado e com as formas e os meios necessários para atingir este objetivo, é necessária à vida social, é uma evidência para nós. O homem isolado não pode sequer viver como um animal: ele é impotente (salvo em regiões tropicais, e quando a população é muito dispersa) e não pode obter sua alimentação; ele é incapaz, sem exceção, de ter uma vida superior àquela dos animais. Conseqüentemente, é obrigado a se unir a outros homens, como a evolução anterior das espécies o mostra, e deve suportar a vontade dos outros (escravidão), impor sua vontade aos outros (autoritarismo), ou viver com os outros em fraternal acordo para o maior bem de todos (associação). Ninguém pode escapar dessa necessidade. Os antiorganizadores mais imoderados suportam não apenas a organização geral da sociedade em que vivem, mas também em seus atos, em sua revolta contra a organização, eles se unem, dividem a tarefa, organizam-se com aqueles que compartilham suas idéias, utilizando os meios que a sociedade coloca à sua disposição; com a condição de que estes sejam fatos reais e não vagas aspirações platônicas.

Anarquia significa sociedade organizada sem autoridade, compreendendo-se autoridade como a faculdade de impor sua vontade. Todavia, também significa o fato inevitável e benéfico que aquele que compreende melhor e sabe fazer uma coisa, consegue fazer aceitar mais facilmente sua opinião. Ele serve de guia, quanto a esta coisa, aos menos capazes que ele.

Segundo nossa opinião, a autoridade não é necessária à organização social, mais ainda, longe de ajudá-la, vive como parasita, incomoda a evolução e favorece uma dada classe que explora e oprime as outras. Enquanto há harmonia de interesses em uma coletividade, enquanto ninguém pode frustrar outras pessoas, não há sinal de autoridade. Ela aparece com a luta intestina, a divisão em vencedores e vencidos, os mais fortes confirmando a sua vitória.

Temos esta opinião e é por isso que somos anarquistas, caso contrário, afirmando que não pode existir organização sem autoridade, seremos autoritários. Mas ainda preferimos a autoridade que incomoda e desola a vida, à desorganização que a torna impossível.

De resto, o que seremos nos interessa muito pouco. Se é verdade que o maquinista e o chefe de serviço devem forçosamente ter autoridade, assim como os camaradas que fazem para todos um trabalho determinado, as pessoas sempre preferirão suportar sua autoridade a viajar a pé. Se o correio fosse apenas esta autoridade, todo homem são de espírito a aceitaria para não ter de levar, ele próprio, suas cartas. Se se recusa isto, a anarquia permanecerá o sonho de alguns e nunca se realizará.

A ORGANIZAÇÃO II

(Agitazione de Ancone, 11/07/1897.)

Estando admitida a existência de uma coletividade organizada sem autoridade, isto é, sem coerção, caso contrário, a anarquia não teria sentido, falemos da organização do partido anarquista.

Mesmo nesses casos, a organização nos parece útil e necessária. Se o partido, ou seja, o conjunto dos indivíduos que têm um objetivo em comum e se esforçam para alcançá-lo, é natural que se entendam, unam suas forças, compartilhem o trabalho e tomem todas as medidas adequadas para desempenhar esta tarefa. Permanecer isolado, agindo ou querendo agir cad um por sua conta, sem se entender com os outros, sem preparar-se, sem enfeixar as fracas forças dos isolados, significa condenar-se à fraqueza, desperdiçar sua energia em pequenos atos ineficazes, perder rapidamente a fé no objetivo e cair na completa inação.

Mas isto parece de tal forma evidente que, ao invés de fazer sua demonstração, responderemos aos argumentos dos adversários da organização.

Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”. Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente, e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas que estará com certeza ultrapassado amanhã.

Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade, sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um químico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa. Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente, precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa, com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.

Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir para realizar a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que, jamais colocando suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.

A outra objeção é que a organização cria chefes, uma autoridade. Se isto é verdade, se é verdade que os anarquistas são incapazes de se reunirem e de entrarem em acordo entre si sem se submeter a um autoridade, isto quer dizer que ainda são muito pouco anarquistas. Antes de pensar em estabelecer a anarquia no mundo, devem pensar em se tornar capazes de viver como anarquistas. O remédio não está na organização, mas na consciência perfectível dos membros.

Evidentemente, se em uma organização, deixa-se a alguns todo o trabalho e todas as responsabilidades, se nos submetemos ao que fazem alguns indivíduos, sem por a mão na massa e procurar fazer melhor, esses “alguns” acabarão, mesmo que não queiram, substituindo a vontade da coletividade pela sua. Se em uma organização todos os membros não se interessam em pensar, em querer compreender, em pedir explicações sobre o que não compreendem, em exercer sobre tudo e sobre todos as suas faculdades críticas, deixando a alguns a responsabilidade de pensar por todos, esses “alguns” serão os chefes, as cabeças pensantes e dirigentes.

Todavia, repitamos, o remédio não está na ausência de organização. Ao contrário, nas pequenas como nas grandes sociedades, excetuando a força brutal, a qual não nos diz respeito no caso em questão, a origem e a justificativa da autoridade residem na desorganização social. Quando uma coletividade tem uma necessidade e seus membros não estão espontaneamente organizados para satisfazê-la, surge alguém, uma autoridade que satisfaz esta necessidade servindo-se das forças de todos e dirigindo-as à sua maneira. Se as ruas são pouco seguras e o povo não sabe se defender, surge uma polícia que, por uns poucos serviços que presta, faz com que a sustentem e a paguem, impõe-se a tirania. Se há necessidade de um produto e a coletividade não sabe se entender com os produtores longínquos para que eles enviem esse produto em troca por produtos da região, vem de fora o negociante que se aproveita da necessidade que possuem uns de vender e outros de comprar e impõe os preços que quer a produtores e consumidores.

Como vedes, tudo vem sempre de nós: quanto menos estávamos organizados, mais nos encontrávamos sob a dependência de certos indivíduos. E é normal que tivesse sido assim.

Precisamos estar relacionados com os camaradas das outras localidades, receber e dar notícias, mas não podemos todos nos correspondermos com todos os camaradas. Se estamos organizados, encarregamos alguns camaradas de manter a correspondência por nossa conta; trocamo-os se eles não nos satisfazem, e podemos estar informados sem depender da boa vontade de alguns para obter uma informação. Se, ao contrário, estamos desorganizados, haverá alguém que terá os meios e a vontade de corresponder; ele concentrará em suas mãos todos os contatos, comunicará as notícias como bem quiser, a quem quiser. E se tiver atividade e inteligência suficientes, conseguirá, sem nosso conhecimento, dar ao movimento a direção que quiser, sem que nos reste a nós, a massa do partido, nenhum meio de controle, sem que ninguém tenha o direito de se queixar, visto que este indivíduo age por sua conta, sem mandato de ninguém e sem ter que prestar contas a ninguém de sua conduta.

Precisamos de um jornal. Se estamos organizados, podemos reunir os meios para fundá-lo e fazê-lo viver, encarregar alguns camaradas de redigi-lo e controlar sua direção. Os redatores do jornal lhe darão, sem dúvida, de modo mais ou menos claro, a marca de sua personalidade, mas serão sempre pessoas que teremos escolhido e que poderemos substituir. Se, ao contrário, estamos desorganizados, alguém que tenha suficiente espírito de empreendimento fará o jornal por sua própria conta: encontrará entre nós os correspondentes, os distribuidores, os assinantes, e fará com que sirvamos seus desígnios, sem que saibamos ou queiramos. E nós, como muitas vezes aconteceu, aceitaremos ou apoiaremos este jornal, mesmo que não nos agrade, mesmo que tenhamos a opinião de que é nocivo à Causa, porque seremos incapazes de fazer um que melhor represente nossas idéias.

Desta forma, a organização, longe de criar a autoridade, é o único remédio contra ela e o único meio para que cada um de nós se habitue a tomar parte ativa e consciente no trabalho coletivo, e deixe de ser instrumento passivo nas mãos dos chefes.

Se não fizer nada e houver inação, então, certamente, não haverá nem chefe, nem rebanho; nem comandante, nem comandados, mas, neste caso, a propaganda, o partido, e até mesmo a discussão sobre a organização, cessarão, o que, esperamos, não é o ideal de ninguém…

Contudo, uma organização, diz-se supõe a obrigação de coordenar sua própria ação e a dos outros, portanto, violar a liberdade, suprimir a iniciativa. Parece-nos que o que realmente suprime a liberdade e torna impossível a iniciativa é o isolamento que produz a impotência. A liberdade não é direito abstrato, mas a possibilidade de fazer algo. Isto é verdade para nós como para a sociedade em geral. É na cooperação dos outros que o homem encontra o meio de exercer sua atividade, seu poder de iniciativa.

Evidentemente, organização significa coordenação de forças com um objetivo comum, e obrigação de não promover ações contrárias a este objetivo. Mas quando se trata de organização voluntária, quando aqueles que dela fazem parte têm de fato o mesmo objetivo e são partidários dos mesmos meios, a obrigação recíproca que a todos engaja obtém êxito em proveito de todos. Se alguém renuncia a uma de suas idéias pessoais por consideração à união, isto significa que acha mais vantajoso renunciar a uma idéia, que, por sinal, não poderia realizar sozinho, do que se privar da cooperação dos outros no que acredita ser de maior importância.

Se, em seguida, um indivíduo vê que ninguém, nas organizações existentes, aceita suas idéias e seus métodos naquilo que têm de essencial, e que em nenhuma organização pode desenvolver sua personalidade como deseja, então estará certo em permanecer de fora. Mas, se não quiser permanecer inativo e impotente, deverá procurar outros indivíduos que pensem como ele, e tornar-se iniciador de uma nova organização.

Uma outra objeção, a última que abordaremos, é que, estando organizados, estamos mais expostos à repressão governamental.

Parece-nos, ao contrário, que quanto mais unidos estamos, mais eficazmente nos podemos defender. Na realidade, cada vez que a repressão nos surpreendeu enquanto estávamos desorganizados, colocou-nos em debandada total e aniquilou nosso trabalho precedente. Quando estávamos organizados, ela nos fez mais bem do que mal. Assim também no que concerne ao interesse pessoal dos indivíduos: por exemplo, nas últimas repressões, os isolados foram tanto e talvez mais gravemente atingidos do que os organizados. É o caso, organizados ou não, dos indivíduos que fazem propaganda individual. Para aqueles que nada fazem e ocultam suas convicções, o perigo é certamente mínimo, mas a utilidade que oferecem à Causa também o é.

O único resultado, do ponto de vista da repressão, que se obtém por estar desorganizado é autorizar o governo a nos recusar o direito de associação e tornar possível monstruosos processos por associação delituosa. O governo não agiria dessa forma em relação às pessoas que afirmam de modo altivo e público, o direito e o fato de estarem associados e, se ousasse fazê-lo, isto se voltaria contra ele e em nosso proveito.

De resto, é natural que a organização assuma as formas que as circunstâncias aconselham e impõem. O importante não é tanto a organização formal, mas o espírito de organização. Podem acontecer casos, durante o furor da reação, em que seja útil suspender toda correspondência, cessar todas as reuniões: será sempre um mal, mas se a vontade de estar organizado subsiste, se o espírito de associação permanece vivo, se o período precedente de atividade coordenada multiplicou as relações pessoais, produziu sólidas amizades e criou um real acordo de idéias de conduta entre os camaradas, então o trabalho dos indivíduos, mesmo isolados, participará do objetivo comum. E encontrar-se-á rapidamente o meio de nos reunirmos de novo e repararmos os danos sofridos.

Somos como um exército em guerra e podemos, segundo o terreno e as medidas tomadas pelo inimigo, combater em massa ou em ordem dispersa: o essencial é que nos consideremos sempre membros do mesmo exército, que obedeçamos todos às mesmas idéias diretrizes e que estejamos sempre prontos a nos reunirmos em colunas compactas quando for necessário e quando se puder fazer algo.

Tudo o que dissemos se dirige aos camaradas que são de fato adversários do princípio da organização. Àqueles que combatem a organização, somente porque não querem nela entrar, ou não são aceitos, ou não simpatizam com os indivíduos que dela fazem parte, dizemos: façam com aqueles que estão de acordo com vocês outra organização. É verdade, gostaríamos de poder estar, todos nós, de acordo, e reunir em um único feixe poderoso todas as forças do anarquismo. Mas não acreditamos na solidez das organizações feitas à força de concessões e de restrições, onde não há entre os membros simpatia e concordância real. É melhor estarmos desunidos que mal unidos. Mas gostaríamos que cada um se unisse com seus amigos e que não houvessem forças isoladas, forças perdidas.

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