Ferreira de Castro, Anarco-Sindicalista e Precursor do Neo-Realismo em Portugal

foto: Ferreira de Castro com Roberto Nobre, esplanada da «Veneza», Lisboa, década de 1930 (aqui)

foto: Ferreira de Castro com Roberto Nobre, esplanada da «Veneza», Lisboa, década de 1930

Postado no Portal Anarquista, ex-Colectivo de Évora
Fonte: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2014/12/09/ferreira-de-castro-anarco-sindicalista-e-precursor-do-neo-realismo-em-portugal/

O escritor Ferreira de Castro, nascido em Ossela (Oliveira de Azeméis) a 24 de Maio de 1898 e falecido no Porto a 29 de Junho de 1974, foi o grande precursor e introdutor do neo-realismo em Portugal. Colaborador de “A Batalha” e de vários órgãos da imprensa operária e generalista portuguesa e brasileira, Ferreira de Castro foi para o Brasil, com apenas 12 anos, para fugir à miséria em Portugal

Durante quatro anos viveu num seringal em plena selva amazónica, tendo depois efectuado os mais diversos trabalhos em condições de grande precariedade.

Mais tarde em Portugal foi redactor e colaborador de várias publicações, destacando-se sempre a sua forte ligação ao mundo do trabalho e à luta pela construção de uma nova sociedade.

Livros como Emigrantes (1928), A Selva (1930), Eternidade (1933), O Intervalo (1936) – publicado em 1974 – A Lã e a Neve (1947),  A Curva na Estrada (1950), A Missão (1954) ouOs Fragmentos (1974) demonstram o seu apego aos valores fundamentais da liberdade, característicos do seu pensamento libertário, profundamente ancorado no anarco-sindicalismo, de que são exemplo muitas das suas reportagens (algumas nunca publicadas devido à censura) junto dos mineiros de São Domingos ou nas greves andaluzas no início da década de 30.

Emigrante, homem do jornalismo, mas sobretudo ficcionista, Ferreira de Castro é hoje em dia, ainda, um dos autores portugueses com maior obra traduzida em todo o mundo, podendo-se incluir a sua obra na categoria de literatura universal moderna, precursora e introdutora do neo-realismo em Portugal (que se irá tornar “moda” a partir dos anos 50, em muitos escritores alinhados com o partido comunista), com uma escrita caracteristicamente identificada com a intervenção social e ideológica.

FerreiraDeCastro-escritórioSobre Ferreira de Castro escreve o também escritor, ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa, na introdução que fez ao livro de Ricardo António Alves “Anarquismo e neo-realismo. Ferreira de Castro nas encruzilhadas do século”:

«(…) Como Régio, como Aquilino, o autor de A Lã e a Neve foi uma personalidade de uma insubordinável independência, ainda quando aparentemente suavizada por uma fraterna doçura que todavia não se deixava vergar. Oposicionista intemerato ao regime de Salazar, Ferreira de Castro não cedeu nunca, por outro lado – pecado difícil de digerir – ao canto da sereia dos adeptos do partido comunista ou suas adjacências. Anarco-sindicalista convicto, Castro, como admiravelmente documenta Ricardo Alves, neste seu livro precioso, abria-se de modo exemplar, nas suas amizades, a um vasto espectro de outras tendências, mas não abdicava do seu singular ideal libertário. Rejeitando quase instintivamente tudo quanto lhe parecesse atentado à liberdade, tudo quanto «cheirasse» a «demasiado governo», o criador do negro Tiago de A Selva dificilmente se deixaria subjugar por ideários políticos que, no fundo, visavam substituir uma forma de opressão por outra forma de opressão. Isto mesmo, que o deveria tornar um verdadeiro ícon para os que dizem amar a liberdade, terá sido a causa submarina de algum desleixo crítico, de outro modo menos explicável.”»

O último livro de Ferreira de Castro (“Fragmentos”, de 1974) inclui dois textos fundamentais para a história do anarco-sindicalismo em Portugal. O primeiro (“Historial da velha mina”) é um texto sobre uma reportagem efectuada por Ferreira de Castro para O Século, a convite do sindicato dos trabalhadores mineiros de São Domingos, então federado na CGT anarco-sindicalista, tendo como pretexto as duras condições de vida dos mineiros em finais dos anos 20.  Ferreira de Castro esteve em São Domingos, contactou com o célebre dirigente do sindicato mineiro de então, Valentim Adolfo João, mas a reportagem nunca foi publicada por pressões da administração da Mina.

O outro é “O Intervalo”, uma novela escrita em 1936, mas só publicada em 1974, cujo protagonista principal é um antigo secretário-geral da CGT, Alexandre Novais, que é perseguido pela polícia e é obrigado a refugiar-se em Espanha. Ali movimenta-se nos meios anarquistas e da CNT dando conta da ebulição revolucionária que anos depois irá desembocar na revolução e na guerra civil espanholas.

São dois textos notáveis, como a maioria dos textos deste grande escritor libertário, essenciais para a compreensão das motivações e da atmosfera de grande luta e radicalismo que desde sempre envolveu o anarquismo peninsular.

http://ferreiradecastro.blogspot.pt/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_de_Castro

http://www.museuvirtual.cm-sintra.pt/mfc/colecoes.html

http://www.ceferreiradecastro.org

os-fragmentos-ferreira-de-castro