Os seguros do trabalhador não deixam mais ninguém seguro, o papel de palhaço e outras histórias

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Por Gilson Moura Henrique Junior

A absoluta crueldade do estado para com os trabalhadores jamais foi novidade. A novidade, no Brasil, é que ataques aos direitos dos trabalhadores tenha vindo, pasmem, de um partido nomeado “Partido dos Trabalhadores”.

Não que isso seja novidade também.

Basta que a gente se lembre que o Partido dos Trabalhadores praticamente inaugurou seu primeiro mandato de presidente da república na história com a consolidação da reforma da previdência, um dos mais cruéis ataques aos direitos dos trabalhadores que se tem notícia.

Com esse ataque o governo Lula foi feliz ao acenar ao mercado que sua ação de forma contente agiria mantendo a ampliação da idade mínima para se aposentar, reduzindo direitos previdenciários, criando o fator previdenciário,etc.

Essa reforma foi lida pela mídia à época como “grande vitória do Governo Lula”, e o elogio não foi à toa, mesmo diante da ilegalidade da reforma, dado que os pilares da reforma eram um claro aceno que o então governo “de esquerda” estava fazendo uma gestão econômica que não rompia com os pilares neoliberais herdados do governo FHC, embora fizesse ajustes gerenciais que ampliavam a margem de manobra de investimentos do estado na economia.

Além disso, a manutenção de um tucano na presidência do Banco Central, a instituição de um superavit primário superior aos do governo tucano (ampliando o dinheiro destinado ao pagamento dos juros da dívida pública), tudo gerava um contentamento no mercado financeiro na elite econômica, que havia ficado nervoso com a possibilidade de um governo concretamente de esquerda gerindo o estado brasileiro.

De lá pra cá, tudo foi muito bem gerido no âmbito da relação entre esquerda e governo, entre a publicidade oficial e a organizada militância cotidiana de defesa dos governos do PT que a cada movimento da ampla e irrestrita guinada à direita , para a cada exemplo tático desta guinada ser oferecido ao interlocutor um dado positivo do governo.

A questão é que os dados positivos do governo foram a cada dia escasseando mais sob o ponto de vista do trabalhador e não fugindo muito da existência do bolsa-família, ausência de privatizações às claras e manutenção de direitos dos trabalhadores.

Bem, nem isso agora dá pra ser sustentado diante dos ataques diretos ao seguro-desemprego, auxílio doença e seguro defeso feitos pelo governo Dilma no apagar das luzes de 2014.

O ataque especialmente ao seguro-desemprego e seguro-defeso atingem diretamente a população mais pobre e presente em mercados com maior rotatividade empregatícia ou dependentes do seguro governamental no período onde são impossibilitados de efetivamente trabalharem para seu sustento, caso do seguro-defeso.

Ao criar meios de na prática impedir o acesso ao seguro-desemprego e seguro defeso, o governo tira da proteção estatal um exército enorme de pessoas que dependem disso pra comer. São pescadores que na época de defeso não podem pescar, dado que defeso é o período de proteção à reprodução de espécies de peixes, crustáceos e moluscos marinhos e de rio. São trabalhadores do agronegócio que são demitidos após o término de suas atividades, algo que dificilmente supera seis meses e que ficam sem proteção do estado quando não há mais trabalho a ser executado.

Além disso ser extremamente cruel, a economia de 9 bilhões de reais é troco de pinga, dado que a maior parte do orçamento da república vai pro pagamento de juros da dívida pública através dos recursos obtidos a partir do superavit primário. Ou seja, o governo destina muitos bilhões pros bancos e corta a verba destinada aos mais pobres pra economizar algo que se reduzisse apenas meio por cento do dinheiro destinado aos bancos conseguiria economizar. É uma opção clara atingir direitos ao invés de atingir o pagamento de uma dívida que inclusive tem a legitimidade contestada por auditores da auditoria cidadã da dívida.

Ou seja, o governo Dilma antes mesmo do defunto da credibilidade coletiva em cima de uma surreal e improvável guinada à esquerda por sue governo esfriar já abriu um saco de maldades que dificilmente é feito de um maquiavelismo digno de nota.

Isso sem contar um ministério dos horrores onde uma de suas próceres já anunciou que “Não existe latifúndio no Brasil e os índios é que ‘descem para áreas agricultáveis’”.

A sensação de quem vê de fora é que Dilma Roussef não só apelou pra desmoralização completa da malta de tolos que a seguiu acreditando no marketing do João Santana como resolveu discipliná-los através do escarnio e da crueldade.

Só que para além das críticas e ironias quem será atingido é quem fez parte do que os petistas adoravam dizer: Os quarenta milhões retirados da miséria.

Além de terem sido retirados da miséria sem serem retirados da mira assassina da polícia militarizada, racista e elitista, estes entes foram removidos de suas casas para as obras da copa, tiveram o bioma de onde tiravam seu sustento destruído, foram mortos e assassinados pelo agronegócio reforçado pela posse de Katia Breu como ministra da agricultura e agora ou são impedidos de obterem recursos do seguro-desemprego enquanto ficam sem trabalho a partir da sazonalidade e rotatividade do mercado de trabalho local ou tem de escolher entre o bolsa-família e o seguro defeso nos períodos de defeso onde legalmente são impedidos de pescar.

Ou seja, os quarenta milhões que saíram da miséria tão sendo empurrados pra ela de novo ou pior, vão ser empurrados pro crime ambiental.

Ah, esqueci de lembrar que a maior parte das espécies ameaçadas de extinção no Brasil é de peixes. Assim, além de atacar direitos dos trabalhadores a Dilma ataca o meio ambiente, como se não bastasse o caráter predatório de seu governo.

Então, quando o voto crítico com fome juvenil, toscamente autoproclamada de “Petralha”, arrogantemente ignorava avisos de tudo isso que está acontecendo (Mesmo tudo o que está acontecendo conseguir superar o mais crítico e ácido crítico do governo), não contavam com a astúcia da presidenta que qual um Chapolin colorado do mal ao ser perguntado “E agora quem irá nos proteger?”, agora responde: “Ninguém!’.

Ninguém está seguro diante de não uma guinada à direita, mas A guinada à direita, que já era apontada com a composição do ministério cantada em verso e prosa pela oposição à esquerda do governo que iria acontecer (ministro da fazenda ligado a bancos e agronegócio na agricultura). E essa ausência de segurança é exemplar ao atingir primeiramente o que segurava os trabalhadores em períodos de vacas magras forçadas pelo mercado ou pelas leis ambientais.

Quando nenhum seguro é respeitado a única coisa que nos resta é a luta e se espera que junto a esta luta se alinhem quem outrora latia vulgarmente para uma poesia amestrada em programa eleitoral ignorando os uivos de quem já antecipava o pior.

E é de bom tom que os novos lobos saibam fazer autocrítica de seu papel de palhaço na farsa eleitoral.

“Não. Isto é uma verdadeira revolução” Entrevista com David Graeber sobre Rojava

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Fonte: Jornal MAPA

traduzido a partir de ZNET (entrevista originalmente publicada pelo diário Evrensel na Turkia)


O anarquista e professor de Antropologia (London School of economics), David Graeber, escreveu em Outubro passado um artigo para o Guardian, durante a primeira semana dos ataques do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) a Kobane (norte da Síria), onde perguntava porque é que o mundo estava a ignorar os Kurdos Sírios revolucionários.

Mencionando o seu pai, que se voluntariou para lutar nas Brigadas Internacionais na república espanhola em 1937, perguntou:

“ Se existe hoje um paralelo com os assassinos falangistas, superficialmente devotos de Franco, quem será senão o ISIS? Se existe hoje um paralelo com as Mujeres Libres de Espanha, quem será senão as corajosas mulheres que defendem as barricadas de Kobane? Vai o mundo – e desta vez mais escandalosamente, a esquerda internacional- ser condescendente em deixar que a história se repita?

De acordo com Graeber, a região autónoma de Rojava declarada com um “contracto social” em 2011, como três cantões anti-estado, anti-capitalistas, foi também uma notável experiência democrática desta área.

No início de Dezembro, com um grupo de 8 pessoas, estudantes, activistas e académicos de diferentes partes da Europa e dos EUA, passou 10 dias em Cizire – um dos cantões de Rojava. Tiveram a hipótese de observar a prática da “democracia autónoma” no local e colocar várias questões.

Graeber descreve agora a sua impressão desta viagem com questões maiores e explica por que é que esta “experiência” dos curdos sírios está a ser ignorada pelo mundo inteiro.

No artigo para o Guardian perguntaste por que é que o mundo ignora a “experiencia democrática” dos curdos sírios. Depois da experiência de 10 dias, tens uma nova questão ou talvez uma resposta para isso?

Bem, se alguém tinha dúvidas se isto era uma verdadeira revolução, ou só alguma “sombra”, diria que esta visita tira todas as dúvidas. Ainda existem pessoas a dizer: “Isto é só uma frente do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), na verdade são só uma organização autoritária estalinista, que apenas finge ter adoptado uma democracia radical”. Não. Isto é mesmo a sério. É uma revolução genuína. Mas de certa maneira, é exactamente esse o problema. Os grandes poderes têm-se entregado a uma ideologia que diz que as verdadeiras revoluções já não podem acontecer. Entretanto, muita da esquerda, mesmo a radical, parece tacticamente ter adoptado a política que assume o mesmo, apesar de parecerem superficialmente revolucionários. Assumem um tipo de “anti-imperialismo” puritano que assume que os únicos jogadores importantes são os governos e capitalistas, e que esse é o único jogo que vale a pena discutir. O jogo onde se batalha, se criam vilões míticos, se agarra petróleo e outros recursos, montam-se redes de patrocínios; é o único jogo da cidade. O povo de Rojava diz: “Nós não queremos jogar esse jogo. Queremos criar um novo”. Muita gente acha isto confuso e perturbador, então escolhem acreditar que não está a acontecer, ou que essas pessoas estão iludidas, são desonestas ou ingénuas.

Desde Outubro que vemos uma crescente solidariedade vinda de vários movimentos políticos de todo o mundo. Houve uma grande e deveras entusiástica cobertura da resistência em Kobane pelos média mainstream internacionais. A posição política perante Rojava mudou no Ocidente, de certa forma. Existem sinais significativos mas estar-se-á a discutir suficientemente a autonomia democrática e as experiências nos cantões de Rojava? Que parte de “algumas pessoas corajosas a lutar contra o grande mal desta era, o ISIS” não estará a dominar esta aprovação e este fascínio? Acho que é notável que tanta gente no Ocidente olhe para estes quadros de feministas armadas, por exemplo, e nem sequer pense nas ideias por trás delas. Apenas se apercebem que assim aconteceu, por algum motivo. “Penso que é uma tradição curda”. De certo modo, claro que se trata de orientalismo, ou simplesmente racismo. Nunca lhe ocorreu que as pessoas no Curdistão possam estar também a ler Judith Butler. Na melhor das hipóteses pensam: “Oh, estão a tentar alcançar os padrões ocidentais da democracia e dos direitos das mulheres. Será que é a sério ou será só para os estrangeiros verem”. Não lhes ocorre que eles podem estar a levar as coisas bem mais longe que os “padrões ocidentais” alguma vez levaram; que acreditam genuinamente nos princípios que os Estados ocidentais apenas professam.

Mencionaste a aproximação da esquerda sobre Rojava. Como é isso recebido nas comunidades anarquistas internacionais?

A reacção da comunidade anarquista internacional tem sido decididamente diversa. De certa maneira, acho difícil de entender. Existe um grupo substancial de anarquistas – normalmente os elementos mais sectários – que insiste que o PKK ainda é um grupo nacionalista autoritário estalinista, que adoptou Bookchin, e outros partidários da esquerda libertária, para cortejar a esquerda anti autoritária na Europa e América. Parece-me uma das ideias mais parvas e narcisistas que já ouvi. Mesmo que a premissa estivesse correcta, e que um grupo Marxista-Leninista decidisse fingir uma ideologia para obter apoio estrangeiro, por que raio é que iriam escolher ideias anarquistas desenvolvidas por Murray Bookchin? Isso seria a jogada mais estúpida de sempre. Obviamente fingiriam ser islamitas ou liberais, já que são esses que conseguem armas e apoio material. De qualquer maneira, penso que muita gente na esquerda internacional, incluindo a esquerda anarquista, não quer basicamente ganhar. Não conseguem imaginar que uma revolução realmente acontecesse, e, secretamente, nem sequer a querem, uma vez que isso significaria partilhar o seu clube “fixe” com pessoas comuns; já não seriam especiais. Assim, até é útil para separar os verdadeiros revolucionários dos “poseurs”. Mas os verdadeiros revolucionários têm-se mantido firmes.

Qual foi a coisa mais impressionante que testemunhaste em Rojava nos termos práticos desta autonomia democrática?

Existem tantas coisas impressionantes. Acho que nunca ouvi falar de nenhum outro lado do mundo onde tenha existido uma situação de dualidade de poder, onde as mesmas forças políticas criaram ambos os lados. Existe a “auto-administração democrática”, onde existem todas as formas e armadilhas de um Estado – Parlamento, ministros, e por aí – mas foi criada para ser cuidadosamente separada dos meios do poder coercivo. Depois há o TEV-DEM (o Movimento da Sociedade Democrática) dirigido de raiz instituições de democracia directa. No final – e isto é fulcral – as forças de segurança respondem perante as estruturas que seguem uma abordagem de cima para baixo, e não de baixo para cima. Um dos primeiros locais que visitámos foi a academia de polícia (Asayis). Todos tiveram que frequentar cursos de resolução de conflitos não violenta e de teoria feminista antes de serem autorizados a pegar numa arma. Os co-directores explicaram-nos que o seu objectivo final é dar seis semanas de treino policial a toda a gente no país, para que em última análise se possa eliminar a polícia.

O que responderias às várias críticas em torno de Rojava? Por exemplo: “Eles nunca fariam isto em tempos de paz. É por causa do estado de guerra”

Bem, penso que a maioria dos movimentos, perante as condições horrendas da guerra, não iria no entanto abolir imediatamente a pena capital, dissolver a polícia secreta e democratizar o exército. As unidades militares, por exemplo, elegem os seus oficiais.

E existe outra crítica, bastante popular nos círculos pro-governo aqui na Turquia: “O modelo que os Curdos – na linha do PKK e PYD (o Partido Curto de União Democrática) – estão a tentar promover não é na verdade seguido por todas as pessoas que lá vivem. Essa multi-… estrutura existe apenas à superfície, nos símbolos”

Bem, o presidente do cantão de Cizire é árabe, é de facto o chefe da maior tribo local. Suponho que se possa dizer que ele é só uma figura. No sentido que todo o governo o é. Mas ao olhando para as estruturas organizadas de baixo para cima, é certo que não são só os curdos que estão a participar. Disseram-me que o único problema a sério é com algumas aldeias do “cinto árabe”, pessoas trazidas de outras partes da Síria pelos Baathistas nos anos 50 e 60, como parte de uma política de marginalização e assimilação dos curdos. Algumas dessas comunidades afirmaram-se bastante hostis à revolução. Mas os árabes cujas famílias já lá estão há várias gerações, ou os assírios, quirguizes, arménios, chechenos, mostram-se entusiasmados. Os assírios com quem falámos disseram que, após uma longa e difícil relação com o regime, sentiram que finalmente lhes era permitida autonomia cultural e religiosa. Provavelmente, o maior problema pode ser o da libertação das mulheres. O PYD e o TEV-DEM vêem-no como absolutamente central na sua ideia de revolução, mas também enfrentam o problema de lidar com alianças maiores com comunidades árabes que sentem que isto viola princípios religiosos básicos. Por exemplo, enquanto aqueles que falam siríaco têm a sua própria união de mulheres, os árabes não, e as raparigas árabes interessadas em organizar-se em torno de questões de género ou até assistir a seminários feministas têm de se juntar com os assírios ou mesmo com os curdos.

Não é necessário estar preso no “quadro anti-imperialista puritano” que mencionaste antes, mas o que dirias em relação ao comentário que o Ocidente/imperialismo irá um dia exigir aos curdos sírios um pagamento pelo seu apoio? O que é que o Ocidente pensa exactamente sobre este modelo anti-estado e anti-capitalista? É apenas uma experiência que pode ser ignorada durante um estado de guerra, enquanto os curdos se aceitam voluntariamente combater um inimigo criado pelo Ocidente?

É absolutamente verdade que os EUA e a Europa irão fazer o que poderem para subverter a revolução. Nem é preciso dizer nada. As pessoas com quem falei estão bem cientes disso. Mas não fazem grande diferenciação entre a liderança de poderes regionais como na Turquia, Irão ou Arábia Saudita, e poderes Euro-americanos como por exemplo França ou EUA. Assumem que são todos capitalistas e estadistas e portanto anti-revolucionários, que podem no melhor dos casos ser convencidos a apoiarem-nos mas que, em última análise, não estão do seu lado. Depois existem questões ainda mais complicadas da estrutura da chamada comunidade internacional, o sistema global de instituições como a ONU ou FMI, corporações, ONG’s, organizações humanitárias, em que todas presumem uma organização estadista, um governo que pode passar leis e detém o monopólio da aplicação coerciva dessas leis. Só existe um aeroporto em Cizire e está sobre o controlo do governo Sírio. Podem tomá-lo a qualquer altura, dizem. E há uma razão para não o fazerem: como iria um não-Estado dirigir um aeroporto? Tudo o que se faz num aeroporto é sujeito a regulamentos internacionais, o que presume um Estado.

Tens uma resposta para o porquê da obsessão do ISIS com Kobane?

Bem, eles não podem ser vistos a perder. Toda a sua estratégia de recrutamento é baseada na ideia que eles são imparáveis, e que a sua contínua vitória é a prova que representam a vontade de Deus. Serem derrotados por um monte de feministas seria a humilhação final. Enquanto estiverem a lutar em Kobane, podem dizer que os média mentem e que estão a avançar verdadeiramente. Quem pode provar o contrário? Se recuassem seria admitir a derrota.

Tens resposta para o que Tayyip Erdogan e o seu partido estão a tentar a fazer na Síria e o Médio Oriente em geral?

Posso apenas imaginar. Parece que Erdogan passou de uma política anti-Assad e anti-curda para uma estratégia quase puramente anti-curda. Repetidamente tem mostrado vontade de se aliar com fascistas pseudo-religiosos para atacar qualquer experiência de democracia radical inspirada no PKK. Ele vê claramente, como o próprio Daesh (ISIS), que o que está a ser feito é uma ameaça ideológica, talvez a única alternativa ideológica viável face ao islamismo de direita que se avizinha, e tudo fará para a eliminar.

De um lado existem os curdos iraquianos com uma ideologia bem diferente em termos de capitalismo e noção de independência. Por outro lado, existe este exemplo alternativo em Rojava. E existem os curdos da Turquia que tentam manter um processo de paz com o governo… Pessoalmente, como vês o futuro do Curdistão a curto e a longo prazo?

Quem pode dizer? Neste momento as coisas parecem surpreendentemente boas para as forças revolucionárias. O KDG até desistiu da enorme vala que estava a construir através da fronteira de Rojava, após o PKK intervir e salvar Erbil e outras cidades dos avanços ISIS, em Agosto. Um elemento do KNK disse-me que isso teve um grande impacto na consciência popular; que um mês criou tanta consciência como 20 anos. Os jovens estavam particularmente impressionados pelo facto de os seus próprios Peshmerga abandonarem o campo de batalha mas as mulheres do PKK não. Mas é difícil de imaginar como é que o território de KRG será contudo revolucionado num futuro próximo. Nem o poder internacional o permitiria.

Apesar de a autonomia democrática não parecer estar em cima da mesa de negociações na Turquia, o Movimento Político Cudo tem estado a trabalhar nisso, especialmente ao nível social. Tentam encontrar soluções em termos legais e económicos para possíveis modelos. Quando comparamos, digamos, a estrutura de classes e o nível de capitalismo no Curdistão Ocidental (Rojava) e no Norte (Turquia), o que pensas sobre as diferenças destas duas lutas para uma sociedade anti-capitalista – ou para um capitalismo minimizado, como o descrevem?

Penso que a luta curda é explicitamente anti-capitalista em ambos os países. É o seu ponto de partida. Conseguiram uma espécie de fórmula: não eliminar o capitalismo sem eliminar o Estado, e não podemos eliminar o Estado sem eliminar o patriarcado. No entanto, o povo de Rojava tem a questão simplificada em termos de classes porque a verdadeira burguesia, tal como existia numa região maioritariamente agrícola, desapareceu com o colapso do regime de Baath. Enfrentarão um problema a longo prazo se não trabalharem no sistema educativo, para assegurar que um estrato tecnocrata de desenvolvimento não tente eventualmente tomar poder, mas entretanto, é compreensível que se foquem de imediato nas questões de género. Na Turquia não sei tanto, mas tenho a sensação que as coisas são muito mais complicadas.

Durante os dias em que as pessoas do mundo não podiam respirar por razões óbvias, a tua viagem a Rojava inspirou-te sobre o futuro? Qual achas que é o “remédio” para as pessoas respirarem?

Foi extraordinário. Passei a minha vida a pensar em como poderíamos fazer coisas como estas num futuro remoto e a maioria das pessoas pensa que sou louco por imaginar que isto alguma vez vai acontecer. Estas pessoas estão a fazê-lo agora. Se eles provarem que pode ser feito, que uma sociedade genuinamente igualitária e democrática é possível, isto irá transformar completamente a noção de possibilidades humanas. Pessoalmente, sinto-me dez anos mais novo só de ter lá passado dez dias.

Com que cena te irás recordar da tua viajem a Cizire?

Existem tantas imagens impressionantes, tantas ideias. Gostei da disparidade entre o aspecto das pessoas e as coisas que diziam. Conhece-se alguém, um médico, que parece um militar sírio, vagamente assustador, de casaco de cabedal e expressão austera. Depois fala-se com ele e ele explica: “Bem, sentimos que a melhor abordagem à saúde pública é a prevenção, a maioria das doenças ocorre devido ao stress. Sentimos que se reduzirmos o stress, os níveis de doenças de coração, diabetes, e mesmo o cancro irão diminuir. Assim, o nosso plano final é reorganizar as cidades para terem 70% de espaços verdes…” Existem todos estes planos loucos e brilhantes. Mas depois vai-se ao médico ao lado e explica-nos que, graças ao embargo turco, não conseguem sequer obter equipamento ou medicamentos básicos, que todos os pacientes para diálise que não foram levados dali morreram… Esta disjunção entre as ambições e as incríveis e difíceis circunstâncias. E… A mulher que era efectivamente a nossa guia era uma vice-chanceler chamada Amina. A certa altura, pedimos desculpa por não termos trazido presentes melhores e ajudado a população de Rojava, a sofrer sob o embargo. E ela disse: “No final, isso pouco importa. Temos a única coisa que ninguém nos pode dar. Temos a nossa liberdade. Vocês não. Quem me dera que houvesse uma maneira de vos poder dá-la”.

És por vezes criticado por seres demasiado optimista e entusiasta sobre o que está a acontecer em Rojava. Achas que és? Ou há alguma coisa que não entendem?

Sou optimista de temperamento, procuro situações que carreguem alguma promessa. Não acho que existam garantias que isto resultará no final, que não será esmagado, mas certamente que não será se toda a gente decidir que nenhuma revolução é possível e se recusar a dar-lhe apoio activamente, ou até dedicar esforços a atacá-la ou aumentar o seu isolamento, como muitos fazem. Se existem alguma coisa da qual tenho consciência e os outros não, talvez seja o facto de a história não estar terminada. Os capitalistas têm feito um esforço enorme nos últimos 30 ou 40 anos em convencer as pessoas que os actuais acordos económicos – nem sequer o capitalismo, mas a forma de capitalismo semi-feudal, financializada, peculiar que temos hoje em dia – são o único sistema económico possível. Puserem mais esforços nisto do que em criar um sistema capitalista global viável. Como resultado, o sistema está a despedaçar-se à nossa volta no preciso momento em que toda a gente perdeu a capacidade de imaginar outra coisa. Bem, é bastante óbvio que em 50 anos, o capitalismo sob qualquer forma que conheçamos, e provavelmente sob qualquer outra forma, já não existirá. Terá sido substituído por outra coisa. Essa coisa pode não ser melhor. Pode até ser pior. Por esse mesmo motivo, parece-me que é nossa responsabilidade, enquanto intelectuais, ou simplesmente seres humanos pensantes, de pelo menos pensar como será uma coisa melhor. E se existem pessoas que estão verdadeiramente a tentar criar essa coisa melhor, é nossa responsabilidade ajudá-las.

 

EM DOIS ANOS IMPRENSA ANARQUISTA NA AMÉRICA LATINA CRESCEU MAIS DE 50 POR CENTO

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Fonte: Coletivo Libertário Evora

Em Dezembro de 2012, há exactamente dois anos atrás, o jornal anarquista venezuelano el libertario fez um levantamento da imprensa libertária periódica contemporânea na América Latina e identificou 66 publicações activas e com presença nos meios anarquistas, o que – para os autores da pesquisa – era motivo de contentamento já “que tal número indicava o novo impulso que a imprensa ácrata latino-americana estava a tomar no século XXI, depois de na segunda metade do século anterior ter entrado num declive que parecia insuperável”.

Novo inventário foi feito agora. E o número de jornais e revistas anarquistas aumentou mais de 50 por cento na América Latina, situando-se agora nos 100 títulos: 80 em castelhano (editados em 12 países que falam o castelhano) e 20 em português (no Brasil). Para os editores de el libertario este renascer da imprensa libertária “é um dos indicadores mais patentes da reaparição do anarquismo latino-americano não só no âmbito comunicacional, mas também na área política, social e cultural. Registemos também o mérito adicional que representa pôr na rua cada um destes porta-vozes, pois não são simples os desafios a vencer nestas terras para planear, editar e fazer circular qualquer publicação que difunda os ideais de liberdade e de igualdade em solidariedade”.

Segue a lista das publicações que têm páginas na internet (pesquisa também da responsabilidade de el libertario):

A .- Meios impressos com edições accessíveis na Internet (96)

* (((A))) Info, Brasil.  http://anarkio.net/index.php/jrn/

* A Fagulha, Brasil. http://quebrandomuros.wordpress.com/jornal-a-fagulha

* A Ovelha Negra, Brasil. http://anarkio.net/index.php/rvts

A Plebe, Brasil. www.grupos.com.br/blog/sindivariosspfospcobacatait

Abrazando el Caos, Argentina.http://instintosalvaje.noblogs.org/abrazando-el-caos

Acracia, Chile. http://periodicoacracia.wordpress.com

Anarquía, Uruguay. http://periodicoanarquia.wordpress.com

* Anarquía y Comunismo, Chile.https://bibliotecasantecaserio.wordpress.com/category/periodicos

Apoyo Mutuo, México.www.federacionanarquistademexico.org/periodico-apoyo-mutuo

* Aullidos!, Chile.https://contrainformateblog.wordpress.com/2014/04/17/sale-nueva-revista-antiautoritaria-aullidos-no1-abril-2014

* Aurora Obreira, Brasil.  http://anarkio.net/index.php/rvts

* Autónoma, Chile. http://periodicoautonoma.wordpress.com

* Atentados, El Salvador. www.autistici.org/colectivolarevuelta/?q=taxonomy/term/4

* Bandera Negra, Costa Rica. https://banderanegrablog.wordpress.com

* Boletim Operario, Brasil. http://boletimoperario.blogspot.com.br

* Cangalla, Chile.http://periodicoelsolacrata.files.wordpress.com/2014/11/cangalla-nc2ba1-pa-subir.pdf

* Causa do Povo, Brasil.http://uniaoanarquista.wordpress.com/publicacoes/jornal-causa-do-povo

* Chenque Negro, Argentina. www.boletinchenquenegrocr.blogspot.com.ar

* Cimarrón, Argentina.http://es.contrainfo.espiv.net/2014/06/21/argentina-sale-el-no2-de-la-publicacion-anarquica-cimarron

* Contra Toda Autoridad, Chile.https://contratodaautoridad.wordpress.com

* Contracorriente, Argentina. http://issuu.com/ellibertario/docs/cont2

Cuba Libertaria. http://issuu.com/search?q=cuba%20libertaria

Dekadencia Humana, Argentina. http://dekadencia-humana-punkzine.blogspot.com

Destruye las Prisiones, México.http://es.contrainfo.espiv.net/2014/11/11/mexico-sale-el-no-4-de-destruye-las-prisiones

* Disidencia, Argentina.www.mediafire.com/view/iomwf17w19b7of1/Disidencia_N%C2%B01_%28Publicacion_Anarquista%29.pdf

* Disidencia Radical, Venezuelahttp://movimientoanarquistavalenciano.wordpress.com

* Ecopolítica, Brasil www.pucsp.br/ecopolitica

EDA / Educación Antiautoritaria, Chile.http://educacionantiautoritaria.blogspot.com

El Aguijón, Colombia. http://elaguijon-klavandoladuda.blogspot.com

* El Deseo como una de las más Bellas Armas, Argentina.www.columnanegra.org/2014/fanzine-el-deseo-como-un-de-las-mas-bellas-armas-2/

El Forista, Argentina. http://oficiosvariosrosario.wordpress.com/el-forista

* El Laburante, Argentina. http://capital.fora-ait.com.ar/category/el-laburante

El Libertario, Venezuela. www.nodo50.org/ellibertario

El Sol Ácrata, Chile. http://periodicoelsolacrata.wordpress.com

* Ellos no pueden parar la revuelta, ¿?http://antagonismo.net/index.php/contenido/publicaciones/2803-revista-ellos-no-pueden-parar-la-revuelta

* Emecê, Brasil. http://marquesdacosta.wordpress.com

Erosión, Chile. http://erosion.grupogomezrojas.org

Exilio Interior, Venezuela. http://exiliointeriorzine.blogspot.com

Existencia Muerta, Venezuela. http://las-ideas-nunca-mueren.contrapoder.org.ve

* Flora Sanhueza, Chile. http://libreriaflorasanhueza.wordpress.com

* Fusil Negro, Chile.https://contrainformateblog.wordpress.com/2014/08/20/hile-boletin-contrainformativo-fusil-negro-todas-sus-publicaciones

* Germinal, Argentina. http://oficiosvarios-zonanorte.blogspot.com/p/germinal.html

* Habitantes, Argentina. www.revistahabitantes.com.ar

* Hoja Sanitaria, Chile. http://saludantiautoritaria.blogspot.com

* Krea Desorden, Ecuador.https://www.facebook.com/kreadesordenfanzine

* La Boina, Chile. http://periodicolaboina.wordpress.com

* La Cima, Chile. http://periodicolacimaanarquista.wordpress.com

* La Fragua (Capital), Argentina. http://capital.fora-ait.com.ar/tag/la-fragua

* La Fragua (Neuquén), Argentina. http://srovnqn.blogspot.com

La Fuerza de los de Abajo, Argentina.www.facebook.com/lafuerzadelosdeabajo

* La Idea, Chile.https://contrainformateblog.wordpress.com/2014/08/07/hile-primera-edicion-revista-anarquista-la-idea-abril-2014

La Oveja Negra, Argentina. http://boletinlaovejanegra.blogspot.com

* La Pedagogía Libertaria, Venezuela.www.facebook.com/groups/educacionlibertariaccss/?fref=ts

* La Pestezine, Chile. http://lapeste.org/category/recursos/la-pestezine

* La Protesta, Argentina.http://musicaypeliculasacratas.blogspot.com/2014/11/la-protesta-publicacion-anarquista.html

* La Semilla, México.www.antagonismo.net/images/stories/Antagonismo/JuventudLibertaria/SemillasPDF/Semilla_Julio_2014.pdf

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* Liberdade, Brasil. http://casamafalda.org/o-jornalzine-liberdade-1-esta-no-ar

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Libertad!, Argentina. www.periodicolibertad.com.ar

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* Mandu Ladino, Brasil. www.anarquistas-pi.blogspot.com.br/2014/08/lancamento-da-revista-mandu-ladino.html

* Negación, México. http://es.contrainfo.espiv.net/tag/revista-negacion

* No Batente, Brasil. http://anarquismopr.org/publicacoes/no-batente

* Notas Insurreccionales, Perú.www.alasbarricadas.org/noticias/node/28853

* Opinião Anarquista, Brasil.http://anarquismopr.org/publicacoes/opinioes-anarquistas

Organización Obrera, Argentina. http://fora-ait.com.ar/blog/organizacion-obrera

Organízate y Lucha, Argentina. http://socderesistenciamza.blogspot.com

* Palabras Nocivas, México. http://es.contrainfo.espiv.net/?s=Palabras+Nocivas&submit.x=0&submit.y=0

* Pampa Negra, Chile. http://pampanegra.blogspot.com

Parrhesia, Argentina. http://laletraindomita.blogspot.com

* Pensamento e Batalha, Brasil. www.federacaoanarquistagaucha.org/?cat=10

* Prensa Negra, Argentina. http://negralaprensa.wordpress.com

* Presidiario, Colombia. http://cnamedellin.espivblogs.net

* Rebelión, Argentina. http://es.scribd.com/doc/239243831/Rebelion-4

Refractario, Chile. http://publicacionrefractario.wordpress.com

* Regresión, México. http://es.contrainfo.espiv.net/2014/10/26/mexico-no-2-de-la-revista-regresion

* Revista da Biblioteca Terra Livre, Brasil. http://revistabtl.noblogs.org

* Revolución hasta el Fin, Chilewww.antagonismo.net/index.php/contenido/publicaciones/2784-numero-0-revolucion-hasta-el-fin

Salud Antiautoritaria, Chile. http://saludantiautoritaria.blogspot.com

* Semilla de Liberación, Argentina.http://semilladeliberacion.wordpress.com

* Socialismo Libertário (jornal), Brasil.http://anarquismopr.org/publicacoes/jornal-socialismo-libertario

Socialismo Libertário (revista), Brasil.www.cabn.libertar.org/publicacoes/revista-socialismo-libertario

Sociedad de Amigos Contra el Estado, Bolivia.http://anarquiacochabamba.blogspot.com

Solidaridad, Chile. www.periodico-solidaridad.cl

* Solidaridad Proletaria, México.https://solidaridadproletaria.wordpress.com

* Teoría y Práctica de la Insurrección, Méxicohttp://es.contrainfo.espiv.net/files/2014/11/revistaterminada.pdf

Tierra y Tempestad, Uruguay.http://laturbaediciones.wordpress.com/tierra-y-tempestad

* Total Diskordia, Venezuela.http://issuu.com/ellibertario/docs/totaldiskordiazine_nro5

* Un Disparo Colectivo, El Salvador. https://onedrive.live.com/view.aspx?resid=82C03A59AF1CE3CE!132&ithint=file%2cpdf&app=WordPdf&authkey=!ANw25Kt1zwxDtes

* Verba Negra, Chile. https://grupoeditorialverbanegra.wordpress.com

* Verbo Libertario, México.http://saccoyvanzetti.wordpress.com/category/revista-verbo-libertario

Verve, Brasil. www.nu-sol.org/verve/verve1.php

* Via Combativa, Brasil.http://uniaoanarquista.wordpress.com/publicacoes/revista-via-combativa

* Volver a la Tierra, Chile. https://grupovolveralatierra.wordpress.com/publicaciones-anteriores

B.- Meios impressos não disponíveis na Internet (4)

* Delira, Chile. revistadelira@mail.com

* Doderlein, Venezuela. doderlein.diystro@gmail.com

* Obra Negra, México. http://colectivoautonomomagonista.blogspot.com

Política y Sociedad, Chile. http://hyscomunistaanarquica.blogspot.com

Nota final: Em 2014, o El Libertario apresentou outras duas compilações que, em espaços distintos da edição jornalística, dão testemunho daquilo que se está a  produzir na América latina para a difusão do ideal ácrata em língua castelhana:

° “205 livros en castelhano do anarquismo latino-americano do século XXI”

http://periodicoellibertario.blogspot.com/2014/08/203-libros-en-castellano-del-anarquismo.html

° “63 videos e filmes libertarios da América Latina em castelhano”

http://periodicoellibertario.blogspot.com/2014/07/63-videos-y-films-libertarios-de.html

retirado daqui: http://periodicoellibertario.blogspot.com/2014/12/prensa-latinoamericana-llega-al.html

PARIS, 1968 – MURRAY BOOKCHIN

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Fonte: Contr’un

Por Murray Bookchin

(Em O Anarquismo pós-escassez, 1974)

A Qualidade da vida cotidiana


A rebelião de maio-junho de 1968 foi um dos mais importantes acon­tecimentos que ocorreram na França desde a Comuna de Paris em 1871. Ela não só sacudiu as bases da sociedade burguesa na França, como levan­tou problemas e apresentou soluções de uma importância sem preceden­tes para a sociedade industrial moderna, merecendo ser estudada e discu­tida em profundidade pêlos revolucionários de todo o mundo.

A rebelião de maio-junho aconteceu num país industrializado e orientado para o consumo — menos desenvolvido que os Estados Unidos, mas pertencendo basicamente à mesma categoria econômica. A revolta destruiu o mito de que a riqueza e os recursos da moderna sociedade industrial podem ser usados para neutralizar todas as formas de oposição revolucionária. Os acontecimentos de maio-junho demonstraram que as con­tradições e antagonismos do capitalismo não são eliminados pela estratificação e por formas avançadas de industrialismo, mas apenas transformados em forma e caráter.

O fato de que a revolta pegou a todos de surpresa, mesmo os mais sofisticados teóricos dos movimentos marxistas, situacionistas e anarquistas, ressalta a importância dos acontecimentos de maio-junho e suscita a necessidade de examinar as origens da inquietação revolucionária da sociedade moderna.

As inscrições que podiam ser lidas nos muros de Paris – “Poder para a imaginação”, “É proibido proibir”. “A vida sem tempos mortos”, “Trabalho, nunca”—representam uma análise mais profunda dessas origens do que todos os volumes cheios de teorias herdadas do passado. A revolução revelou que chegamos ao fim de uma era e ao início de novos tempos. As forças que hoje motivam a revolução — pelo menos no mundo industrializado — já não são simplesmente a escassez e a necessidade material, mas também a qualidade da vida cotidiana, a necessidade de liberação da experiência e a tentativa de controlar o próprio destino.

Não importa que as inscrições dos muros de Paris tivessem sido feitas, no início, por uma pequena minoria. Por tudo o que vi até agora, parece claro que os graffiti (que hoje enchem vários volumes) incendiaram a imaginação de muitos milhares em Paris. Eles conseguiram expor a coragem/nervo revolucionário da cidade

.

Um movimento majoritário espontâneo

A revolta foi um movimento majoritário no sentido de que fez um corte longitudinal por todas as camadas da sociedade francesa, envolvendo não apenas estudantes e operários, mas técnicos, engenheiros e funcionários em quase todos os níveis da burocracia estatal, industrial e comercial. Atingiu profissionais liberais e trabalhadores, intelectuais e jogadores de futebol, artistas de televisão e operários do metro. Chegou a penetrar na força policial da cidade e é quase certo que afetou também a grande massa de soldados alistados no exército francês.
A rebelião foi iniciada basicamente pêlos jovens. Ela começou entre os estudantes universitários e depois foi apoiada pêlos jovens operários industriais, pêlos jovens desempregados e pêlos “jaquetas de couro” — a assim chamada delinqüência juvenil das cidades. Deve-se salientar especialmente a participação dos estudantes de segundo grau e dos adolescentes que frequentemente demonstraram mais coragem e determinação do que os seus colegas universitários. Mas a revolta afetou os mais velhos também: funcionários burocráticos, trabalhadores braçais, técnicos e profissionais. Embora tivesse sido catalizada pêlos revolucionários conscientes, especialmente por grupos de afinidade anarquista, de cuja existência ninguém suspeitava nem mesmo vagamente, o fluxo, o movimento de rebelião foi espontâneo.

Ninguém incitou à revolta, ninguém chegou a organizá-la e também ninguém conseguiu controlá-la.
Durante a maior parte daqueles dias de maio e junho, houve uma atmosfera de festa, um despertar da solidariedade, um desejo de ajudar-se mutuamente, de expressar a própria individualidade, algo que não era visto em Paris desde os dias da Comuna. As pessoas estavam literalmente redescobrirido — ou talvez reconstruindo — a si próprias e aos outros. Em muitas cidades industriais, os operários entupiam as praças, hasteavam bandeiras vermelhas, liam avidamente e discutiam cada panfleto que lhes caísse nas mãos.

Milhares de pessoas foram atacadas por uma febre de viver, um renascer de sentimentos que nem sonhavam possuir, de uma alegria e um entusiasmo que nunca pensaram poder sentir. As línguas ficaram mais soltas, os ouvidos e os olhos adquiriram mais acuidade. Cantava-se e muitas das velhas canções ganharam novas letras, mais irreverentes. Os pátios das fábricas se transformavam em salões de baile.

As inibições sexuais que paralisavam a vida de tantos jovens franceses foram destruídas em poucos dias. Esta não era uma revolta solene, um golpe de estado burocraticamente planejado e manipulado por um “partido de vanguarda”, mas algo espirituoso, satírico, criativo — e justa­mente aí estava a sua força, a sua capacidade de mobilizar e contagiar as pessoas.
Muitos conseguiram transcender as estreitas limitações que obstruíam sua visão social. Para milhares de estudantes, a revolução veio desmistificar o pretensioso sentimento de classe, como se os estudantes constituíssem uma casta privilegiada, o que na América é expresso pêlos exames classificatórios e pelo empolado sociologês dos documentos analíticos. Cada operário que se integrava aos comitês de ação em Censier deixava de ser um operário, como tal, para tornar-se um revolucionário. E era precisamente com base nessa nova identidade que pessoas que tinham passado a vida em universidades, fábricas e escritórios podiam encontrar-se livremente, trocar experiências e engajar-se em ações comuns sem preconceitos contra seu meio social ou suas origens.
A revolta tinha criado o ponto de partida de sua própria sociedade, sem classes nem hierarquia. Sua tarefa básica era estender os seus domínios a todo o país, a cada recanto da sociedade francesa e só conseguiria fazê-lo se o princípio de auto-determinação pudesse ser aplicado em todas as suas formas — as assembléias gerais e seus modelos administrativos, os comitês de greve nas fábricas — a todas as áreas da economia e da própria vida. Quem melhor parece ter entendido esta necessidade não foram os operários das indústrias mais tradicionais, onde as CGTs controladas pêlos comunistas exerciam sua poderosa influência, mas os das indústrias modernas, de tecnologia mais avançada, como a eletrônica.(Desejo salientar que esta é uma conclusão puramente especulativa a que chegamos depois de ouvir uma série de episódios esparsos, mas bastante significativos, relatados por jovens militantes dos comitês de ação integrados por estudantes e operários.)

Autoridade e hierarquia:

Um dos aspectos mais importantes da revolta de maio-junho foi a luz que ela lançou sobre a questão da autoridade e da hierarquia.

A este respeito, ela representou um desafio não só aos processos conscientes dos indivíduos mas aos seus mais arraigados hábitos inconscientes e aos condicionamentos impostos pela sociedade. Não creio que seja pre­ciso discutir aqui que tais hábitos são instilados no indivíduo desde os primeiros anos de vida — no ambiente familiar, na educação recebida no lar e na escola, na organização do trabalho, do lazer e da vida cotidiana. Esta amoldagem da estrutura do caráter, segundo normas criadas a partir de arquétipos de obediência e comando, constituem a própria essência daquilo a que chamamos de socialização da juventude.

A mística da organização burocrática, de hierarquias e estruturas impostas e formais, impregna os movimentos mais radicais em períodos não-revolucionários. A extraordinária suscetibilidade da esquerda aos impulsos autoritários e hierárquicos revela que o movimento radical está profundamente enraizado naquela mesma sociedade que aparentemente deseja destruir. Sob este aspecto, quase todas as organizações revolucionárias são uma fonte potencial de contra-revolução e este potencial só pode ser reduzido se a organização revolucionária for estruturada de tal modo que seu modelo espelhe as formas diretas e descentralizadas de liberdade pregadas pela revolução, e se a organização revolucionária promover a adoção de uma personalidade e um modo de vida realmente livres. Só assim o movimento revolucionário será capaz de integrar-se na revolução, sendo absorvido pelo novo modelo social democrático assim como a linha cirúrgica acaba desaparecendo, absorvida pela fenda que cicatriza.

A ação revolucionária destrói todos os laços que mantêm autoridade e hierarquia unidas na ordem social existente. A participação direta do po­vo na arena social é a própria essência da revolução, forma mais avançada de ação social, assim como a ação direta em épocas “normais” é uma preparação indispensável para a ação revolucionária. Em ambos os casos, o que ocorre é uma substituição da ação social, a partir das camadas mais baixas, pela ação política dentro da estrutura hierárquica já estabelecida. Em ambos os casos, há uma transformação molecular de “massas”, classes e níveis sociais, que passam a ser apenas indivíduos revolucionários. É necessário que esta nova condição se torne permanente para que a revolução possa ser bem sucedida — do contrário ela se transformará apenas numa contra-revolução mascarada de ideologia revolucionária. Cada fórmula, cada organização, cada programa “testado e aprovado” deve dar lugar às exigências da revolução. Não há nenhuma teoria, programa ou partido que possa valer mais do que a própria revolução. Entre os mais sérios obstáculos ao sucesso da revolta de maio-junho estavam não apenas De Gaulle e a polícia mas as rígidas organizações de esquerda — o Partido Comunista, que sufocou qualquer espécie de iniciativa em muitas fábricas e os grupos trotskystas que conseguiram criar um péssimo clima durante a assembléia geral na Sorbonne. Não me refiro aqui aos inúmeros indivíduos que se identificavam romanticamente com Che, Mao, Lênin ou Trotsky (e muitas vezes com todos eles a um só tempo), mas daqueles que perdiam totalmente a identidade, a iniciativa e a vontade própria, entregando-se a organizações hierárquicas submetidas a uma rigorosa disciplina. Por mais bem intencionadas que fossem essas pessoas, sua tarefa era “disciplinar” a revolta, ou mais precisamente, retirar dela seus aspectos revolucionários, introduzindo hábitos de obediência e autoridade que suas organizações haviam assimilado da ordem estabelecida. Estes hábitos, estimulados pela participação em organizações muito bem estruturadas — organizações modeladas, na verdade, naquela mesma sociedade que os revolucionários afirmam querer destruir — levavam ao aparecimento de estratégias parlamentares, “panelinhas” secretas, e tentativas de controlar as formas revolucionárias de liberdade criadas pela revolução.

Isto tudo fez com que surgisse, durante a assembléia da Sorbonne, um sonho venenoso de manipulação. Muitos dos estudantes com que falei estavam absolutamente convencidos de que estes grupos estariam dispostos a destruir a assembléia se não pudessem “controlá-la”. Estes grupos não estavam preocupados com a vitalidade das novas formas criadas pela revolução mas apenas com o crescimento de suas próprias organizações. Tendo criado formas autênticas de liberdade nas quais todos podiam expressar livremente os seus pontos de vista, a assembléia estaria plenamente justificada se tivesse decidido banir do seu meio todos os grupos organizados de forma burocrática.
Um dos grandes feitos do Movimento 22 de Março é o fato de que conseguiu integrar-se de tal forma às assembléias revolucionárias que acabou por desaparecer quase totalmente como organização independente, conservando apenas o nome. Nas suas próprias assembléias, os integrantes do 22 de Março baseavam todas as suas decisões no consenso unânime, que permitia a livre expressão de todas as tendências que o movimento abrigava, para testar na prática a sua validade.

Tal tolerância não prejudicou em nada a sua “eficácia”; este movimento anárquico fez mais para catalizar a revolta do que qualquer outro grupo, segundo observações feitas por quase todos os que observaram a sua atuação. O que distingue o Movimento 22 de Março e outros grupos, tais como os anarquistas e os situacionistas, de todos os outros grupos é o fato de que eles não trabalhavam para tomar o poder mas sim para destruí-lo.

A Dialética da Revolução Moderna

Os acontecimento de maio e junho na França revelam de maneira viva e dramática a extraordinária dialética da revolução. A miséria cotidiana de uma sociedade é acentuada pela possibilidade de obtenção da liberdade. E quanto maior for esta possibilidade, mais intolerável se tornará a miséria cotidiana. Por esta razão, o fato de que a sociedade francesa seja hoje mais afluente do que em qualquer outra época de sua história não é muito importante pois afluência, em sua forma burguesa extremamente distorcida, indica simplesmente que já há condições materiais para a liberdade e que as possibilidades técnicas para uma nova vida, mais livre, atingiram a plena maturidade.
E evidente que estas possibilidades vinham rondando já há muito tempo a sociedade francesa, ainda que não fossem percebidas pela maioria das pessoas.

Os gráficos que revelam o crescimento brutal do consumo são um indício da tensão existente entre a realidade medíocre da sociedade francesa e as possibilidades liberadoras de uma revolução, do mesmo modo que uma dieta demasiado farta e uma obesidade excessiva revelam a tensão que existe dentro de um indivíduo. Chega finalmente um momento em que a dieta, por melhor que seja, perde todo o encanto, um momento em que a obesidade social se torna intolerável. Ninguém pode prever o exato momento em que isto acontece. No caso da França, este momento chegou com as barricadas do dia 10 de maio, um dia que sacudiu a consciência de todo o país e fez com que os operários se perguntassem: “Mas afinal, se os estudantes, aqueles ‘filhos da burguesia’, podem fazer isso, por que nós não podemos?”.

A França passava por um processo molecular, completamente invisível mesmo para os revolucionários mais conscientes, um processo que culminou numa ação revolucionária precipitada pelas barricadas. Depois do dia 10 de maio, a tensão entre a mediocridade da vida cotidiana e o potencial de uma sociedade liberada explodiu, provocando a maior greve geral da história.
A extensão da greve demonstra que quase todas as camadas da sociedade francesa estavam profundamente descontentes e que a revolução não era apoiada apenas por uma determinada classe mas por todos aqueles que se sentiam esbulhados, repudiados e logrados no seu direito a uma vida melhor. O impulso revolucionário partiu de uma classe que, mais do que qualquer outra, deveria ter se adaptado à ordem estabelecida — os jovens. Pois eram justamente os jovens que tinham sido alimentados com a papa da “civilização” gaullista, que não tinham sentido na pele o contraste entre as características relativamente atraentes da civilização anterior à guerra e a mediocridade da nova civilização. Mas a papa não funcionou. Sua capacidade para cooptar e atrair é, na verdade, bem menor do que suspeitava a maioria dos críticos da sociedade francesa. A sociedade alimentada com tal papa não teve condições de opor-se ao impulso para a vida que surgiu, especialmente entre os jovens.

Não menos importante, a vida dos jovens na França, tal como ocorrera na América, não tinha sofrido os percalços dos anos de depressão econômica nem da busca de segurança material que moldara a vida dos mais velhos. Os jovens viam a realidade da vida francesa tal como ela era — mesquinha, feia, egoísta, hipócrita e espiritualmente aniquiladora. Este único fato — a revolta dos jovens — é a mais terrível prova da incapacidade do sistema para manter-se em seus próprios termos.

A espantosa decadência interna da sociedade gaullista, uma decadência muito anterior à revolta, assumiu formas que não se ajustam a nenhuma das fórmulas tradicionais de “revolução”, sempre voltadas para os aspectos econômicos da questão. Muita coisa já foi escrita sobre o “consumismo” da sociedade francesa, no sentido de que ele seria uma forma poluidora de mobilização social. O fato de que objetos, mercadorias, estivessem tomando o lugar das lealdades tradicionais, favorecidas pela Igreja, escola, família e pêlos meios de comunicação deveria ser visto como uma prova de que a desintegração social era muito maior do que se sus­peitava. O fato de que a tradicional consciência de classe do operariado estivesse enfraquecendo deveria ser uma prova de que se estavam criando condições propícias para uma grande revolução social e não uma simples revolução entre classes minoritárias. O fato de que os valores lumpen viessem sendo adorados pela juventude francesa na maneira de vestir, na música, na arte e no estilo de vida deveria ser um indício de que, por trás da fachada de protesto político convencional, amadurecia o potencial para a “desordem” e a ação direta.

Por um extraordinário giro de ironia dialética, o processo de “desaburguesamento” acontecia exatamente no momento em que a França tinha atingido níveis nunca antes registrados de afluência material. Fosse qual fosse a popularidade pessoal de De Gaulle, ocorria na França um processo de “desinstitucionalização” precisamente quando o capitalismo estatal parecia mais entrincheirado na estrutura social do que em qualquer outra época recente. A tensão resultante do confronto entre a realidade mesquinha e as possibilidades de libertação aumentava no momento em que a sociedade francesa parecia mais inerte do que em qualquer outro período desde a década de 20. O processo de alienação acontecia no exato instante em que as verdades da sociedade burguesa pareciam mais seguras do que em qualquer outro momento na história da república.

O que importa é que as questões que contribuíam para a ocorrência de inquietações sociais tinham mudado qualitativamente. Os problemas já não estavam ligados à sobrevivência, à penúria e à renúncia, mas à vida, à abundância e ao desejo. Tal como acontecera ao “sonho americano”, o “sonho francês” ruía e se desmistificava. A sociedade burguesa tinha dado tudo o que era capaz de dar nos únicos termos em que poderia “dar” alguma coisa — uma quantidade excessiva de bens materiais de valor discutível, adquiridos graças a um trabalho embotante e sem sentido. Foi a própria experiência e não os “partidos de vanguarda” ou os “programas testados e aprovados” que se transformou no agente mobilizador e na fonte de criatividade da rebelião de maio-junho. E é assim que deveria ser. Não só é natural que uma rebelião aconteça espontaneamente — esta é uma característica comum a todas as grandes revoluções da história — como é também natural que ela se desenvolva espontaneamente.

Isto não significa que os grupos revolucionários devam permanecer silenciosos diante dos acontecimentos. Se tiveram idéias ou sugestões, sua responsabilidade será apresentá-las. Mas utilizar os modelos sociais criados pela revolução com o objetivo de manipular os fatos, agir secretamente pelas costas da revolução, não confiar nela e tentar substituí-la pelo “glorioso partido” é uma irresponsabilidade criminosa e imperdoável. Ou a revolução consegue, eventualmente, absorver todas as organizações políticas ou os organismos políticos se tornam fins em si mesmos — origens inevitáveis da burocracia, da hierarquia e da servidão humana.
Diminuir a espontaneidade de uma revolução, interromper o movimento contínuo entre a mobilização e a emancipação de cada indivíduo isolado, remover os indivíduos do processo para interpor entre eles organizações e instituições políticas emprestadas do passado é o mesmo que corromper os objetivos liberalizantes da revolução. Se a revolução não começa por baixo, se não aumenta a “base” da sociedade até se transformar na própria sociedade, então ela não passa de um mero coup d’état. Se não produz uma sociedade em que cada indivíduo é capaz de controlar a sua própria rotina, em vez da rotina controlar cada indivíduo, então é uma contra-revolução. A liberação social só pode ocorrer quando ocorre simultaneamente uma liberação do indivíduo — se o movimento de “massa” é também um movimento individual que envolve um alto grau de individualização e de auto-conhecimento.

No movimento molecular vindo de baixo, que prepara as condições para que a revolução possa ocorrer; na mobilização de cada indivíduo que coloca a revolução em marcha; na atmosfera de alegria que consolida a revolução — em todas estas etapas sucessivas, há sempre um processo contínuo de individualização, um processo durante o qual o poder se acaba, ocorre a expansão da experiência pessoal e uma liberdade quase esteticamente em harmonia com as possibilidades do nosso tempo. Perceber este processo e articulá-lo, catalizá-lo e determinar as próximas tarefas práticas, manejar com firmeza os movimentos ideológicos que procuram “controlar” o processo revolucionário — estas são, como bem mostraram os acontecimentos na França — as responsabilidades básicas de um revolucionário nos dias de hoje.

Correndo atrás do próprio rabo

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Por Gilson Moura Henrique Júnior

A história recente da esquerda no Brasil tem um quadro incrivelmente eloquente de uma mistura da crise de representação porque passam os movimentos contestatórios mundialmente em relação ao estado com a histórica tendência à burocratização da esquerda partidária (Não só pós-Lênin, mas que ganhou nova característica com o leninismo). Soma-se a isso a desmobilização que a esquerda partidária sofreu pós-PT na presidência e temos o caldo cultural e político do caos na identidade e ação da esquerda como um todo, mas especialmente a marxista leninista partidária, e dos motivos do aprisionamento político-partidário em torno de símbolos petistas e na órbita do partido dos trabalhadores.

São inúmeros os exemplos dessa relação maluca entre a esquerda e o PT e que explicam o motivo pelo qual a esquerda partidária não supera a crise de representação que atinge praticamente todos os países do mundo e não consegue dar resposta aos desafios postos à sua frente sem estar refém de um partido da ordem que no passado tinha majoritariamente uma orientação socialista. Os mais recentes são o mar de voto crítico em Dilma no segundo turno das eleições e após esta nomear um ministério horroroso, mas cantado em verso e prosa há anos que iria acontecer por qualquer um com um mínimo de percepção conjuntura, o alinhamento em torno de Lula (sim, a maior liderança do partido da presidenta Dilma) para “questionar Dilma sobre o ministério”.

Sim, isso mesmo, a esquerda se alinha em torno de Lula,do mesmo partido da presidenta e maior liderança dele, para ser oposição ao governo e fazer as vias de oposição de esquerda unida em frente numa aparente relação esquizofrênica do PT com seu governo sustentada por lideranças de movimentos sociais (E não duvido que por partidos da dita oposição de esquerda).

O que salta aos olhos é a miopia por opção diante de uma enorme manobra do PT, Lula,etc para não perder apoio na esquerda enquanto nomeia um ministério para a direita. A tática de relação pendular com as forças políticas que já existia em Getúlio e que Lula foi mestre em fazer acontecer em seu Governo (E que Dilma não consegue realizar inclusive por seu perfil tecnocrata), é exemplo sintomático do domínio absoluto que o PT tem no imaginário político da esquerda, toda ela, mesmo que mais fortemente presente na esquerda partidária.

E vai funcionar, Lula e o PT conseguirão com a nomeação do ministério e a manobra de oposição a si mesmo capitaneada por Lula controlar, pela esquerda e pela direita, o cenário político nacional por mais alguns anos, e não duvido que gerencie a crise econômica e política elegendo a velha raposa como presidente em 2018.

Vai funcionar porque o quadro de aprisionamento, que era um dado contornável em eleições e conjunturas passadas, agora foi deixado claro pra todo mundo após o apoio significado, eloquente, explícito que toda a esquerda deu ao PT nas eleições de 2014. Declaração de voto crítico não esvazia o apoio presente, cristalino, de gravação de vídeo pra propaganda eleitoral inclusive, que foi dado pela esquerda, de PSOL a PSTU passando inclusive por parte do movimento anarquista que não soube raciocinar diante da pressão da política do medo.

Essa política e o apoio recebido foi a maior vitória do PT nesta eleição, que definitivamente deixou como recado coletivo para a população que o PT é tão de esquerda quanto os anarquistas presos. O apoio deixou claro para a população que o PT é contra a direita representada pelo PSDB. Pior, após a eleição a esquerda entra inteira de cabeça, a partir das lideranças construídas por ela, no reforço da tática de cooptação e aprisionamento a partir do apoio entusiástico a Lula como oposição do Pt ao próprio PT.

Ninguém pôs a mão na cabeça pra ver o óbvio? Que se trata de antecipação da campanha com desvio das críticas para Lula e não pra presidenta, que assim pode desfilar sua política e ostentar seu pragmatismo tecnocrata sem maiores ruídos? O lançamento da oposição a si mesmo na mesma semana da nomeação do ministério tira inteiramente do foco midiático e político as desastrosas nomeações e põe como foco a figura de Lula. E as lideranças de movimentos sociais, elogiadas por todos os partidos da esquerda, propagandeadas por partidos como o PSOL como salvação das lavouras para a oposição de esquerda? Com esse endosso à manobra de Lula deixam claro: O PT ainda é nosso representante.

E por que isso acontece? Em primeiro lugar porque a oposição de esquerda, em um quadro de ampliação da capilarização e crescimento parlamentar esqueceu que era a crítica “responsável” da crise de representação petista e endossou o PT no segundo turno das eleições, com suas principais figuras públicas indo pra TV e internet declarar sem nenhuma discussão com a base que apoiavam Dilma. Ou seja, em plena crise de representação do PT a esquerda na oposição disse: O PT nos representa, mesmo que a contragosto. Bonito,né?

Mas calma! Vai piorar!

Fazendo isso e deixando a descoberto toda representação pela esquerda de contrariedade ao PT (Porque é bom lembrar que quem tem algo contra não vota, assim entende o coleguinha na rua) a própria oposição de esquerda que ainda tentava se livrar da crise de representatividade agora é parte dela. Bacana,né?

Pra piorar parte do movimento anarquista entrou na onda, deixou-se pegar no papel pega mosca da política do medo e parece não ter notado que estava reelegendo um governo homofóbico, proibicionista, anti-índio, antiecológico, que apoia a política de extermínio da população negra. Esqueceu-se isso tudo e foi na fé, esqueceu-se até que para anarquista o voto é muito mais que apertar botãozinho e fazer seu papel de participante da festa da democracia, e quem lembrava isso era “cartilhista”, era muito mais importante pra parte do movimento anarquista ser parte da contaminação da política do medo do que ser o esteio da crítica da pouquíssima diferença entre PT e PSDB. Essa parte inclusive é também amante da lógica de socialização na política, da política como convescote de idealistas em nome de um mundo melhor, pregou que a oposição à Dilma deveria ser “diferente” da com Aécio, como se ambos não fossem parte da ordem. A ordem que nem esperou o defunto da burrice coletiva da esquerda esfriar para reaprisionar companheiros anarquistas e autonomistas e depois sumiu, como via de regra todos os amantes do “voto crítico”.

Agora temos além de uma esquerda aprisionada, um movimento anarquista sendo preso dentro de um processo de ampliação da operação condor para muito além das fronteiras da América do Sul. São anarcos sendo presos e processados no Brasil, no Chile, na Espanha, Portugal, EUA, México, Grã Bretanha,etc. Sim, aprisionados pelo estado, este estado que se endossou ao propor coletivamente para toda a esquerda a suspensão da descrença em apoio à Dilma como “Mal menor” em relação a Aécio Neves.

E até pra nos defender perdemos o Chapolin colorado, único que nos defenderia dado que PSOL, PSTU, PT, todos majoritariamente fizeram e fazem parte do processo de criminalização de anarquistas e autonomistas sem pudor nenhum, e foram apoiados por parte do movimento anarquista nestas eleições de 2014. Ou seja, receberam um endosso, “continuem aprender nossos companheiros porque vocês são um mal menor em relação a Aécio, embora ambos, PT e PSDB, nos prendam e suspendam nossos direitos democráticos”.

Essa parte do movimento anarquista que optou pela acriticidade, pela suspensão da descrença pra seguir bovinamente a política do medo sem tentar usar o maldito cérebro ao menos uma vez pra ver holisticamente o tamanho da merda que estava fazendo merece ou não merece nosso parabéns?

Enfim, diante de um quadro da esquerda e anarquistas correrem atrás do próprio rabo como cães enlouquecidos por algum tipo de dor, coceira ou entorpecimento, temos um dos piores e mais brutalmente autoritários ministérios da história.

Para resistir ao que o governo aponta pelas nomeações que vai fazer precisávamos de movimento organizado ocupando as ruas e fazendo o país parar. Mas em vez disso temos o movimento abraçando o aprisionamento e a domesticação ao participar de uma frente única com o partido do próprio governo, ou seja, para que a resistência seja domesticada, se houver. Quem poderia fazer diferente deu um tiro na cabeça da própria militância que resistia diuturnamente à cooptação pelo PT ao ter suas principais figuras públicas endossando o governo Dilma no segundo turno de 2014.

Existem as Federações anarquistas e a maioria do movimento anarquista que resistiu à cooptação, embora este movimento também tenha sido abalado pela aderência dos anarquistas do terceiro milênio dos últimos dias, aqueles que mesclam Deleuze com Rui Falcão, ao dilmismo Coração Valente, que ao menso criaram no interior dos debates o vírus do medo. Mas estas federações e coletivos anarquistas são hoje o principal inimigo do Estado, são perseguidos, silenciados e só contam com o apoio das próprias mídias para sustentarem sua resistência.

O restante da esquerda optou por fazer eco à criminalização de anarquistas e autonomistas, ou se omitir diante disso, o que dá no mesmo.

Portanto, estamos sozinhos.

A esquerda partidária se juntou numa frente única burocratizada e construída em nome do pavor de ser atropelada por algo que não controla: a insatisfação popular. O quadro aponta para mobilizações fora de movimentos sociais organizados e partidos ou então danou-se.

Para isso nossas esperanças são nos movimentos contra os aumentos de passagem, as greves de garis, as mobilizações indígenas e quilombolas, as mobilizações contra o aquecimento global e a insistência para que lutadores não mais se organizem em partidos.

E mesmo essas esperanças enfrentarão um quadro de acirramento da repressão.

A vida será mais dura.

Declaração dos direitos da mulher e a cidadania, 1791 – Olympe de Gouges

olympe

Fonte: Patagônia Libertária

Tradução: José roberto Luna – Coletivo Anarquia ou Barbárie

A luta de Olympe de Gouges, autora da ‘Declaração de direitos da Mulher e a Cidadã’ em 1791, é importante para entender a origem do feminismo moderno. Gouges nasceu em Montauban, uma localidade do sudoeste da França, no dia 7 de maio de 1748 e morreu na guilhotina no dia 3 de novembro de 1793. Em 1791, escreve sua ‘Declaração de Direitos da Mulher e a Cidadã’ e consegue que a igualdade se discuta n’Assembleia, embora suas propostas não sejam reconhecidas. É um escrito praticamente contemporâneo da ‘Reivindicação dos direitos da mulher’, da inglesa Mary Wollstonecraft. Durante toda a sua vida, teve que aguentar todo tipo de ataques misóginos, inclusive dentro dos girondinos (seu próprio partido) e, após a subida ao poder em 1793 da ala radical dos revolucionários, os jacobinos fecharam os clubes femininos e Olympe foi perseguida, encarcerada e executada.

Para ler a Declaração de Direitos da Mulher e Cidadã:

Declaração dos direitos da Mulher e Cidadania, 1791

Olympe Rouges

I – A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos. As distinções sociais só podem estar fundamentadas na utilidade comum.

II – O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis da Mulher e do Homem; estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.

III – O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação que não é mais que a reunião da Mulher e o Homem: nenhum corpo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não emane deles.

IV – A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence aos outros; assim, o exercício dos direitos naturais da mulher só tem por limites a tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser corrigidos pelas leis da natureza e da razão.

V – As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações prejudiciais para a Sociedade: tudo o que não esteja proibido por estas leis, prudentes e divinas, não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que elas não ordenam.

VI – A lei deve ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem participar em sua formação pessoalmente ou por meio de seus representantes. Deve ser a mesma para todos; todas as cidadãs e todos os cidadãos, por serem iguais a seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas os cargos honoríficos, postos e

empregos públicos, conforme suas capacidades e sem mais distinção que a de suas virtudes e seus talentos.

VII – Nenhuma mulher se encontra isenta de ser acusada, detida e encarcerada nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem como os homens a esta Lei rigorosa.

VIII – A Lei só deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado mais que em virtude de uma Lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres.

IX – Sobre toda mulher que haja sido declarada culpada cairá todo o rigor da Lei.

X – Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões inclusive fundamentais; se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também igualmente o de subir à Tribuna contanto que suas manifestações não alterem a ordem pública estabelecida pela Lei.

XII – A garantia dos direitos da mulher e da cidadã implica uma utilidade maior; esta garantia deve ser instituída para a vantagem de todos e não para utilidade particular daquelas às quais é confiada.

XIII – Para o mantimento da força pública e para os gastos da administração, as contribuições da mulher e do homem são as mesmas; ela participa em todas as prestações pessoais, em todas as tarefas penosas, portanto, deve participar na distribuição dos postos, empregos, cargos honoríficos, e outras atividades.

XIV – As Cidadãs e Cidadãos têm o direito de comprovar, por si mesmos ou por meio de seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As Cidadãs apenas podem aprová-la se se admite uma repartição igual, não só na fortuna mas também na administração pública, e se determinam a cota, a base tributária, a arrecadação e a duração do imposto.

XV – A massa das mulheres, agrupada com a dos homens para a contribuição, tem o direito de pedir contas de sua administração a todo agente público.

XVI – Toda sociedade na que a garantia dos direitos não estiver assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição; a constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a Nação não cooperou em sua redação.

(TUNÍSIA, MARÇO DE 2015) APELO PARA UM PRIMEIRO ENCONTRO ANARQUISTA DO MEDITERRÂNEO

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Fonte: Portal Anarquista – Coletivo Libertário Evora

Hoje a região mediterrânica continua a ser uma das regiões do mundo na vanguarda dos levantamentos e dos protestos populares. Estes últimos estendem-se do norte ao sul do Mediterrâneo, devido à crise económica e financeira mundial, provocando um aumento da precariedade e da pobreza bem como a migração de centenas de milhar de pessoas.

Ainda que as situações sejam diferentes de uma região para outra, a população resta à mercê dos capitalistas e das suas cliques. Em resposta a esta crise mundial, uma série de levantamentos populares atingiu a região. Começaram na Tunisia e não sabemos ainda onde irão acabar. Estes levantamentos e estas manifestações, que têm lugar na região mediterrânica, dão esperança na capacidade dos povos poderem mudar a sua vida.

Contudo, apesar das revoltas populares, a situação na Tunísia e no Egipto degradou-se fortemente nestes três últimos anos. Com efeito, as milicias RDC do antigo regime (Tunísia) e a Junta Militar (Egipto) aproveitaram as incertezas pós-revolucionárias para assegurarem o seu poder graças à colaboração e ao apoio de antigos membros destes regimes. Eles têm hoje na sua mão o conjunto dos postos chave do poder e as suas riquezas, condenando assim as populações a mais precariedade e a mais miséria.

Quanto à situação na Síria e na Líbia, grupos de mercenários islamitas financiados por certos emiratos árabes e/ou pelo Irão confiscaram a luta do povo contra a opressão e a ditadura para si próprios. Nomeadamente, o povo sírio que está a lutar contra a barbárie de Bachar El Assad e contra a dos combatentes que lutam pelo Califado Islâmico.

Ainda que as classes dirigentes destes países intimidem e reprimam  através do sangue as manifestações e os levantamentos, a população e os anarquistas continuam a resistir e a lutar pela sua emancipação, a auto-organizarem-se e a tecerem laços de solidariedade e entre-ajuda.

É neste espírito de solidariedade e de entre-ajuda que apelamos a todos os anarquistas, libertários e anti-autoritários a juntarem-se a nós para a  criação de uma rede de contactos, de partilha de informações, de projectos e de solidariedade entre os anarquistas do Mediterrâneo.

Com esse fim, o colectivo libertário tunisino “Património Libertário“, a Federação Anarquista (Francófona, FA) e a Internacional de Federações Anarquistas (IFA-IAF) convidam-vos aos Encontros Anarquistas do Mediterrâneo que vão ter lugar em Tunes, de 27 a 29 de Março de 2015. Este convite é aberto a todas e a todos, aos nossos camaradas, incluindo aquelas e aqueles que não pertencem a esta região.

O encontro vai-se concentar sobre a situação vivida pelos povos do Mediterrâneo durante as crises económicas e sobre os protestos populares com o objectivo de derrubarem os regimes que exploraram e que ainda exploram os povos da região.

Jornadas libertárias mediterrânicas

Tunísia, Março de 2015

Ficha de organização

1/Temas de debate e programa das Jornadas:

  1. Sexta-feira, 27 de Março

Dia de acolhimento das delegações.

  1. Sábado, 28 de Março

A manhã será dedicada às trocas de experiências sobre as lutas sociais, há a proposta de que uma organização ou duas nos falem das suas lutas actuais (ex. os kurdos/turcos e os gregos).

Da parte da tarde terá lugar a discussão e a adopção do texto/carta pelas delegações presentes que formalizará a existência da rede mediterrânica.

      3. Domingo, 29 de Março

De manhã: Apresentação pela delegação grega do próximo encontro Med, que terá lugar em Outubro de 2015, provavelmente na Grécia.

Da parte da tarde: conclusão do encontro.

II/ logística e condições

As jornadas serão organizadas num local que será posto à disposição dos participantes pelo colectivo libertário tunisino “Património Libertário” de sexta-feira, 27, a domingo, 29 de Março de 2015

As delegações (1 ou 2 pessoas por organização) serão alojadas e as refeições serão também asseguradas no mesmo local.

Por isso será pedida uma participação de 15 euros a cada participante

Contactos:

Federação Anarquista: http://www.federation-anarchiste.org/

internationales@federation-anarchiste.org

Le Commun Libertaire (Património Libertário) : commun.anar.lib@gmail.com

Internationale des federations Anarchistes (IFA): www.i-f-a.org

secretariat@i-f-a.org

(Chile) Propaganda pela solidariedade internacional anti-autoritária com os compas presos na Espanha.

HH

Fonte: ContraInformate

SOLIDARIEDADE REBELDE COM OS ANARQUISTAS PRESOS NA ESPANHA

NENHUMA AGRESSÃO SEM RESPOSTA!!!

Frente à nova operação repressiva que no dia 16 de dezembro deixou uma dezena de espaços anarquistas invadidos pela polícia e 7 companheiros anarquistas prisioneiros no Estado espanhol acusados de terrorismo, nossa resposta não pode ser outra que não a multiforme solidariedade anárquica internacional em ofensiva permanente contra todas as formas do domínio.

Que nossos companheiros sintam o calor da solidariedade e nosso inimigo arda no fogo da luta anti-autoritária pela liberdade.

NEM CULPADOS NEM INOCENTES, SIMPLESMENTE INIMIGOS DO PODER E DE TODA AUTORIDADE!

MÓNICA CABALLERO, FRANCISCO SOLAR, GABRIEL POMBO DA SILVA E TODOS OS COMPANHEIROS PRESOS NA ESPANHA E NO MUNDO, VAMOS PRA RUA!!!!

Sobre o perigo de transformar a anarquia em um conjunto de práticas “alternativas” sem conteúdo de ofensiva ao poder.

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(publicado na revista “Contra toda autoridad”, Chile, Setembro 2014#1)

Fonte: ContraInformate

Sem dúvida um dos grandes perigos que assola a anarquia a todo tempo é a possibilidade de ela se transformar em um conjunto de práticas sem qualquer conteúdo de ofensiva contra o poder.

Esta situação é fomentada, por um lado, pelo mesmo inimigo através de seus valores aglutinantes em torno do domínio democrático, como a “diversidade”, a “tolerância”, o “pluralismo” e também a integração econômica por meio da mercantilização da rebeldia e do consumo “alternativo”.

Por outro lado, existe também toda uma gama de indivíduos e grupos “contestadores” e inclusive alguns “anarquistas” que de modo inconsciente ou deliberadamente se apagam do antagonismo e do conflito permanente para contra o domínio, tanto silenciando a necessidade da destruição e do ataque direto contra a autoridade ou, no pior dos casos, realizando campanhas toscas de limpeza da imagem do anarquismo, apresentando-se a si mesmos como patéticos defensores de uma ideologia alheia à confrontação ao poder.

Para nós, a recuperação de nossa vida é um processo que envolve a construção de nossa autonomia em relação ao modo de vida alienado, submisso e mercantil que oferece a sociedade do capital e da autoridade. Mas não abordamos essa proposta nunca a partir de uma lógica de coexistência pacífica com o poder, mas sim a partir de uma atitude de permanente confronto que também envolve a necessária perspectiva do ataque direto e da destruição do poder como elementos indispensáveis de todo o processo de libertação total.

E precisamente isso, uma proposta de confronto, de guerra e ataque ultrapassa a legalidade, é o que faz que toda prática que visa a “autogerir a vida” transborde qualquer iniciativa específica vivendo-a como parte de uma proposta de ofensiva impossível de ser assimilada pelo poder.

Não existem dúvidas de que a alimentação saudável e livre de exploração animal, as hortas autogeridas, a confecção de nossa própria vestimenta, a medicina natural e a libertação das relações entre indivíduos são práticas válidas na luta sempre e quando lhes resignifique como prática que propagem o antagonismo em relação à ordem social dominante. Também é importante valorar essas práticas em sua própria dimensão, a qual não é precisamente a de ser um ataque direto contra o domínio. Por isso, ao desenvolver boas iniciativas sob uma proposta de confronto anti-autoritário multiforme, estas terminam por ultrapassar as fronteiras de seus próprios limites, se mostrando como um suporte a mais na luta antes que como “a” forma de luta.

Além disso, as ações violentas que não se projetam como parte de uma ofensiva que envolve a recuperação integral da vida possuem também alcances limitados em suas perspectivas.

Tão importante como não hierarquizar os meios utilizados na luta contra o poder, é o fato de valorizar cada ferramenta em seu suporte pontual, visando a ultrapassar a luta na própria prática da permanente insurreição.

É por isso que nossa ofensiva fixa seu olhar em um horizonte que vai além dos meios utilizados, dotando de conteúdo e significado de rebelião a cada uma das práticas que desenvolvemos atrás da eliminação de todo poder e autoridade. Esta guerra contra o poder implica para nós a tensão constante e a autocrítica da qual emana a necessidade de sempre se superar, de nunca se conformar, de ganhar a rua e o terreno da polícia, de atacar a repressão e a ordem social visando permanentemente à destruição de toda forma de poder.

Difundir a anarquia não passa pela redenção dos valores antagônicos à ordem imperante, tampouco passa por fazer das formas de autogestão da vida um conjunto de práticas que evitam o confronto da ordem social. A anarquia não pode ser uma alternativa à cultura do consumo, um conjunto de práticas culturais que coexistem pacificamente com o inimigo.

A anarquia é um contínuo estar em guerra, vai além das práticas específicas arrasando com toda ideologia parcializante ou totalizante (animalismo, feminismo, naturismo, etc).

Quanto de nosso tempo e energia dedicamos a alimentar discursos e práticas carentes de conteúdo de ofensiva? Quanto dedicamos a projetos ou iniciativas destinados a propagar valores, ideias e práticas baseadas no confronto e ataque contra a dominação?

Por isso, companheiros, nem práticas de autonomia sem perspectiva de ataque, nem práticas de ataque sem perspectiva de libertação e autonomia nas relações e na vida como um todo. Porque, como disse um companheiro, a anarquia não é e nem pode ser um remédio ou um analgésico ante os males da sociedade; a anarquia é e deve ser um punhal carregado de veneno contra a ordem social e contra toda autoridade.