Os seguros do trabalhador não deixam mais ninguém seguro, o papel de palhaço e outras histórias

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Por Gilson Moura Henrique Junior

A absoluta crueldade do estado para com os trabalhadores jamais foi novidade. A novidade, no Brasil, é que ataques aos direitos dos trabalhadores tenha vindo, pasmem, de um partido nomeado “Partido dos Trabalhadores”.

Não que isso seja novidade também.

Basta que a gente se lembre que o Partido dos Trabalhadores praticamente inaugurou seu primeiro mandato de presidente da república na história com a consolidação da reforma da previdência, um dos mais cruéis ataques aos direitos dos trabalhadores que se tem notícia.

Com esse ataque o governo Lula foi feliz ao acenar ao mercado que sua ação de forma contente agiria mantendo a ampliação da idade mínima para se aposentar, reduzindo direitos previdenciários, criando o fator previdenciário,etc.

Essa reforma foi lida pela mídia à época como “grande vitória do Governo Lula”, e o elogio não foi à toa, mesmo diante da ilegalidade da reforma, dado que os pilares da reforma eram um claro aceno que o então governo “de esquerda” estava fazendo uma gestão econômica que não rompia com os pilares neoliberais herdados do governo FHC, embora fizesse ajustes gerenciais que ampliavam a margem de manobra de investimentos do estado na economia.

Além disso, a manutenção de um tucano na presidência do Banco Central, a instituição de um superavit primário superior aos do governo tucano (ampliando o dinheiro destinado ao pagamento dos juros da dívida pública), tudo gerava um contentamento no mercado financeiro na elite econômica, que havia ficado nervoso com a possibilidade de um governo concretamente de esquerda gerindo o estado brasileiro.

De lá pra cá, tudo foi muito bem gerido no âmbito da relação entre esquerda e governo, entre a publicidade oficial e a organizada militância cotidiana de defesa dos governos do PT que a cada movimento da ampla e irrestrita guinada à direita , para a cada exemplo tático desta guinada ser oferecido ao interlocutor um dado positivo do governo.

A questão é que os dados positivos do governo foram a cada dia escasseando mais sob o ponto de vista do trabalhador e não fugindo muito da existência do bolsa-família, ausência de privatizações às claras e manutenção de direitos dos trabalhadores.

Bem, nem isso agora dá pra ser sustentado diante dos ataques diretos ao seguro-desemprego, auxílio doença e seguro defeso feitos pelo governo Dilma no apagar das luzes de 2014.

O ataque especialmente ao seguro-desemprego e seguro-defeso atingem diretamente a população mais pobre e presente em mercados com maior rotatividade empregatícia ou dependentes do seguro governamental no período onde são impossibilitados de efetivamente trabalharem para seu sustento, caso do seguro-defeso.

Ao criar meios de na prática impedir o acesso ao seguro-desemprego e seguro defeso, o governo tira da proteção estatal um exército enorme de pessoas que dependem disso pra comer. São pescadores que na época de defeso não podem pescar, dado que defeso é o período de proteção à reprodução de espécies de peixes, crustáceos e moluscos marinhos e de rio. São trabalhadores do agronegócio que são demitidos após o término de suas atividades, algo que dificilmente supera seis meses e que ficam sem proteção do estado quando não há mais trabalho a ser executado.

Além disso ser extremamente cruel, a economia de 9 bilhões de reais é troco de pinga, dado que a maior parte do orçamento da república vai pro pagamento de juros da dívida pública através dos recursos obtidos a partir do superavit primário. Ou seja, o governo destina muitos bilhões pros bancos e corta a verba destinada aos mais pobres pra economizar algo que se reduzisse apenas meio por cento do dinheiro destinado aos bancos conseguiria economizar. É uma opção clara atingir direitos ao invés de atingir o pagamento de uma dívida que inclusive tem a legitimidade contestada por auditores da auditoria cidadã da dívida.

Ou seja, o governo Dilma antes mesmo do defunto da credibilidade coletiva em cima de uma surreal e improvável guinada à esquerda por sue governo esfriar já abriu um saco de maldades que dificilmente é feito de um maquiavelismo digno de nota.

Isso sem contar um ministério dos horrores onde uma de suas próceres já anunciou que “Não existe latifúndio no Brasil e os índios é que ‘descem para áreas agricultáveis’”.

A sensação de quem vê de fora é que Dilma Roussef não só apelou pra desmoralização completa da malta de tolos que a seguiu acreditando no marketing do João Santana como resolveu discipliná-los através do escarnio e da crueldade.

Só que para além das críticas e ironias quem será atingido é quem fez parte do que os petistas adoravam dizer: Os quarenta milhões retirados da miséria.

Além de terem sido retirados da miséria sem serem retirados da mira assassina da polícia militarizada, racista e elitista, estes entes foram removidos de suas casas para as obras da copa, tiveram o bioma de onde tiravam seu sustento destruído, foram mortos e assassinados pelo agronegócio reforçado pela posse de Katia Breu como ministra da agricultura e agora ou são impedidos de obterem recursos do seguro-desemprego enquanto ficam sem trabalho a partir da sazonalidade e rotatividade do mercado de trabalho local ou tem de escolher entre o bolsa-família e o seguro defeso nos períodos de defeso onde legalmente são impedidos de pescar.

Ou seja, os quarenta milhões que saíram da miséria tão sendo empurrados pra ela de novo ou pior, vão ser empurrados pro crime ambiental.

Ah, esqueci de lembrar que a maior parte das espécies ameaçadas de extinção no Brasil é de peixes. Assim, além de atacar direitos dos trabalhadores a Dilma ataca o meio ambiente, como se não bastasse o caráter predatório de seu governo.

Então, quando o voto crítico com fome juvenil, toscamente autoproclamada de “Petralha”, arrogantemente ignorava avisos de tudo isso que está acontecendo (Mesmo tudo o que está acontecendo conseguir superar o mais crítico e ácido crítico do governo), não contavam com a astúcia da presidenta que qual um Chapolin colorado do mal ao ser perguntado “E agora quem irá nos proteger?”, agora responde: “Ninguém!’.

Ninguém está seguro diante de não uma guinada à direita, mas A guinada à direita, que já era apontada com a composição do ministério cantada em verso e prosa pela oposição à esquerda do governo que iria acontecer (ministro da fazenda ligado a bancos e agronegócio na agricultura). E essa ausência de segurança é exemplar ao atingir primeiramente o que segurava os trabalhadores em períodos de vacas magras forçadas pelo mercado ou pelas leis ambientais.

Quando nenhum seguro é respeitado a única coisa que nos resta é a luta e se espera que junto a esta luta se alinhem quem outrora latia vulgarmente para uma poesia amestrada em programa eleitoral ignorando os uivos de quem já antecipava o pior.

E é de bom tom que os novos lobos saibam fazer autocrítica de seu papel de palhaço na farsa eleitoral.

Correndo atrás do próprio rabo

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Por Gilson Moura Henrique Júnior

A história recente da esquerda no Brasil tem um quadro incrivelmente eloquente de uma mistura da crise de representação porque passam os movimentos contestatórios mundialmente em relação ao estado com a histórica tendência à burocratização da esquerda partidária (Não só pós-Lênin, mas que ganhou nova característica com o leninismo). Soma-se a isso a desmobilização que a esquerda partidária sofreu pós-PT na presidência e temos o caldo cultural e político do caos na identidade e ação da esquerda como um todo, mas especialmente a marxista leninista partidária, e dos motivos do aprisionamento político-partidário em torno de símbolos petistas e na órbita do partido dos trabalhadores.

São inúmeros os exemplos dessa relação maluca entre a esquerda e o PT e que explicam o motivo pelo qual a esquerda partidária não supera a crise de representação que atinge praticamente todos os países do mundo e não consegue dar resposta aos desafios postos à sua frente sem estar refém de um partido da ordem que no passado tinha majoritariamente uma orientação socialista. Os mais recentes são o mar de voto crítico em Dilma no segundo turno das eleições e após esta nomear um ministério horroroso, mas cantado em verso e prosa há anos que iria acontecer por qualquer um com um mínimo de percepção conjuntura, o alinhamento em torno de Lula (sim, a maior liderança do partido da presidenta Dilma) para “questionar Dilma sobre o ministério”.

Sim, isso mesmo, a esquerda se alinha em torno de Lula,do mesmo partido da presidenta e maior liderança dele, para ser oposição ao governo e fazer as vias de oposição de esquerda unida em frente numa aparente relação esquizofrênica do PT com seu governo sustentada por lideranças de movimentos sociais (E não duvido que por partidos da dita oposição de esquerda).

O que salta aos olhos é a miopia por opção diante de uma enorme manobra do PT, Lula,etc para não perder apoio na esquerda enquanto nomeia um ministério para a direita. A tática de relação pendular com as forças políticas que já existia em Getúlio e que Lula foi mestre em fazer acontecer em seu Governo (E que Dilma não consegue realizar inclusive por seu perfil tecnocrata), é exemplo sintomático do domínio absoluto que o PT tem no imaginário político da esquerda, toda ela, mesmo que mais fortemente presente na esquerda partidária.

E vai funcionar, Lula e o PT conseguirão com a nomeação do ministério e a manobra de oposição a si mesmo capitaneada por Lula controlar, pela esquerda e pela direita, o cenário político nacional por mais alguns anos, e não duvido que gerencie a crise econômica e política elegendo a velha raposa como presidente em 2018.

Vai funcionar porque o quadro de aprisionamento, que era um dado contornável em eleições e conjunturas passadas, agora foi deixado claro pra todo mundo após o apoio significado, eloquente, explícito que toda a esquerda deu ao PT nas eleições de 2014. Declaração de voto crítico não esvazia o apoio presente, cristalino, de gravação de vídeo pra propaganda eleitoral inclusive, que foi dado pela esquerda, de PSOL a PSTU passando inclusive por parte do movimento anarquista que não soube raciocinar diante da pressão da política do medo.

Essa política e o apoio recebido foi a maior vitória do PT nesta eleição, que definitivamente deixou como recado coletivo para a população que o PT é tão de esquerda quanto os anarquistas presos. O apoio deixou claro para a população que o PT é contra a direita representada pelo PSDB. Pior, após a eleição a esquerda entra inteira de cabeça, a partir das lideranças construídas por ela, no reforço da tática de cooptação e aprisionamento a partir do apoio entusiástico a Lula como oposição do Pt ao próprio PT.

Ninguém pôs a mão na cabeça pra ver o óbvio? Que se trata de antecipação da campanha com desvio das críticas para Lula e não pra presidenta, que assim pode desfilar sua política e ostentar seu pragmatismo tecnocrata sem maiores ruídos? O lançamento da oposição a si mesmo na mesma semana da nomeação do ministério tira inteiramente do foco midiático e político as desastrosas nomeações e põe como foco a figura de Lula. E as lideranças de movimentos sociais, elogiadas por todos os partidos da esquerda, propagandeadas por partidos como o PSOL como salvação das lavouras para a oposição de esquerda? Com esse endosso à manobra de Lula deixam claro: O PT ainda é nosso representante.

E por que isso acontece? Em primeiro lugar porque a oposição de esquerda, em um quadro de ampliação da capilarização e crescimento parlamentar esqueceu que era a crítica “responsável” da crise de representação petista e endossou o PT no segundo turno das eleições, com suas principais figuras públicas indo pra TV e internet declarar sem nenhuma discussão com a base que apoiavam Dilma. Ou seja, em plena crise de representação do PT a esquerda na oposição disse: O PT nos representa, mesmo que a contragosto. Bonito,né?

Mas calma! Vai piorar!

Fazendo isso e deixando a descoberto toda representação pela esquerda de contrariedade ao PT (Porque é bom lembrar que quem tem algo contra não vota, assim entende o coleguinha na rua) a própria oposição de esquerda que ainda tentava se livrar da crise de representatividade agora é parte dela. Bacana,né?

Pra piorar parte do movimento anarquista entrou na onda, deixou-se pegar no papel pega mosca da política do medo e parece não ter notado que estava reelegendo um governo homofóbico, proibicionista, anti-índio, antiecológico, que apoia a política de extermínio da população negra. Esqueceu-se isso tudo e foi na fé, esqueceu-se até que para anarquista o voto é muito mais que apertar botãozinho e fazer seu papel de participante da festa da democracia, e quem lembrava isso era “cartilhista”, era muito mais importante pra parte do movimento anarquista ser parte da contaminação da política do medo do que ser o esteio da crítica da pouquíssima diferença entre PT e PSDB. Essa parte inclusive é também amante da lógica de socialização na política, da política como convescote de idealistas em nome de um mundo melhor, pregou que a oposição à Dilma deveria ser “diferente” da com Aécio, como se ambos não fossem parte da ordem. A ordem que nem esperou o defunto da burrice coletiva da esquerda esfriar para reaprisionar companheiros anarquistas e autonomistas e depois sumiu, como via de regra todos os amantes do “voto crítico”.

Agora temos além de uma esquerda aprisionada, um movimento anarquista sendo preso dentro de um processo de ampliação da operação condor para muito além das fronteiras da América do Sul. São anarcos sendo presos e processados no Brasil, no Chile, na Espanha, Portugal, EUA, México, Grã Bretanha,etc. Sim, aprisionados pelo estado, este estado que se endossou ao propor coletivamente para toda a esquerda a suspensão da descrença em apoio à Dilma como “Mal menor” em relação a Aécio Neves.

E até pra nos defender perdemos o Chapolin colorado, único que nos defenderia dado que PSOL, PSTU, PT, todos majoritariamente fizeram e fazem parte do processo de criminalização de anarquistas e autonomistas sem pudor nenhum, e foram apoiados por parte do movimento anarquista nestas eleições de 2014. Ou seja, receberam um endosso, “continuem aprender nossos companheiros porque vocês são um mal menor em relação a Aécio, embora ambos, PT e PSDB, nos prendam e suspendam nossos direitos democráticos”.

Essa parte do movimento anarquista que optou pela acriticidade, pela suspensão da descrença pra seguir bovinamente a política do medo sem tentar usar o maldito cérebro ao menos uma vez pra ver holisticamente o tamanho da merda que estava fazendo merece ou não merece nosso parabéns?

Enfim, diante de um quadro da esquerda e anarquistas correrem atrás do próprio rabo como cães enlouquecidos por algum tipo de dor, coceira ou entorpecimento, temos um dos piores e mais brutalmente autoritários ministérios da história.

Para resistir ao que o governo aponta pelas nomeações que vai fazer precisávamos de movimento organizado ocupando as ruas e fazendo o país parar. Mas em vez disso temos o movimento abraçando o aprisionamento e a domesticação ao participar de uma frente única com o partido do próprio governo, ou seja, para que a resistência seja domesticada, se houver. Quem poderia fazer diferente deu um tiro na cabeça da própria militância que resistia diuturnamente à cooptação pelo PT ao ter suas principais figuras públicas endossando o governo Dilma no segundo turno de 2014.

Existem as Federações anarquistas e a maioria do movimento anarquista que resistiu à cooptação, embora este movimento também tenha sido abalado pela aderência dos anarquistas do terceiro milênio dos últimos dias, aqueles que mesclam Deleuze com Rui Falcão, ao dilmismo Coração Valente, que ao menso criaram no interior dos debates o vírus do medo. Mas estas federações e coletivos anarquistas são hoje o principal inimigo do Estado, são perseguidos, silenciados e só contam com o apoio das próprias mídias para sustentarem sua resistência.

O restante da esquerda optou por fazer eco à criminalização de anarquistas e autonomistas, ou se omitir diante disso, o que dá no mesmo.

Portanto, estamos sozinhos.

A esquerda partidária se juntou numa frente única burocratizada e construída em nome do pavor de ser atropelada por algo que não controla: a insatisfação popular. O quadro aponta para mobilizações fora de movimentos sociais organizados e partidos ou então danou-se.

Para isso nossas esperanças são nos movimentos contra os aumentos de passagem, as greves de garis, as mobilizações indígenas e quilombolas, as mobilizações contra o aquecimento global e a insistência para que lutadores não mais se organizem em partidos.

E mesmo essas esperanças enfrentarão um quadro de acirramento da repressão.

A vida será mais dura.

Ideias e movimentos de organização anarquista hoje – Um papo sobre municipalismo libertário.

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Por Gilson Moura Henrique Junior

Para discutir teoricamente sobre organização e prática anarquista, é de bom tom ter em mente que, em relação aos movimentos e organizações de cunho socialista, o movimento anarquista parte de pontos organizativos, digamos assim, menos sólidos. Esta ausência de solidez não parte de diferenças qualitativas entre métodos de organização e sim da capilaridade relacionada ao socialismo e ao anarquismo. Esta diferença na penetração das ideias anarquistas em relação às socialistas não tem outra raiz senão a história de cada movimento: a perseguição a anarquistas, desde o fim do século XIX até os primeiros vinte anos do século XX; a cooptação que o movimento socialista levou a cabo junto aos movimentos anarquistas após a revolução russa de 1917; as duas severas ditaduras que reprimiram todo o espectro de esquerda, mas atingiram em cheio o movimento anarquista, que também era combatido pela esquerda, a partir de grupos alinhados ao partido comunista, que perseguia com ferocidade tudo o que fugisse da órbita soviética, como se viu na guerra civil espanhola.

Levando tudo isso em conta, temos diante de nós, nos últimos vinte anos, uma retomada do processo de organização anarquista e uma busca de protagonismo dessa vertente ideológica, que tem encontrado vasto sucesso e campo de atuação na juventude brasileira. Esse sucesso, no entanto, esbarra nas fragilidades organizativas do anarquismo, o que é típico nas organizações mais horizontais e cuja ausência de centralidade e centralismo exige menos unidade que a imposição das organizações socialistas de linha marxista-leninista. Uma dessas fragilidades é a dificuldade de formação, especialmente uma formação unitária, que leve em conta o maior grupo possível de pensadores anarquistas – e são muitos – de modo a ampliar a percepção da anarquia para além da ideia romântica de rebeldia momentânea, que acaba não refletindo sobre o que é preciso transformar, no presente, em cada indivíduo, para além da aparência externa e da simbologia anarquista utilizada.

Essa dificuldade de formação é combatida com muita competência por portais como o Protopia, que fornece um amplo número de textos dos mais diversos pensadores e que auxilia assim aos neófitos a entenderem mais da anarquia. Outros espaços são a Anarcopedia e o Instituto de Teoria e História Anarquista, que atuam divulgando ideias, base teórica e a história do movimento.

Essa fragilidade, embora seja um ônus, é parte dos riscos da horizontalidade e que precisa ser visto dessa forma. Assim como na ecologia a diversidade é mãe dileta da manutenção das espécies, na anarquia a diversidade, pluralidade e ausência de centralismo é mãe dileta da liberdade e da manutenção da ideologia em curso.

Diante desas colocações, a ideia de organização anarquista que perpassa pra quem observa de fora é extremamente diversificada e propõe uma gama de soluções para os dilemas da luta de classes que lidam com os mais diversos autores e propostas, na maior parte atuam como ferramenta de organização periférica, onde os partidos não atuam e formando focos de rebelião nas localidades onde os partidos passeiam apenas com o discurso de fomento eleitoral e com menos participação concreta na organização da população para um enfrentamento organizado ao estado. Essa fórmula de organização propõe o fortalecimento da organização de base, que consolide uma alternativa ao viés eleitoralista que acaba por, na hora H, trair o discurso de construção da revolução em nome da construção de aparatos.

Essa ideia de ação anarquista propõe uma solução viável e em curso de alternativa concreta à lógica partidária e que fomenta a organização popular, a questão é o passo adiante da tomada de poder e de empoderamento pelos coletivos organizados nas periferias. Que passo se dá para a ocupação dos espaços que o estado não ocupa?

Óbvio que seria muita arrogância propor de fora soluções às uma gama de coletivos organizados e com problemas práticos in loco, porém sugerir não dói. E a sugestão é que se integre as ações locais com a formação de conselhos coletivos de empoderamento local para a transformação de bairros em focos de comunas. A partir disso a constituição de um lastro de poder local criando uma rede coletiva horizontal que confronte o estado em nome da revolução no modo de vida dos bairros e ruas dentro do município.

Claro que isso tem em mente uma objetificação ideal da ação de coletivos inteiros e que não tem como medir os dramas diários de cada coletivo organizado nas periferias do país afora para compreender as dinâmicas internas que se se fazem presentes, os problemas e os enfrentamentos ao estado, especialmente em favelas, onde ele se mostra em uma face mais dura do que os intelectuais de classe média, entre os quais e me incluo pela casse e não pelo intelecto, cogitam compreender para além da formulação empática.

Só que é fundamental perceber o avanço da ocupação de espaço por coletivos anarcos ou autonomistas onde não se vê o discurso partidário, ocupadíssimo em conquistar CAS, DCEs, Grêmios, e não muito em organizar meios de enfrentamento político onde o estado não vai, e nem quem o busca ocupar para “fazer a revolução”, e tentar a partir disso auxiliar à construção de redes de transformação social que construam ferramentas revolucionárias de combate ao racismo ambiental, à criminalização da pobreza, ao racismo etnocida de estado, a partir do empoderamento simbólico e concreto dos moradores de periferia que a partir de suas associações (Não necessariamente associações formais) podem formar conselhos locais de percepção e resolução de problemas, que utilizem menos o aparato do estado e mais o cotidiano das ruas e vielas para tensionar o estado rumo à construção de alternativas de desenvolvimento local não paroquiais.

Essa ideia não se prende apenas nas periferias, as usa pela percepção de ocupação destes espaços pro coletivos autonomistas e anarquistas, e parte da ideia de Municipalismo Libertário criada por Murray Bookchin. E a proposta é incitar o debate sobre as táticas propostas por este pensador no cotidiano das cidades, atuando de forma a construir meios de reduzir o poder central do estado e combatê-lo rua a rua, bairro a bairro, cidade a cidade.

É fundamental entendermos também que essa proposta foi posta em prática no cotidiano do autor Murray Bookchin e hoje é praticada na Turquia pelos partidários do PKK e atual Curdistão Sírio pelo PYD (com o apoio do PKK), o que nos fornece meios práticos de percepção de suas implicações práticas, tão caras aos críticos.

A cidade independente de Kobane, membro do cantão de Rojava, que equivale ao Curdistão Sírio, é alvo tanto dos fundamentalistas islâmicos do Estado Islâmico (ISIS em Inglês) e das potências da OTAN, quanto dos islamistas moderados turcos do AKP, partido do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que ao negar a entrada de combatentes curdos ligados ao PKK pelas fronteiras turcas, permitindo apenas a entrada dos pershmerga do Curdistão Iraquiano, que não praticam o confederalismo democrático, buscam enfraquecer o crescimento da atuação do PKK em território turco, abatendo o bastião da prática libertária me Rojava.

foto-2-eduardinhoEsse exemplo dá uma ideia de quão perigosa é a ideia de uma confederação de cantões ou cidades livres, o quão é perigosa a ideia de bairros, ruas, favelas, livres e organizadas em conselho se pondo a enfrentar o estado a partir de conselhos de jovens, mulheres, velhos, de artesãos, de donas de casa, que se propõem a construir soluções práticas para enfrentar a ditadura do estado, que promete a paz, mas fornece uma paz sem voz, garantida no medo das unidades de polícia pacificadora (UPP) e na garantia de lei e ordem (GLO) com as digitais das forças armadas, as mesmas forças armadas que prenderem, mataram, torturaram marxistas na década de 1970, e mataram indígenas, camponeses e quilombolas, que jamais receberam tanto holofote quanto os membros das organizações comunistas e socialistas (muitos hoje no poder mantendo as ocupações militares e as unidades de “pacificação”).

É por isso que entendemos que uma boa sugestão é a percepção dos meios pelos quais se organizaram os curdos e propõe Murray Bookchin como meio de agir de forma revolucionária na construção cotidiana adaptando as experiências propostas pelo anarquista estadunidense e postas em práticas pelos curdos à realidade brasileira, atuando de um jeito onde se construam ferramentas concretas de superação do estado e das formas de organização hierárquicas, fornecendo alternativas concretas pra resolução de problemas cotidianos sem a intermediação de líderes paroquiais e de vereadores, desta forma fortalecendo a percepção do poder popular e empoderando os envolvidos na sua construção.