Os amigos de Hitler (Um texto de Eduardo Galeano)

Tradução por José Roberto de Luna, Maio de 2015.

Reproduzimos um esclarecedor texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, extraído de seu livro Espelhos: uma história quase universal. Galeano, com mãos de um cirurgião especialista, disseca e descreve a perfeita simbiose entra as grandes corporações capitalistas dos EUA e da Alemanha – de antes e de agora – que com a inestimável colaboração da Igreja Católica e dos bancos suíços abriram caminho para a ascensão do Nazi-fascismo e sua conquista da Europa… e para a maior hecatombe que já conheceu a história humana. Uma leitura necessária e muito recomendável de um dos ensaístas mais lúcidos do panorama literário atual em espanhol. [Os negritos são nossos]

“Os amigos de Adolf Hitler têm má memória, mas a aventura nazi não teria sido possível sem a ajuda que deles recebeu.

Como seus colegas Mussolini e Franco, Hitler contou com o precoce beneplácito* da Igreja Católica.

Hugo Boss vestiu seu exército.

Bertelsmann publicou as obras que instruíram seus oficiais.

Seus aviões voavam graças ao combustível da Standard Oil [hoje Exxon e Chevron], seus soldados viajavam em caminhões e jeeps da marca Ford.

Henry Ford, criador desses veículos e do livro O judeu internacional, foi sua musa inspiradora. Hitler agradeceu por tudo condecorando-o.

Também condecorou o presidente da IBM, a empresa que tornou possível a identificação dos judeus.

A Rockefeller Foundation financiou investigações raciais e racistas da medicina nazi.

Joe Kennedy, pai do presidente, era embaixador dos Estados Unidos em Londres, porém mais parecia embaixador da Alemanha. E Prescott Bush, pai e avô de presidentes, foi colaborador de Fritz Thyssen, quem pôs sua fortuna à disposição de Hitler.

O Deutsche Bank financiou a construção do campo de concentração de Auschwitz.

O consórcio IGFarben, o gigante da indústria química alemã, que depois passou a se chamar Bayer, Basf ou Hoechst, usava como ratos de laboratório os prisioneiros dos campos, e além disso os usava como mão de obra. Estes operários escravos produziam de tudo, incluindo o gás que ia matá-los.

Os prisioneiros trabalhavam também para outras empresas, como Krupp, Thyssen, Siemens, Vasrta, Bosch, Daimler Benz, Volkswagen e BMW, que eram a base econômica dos delírios Nazis.

Os bancos suíços ganharam uma nota preta comprando de Hitler o ouro de suas vítimas: suas joias e seus dentes. O ouro entrava na Suíça com assombrosa facilidade, enquanto a fronteira estava completamente fechada* para os fugitivos de carne e osso.

A Coca-cola inventou a Fanta para o mercado alemão em plena guerra. Nesse período, também Unilever, Westinghouse e General Eletric multiplicaram ali seus investimentos e suas ganâncias.

Quando a guerra terminou, a empresa ITT recebeu uma milionária indenização porque os bombardeios aliados haviam danificado suas fábricas na Alemanha”.

Eduardo Galeano (Uruguai, 1940)

Fragmento de Espejos: una historia casi universal (ISBN: 978-84-323-1314-1)

Siglo XXI Ed. (Madrid, México, Buenos Aires, 2008)

Notas do tradutor:

* Aprovação.

* Aqui se perdeu um jogo de palavras. No original, Galeano usa a expressão “a cal y canto” (que significa que algo está absolutamente fechado) para contrastar com a expressão “de carne e osso” que vem em seguida.