Resenha: “From Bakunin to Lacan: Anarquismo Lacaniano e a Esquerda”

61MHVzF1dcL._SL1360_Por Todd May

Fonte: Literatura Anarquista

Resenha: Saul Newman, De Bakunin à Lacan: Anti-Autoritarismo e Deslocamento do Poder (Lexington Press).

1. O objetivo mais geral do novo livro de Saul Newman, From Bakunin to Lacan: Anti-Authoritarianism and the Dislocation of Power, é oferecer uma crítica ao modo pelo qual o poder, e especificamente o poder político, é comumente concebido. Ele evita a abordagem padrão a tais discussões que giram em torno de um abraço ou uma modificação de Marx, voltando-se, ao invés, à desprezada arena do anarquismo e articulando-a com pensadores atuais associados ao termo “pós-estruturalismo”. Newman argumenta que aquilo que ele chama de “local do poder”, a idéia de que os tratamentos dados ao poder parecem freqüentemente constrangê-lo conceitualmente a uma certa região ou tipo – com efeito, essencializando o poder numa categoria natural – não condiz com a verdadeira operação do poder. O poder, como tantos pensadores recentes argumentaram, é mais difuso e incircunscrito do que foram capazes de reconhecer os tratamentos progressistas tradicionais dados ao tema, especialmente o marxismo.

2. O livro se inicia com um tratamento do marxismo, mostrando que, para os marxistas, o local do poder é sempre na economia, e abordagens não-economicistas ao poder são desconsideradas. Aqui a discussão foca a idéia de que, desde que os marxistas freqüentemente pensaram o Estado como sendo determinado pelo poder econômico, não se embaraçaram em assumir o controle do Estado a fim de mudança nas relações econômicas. As conseqüências de tal pensamento, longamente criticado pelos anarquistas, manifestaram-se durante toda a história de nosso século.

3. Em contraste, o anarquismo vê acertadamente que o marxismo perdeu de vista o papel do poder de Estado nas relações sociais. Infelizmente, os anarquistas parecem querer colocar todo poder no nível do Estado, e assim simplesmente substituir um local de poder pelo outro. Ao seu ver, o Estado é o local do poder, e a resistência reside nos impulsos naturais de uma humanidade não-contaminada por tal poder. Elimine o estado, e as deletérias relações de poder cairão por si mesmas.

4. Nesse ponto, Newman volta-se, num interessante desvio das explicações padrão, ao anarquista Max Stirner, a fim de criticar o tipo de humanismo inerente ao pensamento de tantos outros anarquistas. Para Stirner, o humano não é um recurso natural de resistência não-contaminado, mas um local vazio, um projeto a ser realizado. Este projeto pode ser realizado igualmente por meios opressivos ou não-opressivos. A questão, então, é como conceber o poder e a resistência se nenhum deles encontra-se num local natural.

5. Michel Foucault começa esse processo através da análise dos meios polimorfos pelos quais opera o poder. Entretanto, vacila, pois, ao enxergar o poder em todo lugar, parece prescindir da possibilidade de conceitualizar a resistência sem retornar a um lugar externo e não-contaminado pelo poder. Esse lugar seria tão essencialista como aquele oferecido pelo anarquismo.

6. Deleuze e Guatarri, buscando novas categorias conceituais para o poder, minam a idéia de locais distintos para o poder e a resistência, especialmente com seu conceito de “máquina de guerra”. Entretanto, contrapondo o desejo ao social, acabam retornando à muitas categorias que sua obra pretende resistir.

7. Derrida, deslocando muito da estrutura oposicional que caracteriza o pensamento político (e outros), oferece uma abertura para re-conceber o poder e a resistência. Se o poder e a resistência estão entrelaçados a ponto de prescindir de uma separação em dois locais distintos, então um pensamento envolvendo categorias derrideanas, como differance e infra-estrutura, poderia ser mais apropriado para compreender esta operação. Derrida, entretanto, não oferece um tratamento ao sujeito da resistência, ao ator político.

8. Aqui, finalmente, Lacan, o verdadeiro herói de Newman neste livro, se torna relevante. Para Lacan, o poder contém sua própria falta. O significante é internamente fendido, permitindo que a resistência ocorra no poder e não fora dele. Se o sujeito lacaniano é incrustado no e resistente ao poder em sua estrutura mesma, então ambos poder e resistência existem sem locais distintos e essenciais, são dispersos e polimorfos, e podem ser pensados sem os problemas que caracterizaram os tratamentos dados de Marx à Deleuze e Guatarri. Um pensamento pós-anarquista, que leva a sério o impulso anti-autoritário do anarquismo, ao passo que se livra do tratamento humanista dado ao poder e a resistência, inicia-se a partir daqui.

9. Newman acredita que usando um framework lacaniano, também usado na obra de Ernesto Laclau, na sua discussão sobre a lógica do significante vazio, pode ao mesmo tempo abraçar uma ética da crítica e evitar qualquer caráter essencializante aos quais os termos da crítica poderiam prestar-se. Se isto soa como uma abordagem desconstrutiva de Derrida à linguagem, deveria. O que Newman busca fornecer é uma abordagem ao pensamento progressista que parte do anarquismo e do pós-estruturalismo, e não do marxismo, e vê nos impulsos por trás destes movimentos não só uma abordagem para conceber o poder, mas também, indissociavelmente, uma abordagem à linguagem.

10. Há diversos aspectos de From Bakunin to Lacan que particularmente o recomendam. Em primeiro, diferentemente de tantas explicações referentes aos citados pensadores, o livro é claro e coerente. As visões sumárias que fornece de filósofos tão difíceis como Lacan e Deleuze são ambas acuradas e legíveis. É uma virtude difícil de alcançar nesse tipo de trabalho. Em segundo, Newman afunilou uma vasta gama de visões num único programa de teoria política. Não se lê o livro como um conjunto de capítulos desconectados, mas como um movimento progressivo atravessando diversas visões em direção a uma abordagem teórica coerente em torno de uma concepção política. Finalmente, em contraste com minha própria obra, que focava Foucault, Deleuze e Lyotard em contraste a Derrida e Lacan, o livro de Newman busca articular um anarquismo alinhado a elementos desconstrutivos do pensamento francês atual.

11. A questão que resta para mim é se tal intento logrou êxito. Eu acredito que não, sobretudo pelas razões que, num primeiro momento, motivaram o meu afastamento de Derrida e Lacan. Não estou convencido de que utilizando uma abordagem desconstrutiva à linguagem e à política, haveria lugar para o tipo de ação coletiva que parece necessária ao sucesso político. A indeterminação, no meu entender, é uma base fraca para o pensamento e para a organização política. Ele tende a afastar as pessoas e não a juntá-las. Eu entendo que Newman põe em causa, e corretamente, que juntar também traz o risco de abraçar novamente conceitos essencializantes e formas autoritárias de poder. Para mim, parece que uma abordagem política adequada não pode se furtar a esse risco; sua tarefa é articular uma concepção de linguagem que enxergue o significado – e as categorias políticas que daí ascendem – como determinado, mas contingentemente, e não como necessariamente indeterminado. A escolha, em suma, me parece não residir unicamente entre a indeterminação derrideana/lacaniana (ou determinação sempre ameaçada) e uma determinação autoritária essencializante. Uma terceira possibilidade, e na minha opinião a mais acertada, seria a de uma determinação contingente, uma determinação que pode flutuar em volta das margens, ser criticada e alterada pela crítica genealógica ou outra crítica, mas que retenha seu poder de fornecer o tipo de margem ética que Newman busca (mas me parece não encontrar) em Derrida e Lacan.

12. Dito isto, recomendo altamente o livro a pesquisadores do pensamento progressista. Newman, para mim, parece estar correto em seu alvo, enxergando o anarquismo e não o marxismo como o ponto de partida apropriado para a teoria política progressista; e nisso, além do mais, seu trabalho está em consonância com a tendência atual dos movimentos anti-globalização ao redor do mundo. Se escolhemos finalmente Foucault/Deleuze/Lyotard ou Derrida/Lacan como herdeiros e modificadores do pensamento anarquista clássico, continua em aberto. Que Newman está fornecendo uma perspectiva interessante e original, enraizada no local certo, não pode ser negado.

Todd May é Professor de Filosofia na Clemson University. Escreveu consideravelmente sobre o pensamento de Michel Foucault e Gilles Deleuze. Seu quinto livro, Our Practices, Our Selves, Or, What it Means to be Human, foi recentemente publicado pela Penn State Press. Ele pode ser encontrado em mayt@clemson.edu

Fonte: Project Muse
http://muse.jhu.edu/login?uri=/journals/theory_and_event/v006/6.1may.html

May, Todd, 1955-
Lacanian Anarchism and the Left
Theory & Event – Volume 6, Issue 1, 2002

Nova colecção digital de textos sobre anarquismo

capturar14Fonte: Coletivo Libertário Évora

O projecto MOSCA (sobre o Movimento Social Crítico e Alternativo), sedeado na Universidade de Évora, editou um primeiro texto de uma nova colecção sobre anarquismo, em formato digital. Trata-se do texto de João Freire, ANARQUISMO E SOCIOLOGIA (2005), consistindo numa introdução sua a um debate organizado pelo Centro de Estudos Libertários naquela data, apenas ligeiramente retocado para a sua actual difusão. Cada uma das apresentações dos 4 “andamentos” foi seguida de debate com os circunstantes e suportada pela prévia distribuição de uns “textos de apoio”, a que se fazem algumas referências.

O texto encontra-se no arquivo do MOSCA e pode ser descarregado a partir desta ligação: http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/arquivo/index.php?p=digitallibrary%2Fdigitalcontent&id=1601&q=Jo%C3%A3o+Freire

Ciúmes: Causas e uma possível cura – Emma Goldman

Emma_Goldman_-_Union_Square,_New_York,_1916Por Emma Goldman

Fonte: Amor Y Anarquia

Ninguém em geral é capaz de uma intensa consciência interna, porque a vida sempre necessita de esperança para escapar da angústia mental e do sofrimento. O sofrimento, e muitas vezes o desespero, sobre a chamada característica eterna das coisas são a mais persistente companhia de nossas vidas. Mas eles não surgem em nós do exterior, através dos atos malignos de pessoas particularmente más. Eles são condicionados ao nosso próprio ser, de fato, eles estão interligados através de mil propostas e grossos fios com a nossa existência.

É absolutamente necessário que nós compreendamos esse fato, porque as pessoas que nunca se livram da noção de que sua desgraça é fruto da maldade dos outros nunca podem superar o ódio mesquinho e a malícia que constantemente acusa, condena e persegue os outros por algo que é inevitavelmente parte de si mesmos. Tais pessoas não irão subir para as alturas sublimes do verdadeiro humanista, para quem o bem e o mal, a moral e a imoral, são, portanto, termos limitados para o conflito interior das emoções humanas no mar da vida humana.

O filósofo “além do bem e do mal”, Nietzsche, é atualmente denunciado como criador de um ódio nacional e uma destruição metralhadora. Mas apenas maus leitores e maus alunxs o interpretam desta forma. “Além do bem e do mal” significa além do Ministério Público, além de fazer julgamentos, além de matar, etc. Além do Bem e do Mal se abre diante dos nossos olhos como uma visão do pano de fundo que é a afirmação individual, juntamente com a compreensão de todos aqueles que são o contrário de nós mesmos, que são diferentes.

Por isso eu não me refiro à tentativa desajeitada da democracia de regular as complexidades do caráter humano por meio da igualdade externa. A visão de “além do bem e do mal” aponta para a direita de si mesmo, à própria personalidade. Tais possibilidades não excluem a dor do caos da vida, mas excluem a justiça puritana que se insere no julgamento de todos os outros, exceto de si mesmo.

É auto-evidente que a profundidade radical – muitos são superficiais, você sabe – deve aplicar esta profundidade ao reconhecimento humano da relação de amor e sexo. Emoções de amor e sexo estão entre as mais íntimas, intensas e sensíveis, expressões do nosso ser. Elas são tão profundamente relacionadas às características físicas e psíquicas individuais como um carimbo em cada caso de amor como um caso independente, diferente de todos os outros casos de amor. Em outras palavras, cada amor é resultado das impressões e características que duas pessoas envolvidas dão a isso. Toda relação de amor deve, por sua própria natureza, permanecer como um caso absolutamente privado. Nem mesmo o Estado, a Igreja, a moralidade ou as pessoas devem mediar isso.

Infelizmente esse não é o caso. A mais íntima relação é submetida a proscrições, regulamentos e coerções; porém, esses fatores externos são absolutamente estranhos ao amor, e leva a eternas contradições e conflitos entre o amor e a lei.

O resultado disso é que nossa vida amorosa está imersa em corrupção e degradação. O “amor puro”, tão aclamado pelos poetas, é, no atual matrimônio, divórcio e disputas alienadas, um espécime raro. Com dinheiro, status social, e posição como critérios para o amor, a prostituição é quase inevitável, ainda que seja coberta pelo manto da legitimidade e da moralidade.

O mais permanente demônio da nossa mutilada vida amorosa é o ciúme, frequentemente descrito como “mostro de olhos verdes”, que mente, engana, trai e mata. O senso comum é de que o ciúme é inato e, portanto, nunca poderá ser erradicado do coração humano. Essa ideia é uma desculpa conveniente para aqueles que não têm capacidade ou vontade para mergulhar dentro das causas e efeitos.

A angústia sobre um amor perdido, sobre o fio quebrado da continuidade do amor é, de fato, inerente ao nosso ser. O sofrimento emocional tem inspirado muitas letras sublimes, com olhares muito profundos e exaltação poética de Byron, Shelley, Heine e outros. Mas será que é possível comparar esta tristeza com o que comumente acontece no ciúme? Eles são tão diferentes como a sabedoria e a estupidez. Como o refinamento e a rudeza. Dignidade e coerção brutal. O ciúme é o oposto da compreensão, da simpatia, e dos sentimentos generosos. O ciúme nunca adicionou algo ao caráter, nunca fez o indivíduo grande e bom. O que ele realmente faz é torná-lo cego com fúria, mesquinho com suspeita, e duro de inveja.

Ciúme, as contorções que vemos nas tragédias e comédias matrimoniais, são invariáveis por um lado, intolerantemente acusadoras, convencidas da sua própria justiça e da maldade, crueldade e culpa da sua vítima. O ciúme nem mesmo tenta compreender. Seu único desejo é punir, e punir tão severamente quanto possível. Essa noção é incorporada ao código de honra, como representada em um duelo ou em uma lei não escrita.  Um código que vai considerar que a sedução de uma mulher deve ser punida com a morte dx sedutor(a). Mesmo onde a sedução não tomou lugar, onde ambos voluntariamente cederam ao desejo mais íntimo, a honra só é restaurada quando o sangue é derramado, seja do homem ou da mulher.

O Ciúme é obcecado pelo sentimento de possessão e vingança. Isto está de acordo com todas as outras leis de punição nos estatutos que ainda aderem à barbárie noção de que uma ofensa, muitas vezes meramente resulta de injustiças sociais, e devem ser adequadamente punidas ou vingadas.

Um argumento muito forte contra o ciúme pode ser encontrado nos dados de historiadores como Morgan, Reclus e outros, como sobre as relações sexuais dos povos primitivos. Qualquer um que esteja familiarizado com suas obras sabe que a monogamia é uma forma de sexo que surgiu muito mais tarde, como resultado da domesticação e da propriedade das mulheres, e que criou o monopólio do sexo e o inevitável sentimento de ciúme.

 No passado, quando homens e mulheres se misturaram livremente sem a interferência da lei e da moralidade, não poderia existir ciúme, porque este repousa sobre a suposição de que certo homem tem o monopólio exclusivo sobre o sexo de determinada mulher e vice-versa. No momento em que ninguém visa transgredir este preceito sagrado, o ciúme está em pé de guerra. Sob tais circunstâncias, é ridículo dizer que o ciúme é perfeitamente natural. Fatidicamente, se trata de um resultado artificial de uma causa artificial, nada mais.

Infelizmente não são apenas os casamentos conservadores que são afetados pelo ciúme com a noção de monopólio sexual; as chamadas uniões livres também são vítimas dele. O argumento provavelmente levantado é que isto é mais uma prova de que o ciúme é um traço inato. Mas é preciso ter em mente que o monopólio sexual tem sido transmitido de geração em geração como um direito sagrado e como a base da pureza da família e do lar. E assim como a Igreja e o Estado aceitam o monopólio sexual como a única segurança para o vinculo matrimonial, eles tem justificado o ciúmes como uma arma legítima de defesa para a proteção do direito de propriedade.

Agora, se é verdade que um grande número de pessoas superou a legalidade do monopólio do sexo, elxs não superaram as suas tradições e hábitos. Por isso, elxs se tornaram tão cegxs pelo “monstro de olhos verdes” quanto seus/suas vizinhxs conservadorxs no momento os seus bens estão em jogo.

   Um homem ou uma mulher livre e grande o suficiente para não interferir ou inquietar-se sobre as outras atrações da pessoa amada são com certeza desprezadxs por seus/suas amigxs conservadores, e ridicularizadxs por seus/suas amigxs radicais. Elx também será acusadx de ser umx degeneradx ou umx covarde; e frequentemente alguns motivos materiais mesquinhos serão imputados a elx. De qualquer forma, esses homens e mulheres serão alvo de fofocas ou piadas grosseiras ou imundas por nenhuma outra razão além do fato delxs admitirem ao marido, esposa ou amantes o direito de seus próprios corpos e sua expressão emocional, sem fazer cenas de ciúmes ou ameaças selvagens para matar x intrusx.

Há outros fatores no ciúme: o conceito do macho e da inveja do feminino. O macho em matéria sexual é um impostor, um fanfarrão, que sempre se orgulha de suas façanhas e do sucesso com as mulheres. Ele insiste em desempenhar o papel de um conquistador, já que ele foi informado de que as mulheres querem ser conquistados, e que elas gostam de ser seduzidas. Sentindo-se o único galo do curral, ou o touro que deve confrontar com seus chifres a fim de ganhar a vaca, ele se sente mortalmente ferido na sua vaidade e arrogância no momento em que umx rival entra em cena – a cena, mesmo entre os chamados homens refinados, continua a ser o amor sexual da mulher, que deve pertencer a apenas um mestre.

Em outras palavras, o monopólio do sexo em perigo, juntamente com a vaidade do homem ultrajado, em 99 em cada cem casos são os antecedentes do ciúme.

No caso de uma mulher, o medo econômico por si mesma e pelas crianças e sua inveja mesquinha de todas as outras mulheres que ganham graça aos olhos do seu defensor, invariavelmente, criam ciúme. Em justiça, foi dito para as mulheres durante os séculos passados, que a atração física era seu único estoque na negociação, portanto, ela deve se tornar necessariamente invejosa do charme e do valor de outras mulheres como uma ameaça ao seu poder sobre sua propriedade preciosa.

O aspecto grotesco de toda a questão é que os homens e as mulheres geralmente criam uma inveja violenta daquelxs que realmente não se importam muito sobre isso. Portanto, não é o seu amor ultrajado, mas a sua vaidade e inveja indignada que clamam contra esse “terrível erro”. É provável que a mulher nunca amou o homem de quem ela agora suspeita e espiona. Provavelmente ela nunca fez um esforço para manter o seu amor. Mas no momento em que umx concorrente chega, ela começa a valorizar sua propriedade sexual para defendê-la de forma que nenhum meio é muito desprezível ou cruel.

Obviamente, então, o ciúme não é o resultado do amor. Na verdade, se fosse possível investigar mais casos de ciúmes, provavelmente descobririam que quanto mais violento e desprezível é o seu ciúme, menos as pessoas estão imbuídas de um grande amor. Duas pessoas vinculadas por harmonia interior e unidade não têm medo de prejudicar a sua confiança mútua e segurança, se um ou outro tem atrações externas, nem iram terminar seu relacionamento em inimizade vil, como é muitas vezes o caso de muitas pessoas. Muitos delxs não são capazes, nem deve de se esperar, de incluir a escolha da pessoa amada na intimidade de suas vidas, mas isso não xs dá qualquer direito de negar a necessidade da atração.

Assim como eu discutirei variedade e monogamia duas semanas a partir de hoje a noite, não me deterei nisso, nem aqui, exceto para dizer que olhar as pessoas que podem amar mais de uma pessoa de forma tão perversa ou anormal é ser muito ignorante mesmo. Eu já discuti uma série de causas para o ciúme, a qual devo acrescentar a instituição do casamento que o Estado e a Igreja proclamam como “o vínculo até a morte”. Isso é aceito como o ético modo correto de vida e a ação correta.

  Com amor, em todas a sua variabilidade e mutabilidade, acorrentadxs e apertadxs, é uma pequena maravilha se o ciúme surge fora dele. Que outra coisa senão mesquinhez, avareza, suspeita e rancor pode surgir quando um homem e uma mulher são oficialmente mantidxs juntxs com a fórmula “a partir de agora vocês são um em corpo e espírito.” Basta manter qualquer casal amarrado de tal maneira, dependentes umx dxs outrxs para cada pensamento e sentimento, sem um interesse ou desejo externo, e se perguntar se tal relação não deve tornar-se odiosa e insuportável com o tempo.

De uma forma ou outra os grilhões são quebrados, e como as circunstâncias que permitem fazê-lo são geralmente baixas e degradantes, não é de surpreender que eles coloquem em jogo os mais deteriorados e malvados traços e motivos humanos.

Em outras palavras, a interferência legal, religiosa e moral são os pais do nosso atual amor e vida sexual não naturais, e fora disso o ciúme cresceu. Esse é o chicote que açoita e tortura os pobres mortais por causa de sua estupidez, ignorância e preconceito.

Mas ninguém precisa tentar justificar-se em terra por ser uma vítima destas condições. É bem verdade que todos nós inteligentes estamos sob os fardos dos arranjos sociais injustos, sob coerção e cegueira moral. Mas não somos indivíduos conscientes, cujo objetivo é trazer a verdade e a justiça aos assuntos humanos? A teoria de que o homem é um produto de condições levou apenas à indiferença e a um fraco consenso sobre essas condições. Ainda que todos saibam que a adaptação a um modo de vida não saudável e injusto só fortalece a ambos, enquanto o homem, o chamado “coroa de toda a criação”, equipado com uma capacidade de pensar e ver e acima de tudo para empregar os seus poderes de iniciativa, cresce cada vez mais fraco, mais passivo, mais fatalista.

Não há nada mais terrível e fatal do que escavar dentro das vísceras de um de seus entes queridos e de si mesmo. Isso só pode ajudar a rasgar os fiapos de afeto que ainda são inerentes à relação e, finalmente, trazer-nos até a última trincheira, que tenta combater o ciúme, ou seja, a aniquilação do amor, amizade e respeito.

O ciúme é realmente um meio pobre para proteger o amor, mas é um meio seguro para destruir o auto-respeito. Para pessoas ciumentas, como “drogas-demônios”, rebaixa ao nível mais baixo e, no final, inspira apenas desgosto e repugnância.

A angústia pela perda de um amor ou por um amor não correspondido entre as pessoas que são capazes de pensamentos elevados e finos jamais fará uma pessoa se tornar rude. Aquelxs que são sensíveis e finxs apenas devem perguntar-se se podem tolerar qualquer tipo de relação obrigatória, e um enfático “não” seria a resposta. Mas a maioria das pessoas continua a viver próximas uma das outras, apesar de terem a muito tempo deixado de viverem umas com as outras – uma vida fértil o suficiente para a operação do ciúme, cujos métodos percorrem todo o caminho desde abrir a correspondência privada até o assassinato. Comparado com tais horrores, adultério aberto parece um ato de coragem e libertação.

Um escudo forte contra a vulgaridade do ciúme é que o homem e a mulher não são um só em corpo e espírito. Eles são dois seres humanos, com temperamentos diferentes, sentimentos e emoções. Cada um é um cosmos pequeno em si mesmo, absorto em seus próprios pensamentos e idéias. Isso é glorioso e poético se estes dois mundos se encontram em liberdade e igualdade. Mesmo que isso dure pouco tempo, já valerá à pena. Mas, no momento em que os dois mundos são forçados a ficar juntos, toda a beleza e o perfume cessam e nada mais que folhas mortas permanecem. Quem compreende esta obviedade irá considerar o ciúme como algo abaixo de si e não permitirá que isso seja pendurado como uma espada de Dâmocles sobre elx.

Todos os amantes fazem bem ao deixarem as portas do seu amor aberto. Quando o amor pode ir e vir sem medo de encontrar um cão de guarda, o ciúme raramente irá criar raízes porque ele vai aprender rapidamente que onde não há fechaduras e chaves, não há lugar para a suspeita e desconfiança, dois elementos sobre os quais o ciúme cresce e prospera.

Este artigo é uma cortesia dos documentos de Emma Goldman: Divisão de Arquivos e Manuscritos, The New York Public Library, Astor, Lenox e Fundações Tilden.

Traduzido de:

http://dwardmac.pitzer.edu/Anarchist_Archives/goldman/jealousy.html

Casamento e Amor – Emma Goldman

anarchist_emma_goldman_by_sabotsabot

Anarquismo e Outros Ensaios
Por Emma Goldman
De Amor e Anarquia
(Original em Inglês)

Fonte: Protopia

A noção popular em torno do casamento e do amor é a de que eles são sinônimos, que eles afloram dos mesmos motivos e cobrem as mesmas necessidades humanas. Como tantas outras noções populares, também esta não repousa em fatos concretos, mas sob superstições.

Casamento e amor não possuem nada em comum; estão tão apartados como pólos; e são, de fato, antagônicos entre si. Sem dúvidas, certos casamentos são resultado do amor. Entretanto, não é porque o amor só se afirma em casamento; é antes porque poucas pessoas conseguem superar completamente uma convenção. Para um grande número de homens e mulheres hoje em dia, o casamento nada é senão uma farsa, mas a ele se submetem por amor à opinião pública. Em todo caso, enquanto é verdade que certos casamentos baseiam-se no amor e enquanto é igualmente verdade que certas vezes o amor continua durante a vida conjugal, eu sustento que isso se dá independentemente do casamento e não devido a ele.

Por outro lado, é completamente falso que do casamento resulte amor. Um caso milagroso se faz ouvir, em raras ocasiões, de cônjuges que caem em amor depois de casados, mas em exame amiúde aí se encontrará um mero ajuste ao inevitável. Certamente a habituação ao outro está distante da espontaneidade, da intensidade, e da beatitude do amor, sem o que a intimidade do casamento deve revelar-se degradante para ambos homem e mulher.

O casamento, primeiramente, é um arranjo econômico, um pacto de seguro. Só difere do contrato comum de seguro de vida naquilo que tem de mais obrigatório, de mais exigente. Os retornos são insignificantemente pequenos quando comparados aos investimentos. Ao se contratar uma apólice de seguro se paga em dólares e centavos, mas nos resta sempre a liberdade de descontinuar os pagamentos. Entretanto, se o marido é o prêmio do seguro, ela paga por isso com seu nome, sua privacidade, sua auto-estima, com sua própria vida “até que a morte os separe”. Além do que, o contrato do casamento a condena a uma dependência vitalícia, ao parasitismo, a completa inutilidade individual bem como social. O homem paga a sua parte também, mas como sua esfera é maior, o casamento não o limita tanto como à mulher. Ele sente suas correntes pesarem mais num sentido econômico.

E assim o mote do Inferno de Dante se aplica ao casamento com a mesma força. “Deixai toda esperança, ó vós que entrais!”.

Somente um estúpido completo nega que o casamento é um fracasso. Basta relancear a vista sobre as estatísticas do divórcio para compreender como é verdadeiramente amargo um casamento fracassado. Tampouco o argumento filisteu estereotipado, o da lassidão das leis do divórcio e o da crescente frouxidão da mulher, dará conta do fato de que: em primeiro, cada décimo segundo casamento termina em divórcio; segundo, que desde 1870 divórcios cresceram de 28 para 73 a cada população de cem mil; terceiro, que o adultério, desde 1867, como causa de divórcio cresceu 280.7 por cento; quarto, que a deserção aumentou em 369.8 por cento.

Somado a estes números surpreendentes, há ainda um vasto material dramático e literário melhor elucidando o assunto. Robert Herrick, em Together; Pinero, em Mid-Channel; Eugene Walter, em Paid in Full, e dezenas de outros escritores estão discutindo a aridez, a monotonia, a sordidez, e a inadequação do casamento como fator pela harmonia e pelo entendimento.

O estudioso social sério não se contentará com a popular desculpa superficial para este fenômeno. Ele terá de escavar a vida mesma dos sexos profundamente adentro para conhecer o porque de o casamento revelar-se tão desastroso.

Edward Carpenter diz que, por detrás de todo casamento, persiste uma ambiência vitalícia dos dois sexos; ambiências tão diferentes entre si que homem e mulher devem permanecer estranhos. Separados por uma muralha intransponível de superstição, costume, e hábito, o casamento não tem a potencialidade de desenvolver o conhecimento e o respeito mútuo, sem o que toda união está destinada ao fracasso.

Henrik Ibsen1, o inimigo de toda farsa social, foi provavelmente o primeiro a conceber esta grande verdade. Nora abandonou o marido, não porque – como queria a crítica estúpida – estaria cansada de suas responsabilidades ou sentia que precisava dos direitos da mulher, mas porque veio saber que, durante oito anos convivera com um estranho e agora pariu uma criança sua. Pode haver qualquer coisa de mais humilhante, de mais degradante do que a proximidade vitalícia entre dois estranhos? Não é preciso que a mulher conheça nada do homem, salvo sua renda. Com relação ao conhecimento da mulher – o que há para se conhecer sobre ela exceto se possui uma boa aparência? Não superamos ainda o mito teológico em que a mulher não tem alma, em que é meramente um apêndice do homem, feita da costela do cavalheiro só para sua conveniência, esse que de tão forte ficara com medo da própria sombra.

Porventura da má qualidade do material, donde a mulher tornou-se responsável por sua própria inferioridade. Em todo caso, mulher não tem alma – o que há para se conhecer sobre ela? Além do que, quanto menos alma tem uma mulher, maior seu tino para esposa, o mais prontamente irá absorver-se ao marido. É essa servil aquiescência à superioridade do homem que manteve a instituição do casamento aparentemente intacta por um tempo tão longo. Mas agora que a mulher está vindo a si, agora que ela está crescentemente consciente de si como um ser exterior à graça do mestre, a sagrada instituição do casamento está gradualmente sendo minada, e nenhum tanto de lamentação sentimental poderá evitar.

Quase desde a infância, é dito à garota comum que o casamento é seu objetivo final; portanto seu treino e educação têm de ser direcionados para esse fim. Feito a besta muda na engorda, ela é preparada para o abate. Mas para ela, estranho dizer, é permitido conhecer muito menos sobre sua função como esposa e mãe do que para o artesão comum sobre seu ofício. Para uma garota respeitável, é indecente e imundo conhecer qualquer coisa da relação marital. Oh, pela incoerência da respeitabilidade, requerer votos de casamento para tornar algo imundo no mais puro e sagrado arranjo que ninguém ousa questionar ou criticar. Mas esta é exatamente a atitude do entusiasta comum do casamento. A futura esposa e mãe é mantida na mais completa ignorância em torno de sua única inclinação no campo competitivo — o sexo. E assim ela adentra com um homem numa relação vitalícia só para encontrar-se chocada, repelida e ultrajada além da medida pelo mais natural e saudável instinto, o sexo. É seguro dizer que uma grande percentagem da infelicidade, miséria, aflição e sofrimento físico do matrimônio se devem à ignorância criminosa em matéria de sexo que é exortada como uma grande virtude. Tampouco é de todo um exagero quando digo que devido a este fato deplorável, mais de um lar foi desfeito.

Se, entretanto, a mulher for livre e grande o bastante para aprender o mistério do sexo sem a sanção do Estado ou da Igreja, permanecerá condenada como completamente imprópria para ser esposa de um “bom” homem, sua bondade consistindo de um cérebro vazio e um bolso cheio de dinheiro. Pode haver qualquer coisa mais ultrajante do que a idéia de uma mulher saudável, em plena idade, cheia de paixão e vida, ter de negar a demanda da natureza, ter de reprimir seu desejo mais intenso, minar a sua saúde e quebrantar seu espírito, ter de aturdir sua visão e abster-se da profundidade e da glória da experiência do sexo, até que um homem “bom” chegue para tomá-la como esposa? Isto é precisamente o que o casamento significa. Como poderia tal arranjo terminar exceto em fracasso? Esse é um fator, embora não menos importante, que diferencia o casamento do amor.

A nossa era é prática. O tempo em que Romeu e Julieta arriscaram-se à fúria dos pais por amor, em que Gretchen expõs-se ao falatório dos vizinhos por amor, já era. Se, em raras ocasiões, pessoas jovens se permitem à luxúria do romance, em seguida os mais velhos cuidam para que, após pregados e martelados, se tornem “sensatos”.

A lição moral instilada na garota não é a de se o homem arrebatou o seu amor, mas: o “Quanto?”. O único Deus importante da vida prática americana: o homem consegue ganhar a vida? Consegue sustentar uma esposa? Esta é a única coisa que justifica o casamento. Gradualmente isto de todo satura o pensamento da garota; seus sonhos já não são de luares e beijos, risos e lágrimas; agora sonha em ir às compras e às boas pechinchas. Tal sordidez e pobreza da alma são elementos inerentes à instituição do casamento. O Estado e a Igreja aprovam esse ideal e não outro, simplesmente porque esse é o ideal que necessita que o Estado e a Igreja controle homens e mulheres.

Indubitavelmente há as pessoas que continuam considerando o amor superior a dólares e centavos. E isto é particularmente verdade para a classe daqueles cuja necessidade econômica forçou a que se auto-sustentassem. A tremenda mudança na posição da mulher operada por este poderoso fator é, de fato, fenomenal quando refletimos que há só um curto período desde o ingresso da mulher na arena industrial. Seis milhões de mulheres trabalhadoras assalariadas; seis milhões de mulheres com direitos iguais aos homens de serem exploradas, roubadas, ir à greve; ai, mesmo até de passar fome. Algo mais, my lord? Sim, seis milhões de trabalhadoras em todas as ocupações, desde o mais elevado trabalho intelectual até as minas e ferrovias, mesmo até detetives e policiais. Com certeza a emancipação está completa.

Apesar disso tudo, só um número muito pequeno do vasto exército das mulheres trabalhadoras enxerga o seu trabalho como situação permanente, na mesma luz que um homem o faz. Não importa quão decrépito seja este último, ele foi ensinado a ser independente, a se auto-sustentar. Oh, eu sei que ninguém é verdadeiramente independente em nossa moenda econômica; e ainda o espécime mais miserável de homem odeia ser um parasita; ou, em todo caso, pelo menos ser conhecido como tal.

A mulher considera transitória sua posição como trabalhadora, a ser deixada de lado pelo primeiro pretendente. É este o porque de ser infinitamente mais difícil organizar mulheres do que homens. “Porque devo me filiar a um sindicato? Vou me casar, ter um lar”. Ela desde a infância não foi ensinada a enxergar isso como sua convocação última? Ela aprende cedo o bastante que, apesar de não tão grande como a prisão de uma fábrica, o lar tem portões e grades ainda mais sólidas. Possui um guardião tão fiel que nada lhe pode escapar. A parte mais trágica, entretanto, é que o lar não a liberta da escravidão assalariada; apenas aumenta seus afazeres.

De acordo com as mais recentes estatísticas submetidas diante de um Comitê “em torno do trabalho, salários e congestão da população”, apenas em Nova York, dez por cento das trabalhadoras assalariadas são casadas, ainda que continuem no trabalho mais mal pago do mundo. Some a esta visão horrível o peso do serviço doméstico e o que resta da proteção e glória do lar? Como matéria de fato, até a garota classe-média não pode falar sobre um lar seu no casamento, desde que é o homem que cria sua esfera. Não é importante se o marido é um bruto ou um doce. O que desejo provar é que o casamento só garante um lar à mulher pela graça do marido. Ela gira em torno do lar dele, ano após ano, até que sua visão de vida e de relações humanas se torne tão rasa, estreita, e tediosa, como seu entorno. Pouco admira se ela vir a ser resmungona, trivial, arengueira, faladeira, insuportável, e expulsando assim o homem da casa. Se ela quisesse, não poderia ir; não há lugar para onde ir. Além do que, um curto período de vida conjugal, de completa rendição de todas as faculdades, incapacita absolutamente a mulher comum para o mundo exterior. Ela se torna indiferente à aparência, desajeitada em seus movimentos, dependente em suas decisões, covarde em seu julgamento, um fardo e um aborrecimento, cuja maioria dos homens cresce para odiar e desprezar. Atmosfera maravilhosamente inspiradora para o desenrolar da vida, não?

Mas e a criança, como será protegida, senão pelo casamento? Depois de tudo, não é esta a consideração mais importante a se fazer? A farsa, a hipocrisia! Casamento protegendo a criança, mas centenas de crianças abandonadas e sem lar. Casamento protegendo a criança, mas orfanatos e reformatórios lotados, a Sociedade pela Prevenção de Crueldade a Criança se mantendo ocupada resgatando as pequenas vítimas daqueles pais “amorosos”, para colocá-las sob cuidados mais amorosos ainda, da Gerry Society2. Oh, mas que pilhéria!

O casamento poderá levar o cavalo até a água, mas já pôde obrigá-lo a beber? A lei colocará o pai na detenção, irá vesti-lo em uniforme de presidiário; mas alguma vez já matou a fome das crianças? Se o pai não tem emprego, ou se esconde sua identidade, que faz então o casamento? Invoca a lei para levar o homem à “justiça”, colocá-lo em segurança atrás de portões fechados; seu trabalho, entretanto, não vai para criança, mas para o Estado. A criança só recebe uma memória enferrujada das listras do pai.

Com relação à proteção da mulher — aí reside a maldição do casamento. Ele não as protege verdadeiramente, e a idéia mesma é tão revoltante como um ultraje e um insulto à vida, tão degradante à dignidade humana, que condena para sempre esta instituição parasitária.

Feito aquele outro arranjo paternal — o capitalismo. Rouba do homem seus direitos, aturde o seu crescimento, envenena o seu corpo, o mantém na ignorância, na pobreza, na dependência, daí institui caridades que medram sobre os últimos vestígios do auto-respeito humano.

A instituição do casamento faz da mulher uma parasita, uma dependente absoluta. Incapacita-a para a luta da vida, aniquila sua consciência social, paralisa sua imaginação, daí impõe sua graciosa proteção que na realidade é um ardil, travestido a caráter humano.

Se a maternidade é a mais elevada realização da natureza da mulher, que outra proteção poderia requerer, salvo amor e liberdade? Casamento só contamina, ultraja, e corrompe essa realização. Não diz à mulher: darás à luz vida somente se me seguires? Não a degrada e a envergonha quando ela se recusa a vender seu direito à maternidade vendendo a si mesma? O casamento não é somente uma sanção para a maternidade, mesmo quando concebida no ódio, na compulsão? Mas quando a maternidade é de livre escolha, do amor, do êxtase, da paixão desafiante, ele não coloca uma coroa de espinhos numa cabeça inocente e crava em letras de sangue o hediondo epíteto de Bastardo? Contivesse o casamento todas as virtudes alegadas, seus crimes contra a maternidade bastariam para excluí-lo para sempre do reino do amor.

Amor, o mais forte e mais profundo elemento de toda a vida, o anunciador da esperança, da alegria, do êxtase; amor, o desafiador de todas as leis, de todas as convenções; amor, o libérrimo, poderosíssimo modelador do destino humano; como pode uma força que a tudo compele ser sinônimo daquela pobre erva daninha gerada pelo Estado e a Igreja, o casamento?

Amor livre? Como se o amor fosse outra coisa que não livre! O homem comprou cérebros, mas todos os milhões no mundo falharam em comprar o amor. O homem subjugou os corpos, mas todo o poder na terra foi incapaz de subjugar o amor. O homem conquistou nações inteiras, mas todos os seus exércitos não puderam conquistar o amor. O homem acorrentou e agrilhoou o espírito, mas tem sido absolutamente indefeso diante do amor. Do alto de um trono, com todo esplendor e pompa que o ouro pode comandar, os homens são ainda pobres e desolados se o amor os perpassa. Mas quando fica, o casebre mais pobre irradia calor, cor e vida. E assim, o amor possui o poder mágico para fazer de um mendigo um rei. Sim, o amor é livre; não pode habitar outra atmosfera. Em liberdade se dá sem reservas, abundantemente, completamente. Todas as leis nos estatutos, todos os tribunais do universo, não podem arrancá-lo do solo, uma vez que o amor tenha fincado raízes. Entretanto, se o solo é estéril, como o casamento poderia fazê-lo fruir? É feito a última luta desesperada da vida breve contra a morte.

O amor não precisa de proteção; já é sua própria proteção. Tão logo vidas sejam geradas pelo amor, nenhuma criança é desertada, passa fome ou vontade de afeição. Que isto é verdade, eu o sei. Conheço mulheres que se tornaram mães em liberdade dos homens que amaram. Poucas crianças na relação aproveitam o cuidado, a proteção, a devoção que a maternidade livre é capaz de conferir.

Os defensores da autoridade temem o advento de uma maternidade livre, receando que ela irá roubar-lhe as vítimas. Quem combateria nas guerras? Quem geraria riqueza? Quem faria o policial, o carcereiro, se a mulher se recusasse à reprodução indiscriminada de crianças? A raça, a raça! – grita o rei, o presidente, o capitalista, o padre. A raça deve ser preservada, embora a mulher degradada à mera máquina — a instituição do casamento é nossa única válvula de segurança contra o pernicioso despertar sexual da mulher. Mas em vão, estes frenéticos esforços para manter um estado de sujeição. Em vão, também os éditos da Igreja, o louco ataque dos governantes, em vão, até mesmo o braço da lei. A mulher já não quer mais tomar parte na produção de uma raça de seres humanos doentios, débeis, decrépitos, miseráveis, que não possuem nem a força nem a coragem moral para se libertar do jugo da pobreza e da escravidão. Ao invés, deseja poucas crianças, mas superiores, geradas e criadas em amor e através da livre escolha; não por compulsão, como impõe o casamento. Nossos falso-moralistas têm ainda de aprender o profundo senso de responsabilidade pela criança que o amor em liberdade despertou no seio da mulher. Melhor seria renunciar para sempre a glória da maternidade do que dar à luz uma vida numa atmosfera onde só se respira destruição e morte. E se ela vem a ser mãe, é para dar à criança o mais profundo e melhor que seu ser pode oferecer. Crescer com a criança é seu mote; e ela sabe que somente dessa maneira é que pode ajudar a construir a verdadeira masculinidade e feminilidade.

Ibsen deve ter vislumbrado uma mãe livre, quando, num golpe de mestre, retratou Ms. Alving3. Ela foi uma mãe ideal por superar o casamento e todos os seus horrores, por quebrar suas correntes, e libertar o espírito para voar, até que uma personalidade, regenerada e forte, lhe retornasse. Ai! Foi demasiado tarde para recuperar sua alegria de viver, seu Oswald; mas não demasiado tarde para compreender que o amor em liberdade é a única condição para uma vida bela. Aquelas que, feito Ms. Alving, que pagaram com sangue e lágrimas por seu despertar espiritual, repudiam o casamento como uma imposição, uma pilhéria baixa e sem graça. Elas sabem que só o amor é, quer dure um breve espaço de tempo ou pela eternidade, a única base criativa, inspiradora e elevada para uma nova raça e para um novo mundo.

Em nosso presente estado pigmeu, para a maioria das pessoas, o amor é, de fato, um estranho. Incompreendido e evitado, raramente finca raízes, e se o faz, tão logo seca e morre. Suas fibras delicadas não aturam o stress e a tensão do cotidiano maçante. Sua alma é complexa demais para ajustar-se à trama viscosa de nosso tecido social. Ele chora e geme e sofre com aqueles que precisam dele, mas faltam da capacidade de elevar-se ao cume do amor.

Algum dia, algum dia homens e mulheres se elevarão, alcançarão o pico da montanha, se encontrarão grandes e fortes e livres, prontos para receber, partilhar, e refestelar-se nos raios dourados do amor. Que fantasia, que imaginação, que gênio poético pode, mesmo que aproximadamente antever as potencialidades de tal força na vida de homens e mulheres. Se o mundo alguma vez dará à luz ao verdadeiro companheirismo e união, não será o casamento, mas o amor a concebê-lo.

Notas do Tradutor:

1. Henrik Ibsen (1828-1906), literato escandinavo conhecido por sua tendência anarquista-individualista. A autora faz uma análise mais demorada da obra de Ibsen em seu livro “The Social Significance of the Modern Drama”. N. do T.

2. Referência a New York Society for the Prevention of Cruelty to Children, reconhecida como a primeira instituição devotada à “proteção do menor” nos E.U.A., em atividade desde 1874. Gerry Society é um outro modo de referir-se à mesma instituição. N. do T.

3. Ms. Alving é personagem de Ibsen na obra “Ghost”, uma análise desta obra e desta personagem encontra-se em livro já mencionado. N. do T.

Texto original: GOLDMAN, Emma. “Marriage and love” in: Anarchism and Other Essays. New York: Dover Publications, 1969. p. 227.

Tradução: José Paulo Maldonado de Souza

jxpxster@gmail.com

Das canções barulhentas que animam rebeldes: uma nota sobre Redson, a banda Cólera e a emergência do anarco-punk.

maxresdefault

Por Acácio Augusto *

Fonte: GEAPI – Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí

Você era um bom menino

mas um dia se cansou

de ser dominado

de tanta pressão

Cólera

O punk foi o grito de guerra que marcou um rompimento com as tecnologias disciplinares e, ao mesmo tempo, anunciou rebeldias contra os governos na sociedade de controle. Diante do fim do sonho, jovens que adotaram a revolta como atitude estética bradavam: não há futuro! Mais do que moda juvenil ou produto da indústria cultural — como querem as definições sociológicas de gabinete —, o punk rock deu forma, trilha e estética aos jovens que odiavam a família, a escola, a igreja, o exército, a polícia, o emprego, o Estado, enfim, toda e qualquer autoridade que se apresentasse a eles como tal. Tudo ou nada. Afirmava não ser preciso que alguém lhe autorizasse se seu querer era destruir uma sociedade que se apresentava tão podre quanto sua calça jeans, sua jaqueta de couro e seu coturno. Destruição!

No Brasil, o punk encontrou um país saindo de uma ditadura civil-militar e em um processo de democratização que fedia tanto quanto o chulé de garotos petulantes e mal-

criados oriundos dos bairros pobres da cidade de São Paulo. “O punk veio para pintar a asa branca de negro, atrasar o trem das onze e fazer da Amélia uma mulher qualquer”, declarou Clemente, da banda Inocentes, a um repórter da TV Cultura durante a realização, em 1982, do festival “O começo do fim do mundo”, realizado no SESC Pompéia, em São Paulo, com decisiva interferência do jornalista e dramaturgo Antonio Bivar.

O festival contou com uma prévia, meses antes, no antigo Salão Beta, dos estudantes

da PUC-SP, onde hoje é o Tucarena. Uma das bandas que tocaram nesse festival foi o Cólera.

O Cólera foi formado em 1979 pelos irmãos Pierre e Edson Pozzi, este adotando o nome punk de Redson, o filho vermelho, o som vermelho. Não cabe para um punk um obituário ou uma nota biográfica, mas o registro do ano de início de uma banda que, junto com Restos de Nada, amplificou em termos sonoros, estéticos e políticos o que havia de mais visceral e contundente no punk da periferia e do subúrbio de São Paulo.

Agora, o dia 27 de setembro de 2011, com a morte de Redson, marca o final da banda mais longeva do punk no Brasil: 32 anos de cólera, de revolta, de gritos de ódio. Finda uma obra feita com o que os punks chamam de do it yourself.

Sem grandes gravadoras, sem facilidades computacionais, sem patrocínios ou paitrocínios. O Cólera foi uma das primeiras bandas a gravar um disco com selo próprio, o Ataque Frontal; a primeira a se arriscar, em meados dos anos 1980, a tocar em squats e ocupações de quase toda Europa, com a ajuda de amigos cultivados por correspondências; a gravar, fazer shows, participar de manifestações e até, eventualmente, tocar em programas de TV, como o extinto Boca Livre, sem um esquema empresarial. A proximidade do punk com a autogestão e os anarquismos não foi mera coincidência ou afinidade ideológica: se tocaram pelo jeito de fazer as coisas e de se inventar no mundo.

Marcante, também, na existência de Redson e do Cólera, foi a temática recorrente em suas letras. Além daquelas sobre a vida de jovens na cidade, o combate à polícia, o ódio simultâneo ao consumismo, ao comunismo e ao fascismo, e as brigas pelas ruas, comuns a quase toda banda punk que se preze, foi a partir do disco “Pela paz em todo mundo”, de 1986, que temáticas como o pacifismo ativo, as preocupações ecológicas, o combate à homofobia, ao machismo e ao sexismo, o antimilitarismo e os alertas antinucleares passaram a fazer parte do repertório e da verve dos punks no Brasil.

Tal atenção para com a elaboração e temática das letras fez do Cólera procedência imediata do que depois se conhecerá como anarco-punk no Brasil, em especial por evidenciar e investir no rompimento com uma educação de costumes conservadores trazida de casa e sustentadas por muitos punks.

Impressionante, também, era a energia de Redson, Val e Pierre no palco: ágeis, sagazes e incansáveis. Qualquer um que fitasse o brilho nos olhos de Redson tocando e Das canções barulhentas que animam rebeldes cantando não conseguiria ficar indiferente a músicas como “Agir”, “Histeria”, “Subúrbio Geral”, “São Paulo”, “Duas Ogivas” ou “Quanto vale a liberdade?”.

Redson era um homem generoso, atento às bandas que desapareciam tão rápido quanto apareciam e defensor de uma atitude não violenta que se afastava de certa rabugice da maioria dos punks. Sabia que lutar contra fascismo não era matar e morrer estupidamente nas ruas da cidade. Atravessou, corajosamente, três décadas de punk como um quase infame que viu muita gente morrer, virar crente ou skinhead, casar e depois ver no punk um arroubo juvenil. Seguiu sem esmorecer insuflando a revolta de novos garotos que queriam “destruir o sistema”. Com guitarra em punho, com suas hesitações e contradições, mostrou com sua existência que é possível viver diferentemente do que se destina a você quando nasce. Mostrou que é possível deixar uma marca sem abrir mão da liberdade e sem “se entregar ao sistema”.

Hoje, abundam as chamadas bandas e gravadoras alternativas e independentes, e a internet ampliou a possibilidade de espalhar uma banda ou um som. A maioria dos jovens das periferias, encantados com o rap oriundo dos Estados Unidos, querem ser integrados e fazer sucesso. Os punks, na sua maioria, matam-se estupidamente na porta de shows e produzem ecumênicas alianças com skinheads. Parecem perdidos numa justificativa ideológica de brigas de gangue. Paradoxalmente, foi a ousadia de pessoas como Redson, no começo dos anos 1980, que abriu caminho para isso. O grito de revolta de trinta anos atrás, em pouco tempo foi respondido com essa pacificação violenta que oscila entre um punk que não produz mais algo como o Cólera e um rap que é quase unânime nos bairros pobres da cidade e nas rodinhas das classes médias politizadas.

A morte de Redson lembra que já faz trinta anos que a revolta eclodiu na cidade e que hoje ela está sufocada, ou impedida de aparecer, pela intensificação da comunicação e por uma recusa das condições de vida nos bairros pobres que se expressa como vontade de inclusão e expressão de assujeitamentos.

***

Conheci e convivi com Redson em momentos efêmeros e intermitentes. Não era um homem extraordinário, mas um sujeito incomum. Assisti muitos dos seus shows, em casas noturnas do centro e em bares imundos nas bordas mais ermas da cidade. O mais marcante era a energia e o brilho no olhar. Ao escrever sobre sua morte, por sugestão de um amigo, que sensivelmente notou minha perturbação com a notícia, dou-me conta de que cheguei à quarta página sem arriscar escrever na primeira pessoa do singular. De fato, a banda Cólera e seu front man, Redson, tem toda essa importância descrita acima, talvez até mais, e sua morte me levou a pensar sobre essa diferença entre o que foi possível de vivamente revoltado e rebelde num momento, e o que é tão raro hoje; como o punk rock abriu a possibilidade de um rompimento que hoje é dificilmente ensaiado.

A revolta contra a sociedade parece ter virado muro de lamentações. A rapidez e urgência do hardcore foi cedendo espaço ao peso e lentidão do rap. Redson morreu, tendo vivido à sua maneira, escapou do itinerário destinado a um jovem de periferia sem virar “macaco” da classe média. Como todo vivente não escapou da morte, mas viveu a intensidade da vida numa cidade estúpida que só poderia ser desafiada com a agressividade própria do

punk rock.

Das canções barulhentas que animam rebeldes Quando eu tinha 14 anos e um tremendo mal-estar de habitar um mundo que então se abria, foi muito bom ouvir, num disco de vinil ainda, Redson cantar: “Quanto vale a liberdade?/Pra vocês ela tem um preço/Quanto vale a confiança?/Não quero esperar/Não acredito no seu dinheiro/Onde está o seu caráter?/Deve estar perdido em algum beco/Horas você enlouquece/E depois quer fugir/Se refugia como um animal, como um animal/Dia após dia eu procuro ir em frente/Vê se me entende, não há razão, não há razão/Já não pode mais pensar/Olhe para tudo como está/Agora eu sei que não há preço/Mas me sinto acorrentado/Dia após dia, e não há razão, não há razão/Quanto vale a liberdade?/Quanto vale a liberdade?/Não importa, eu vou em frente/Não importa, eu vou em frente!” Que a revolta e o barulho, em vermelho e negro, que animou jovens como Redson siga existindo e seja capaz de inventar novos percursos de liberdade à sua maneira, como há trinta anos esse punk inventou.

*Acácio Augusto é doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP, professor no Cur-

so de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina e pesquisador no

Nu-Sol. Escreveu em parceria com Edson Passetti Anarquismos e educação,

Editora Autêntica, 2008.

Ecologia Social é Pelegagem!?

img2

Fonte: Nodo50

A Ecologia Social é pelegagem ou a Pedagogia Libertária é mera retórica, para um falar e agir intelectualmente “confortante”?

Todas as idéias novas e constatação de fatos quando concebidos ou descobertos, a princípio, sempre são recebidos com a “desconfiança” do preconceito e a sua decorrente animosidade e desvalorização. Isto para apresentar uma forma mais amena de contrariedade.

Vide o que ocorreu com “livres–pensadores” como Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei na assim chamada idade média. Homens que podem representar o advento da série de questionamentos em diversos setores do saber e na visão de mundo que desembocou no “Renascimento” cultural e a redescoberta do próprio Ocidente.

No caso de Copérnico foi uma profunda e radical mudança de paradigma, chamada de revolução Copernicana, que consistiu na teoria de que a terra move-se em torno do sol e não o inverso, que era postulado dogmaticamente pela igreja. Consiste na oposição do geocentrismo da igreja ao heliocentrismo de Copérnico, pela qual a detentora do monopólio ideológico perdia, e perdeu, muito de sua influência e poder.

Em seguida, com o “Renascimento”, como autoproclamado pelos estetas da época, surgiram novos paradigmas como o antropocentrismo, que colaborou para a desconstrução do teocentrismo até este momento dominante neste processo de transformações do Ocidente.

Decorreu em seguida o mercantilismo, a reforma protestante e o racionalismo cartesiano, de base “mecanicista” e etc. sendo que este último erigiu–se como uma “nova moral religiosa da modernidade” e sua conseqüência direta foi uma visão extremamente utilitarista do mundo, subordinando–o à sua lógica “analógica”, “analítica” e “digital”, antes da cibernética, com os seus: racional ou irracional, certo ou errado, lucrativo ou não.

Este tipo de visão tem como prioridade secionar, atomizar o conhecimento e a sua experiência. Ele vê as partes de uma árvore ao invés da árvore, ou de um bosque. “Adestra” a visão do homem em relação ao mundo e à “natureza”, das coisas a uma determinada lógica. Este paradigma gera um “conforto”, uma “conformidade” do pensamento no que ele poderia inspirar de reflexões mais instigantes, obscuras e ansiosas, pois as grandes questões não-eleitas como utilitárias ou importantes, e a própria reflexão sobre esses valores, são deixadas de lado. É um “conforto” que gera “conformismo” intelectual e pensamento estático. Ela divide, escrutina, separa, seciona o conhecimento e conquista o imaginário social diminuindo o poder de intervenção e elaboração simbólica de outros saberes como as culturas e tradições ancestrais em relação à natureza, sua ética e visão do mundo e para com o mundo.

Estamos numa época de profundos conflitos, gerados pela “globalização”. Também dentro desta conjuntura há o florescimento, e o resgate de outras visões de mundo, ou o surgimento de outras. Podemos afirmar que estamos caminhando, se não houver nenhum “acidente”, para uma provável nova “revolução Copernicana”. Mas deixemos este ponto para mais adiante. Falemos agora das polêmicas surgidas dentro do “movimento libertário” a partir destas novas conjunturas.

Com a derrocada dos regimes do capitalismo estatal, como ex–URSS e leste europeu, ou seja, o fim da “guerra fria”, com o mundo todo se tornando um imenso burgo lamacento, onde espaços antes ocupados no imaginário social, e antes de tudo nos movimentos sociais, em que esquerda fetichizava o operário industrial urbano e colonizava com o seu programa outros setores, tais como camponeses, favelados e contestações de fundo étnico, dando–lhes uma dinâmica monolítica e unidimensional, e com a falência deste projeto, novos movimentos e alternativas começaram a surgir ocupando estes espaços, dentro de uma enorme multiplicidade. Estes movimentos são de todos os tipos e aspectos. Muitos são meras reivindicações como princípios em si mesmos, como o movimento dos consumidores “conscientes”. Outros de perfil que poderíamos chamar “não rigidamente” de “libertários”. E muitos outros fundamentalistas, como os religiosos, nacionalistas e “Nazis”.

Dos anos 60, séc. XX, até a atualidade, popularizou–se a revalorização das teses e práticas “libertárias anarquistas”, o surgimento e valorização de movimentos étnicos, indígena e negro por exemplo, de gênero e anti–patriarcais, gays, lésbicas e mulheres, e a verdadeira “febre”” que é o “movimento ecológico internacional”, sendo isto, em muito, herdeiro de um arcabouço teórico de origem anarquista, tendo como exemplo evidente a obra “Campos, fábricas e oficinas”, de Pedro Kropotkin, e um dos seus lemas mais importantes é sintomático em relação a isto, “pensar globalmente, agir localmente”. Apesar deste florescimento de movimentos, ousadias intelectuais e ativistas, o mundo não se tornou uma grande “aldeia–livre”.

Estas novas concepções, e as resgatadas, de movimentos e visões de mundo ainda estão sendo digeridas, e talvez o seu pleno potencial ainda seja embrionário e contraditório. Conflitos entre estes elementos não foram totalmente superados, e isto somente a prática social quotidiana poderá silenciosamente responder.

Para assinalar a partir do campo da ação e reflexão anarquista pode ser exemplificada brevemente ao nível geral a polêmica surgida recentemente a respeito da Ecologia social e da Ecologia profunda. Tentar-se-á tratar deste tema como um todo.

Com a popularização das “teses” políticas e ecológicas colocadas em pauta em todo mundo, mais fortemente a partir dos anos 60, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte–americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotada pela “eco-guerrilha”, ou sabotagem ecológica, pela organização chamada Earth First!, “A Terra Primeiro!”, fundada inicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não–violência, ação direta e ecologia profunda.

Entre estas duas vertentes existe uma certa animosidade mútua principalmente no campo teórico, já que a militância da EF! é mais forte e contem muitas individualidades e organizações ácratas. A EF! acusa os ecologistas sociais de excessivamente “antropocêntricos”, preocupados apenas com a remediação dos problemas ecológicos, vendo apenas uma parte da vida, o homem, e não atentando para o todo do planeta, a Mãe Terra, categoria forte na EF!. Da parte dos Ecologistas sociais, aviso, nem todos de matriz anarquista já que a ecologia social se pretende enquanto uma das diversas subdivisões da ciência, acusam a Ecologia profunda de misantrópica, alienada das questões sociais e excessivamente “biocêntrica”. Na linha de frente desta crítica está o próprio M. Boockchin. Como podem ver, está formada uma querela. Embora o próprio M. Boockchin no seu trabalho “Por uma ecologia social”, reconheça a proximidade nos últimos tempos da EF! com a IWW, órgão sindical de orientação libertária, fato deveras inovador neste país onde o sindicalismo tem a tendência e tradição de ser corporativo e atrelado ao paradigma do credo industrial capitalista.

Para complicar um pouquinho mais este quadro, há a posição de setores anarco–sindicalistas portugueses da FAI que acusam os signatários das teses do Boockchin de “neo–anarquistas” de direita, que abandonaram “a luta dos trabalhadores”. Fazendo uma breve análise destas questões, no caso específico dos anarco–sindicalistas, existe um equívoco em relação a este assunto. Primeiro por que estes não consideram estas questões. As suas avaliações são realizadas em categorias cristalizadas, desconectadas com o real, feitas na maioria das vezes de forma apriorística, e não que os companheiros sejam obrigados a uma “concordância” inexorável e a se tornarem PhDs em ecologia social, mas um pouquinho de sensibilidade e menos ortodoxias ajudariam bastante a sensibilizarem–se a novas e pertinentes questões. Talvez em Portugal seja um pouco como no Brasil. Em segundo, o anarco–sindicalismo ainda está atrelado ao paradigma da “luta econômica industrialista”, sendo que é observado que esta tendência e as suas organizações não são mais um movimento preponderante, e nem representam mais uma alternativa concreta de transformação social. Sua preocupação primordial é promover a luta econômica industrial com tintas “anárquicas”, mas estes hoje apenas sobrevivem em formas mumificadas e em discursos radicalmente ultrapassadas, convertendo–os assim em ortodoxos.

Em relação à dicotomia Ecologia Profunda e Ecologia Social, a questão às vezes é meio espinhosa, mas mesmo assim há de se aprender muito com a prática e a teoria das duas vertentes. A princípio, deve-se observar e esclarecer que no caso da Ecologia social esta não consiste numa organização e sim em uma elaboração teórica e proposta, como tantas outras teses anarquistas: o apoio mútuo, a desobediência civil, a ação direta, a autogestão etc. Nos EUA esta prática habita duas esferas: a acadêmica, como uma espécie sui generis de transdiciplinaridade, e o ponto programático, idéia-força, tese e princípio dos grupos organizados anarquistas. Porém existem grandes polêmica sobre os limites desta última esfera por parte de outros ecólogos sociais.

No caso da Ecologia Profunda, esta pode ser considerada como um conjunto de princípios éticos sobre toda forma de vida no planeta, seja humana ou não-humana, como são trabalhadas as categorias de discurso por parte dos ecólogos profundos. Como foi dito antes, a principal organização política que adota esta teoria é a já referida EF!, mas também há a incorporação de pequenos grupos pacifistas e de direitos e liberação animal.

A EF! advoga uma profunda transformação nas estruturas econômicas, políticas e das mentalidades. As suas “ações diretas” de eco-sabotagem são contra os agentes diretos da poluição e depredação da natureza. O alvo principal é o grande capital das megacorporações transnacionais e também nacionais. Tem se observado que nos últimos anos, nas fileiras da EF!, tem crescido bastante o número de militantes de orientação anarquista.

Visto isso, pode-se interpretar que as posições de luta pela melhoria da qualidade de vida das comunidades humanas com uma conseqüente transformação “profunda” da sociedade a pressupostos de defesa de quaisquer formas de vida e seus ecossistemas não são contraditórios e nem oponentes. A dicotomia entre antropocentrismo e biocentrismo é falsa. Mas ocorre um fato além da vaidade e briga por espaço político. Acontece realmente que adeptos da Ecologia profunda, eventualmente, e alguns setores, têm a tendência há um certo “fundamentalismo biológico preservacionista”, e talvez isto seja reflexo das proposições do próprio Foreman. Mas o seu empenho ativista, dedicação e base ética bem constituída na esfera da condução filosófica do ativismo, são invejáveis, mesmo se estes ainda engatinharem na clareza de sua análise social para a “comunidade humana”. Enquanto que com a ecologia social, esta tem claras e objetivas propostas em relação ao social, mas apenas principia-se em uma visão mais holística com outros elementos vitais ao ser humano e à vida. Prendem-se a vícios do passado que também atrapalham com que esta visão se amplie.

Estas teses e proposições ideológicas, metodológicas, filosóficas, científicas, práticas e éticas devidamente criticizadas são possivelmente intercambiáveis aqui no Brasil. Jamais devemos ser certos de nossas certezas em demais pois isto atrofia a prática, esteriliza a reflexão e dogmatiza o espírito, mas mesmo assim nas condições tropicais brasileiras talvez seja possível florescer uma “Ecologia social de visão profunda” como uma linha de interpretação do mundo e linha de ação. O nosso patrimônio biológico, multicultural, humano e social podem contribuir muito para com a nossa própria sociedade e por que não com o próprio planeta. Esta temática e este tipo de proposta com certeza enfrentaram (e enfrentam) resistências infundadas ou talvez preconceituosas.

Dado que os anarquistas brasileiros, muitos, mas não todos, sofrem de uma estranha doença “da auto-afirmação”, depois de anos de inação e auto-enclausuramento em conventos culturalistas, agora que estes estão começando a despertar para a ação nas gerações mais recentes sofrem desta estranha patologia, que é repetir retoricamente um anarco-comunismo datado combinado aos vícios da visão anarco-sindicalista com práticas de análise em “dogmatismos principistas” da esquerda tradicional. Mas esta crítica está associada apenas aos reprodutores da “velha escola” e “culturalistas de classe média” por que já existe uma nova geração composta de elementos sinceros e tolerantes que estão trabalhando para alavancar as lutas sociais vitais para a nossa sociedade.

Pois é nítido, empiricamente comprovado, que o paradigma cartesiano-mecanicista, “industrialista” e utilitarista-econômico hoje, com o processo de globalização, porá em cheque a humanidade e quaisquer formas de vida ameaçando severamente a Mãe Terra.

A militância libertária para este princípio de terceiro milênio além de não transigir com os seus princípios vitais incorporados nas lutas populares, deve ter uma atuação prática dentro de uma visão multidimensional, ou seja, signatária de novos paradigmas Holísticos e transdiciplinares filosóficos-científicos como também otimisadores de outras tradições, saberes; o intuitivo com o racional conjugado com os saberes populares e comunitários, e também dos saberes milenares dos povos ancestrais “originários”, africanos, indígenas e etc. Pois urge cada vez mais o rompimento com as metafísicas mistificadoras religiosas tanto quanto com os vícios e males do materialismo. Deixemos isto para o marxismo.

Neste tempo de demanda por transformações politico–sociais, é contatado que novas formas de conhecimento como a ecologia, que por acaso significa o “estudo da casa”, ou seja ambiente, universo, requer o trabalho sócio-cultural da consciência ambiental irmanado com a questão econômica. Economia significa administração da casa, do ambiente. Para continuarmos a viver e não meramente sobreviver como humanos devemos entender e lutar por quem vai “administrar”, respeitar ou arrumar a casa. Nós todos ou uma casta genocida?

Tanto se fala entre os anarquistas brasileiros e outros ativistas populares na defesa de uma concepção de acordo com a cultura popular brasileira e latino-americana e se faz tão pouco para implementá-la. O paradigma Holístico é uma janela que se abre para esta questão.

Afinal de contas o termo libertário hoje é um conceito muito amplo. Ele não é mais de nenhuma forma monopólio dos anarquistas, devemos ter consciência disto, pois dentro dos próprios princípios dos “autonomistas” europeus, por exemplo, admite-se que em outras culturas, de outros continentes surjam formas diversas de “libertários”. Os “Resistentes”, “Magonistas” e “Zapatistas” podem enquadrar-se neste caso, ou seja, sermos globais, internacionalistas, sem esquecermos de quem somos ou dos nossos rituais culturais comunitários.

O que se entende por “libertários” são aqueles que lutam e ao mesmo tempo têm como princípio a liberdade. Isto dado não apenas numa forma idealizada e abstrata, metafísica, e sim com práticas concretas como, ação direta, descentralização, democracia direta horizontalizada, fóruns coletivos públicos de deliberação e federalismo. Dentro destes princípios existe hoje uma grande multiplicidade de correntes e movimentos sociais adeptos tais como os autonomistas, movimento Zapatista no México, movimento Okupas na Espanha, movimentos ecológicos, ação global dos povos, movimentos indígenas etc. Somente dialogando apoiando, agindo conjuntamente e incentivando estas iniciativas contra o verdadeiro adversário da humanidade que é o capitalismo “globalitarista” promotor de guerras, genocídios e ecocídios, somente através de alianças em “rede” e horizontalizadas que as pessoas poderão resistir “globalmente.”

Desconstruindo quaisquer formas de obscurantismos, mentalidades confortantes e acomodadas mal-disfarçadas de principismo, poderá se construir uma democratização econômica com a descentralização produtiva, com gestão comunitária em rede gerando empregos saudáveis e para todos em oposição às concentrações da produção industrial que é hierárquica, sexista, anti-humana e poluidora. Características típicas da economia capitalista.

Pode-se afirmar que a vida na terra seja humana e não-humana, seja comunitária e que os ecossistemas estão além do que nossas arbitrárias medidas de valores supõem.

Para esclarecer melhor o que foi discutido neste ensaio é recomendada a leitura de obras dos autores clássicos tais como Petr Kropotkin, os irmãos Reclus e de autores recentes como Felix Guatarri, Cornelius Castoriadis, Fritjof Capra, Michel Foucault, Arne Naess, Murray Boockchin, Lewis Munford e Pierre Clastres.

Concluindo, para se trabalhar de forma concreta a consciência ambiental e ecológica, de nossa casa que é o mundo, com um processo de aprofundamento da tomada de consciência social é pertinente se trabalhar na educação popular incluindo na sua área temática e didática a educação ambiental. E esta Educação popular pode apoiar-se no seguinte tripé temático: pedagogia libertária, estudo e aplicação da ecologia social mesclada à ecologia profunda e práticas técnicas para a melhoria direta da comunidade feita em regime de mutirão.

A pedagogia libertária é a educação na vida e a ecologia é a ética na ciência conjugando um “modo de vida” voltado para a vida.

Coletivo Domingos Passos – São Gonçalo, 2001.

E As Anarco-Feministas O Que São?

332398_4425975402286_1974500634_o

 

Fonte: Nodo50, por Valéria Bolevari

Conhecemos a aparência de uma bota
vista de baixo,
conhecemos a filosofia das botas…

Logo invadiremos como ervas daninha
em todo lugar, mas devagar…
as plantas cativas farão revolta
conosco, os muros cairão.

Não existirão mais as botas
No entanto, comemos terra
e dormimos; estamos esperando
embaixo dos seus pés;

Quando dissermos: ataque!
você não ouvirá nada
no começo…

Peggy Kornegger

 

Quando se ouve a palavra anarco-feminismo, logo vem a impressão de mulheres que excluem os homens de suas vidas, que querem separar as pessoas pelo sexo, etc. Mas o que nem sempre se para prá pensar, é porque se tem essa impressão.

Continuam, até mesmo os anarquistas, a se espelharem nas imagens distorcidas que veiculadas pelos meios de comunicação da sociedade burguesa. Se assim fosse, acreditaríamos também que anarquia é bagunça, que Deus existe, que os anjos existem e tem asas…

É necessário, para se compreender realmente alguma coisa, que nos desvinculemos das respostas prontas já fornecidas pela imprensa burguesa, que a mente se abra para receber novas idéias e questioná-las.

Anarco-feminismo não é separatismo! Se você é homossexual e resolve se juntar a outros homossexuais para lutar por sua emancipação, você está sendo separatista? Você acredita que cada classe oprimida conquista sua liberdade através de seu próprio esforço e luta? Sim? Então, pára de reclamar! As mulheres estão se dando conta do quanto são oprimidas e exploradas dentro da sociedade patriarcal, de que nunca puderam ouvir sua própria voz e discutir sua opressão. O que acontece, hoje, no movimento libertário, é que nós, mulheres que estamos tomando consciência de nossa condição de proletária do proletário ou escrava do homem escravo, temos condições de levantar a cabeça e discutir com outras mulheres (que também são vítimas da mesma opressão) o que queremos fazer para lutar contra isso. E isso não são apenas os homens machistas, mas sim uma sociedade cristalizada no patriarcado, onde os valores estão montados em cima da exploração, da escravidão e do preconceito.

Precisamos de espaço para mostrar nossa cultura e desenvolver nossas potencialidades, que foram sufocadas no patriarcado. Tudo isso, só conseguiremos com muito trabalho conjunto e abertura, para que possamos mostrar o que queremos fazer e como fazer. Temos que desenvolver o nosso lado feminino real, e não o feminino imposto pela sociedade machista. Os nossos valores foram sufocados e, em lugar desses, vieram valores integrados, como a estética, a beleza, o comportamento, a maternidade obrigatória, etc., que não são naturais como parecem. Tais coisas, somente nós mesmas podemos avaliar, questionar e mudar, mais ninguém. Não se pode chegar para um negro e dizer-lhe o que fazer para lutar contra sua discriminação, se você nunca sofreu isso. Você pode ajudá-lo e apoiá-lo, mas se você nunca sofreu discriminação racial, nunca poderá saber o que ele sente, quanto mais decidir o que ele deve fazer. O mesmo ocorre com as mulheres.

Mudando nosso comportamento e nossa visão de mundo, estaremos muito mais abertas para relacionamentos realmente recíprocos, e não paternalistas. Teremos muito mais autonomia para batalhar em outros coletivos e tomar conta de nossas próprias vidas. Isso é fato!

Os grupos de mulheres têm essa função que, dentro do movimento anarquista, se torna imprescindível para quem almeja uma sociedade livre, humana e igualitária.

Aqueles que torcem o nariz ou fazem de tudo para atrapalhar a luta de um grupo específico, não compreendem que a base do anarquismo está no indivíduo, e que somente a partir do indivíduo é que se inicia uma revolução. Se cada classe oprimida se unisse e trabalhasse a sua questão, em vez de tentar ficar fazendo tudo ao mesmo tempo, nossa evolução/revolução seria muito mais concreta, com bases sólidas, pois cada grupo estaria desenvolvendo um trabalho contínuo, o que renderia frutos. Pense sobre isso.

Nós precisamos de espaço e vamos lutar por ele. Que alguns torçam o nariz, que outros falem mal por não entenderem, que façam abaixo assinados e panfletagens, o que quiserem, mas estamos aqui e pronto! Acreditamos no anarquismo, mas só acreditamos nele funcionando no dia-a-dia. Se nós mulheres criamos grupos específicos, é porque estes nasceram dá necessidade, e não por brincadeira.

Nossa luta não se restringe apenas ao feminismo, mas sim a tudo que engloba o anarquismo e, por isso, nossas atividades sempre são em conjunto com outros grupos anarquistas e anarco punks, os quais apoiamos e nos apoiam, sendo a luta e a caminhada lado a lado. Se a possibilidade das mulheres tomarem conta de sua própria luta o assusta, então apavore-se, pois nossa arte, nossa escrita, nossa poesia e nossa forma de lutar vão estar correndo livres velas ruas!


Valéria Bolevari
CAF/SP
C.Postal 117;
CEP: 07111-970;
Guarulhos

 

Libera #46, março de 1995

Anarquismo e Feminismo

Libertarias3

 

Fonte: Nodo50
As novas formas de “relações conjugais” e de “relações domésticas” sugerem um novo modelo de feminilidade: o da “mulher liberada”, segundo um tipo de liberação que convém a economia capitalista e as políticas dos Estados governantes.
O princípio básico desta feminilidade é a igualdade na diferença. De um lado, as mulheres adquiriram os mesmos direitos e deveres que os homens, no que diz, respeito ao matrimônio, a família ao trabalho e à vida política social. Do outro lado, as diferenças específicas homem – mulher devem e precisam ser preservadas.
Esta especificidade refere-se a toda uma série de características físicas, intelectuais e emocionais que são consideradas típicas da natureza feminina. No entanto, tal conceituação de feminilidade não mais eficiente para descrever a mulher no mundo atual Antes, impõe e estabelece um novo estereótipo normatizado e normalizado da mulher.
Os componentes clássicos da mulher submissa eram: heterossexualidade, passividade, narcisismo e sentimentalismo. Hoje, os componentes básicos da mulher liberada camuflam os anteriores e adaptam a mulher às características deste novo ser emergente: individualismo, autonomia, força, autocontrole, eficácia e racionalidade.
Não obstante as suas contradições, este modelo e mulher justifica psicologicamente e permite socialmente ao mesmo tempo a relação conjugal, a maternidade e, na esfera das relações econômicas, a divisão do trabalho com o homem.
No contexto político, a feminilidade é objeto de negociações de todo tipo entre os movimentos feministas e as instituições que produzem, difundem e inculcam ideologias nas sociedades modernas: o Estado, os meios de comunicação e o meio cultural.
O modelo da “mulher liberada” é, basicamente, o reflexo das relações de poder entre esses dois agentes: Os movimentos feministas e os Estados governantes. Este novo modelo de feminilidade não só torna possível formas “avançadas” de opressão sobre a “mulher liberada”, como também, constitui o fator – chave da reversibilidade do movimento de liberação feminina, enquanto movimento cooptado pelo Estado.
A história das mulheres é uma história de avanços e recuos. Em certos períodos históricos, as mulheres adquiriram direitos formais e informais que, em outros períodos, foram perdidos. Por outro lado, outros foram conquistados, de maneiras diversas e em contextos diversos, e assim por diante.
Toda mudança econômica, social e política relevante implica em conseqüências positivas ou negativas para as mulheres. Melhorias em sua condição são sempre fruto de uma mobilização ativa, inserida na contradição dessas mudanças.
A ideologia da feminilidade reflete a variação, no tempo, de uma essência mantida imutável: “o eterno feminino”. A eficácia do feminismo, a curto e a longo prazos, depende, em grande parte, da capacidade das mulher em impedir a formação e a institucionalizacão de novas variantes do “eterno feminino”, mesmo que venham apresentadas como parte integrante do processo de liberação da mulher.
O potencial de força das mulheres somente poderá ser mobilizado e usado em favor de sua verdadeira liberação, se o movimento feminista trilhar um caminho verdadeiramente revolucionário. Em outras palavras, se optar por uma mudança da ordem social e não na ordem social.
O anarquismo oferece instrumentos de organização e de luta revolucionária capazes de tornar realidade o potencial subversivo do feminismo.
Em sua origem, o feminismo representou um sério golpe nas estruturas de poder, em sua forma mais elementar e básica: o controle interpessoal, no jogo recíproco de força e consenso.
Mas a força do protesto feminista pode-se voltar contra as mulheres, se, em sua luta contra a dominação, decidirem aliar-se às instituições detentoras de poder: os partidos políticos e os aparelhos de Estado.
O Estado tornou-se (ou foi convertido em) interlocutor privilegiado do movimento feminista moderno, desde seu surgimento, e de forma cada vez mais íntima. Em seu diálogo com o Estado, o movimento das mulheres, ao formular suas reivindicações principais, terminou por assimilar-lhe a linguagem.
Dessa forma, adquiriram elas direitos que o Estado pode garantir, reformas que o Estado pode realizar e recursos que o Estado pode distribuir.
Ainda o Estado apresenta-se como agente garantidor de mudanças em esferas privadas que ele (Estado) não pode realizar diretamente, coma no caso de relações sexuais e afetivas homem – mulher.
Da mesma maneira que a movimento operário, especialmente em suas formas sindicais institucionalizadas, o movimento feminista é, a todo momento, levado a negociar com o Estado. Por sen turno, o movimento feminista dispõe-se a esse tipo de negociação porque lhe parece que somente esta forma mostra-se capaz de impor respeito a maridos, patrões, pais, concidadãos, colégios, dirigentes de todo tipo, intelectuais, etc.
Essa interação movimento feminista – Estado é coerente com a lógica dos sistemas sociais vigentes. De fato, a função principal do Estado moderno é expressar e neutralizar as tensões e os conflitos causados por atritos entre sujeitos sociais, especialmente as relativos a classes sociais e sexos.
Todo movimento de protesto, a qualquer nível de luta, é necessariamente remetido ao Estado. E este dispõe dos recursos e mecanismos necessários para neutralizá-lo. Pode e tem reprimido protestos com o uso da violência, mas também tem e pode determinar realizar modificações funcionais do sistema, com vistas a reduzir as tensões, sem comprometer a sua autoridade e perpetuação.
A história do movimento operário, das lutas raciais, dos movimentos estudantis oferecem uma farta ilustração de como opera o mecanismo estatal de controle nas Sociedades modernas.
Sem dúvida, as mulheres obtiveram, sobretudo por parte doEstado, o reconhecimento de certos direitos e melhorias parciais de sua condição. Na maior parte dos casos, estas vitórias das mulheres tornaram-se, também, vitórias do Estado, na medida em que significaram, em certa medida, um aumento da capacidade do Estado de controlá-las e a seu movimento.
Alguns organismos instalados a nível governamental têm toda a aparência de mecanismos permanentes de controle sobre as mulheres e seu movimento, como, por exemplo, comitês, comissões, institutos montados para estudar a mulher, formular soluções para seus problemas e, até, para montar e implantar projetos feministas.
Estes organismos e instituições multiplicam-se e proliferam em sociedades nas quais a movimento feminista tem provocado fortes impactos e possui articulações regionais e internacionais.
A despeito dessa interação, as relações mulheres – Estado estão longe de ser harmoniosas. Isso porque a Estado não resolveu – e nem pode resolver – as contradições que alimentam a revolta e a resistência das mulheres. Se, por um lado, oferece-se como um interlocutor e lhe fornece canais legais de reivindicações, por outros neutraliza seu potencial revolucionário e corrói seu potencial de libertação.
0 movimento feminista proclama, como principio, que o privado é político. Séculos de opressão demonstram que a afirmação é verdadeira sob todos as seus aspectos.
É chegado o momento, no entanto, de uma predominâcia da esfera privada sobre a pública. A primeira é vida e desejo. A segunda é ordem e imposição. Imposição que sempre vem sob a camuflagem de ajudar o desejo, desejo que é sempre posto a serviço da ordem. Porque se trata, aqui, daquele desejo que a ordem programou e daquela imposição que o desejo previu e a ela se sujeitou.
Para subverter este sistema, é necessário superar a linha imaginária que se construiu entre esfera pública e esfera privada. São duas faces da mesma moeda: a Estado – família e a família – Estado.
É necessário liberar a consciência para o fato de que, neste âmbito de solidão e luta, a moeda corrente é o controle.
Além de outras formas que devem ser liberadas, está aquela a que me referi no inicio – a feminilidade – e tal só pode ser feito se entendermos que é o poder que a produz e que são as mulheres as suas prisioneiras.
Nicole Laurin-Frenette
Professora de Sociologia na Universidade de Montreal
Membro do Instituto Anarchos,
Montreal Canadá,
in “Volontà”, no. 4, 1982.
revista anarquista trimestral
editada na Itália
Revista Utopia #1, primavera de 1988

Um pouco da história do feminismo libertário…

g-e-libertarios

Fonte: Gritos Libertários

Muitas das anarquistas não se consideravam feministas por acreditarem que esse termo designava as mulheres que lutavam pelo voto. Porém elas são consideradas feministas por suas preocupações com a emancipação das mulheres, que tem profunda relação com as ideias libertárias do anarquismo, já que este busca a emancipação humana. Desse modo o anarquismo engloba o feminismo, porém os termos “anarcofeminismo” ou “feminismo libertário” passaram a ser usados para dar mais destaque ao campo de atuação que se trata.

Feminismo libertário no Brasil:

O feminismo anarquista tem destaque no Brasil do começo do século XX. Nessa época muitas mulheres atuaram politicamente, em greves pelo aumento de salário, redução da jornada de trabalho, respeito no trato a elas e às crianças e em solidariedade a seus companheiros. Vale lembrar que nessa época, diferentemente de hoje em dia, trabalhadores de diferentes categorias frequentemente entravam em greve em solidariedade a uma outra categoria. Assim, por exemplo, quando os ferroviários paravam, os padeiros, sapateiros e outros também paravam. Foi por esse tipo de organização que a Greve Geral de 1917 foi possível no Brasil.

marialacerda2

Maria Lacerda de Moura

Uma das militantes brasileiras de mais destaque da época foi Maria Lacerda de Moura. Ela foi professora, conferencista, jornalista, poetisa e escreveu vários livros que tinham como objetivo passar ideias sobre emancipação humana, questionando o papel da escola e da educação, da religião, do Estado, o fascismo, o militarismo e falando sobre controle da natalidade. Ajudou a fundar a “Federação Internacional Feminina” e o “Comitê Feminino Contra a Guerra”, nos anos 20, que tinham como objetivo articular as mulheres de São Paulo e Santos para além da luta pelo voto, articulada por outras feministas da época.

No caso da Federação Internacional Feminina alguns pontos de discussão eram: “assistência, sistemas coercitivos, trabalhos domésticos e trabalho industrial, seduções, jogo, infância delinquente, investigação à paternidade, júri, direitos civis e políticos da mulher, tráfico de mulheres, coeducação, casamento, (…) divórcio, salário, os crimes da maternidade fora da lei, eugenia, proteção aos animais etc”.

As feministas liberais da época criticavam as anarquistas por considerá-las muito radicais, e as últimas criticavam as primeiras alegando que sua luta era pouco transformadora, limitada à esfera pública burguesa e preservadora das relações hierarquizadas na esfera privada. Um exemplo disso é essa crítica feita por Isabel Cerruti, no jornal “A Plebe” em 1920:

“A Revista Feminina em seu programa propõe-se a propugnar pela emancipação da mulher conseguindo para ela o direito de empenhar-se em lutas eleitorais. (…) Como se a emancipação da mulher se resumisse em tão pouco…

O programa anarquista é mais vasto neste terreno; é vastíssimo: quer fazer compreender à mulher na sua inteira concepção, o papel grandioso que ela deve desempenhar, como factora histórica, para a sua inteira integralização na vida social (…).”

Outras militantes conhecidas são Maria Valverde e Sônia Oitica (filha do militante anarquista José Oiticica), que por volta dos anos 30 e 40 atuaram no teatro libertário e eram ligadas aos Centros de Cultura Social, de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde se discutia temas como moral sexual e sexualidade.

Uma crítica feita pelas feministas anarquistas é que os partidos políticos de esquerda da época diluíam a causa das mulheres na causa do partido, pois estes alegavam que elas deveriam se empenhar na luta pela revolução através do partido, relegando a causa feminista à questão da opressão de classe e criticando os espaços específicos das mulheres, ou seja, não reconhecendo uma opressão específica às mulheres, mas alegando que todos os que não são os detentores dos meios de produção são oprimidos pelo capitalismo (como se isso se desse da mesma forma para todos). Assim, para as anarquistas, a divisão das mulheres em partidos enfraqueceu a luta pela emancipação da mulher.

Feminismo libertário em outros países:

Emma Goldman

Emma Goldman

Nos Estados Unidos a figura de Emma Goldman se destaca. A militante nasceu em 1869 na Lituânia, mas se mudou para os EUA em 1885 (com 15 anos), fugindo de um casamento arranjado por seu pai. Lá teve contato com as greves pela jornada de 8 horas de trabalho, o que resultou nas mortes de muitos manifestantes – situação que ficou conhecida como caso dos “Mártires de Chicago”.

Sua militância tratava de temas como o controle de natalidade e o amor livre, militarismo e patriotismo como ameaças à liberdade. Apesar do início da sua militância ter tido mais contato com a ideologia de Bakunin, que utilizava a violência como meio para a revolução, no decorrer de sua vida e principalmente após se encontrar com Kropotkin Emma passou a ter ideias humanitaristas. Ela escrevia a revista “Mother Earth” e teve inúmeros relacionamentos, muitos deles com homens bem mais jovens, causando escândalo para a sociedade da época.

Em 1917 em uma manifestação contra o alistamento para a Primeira Guerra Mundial Emma foi presa acusada de conspiração. Ela foi deportada para a Rússia e conheceu Lênin, que havia executado e encarcerado anarquistas e outros dissidentes, além deste último alegar que a liberdade de expressão era um conceito burguês (liberdade esta tão valorizada por Goldman). Isso fez com que a anarquista escrevesse o livro “Minha desilusão com a Rússia”. A partir de então ela mora em vários países diferentes, morrendo no Canadá em 1940. Suas cinzas foram para o Waldheim Cemetery, ao lado dos mártires de Chicago.

Militante das “Mujeres Libres”

Militante das “Mujeres Libres”

No caso da Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), havia a milícia das Mujeres Libres, que atuavam ao lado da CNT-FAI (Confereración Nacional del Trabajo e Federación Anarquista Ibérica). O grupo foi fundado por Apolonia de Castro, Felisa de Castro, Maruja Boadas, María Cerdán, Nicolasa Gutiérrez, Soledad Estorach, Elodia Pou, Conchita Liaño, dentre outras. Durante a guerra o aborto foi legalizado na Catalunha, o grupo atuou pela educação das mulheres por uma maternidade consciente e propunha que elas fossem agentes da revolução para a construção de uma nova sociedade.

Havia a revista “Mujeres Libres”, editada e escrita exclusivamente por mulheres e que se dirigia a mulheres da classe trabalhadora com a intenção de atraí-las para a causa libertária. Falavam de causas como o anticlericalismo (alegando que a religião usava as mulheres como guardiãs da ordem social e moral tradicional), prostituição, o direito ao prazer sexual e o amor livre, alegando que a monogamia se relacionava estreitamente ao capitalismo e à propriedade privada.

O grupo propunha uma solução coletiva para a emancipação feminina, conscientização e educação. Assim, na Espanha predominou um feminismo que não buscava direitos políticos, mas que fazia reivindicações trabalhistas e educativas, vendo essa luta com uma perspectiva de classe e relacionada ao anarcossindicalismo. A cultura e a educação eram vistas como fundamentais à emancipação humana.

Referências:

A filosofia do anarquismo

bandeira

Por Herbert Read

Fonte: anarkio.net

Fonte: Protopia

A atitude característica política de hoje não é um crer positivo, mas no desespero.

Ninguém acredita seriamente nas filosofias sociais do passado recente. Existem algumas pessoas, mas um número cada vez menor, que ainda acreditam que o marxismo, como um sistema econômico, oferece uma alternativa coerente ao capitalismo e o socialismo, de fato, triunfou em apenas em um país. Mas não mudou a natureza servil da condição humana. O homem está em todo lugar ainda em cadeias. O motivo de sua atividade econômica permanece, e este motivo econômico conduz inevitavelmente às desigualdades sociais, as quais ele tinha esperança de escapar. Diante desta falha dupla, do capitalismo e do socialismo, o desespero das massas tomou forma com o fascismo – um movimento revolucionário, mas totalmente negativo, que visa à criação de uma organização egoísta de poder dentro do caos geral. Neste deserto político a maioria das pessoas está perdida, e se não cedem ao desespero, eles recorrem à um mundo particular de oração. Mas outros persistem em acreditar que um mundo novo pode ser construído se nós abandonarmos os conceitos econômicos sobre os quais tanto o socialismo quanto o capitalismo se baseiam. Para concretizar esse novo mundo, devemos preferir os valores de liberdade e igualdade acima de todos os outros valores — acima de riqueza pessoal, poder técnico e nacionalismo. No passado, essa visão tem sido sustentada pelos maiores esclarecidos do mundo, mas seus seguidores foram uma minoria numericamente insignificante, especialmente na esfera política, onde a sua doutrina tem sido chamado de anarquismo. Pode ser um erro tático em reafirmar um conceito válido sob uma palavra que é ambígua — para o que é “sem governo,” o significado literal da palavra, não é necessariamente “sem ordem”, o significado mais livremente associado. O sentido da continuidade histórica, e um sentimento de retidão filosófica não podem, no entanto, serem comprometidos. Toda associação vaga ou romântica que a palavra adquiriu é incidental. A doutrina em si permanece absoluta e pura. Existem milhares, se não milhões, de pessoas que, instintivamente, possuem essas ideias, e muitos outros que aceitariam a doutrina se fosse claro para eles. A doutrina deve ser reconhecida por um nome comum. Não sei de nenhum nome melhor do que o anarquismo. Neste ensaio vou tentar reafirmar os princípios fundamentais da filosofia política denotada por esse nome.

1

Vamos começar fazendo uma pergunta muito simples: Qual é o tamanho do progresso humano? Não há necessidade de discutir se tais progressos existem ou não, até mesmo para chegar a uma conclusão negativa, devemos ter um parâmetro. Na evolução da humanidade sempre houve certo grau de coerência social. Os registros mais antigos de nossa de espécies em organizações de grupo — a horda primitiva, tribos nômades, assentamentos, comunidades, cidades, nações. Esses grupos progrediram em números, riqueza e inteligência, subdivididos em grupos especializados, classes sociais, seitas religiosas, associações culturais e sindicatos profissionais ou artesanais. Seria esta complicação ou articulação da sociedade em si, um sintoma de progresso? Eu não penso que ele possa ser descrito assim, na medida em que são apenas mudanças quantitativas. Mas se isso implica em uma divisão dos homens, segundo as suas capacidades inatas, de modo que o homem forte funciona exigindo grande força e que o homem sutil tenha habilidade em um trabalho que requer sensibilidade, então, obviamente, como grãos que formam um todo, estão em melhor posição para continuar a luta por uma vida qualitativamente melhor.

Estes grupos dentro de uma sociedade se distinguiram de acordo ao fato de, como um exército ou uma orquestra, funcionaram como um único corpo, ou se são unidos apenas para defenderem seus interesses comuns em determinadas circunstâncias, em outras, agem como indivíduos separados. Num caso de agregação das unidades impessoais, se unem em um corpo com uma única finalidade; noutro caso, há uma suspensão das atividades individuais para a finalidade de prestar ajuda mútua.

O primeiro tipo de grupo — o exército, por exemplo — é historicamente o mais primitivo. É verdade que as sociedades secretas de curandeiros aparecem muito cedo na cena, mas esses grupos são realmente do primeiro tipo que agir como um grupo e não como indivíduos separados. O segundo tipo de grupo — a organização dos indivíduos para a promoção ativa dos seus interesses comuns — vem relativamente tarde no desenvolvimento social. O ponto que eu estou fazendo é que nas formas mais primitivas da sociedade o indivíduo é apenas uma unidade, em formas mais desenvolvidas da sociedade, ele é uma personalidade independente.

Isto leva à minha medida de progresso. O progresso é medido pelo grau de diferenciação dentro de uma sociedade. Se o indivíduo é uma unidade de massa corporativa, sua vida não é simplesmente brutal e curta, mas monótona e mecânica. Se o indivíduo é uma unidade por conta própria, com espaço e potencialidade para a ação separada, então ele pode estar mais sujeito a acidente ou acaso, mas pelo menos ele pode se expandir e se expressar. Ele pode desenvolver — desenvolver-se no único significado real da palavra — desenvolver na consciência de força, vitalidade e alegria.

Tudo isso pode parecer muito elementar, mas é uma distinção fundamental, que ainda divide as pessoas em dois campos. Você pode pensar que seria ele o desejo natural de todo homem a se desenvolver como uma personalidade independente, mas isso não parece ser verdade. Porque eles são ou economicamente ou psicologicamente predispostos, há muitas pessoas que encontram segurança nos números, a felicidade no anonimato e da dignidade na rotina. Eles pedem nada melhor do que ser ovelha em um pastor, soldados sob um capitão, os escravos sob um tirano. Os poucos que devem expandir-se os pastores, os capitães e líderes desses seguidores dispostos.

Tais pessoas servis existem aos milhões, mas volto a perguntar: Qual é a nossa medida de progresso? E novamente eu respondo que é só na medida em que o escravo é emancipado e da personalidade diferenciada que se pode falar de progresso. O escravo pode ser feliz, mas a felicidade não é suficiente. Um cão ou um gato pode ser feliz, mas nós não, portanto, concluir que esses animais são superiores aos seres humanos — apesar de Walt Whitman, num poema conhecido, os detém para a nossa emulação. O progresso é medido pela riqueza e intensidade da experiência — por uma apreensão mais ampla e profunda sobre o significado e o alcance da existência humana

Tal são, de fato, o critério consciente ou inconsciente de todos os historiadores e filósofos. O valor de uma civilização ou uma cultura não é valorizado em termos de sua riqueza material ou poder militar, mas pela qualidade e realizações de seus indivíduos representativos — os seus filósofos, seus poetas e seus artistas.

Podemos, portanto, expressar a nossa definição de progresso de uma forma um pouco mais precisa. Progresso, poderíamos dizer, é a criação gradual de uma diferenciação qualitativa dos indivíduos dentro de uma sociedade[1]. Na longa história da humanidade, o grupo deve ser considerado como um expediente — uma ajuda evolutiva. É um meio para a segurança e bem-estar econômico: é essencial para o estabelecimento de uma civilização. Mas o passo adicional, por meio do qual uma civilização é dada a sua qualidade ou cultura, só é alcançado por um processo de divisão celular, no decurso da qual o indivíduo é diferenciada, feita distinta e independente do grupo pai. Quanto mais uma sociedade progride, mais claramente o indivíduo se torna a antítese do grupo.

Em determinados períodos da história do mundo tornou-se uma sociedade consciente de suas personalidades: seria talvez mais verdadeiro dizer que ele estabeleceu condições sociais e econômicas que permitam o livre desenvolvimento da personalidade. A grande época da civilização grega é a idade das grandes personalidades da poesia grega, arte grega e oratória grega: e apesar de a instituição da escravidão, ele pode ser descrito, relativamente às idades que o precederam, como uma era de política libertação. Mas perto do nosso tempo, temos o Renascimento chamado, inspirado por esta civilização helênica antes, e ainda mais consciente do valor do desenvolvimento individual livre. O Renascimento europeu é uma época de confusão política, mas, apesar das tiranias e da opressão, não há dúvida de que, em comparação com o período anterior[2], também foi uma época de libertação. O indivíduo, mais uma vez entra em si próprio, e as artes são cultivadas e apreciadas como nunca antes. Mas ainda mais importante, surge a consciência do fato de que o valor de uma civilização é dependente da liberdade e variedade dos indivíduos que o compõem. Pela primeira vez, a personalidade é deliberadamente cultivada, como tal, e desde aquele tempo até hoje, não foi possível separar as realizações de uma civilização a partir das realizações dos indivíduos que o compõem. Mesmo nas ciências que agora tendem a pensar no crescimento do conhecimento em termos particulares e pessoais da física, por exemplo, como uma linha de indivíduos que se estende entre Galileu e Einstein.

2

Eu não tenho a menor dúvida de que esta forma de individualização representa um estágio superior na evolução da humanidade. Pode ser que estamos apenas no início de tal fase alguns séculos são um curto período de tempo na história de um processo biológico. Credos e castas, e todas as formas de agrupamento intelectual e emocional, pertencem ao passado. A futura unidade é o indivíduo, um mundo em si mesmo, autossuficiente e auto-criativa, livremente dar e receber livremente, mas, essencialmente, um espírito livre.

Foi Nietzsche quem primeiro fez-nos conscientes da importância do indivíduo como um termo no processo evolutivo em que parte do processo evolutivo que tem ainda a ter lugar. No entanto, existe nos escritos de Nietzsche uma confusão que deve ser evitado. Isso pode ser evitado é devido, principalmente, às descobertas científicas feitas desde o primeiro dia de Nietzsche, para Nietzsche deve em certa medida ser dispensado. Refiro-me às descobertas da psicanálise. Freud mostrou claramente uma coisa: que só esquecemos-nos de nossa infância por enterrá-la no inconsciente, e que os problemas deste período são difíceis de encontrar solução, sob uma forma disfarçada na vida adulta. Eu não desejo importar a linguagem técnica da psicanálise para essa discussão, mas foi demonstrada que a devoção irracional que um grupo vai mostrar ao seu líder é simplesmente uma transferência de uma relação emocional que tem sido dissolvido ou reprimido dentro do círculo familiar. Quando descrevemos um rei como “o pai de seu povo”, a metáfora é uma descrição exata de um simbolismo inconsciente. Além disso, nós transferimos a esta figura de proa todos os tipos de virtudes imaginárias que nós mesmos gostaríamos de ter: é o processo inverso do bode expiatório, que é o destinatário da nossa culpa secreta.

Nietzsche, como os admiradores de nossos ditadores contemporâneos, não suficientemente percebe esta distinção, e ele está apto a louvar como um super-homem, uma figura que é apenas inflado com os desejos inconscientes do grupo. O verdadeiro super-homem é o homem que se mantém distante do grupo — um fato que Nietzsche reconheceu em outras ocasiões. Quando um indivíduo tornou-se consciente, não apenas de sua “Eigentum” (Propriedade), de seu próprio circuito fechado de desejos e potencialidades (em que fase ele é um egoísta), mas também das leis que regem suas reações para o grupo de que é mentira um membro, então ele está a caminho de se tornar o novo tipo de ser humano que Nietzsche chamou de o Super-homem.

O indivíduo e o grupo — este é o relacionamento a partir da qual brotam todas as complexidades da nossa existência e a necessidade de desvendar e simplificar. A própria consciência nasce dessa relação, e todos os instintos de uma simpatia mutua e que se tornam codificados na moral. A moral, como muitas vezes tem sido apontado, é antecedente à religião ainda existe em uma forma rudimentar entre os animais. Religião e política seguir, como tentativas de definir a conduta instintiva natural para o grupo e, finalmente, você começa o processo histórico muito bem conhecido por nós, em que as instituições da religião e a política são capturadas por um indivíduo ou uma classe e voltou-se contra o grupo que eles foram projetados para se beneficiar. Homem encontra seus instintos, já deformada por ser definida, agora totalmente inibida. A vida biológica do grupo, uma vida autorreguladora como a vida de todas as entidades orgânicas, é esticada sobre a estrutura rígida de um código. Ele deixa de ser vida, em qualquer sentido real, e só funciona como conformidade, convenção e disciplina.

Há uma distinção a ser feita aqui entre a disciplina imposta sobre a vida, e a lei que é inerente à vida. Minha própria experiência precoce na guerra levou-me a suspeitar que o valor da disciplina, mesmo nesse domínio, onde é muitas vezes considerado como o primeiro ponto essencial para o sucesso. Não foi a disciplina, mas duas qualidades que eu chamaria de iniciativa e livre associação, que se mostrou essencial no esforço de ação. Estas qualidades são desenvolvidas individualmente e tendem a ser destruído pela rotina mecânica da praça do quartel. Quanto à obediência inconsciente, que disciplina e broca supostamente incutem, ele quebra tão facilmente como casca de ovo no rosto de metralhadoras e explosivos avançados.

A lei que é inerente na vida é de um tipo completamente diferente. Temos de admitir “o fato singular”, como Nietzsche dizia, “que tudo da natureza da liberdade, elegância, ousadia, dança, e de certeza magistral, o que existe ou existiu, seja no próprio pensamento, ou na administração, ou em falar e convencer, na arte como na conduta, só se desenvolveu por meio da tirania de lei arbitrária tal, e com toda a seriedade, não é de todo improvável que este é precisamente a “natureza e “natural”. (Além do bem e do mal, § 188) que a “natureza” é penetrada por toda a “lei” é um fato que se torna mais clara a cada avanço da ciência, e precisamos apenas criticar Nietzsche para chamar essa lei “arbitrária”. O que é arbitrário não é a lei da natureza, em qualquer esfera existe, mas a interpretação do homem dela. A única necessidade é descobrir as verdadeiras leis da natureza e conduzir nossas vidas de acordo com elas.

A lei mais geral na natureza é a igualdade, o princípio de equilíbrio e simetria que orienta o crescimento de formas ao longo das linhas de maior eficiência estrutural. É a lei o que dá a folha, bem como a árvore, o corpo humano e do universo em si, uma forma harmoniosa e funcional, que é ao mesmo tempo a beleza objetivo. Mas quando usamos a expressão: a lei da igualdade resulta em um curioso paradoxo. Se olharmos para a definição do dicionário da equidade, encontramos: “Recorrer a princípios de justiça para corrigir ou completar o direito” Como tantas vezes, as palavras que usamos nos trair: temos de confessar, usando a palavra equidade, que a lei estatuto comum que é a lei imposta pelo Estado não é necessariamente o direito natural ou justo; que existem princípios de justiça que são superiores a essas leis feitas pelo homem de princípios de igualdade e justiça inerente à ordem natural do universo.

O princípio da equidade veio pela primeira vez em evidência no jurisprudência romana e foi derivada por analogia com o significado físico da palavra. Em uma discussão clássica sobre o assunto em seu livro sobre a Lei Antiga, Sir Henry Maine aponta que os Aequitas[3] dos romanos implica de fato o princípio da distribuição igualitária ou proporcional. “A divisão igual de números ou grandezas físicas é, sem dúvida, intimamente entrelaçada com as nossas percepções de justiça, há poucas associações que mantêm suas posições na mente tão teimosamente ou são demitidos a partir dele com tanta dificuldade pelos mais profundos pensadores.” “A característica do Jus Gentium[4], que foi apresentado para a apreensão de um romano pelo Patrimônio palavra, era exatamente a característica primeira e mais vividamente realizada do estado hipotético de natureza. Natureza implícita ordem simétrica, em primeiro lugar no mundo físico, e no próximo na noção mais antiga moral, e telha de ordem, sem dúvida envolvido linhas retas, superfícies planas, e as distâncias medidas.” Enfatizo essa origem da palavra, porque é muito necessário distinguir entre as leis da natureza (que, para evitar confusão, devemos antes de chamar as leis do universo físico) e que a teoria de um estado primitivo da natureza que foi feito a base do igualitarismo sentimental de Rousseau. Foi, este último conceito que, como observou secamente Maine, “Ajudou muito para trazer as decepções mais grosseiras na primeira revolução francesa, onde era fértil.” A teoria ainda é a dos advogados: romanos, mas a teoria é, por assim dizer, de cabeça para baixo. “O romano tinha concebido que pela observação cuidadosa das instituições existentes partes delas poderiam ser apontadas, que seriam expostas já, ou através de uma purificação criteriosa ser feita para expor os vestígios de que o reino da natureza, cuja realidade ele vagamente afirmou. A crença de Rousseau era de que uma ordem social perfeita poderia ser evoluída a partir da consideração desassistida do estado natural, uma ordem social inteiramente independentemente da condição atual do mundo e totalmente diferente dele. A grande diferença entre os pontos de vista é que se amargamente e amplamente condena o presente para a sua dessemelhança com o passado ideal; enquanto o outro, assumindo o presente para ser tão necessário quanto o passado, não, afetam a desconsiderar ou censurá-lo”.

Não vou afirmar que o anarquismo moderno tem qualquer relação direta com a jurisprudência romana, mas afirmo que ele tem sua base nas leis da natureza e não no estado de natureza. Ela é baseada em analogias derivadas da simplicidade e harmonia universais leis físicas, e não em suposições da bondade natural da natureza humana, e isso é precisamente onde começa a divergir radicalmente do socialismo democrático, que remonta a Rousseau, o verdadeiro fundador do socialismo de Estado,[5]. Embora o socialismo de Estado procure dar a cada um segundo suas necessidades, ou, como hoje em dia na Rússia, de acordo com seus desertos, a noção abstrata de capital próprio é realmente muito estranho em seu pensamento. A tendência do socialismo moderno é o de estabelecer um vasto sistema de direito positivo contra o qual já não existe um fundamento no patrimônio líquido. O objetivo do anarquismo, por outro lado, é estender o princípio da equidade até substituir completamente a lei estatutária.

Esta distinção já estava clara para Bakunin, como a citação seguinte irá mostrar:

“Quando falamos de justiça, não queremos dizer o que está previsto nos códigos e nos editais de jurisprudência romana, fundada na maior parte em atos, de violência, consagrada pelo tempo e as bênçãos de uma igreja, seja ela pagã ou cristã, e como tal aceites como princípios absolutos de que o resto pode ser deduzida logicamente, queremos dizer sim a justiça que se baseia unicamente na consciência da humanidade, que está presente na consciência de cada um de nós, mesmo nas mentes das crianças, e que é simplesmente traduzida como equalness[6].

“Essa justiça que é universal, mas que, graças ao abuso da força e influências religiosas, nunca prevaleceu, nem na política e nem no jurídico, nem no mundo econômico. Este sentido universal de justiça deve ser a base constitutiva de um novo mundo. Sem ele nenhuma liberdade, nenhuma república, nenhuma prosperidade, nenhuma paz! ” (Oeuvres, 1 (1912), pp.54-5.)

3

É certo que um sistema de equivalência patrimonial, não menos do que um sistema de direito, implica num mecanismo para determinar e administrar os seus princípios. Não consigo imaginar a sociedade que não incorpora algum método de arbitragem. Mas, assim como o juiz no capital próprio é suposto a apelar para os princípios universais da razão, e por ignorar o direito legal quando ele entra em conflito com esses princípios, de modo que o árbitro de uma comunidade anarquista vai apelar para esses mesmos princípios, como determinado pela filosofia ou senso comum, e irá fazê-lo sem restrições por todos os preconceitos jurídicos e econômicos que a organização atual da sociedade acarreta.

Será dito que eu estou apelando a entidades místicas, as noções idealistas que todos os materialistas rejeitam. Eu não nego isso. O que eu nego é que você pode construir uma sociedade duradoura sem algum ethos[7] tal mística. Tal declaração vai chocar o socialista marxista, que, apesar das advertências de Marx, é normalmente um materialista ingênuo. A teoria de Marx, como eu acho que ele mesmo faria, teria sido o primeiro a não admitir-se uma teoria universal. Não lidar com todos os fatos da vida ou só lidava com alguns deles de uma forma muito “superficial”. Marx rejeitou corretamente os métodos não históricos dos metafísicos alemães, que tentaram fazer os fatos se encaixarem numa teoria pré-concebida. Ele também, com igual firmeza, rejeitou o materialismo mecânico do século XVIII, rejeitou alegando que apesar de que poderiam explicar a natureza de coisas existente, ignorou todo o processo de desenvolvimento histórico do universo como um crescimento orgânico. A maioria dos marxistas esquece a primeira tese sobre Feuerbach, onde se lê: “O principal defeito de todo materialismo até agora existente ao qual Feuerbach é incluído, é que o objeto, a realidade, a sensualidade, é concebido apenas sob a forma do objeto, mas não como atividade sensorial humana, e a prática, não subjetivamente”. Naturalmente, quando se tratava de interpretar a história da religião, Marx teria tratado como um produto social, mas que está longe de tratá-la como uma ilusão. De fato, a evidência histórica deve tender o todo na direção oposta, e obrigar-nos a reconhecer na religião uma necessidade social. Nunca houve uma civilização sem a sua religião correspondente, e o aparecimento do racionalismo e do ceticismo é sempre um sintoma de decadência.

É certo que há um fundo geral da razão, que todas as civilizações a sua parte e que inclui uma atitude de desapego comparativo da religião em particular de sua época. Mas, para reconhecer a evolução histórica do fenômeno como a religião não é explicá-la. É muito mais provável dar-lhe uma justificação científica, para revelá-lo como uma condição necessária da “atividade humana sensível”, e, portanto, para lançar suspeita sobre qualquer filosofia social que exclui a religião de forma arbitrária por parte da organização que se propõe para a sociedade.

Já está claro, depois de vinte anos de socialismo na Rússia, que, se você não fornecer a sua sociedade uma nova religião, ela irá gradualmente reverter-se para a antiga. O comunismo tem, naturalmente, os seus aspectos religiosos, e para além da readmissão gradual da Igreja Ortodoxa[8], a deificação de Lênin (um túmulo sagrado, suas efígies, a criação de uma lenda, todos os elementos “divinizadores” estão lá) é uma tentativa deliberada de criar um válvula de escape para emoções religiosas. Ainda mais tentativas deliberadas para criar uma parafernália de um novo credo estão sendo feitas na Alemanha, onde a necessidade de uma religião de algum tipo nunca foi oficialmente negado. Na Itália, Mussolini tem sido demasiado astuto para fazer qualquer coisa, e sim chegar em um acordo com a Igreja Católica predominante. Longe de escárnio a estes aspectos irracionais do comunismo e do fascismo, devemos sim apenas criticá-los por sua estupidez, sua falta de qualquer conteúdo real, sensorial e estético, pela pobreza de seu ritual, e, sobretudo, pela sua incompreensão da função de poesia e da imaginação na vida da comunidade.

Podemos ter certeza de que das ruínas da nossa civilização capitalista uma nova religião vai surgir, assim como o cristianismo surgiu das ruínas da civilização romana. O socialismo, tal como concebido pelos pseudo-históricos materialistas, não é uma religião, e nunca será. E, embora, a partir deste ponto de vista, é preciso reconhecer que o fascismo tem se mostrado mais imaginativo, é em si um fenômeno de decadência a consciência defensiva, antes de um destino aguardado de uma ordem social existente, e que a sua superestrutura ideológica não é de interesse permanente. Uma religião nunca é uma criação sintética – você não pode selecionar as lendas e os santos do passado mítico e combiná-los com algum tipo de orientação política ou racial para fazer um bom credo conveniente. Um profeta, como um poeta, nasce. Mas mesmo concebido o profeta, você ainda está longe de ter o estabelecimento de uma religião. Ele precisou de cinco séculos para construir a religião do cristianismo sobre a mensagem de Cristo. Essa mensagem foi moldada, alargada e em grande medida distorcida até expressar o que Jung chamou de inconsciente coletivo, um complexo de fatores psicológicos que deu coesão a uma sociedade. A religião, em suas fases posteriores, pode muito bem ser o ópio do povo, mas ao mesmo tempo se torna a única força que pode conter um povo de forma ampla, que pode fornecer-lhes uma autoridade natural para atrair ao confronto de interesses de seu pessoal.

Eu chamo a religião de uma autoridade natural, mas tem sido geralmente concebido como uma entidade sobrenatural. É natural em relação à morfologia da sociedade; sobrenatural em relação à morfologia do universo físico. Mas em qualquer aspecto, é em oposição à autoridade artificial do Estado. O Estado só adquire a sua autoridade suprema quando a religião começa a declinar, e a grande luta entre a Igreja e o Estado, quando, como na Europa moderna, que termina de forma tão decisiva em favor do Estado, é do ponto de vista da vida orgânica do uma sociedade, eventualmente, fatal. É porque o socialismo moderno tem sido incapaz de perceber esta verdade e, em vez disso, liga-se a mão morta do Estado, e consequentemente em todos os lugares, o socialismo se torna derrotado. O aliado natural do socialismo era a Igreja, embora reconhecidamente nas circunstâncias atuais históricos do século XIX era difícil ver isso. A Igreja estava tão corrompida, em uma dependência das classes dominantes, que apenas alguns espíritos raros podiam ver através de aparições às realidades, e conceber o socialismo nos termos de uma nova religião, ou mais simplesmente como uma nova reforma do cristianismo.

Se, nas circunstâncias atuais de hoje, ainda é possível encontrar um caminho a partir da antiga religião, uma nova religião seria duvidosa. O cristianismo está tão comprometido com os regimes atuais, que qualquer reforma que seria suficientemente drástica e é quase inconcebível. A nova religião é mais provável que surja passo a passo com uma nova sociedade, talvez, no México, talvez na Espanha, talvez nos Estados Unidos: é impossível dizer onde, porque mesmo o germe de uma sociedade nova é nada evidente e sua formação completa está profundamente enterrada no futuro.

Eu não sou um revivalista cristão ou sem religião, nem recomendo ou indico alguma em que se acredite, apenas me baseio na evidência da história das civilizações, em que uma religião é um elemento necessário em qualquer sociedade orgânica. * E eu sou tão consciente do lento processo de desenvolvimento espiritual e que estou sem vontade de procurar uma nova religião, muito menos esperar encontrar uma. Eu apenas arrisco uma observação. Tanto em suas origens e desenvolvimento, até o seu apogeu, a religião está intimamente associada com a arte. Religião e arte são, de fato, se não de modos alternativos de expressão, modos intimamente associados. Para além da natureza essencialmente estética do ritual religioso, além, também, da dependência da religião na arte para a visualização de seus conceitos subjetivos, há, além disso, uma identidade das maiores formas de expressão poética e mística. Poesia, nos seus momentos mais intensos e criativos, penetra no mesmo nível do inconsciente como o misticismo. Escritores, e com certeza que estão entre os grandes nomes, temos St. Francis, Dante, Santa Teresa, São João da Cruz, como poetas e como místicos. Por esta razão, pode muito bem acontecer que as origens de uma nova religião serão encontradas na arte, em vez de qualquer forma de revivalismo moralista. *

O que tudo isso a ver com o anarquismo? Simplesmente isto: o socialismo da tradição marxista, que é o socialismo, quer dizer, estatal, tão completamente isola-se das sanções religiosas e foi levado a tais subterfúgios lamentáveis em sua busca por substitutos para a religião, que ao contrário do anarquismo, que não é sem sua linhagem mística, é uma religião em si. É possível, isto é, conceber uma nova religião em desenvolvimento fora do anarquismo. Durante a Guerra Civil Espanhola, muitos observadores ficaram impressionados com a intensidade religiosa dos anarquistas. Nesse país de potencial renascimento do anarquismo inspirou, não apenas heróis, mas até mesmo os santos de uma nova raça de homens cujas vidas são dedicadas, na imaginação sensual e, na prática, à criação de um novo tipo de sociedade humana.

4

Estas são as frases retumbantes de um visionário, me dirão, e não os acentos práticos do socialismo “construtivo”. Mas o ceticismo do homem chamado prática é destrutiva para a única força que pode trazer uma comunidade socialista na existência. Sempre foi profetizado, nos anos pré- guerra, que o socialismo de Estado era o ideal visionário, impossível de realização. Além do fato de que cada país industrial do mundo foi se movendo rapidamente em direção ao socialismo de Estado durante o último quarto de século, há o exemplo da Rússia para provar como muito possível uma organização central de produção e distribuição é, desde que você tenha visionários suficiente implacáveis, e neste caso inumanos suficientes, para transportar do ideal à prática. Eu não acredito que este tipo particular de organização social possa durar por muito tempo, simplesmente porque, como já sugeri, não é orgânico. Mas se tal forma (ou, se você preferir a palavra, lógico) arbitrária da sociedade pode ser estabelecida, ainda por alguns anos, quanto mais provável é que uma sociedade que não contradiz as leis de crescimento orgânico pode ser estabelecida e perdurará. Um começo estava sendo feito na Espanha, apesar da Guerra Civil e todas as restrições que uma condição de emergência implícitas. A indústria têxtil de Alcoy, a indústria da madeira em Cuenca, o sistema de transporte em Barcelona – estes são alguns exemplos dos muitos coletivos anarquistas que estavam funcionando de forma eficiente por mais de dois anos. * Tem sido demonstrado para além de qualquer possibilidade de negação, os vários méritos ou deméritos do sistema anarcossindicalista, que consegue fazer o trabalho. Uma vez que prevalece sobre toda a vida econômica do país, deve funcionar melhor ainda e fornecer um padrão de vida muito maior do que a realizado sob qualquer forma anterior de organização social.

Eu não pretendo repetir em detalhe as propostas sindicais para a organização da produção e distribuição. O princípio geral tem uma forma clara: cada indústria faz-se em uma federação de autogestão em coletivos, o controle de cada indústria está inteiramente nas mãos dos trabalhadores, de toda a indústria, e estes coletivos administram toda a vida econômica do país. Isso lembra em natureza de um parlamento de indústrias, para ajustar as relações mútuas entre os coletivos diversos e decidir sobre questões gerais de política, mas este Parlamento, em nenhum sentido é um órgão administrativo ou executivo, mas que formará uma espécie de serviço diplomático industrial, ajustando as relações e preservam a paz, mas não possuindo poderes legislativos e não de status privilegiado. Também tende a haver um corpo que corresponda representar os interesses dos consumidores, e para organizar as questões de preço e distribuição, junto aos coletivos.

É certo que haverá todos os tipos de dificuldades de ordem prática a serem superadas, mas o sistema é a própria simplicidade em comparação com o monstro do controle estatal centralizado, que estabelece uma distância tão desumana entre o trabalhador e o administrador que não há espaço de intervenção para mil dificuldades existentes. Depois de fazer da subsistência e não aproveitaria o motivo para a associação e da ajuda mútua, ali tudo para ele disse para o controle local, a iniciativa individual e da igualdade absoluta. Caso contrário, pode ter certeza de que alguma máquina ex deus será controlar as coisas para seu próprio benefício, e talvez colocar uma roda na engrenagem para sua própria satisfação sádica.

O único outro problema prático a considerar nesta fase é o que vou chamar de desigualdade de interpretação do que a administração da justiça. Obviamente, a grande massa de processos cíveis e criminais irá simplesmente desaparecer com o desaparecimento do lucro motivacional, e outros permaneceriam como o ato antinatural de cobiça, raiva e autoindulgência de vontade, em grande medida tratou pelos coletivos, assim como o tribunal de pequenas causas tratam com todos os crimes contra a paz da localidade. Se é verdade que certas tendências perigosas persistirão, estes devem ser mantidos sob controle. “Manter a seleção” é o clichê que nasce primeiro para a mente, mas indica os métodos repressivos da velha moralidade. A palavra mais elegante seria “sublimado”, e por isto queremos dizer à formulação de saídas inofensivas para as energias emocionais que, quando reprimidos, tornam-se mal e antissociais. Os instintos agressivos, por exemplo, são gastos em jogos competitivos de vários tipos, a nação mais divertida é mesmo agora menos agressiva.

O caso todo para descansos anarquismo em uma suposição geral de que faz especulações detalhadas desse tipo completamente desnecessário. A suposição é que o tipo certo de sociedade é um ser orgânico não apenas semelhante a um ser orgânico, mas na verdade estrutura a vida com apetites e digestões, instintos e paixões, a inteligência e a razão. Assim como um indivíduo por um equilíbrio adequado dessas faculdades podem manter-se na saúde, assim que uma comunidade pode viver naturalmente e livremente, sem a doença do crime. Crime é um sintoma de doença social, de pobreza, desigualdade e restrição. * Livrar o corpo social destas doenças e que a sociedade livrar do crime. A menos que você pode acreditar nisso, não como um ideal ou fantasia, mas como uma verdade biológica, pode não ser um anarquista. Mas se você acreditar, você deve logicamente chegar anarquismo. Sua única alternativa é ser um cético e autoritário, uma pessoa que tem tão pouca fé na ordem natural que ele vai tentar fazer do mundo estar de acordo com algum sistema artificial de sua própria invenção.

5

Tenho falado pouco sobre a organização real de uma comunidade anarquista, em parte porque eu não tenho nada a acrescentar ao que foi dito por Kropotkin e por sindicalistas contemporâneos como Dubreuil, em parte porque é sempre um erro construir constituições priori. A coisa principal é estabelecer seus princípios – os princípios da igualdade, da liberdade individual, de controle dos trabalhadores. A comunidade, em seguida, visa o estabelecimento destes princípios a partir do ponto de partida das necessidades locais e as condições locais. Que deve ser estabelecida por métodos revolucionários é, talvez, inevitável. Mas, neste contexto, eu gostaria de reviver a distinção feita por Max Stirner entre revolução e insurreição. Revolução “consiste em uma revirada das condições, da condição estabelecida ou status, o Estado ou a sociedade, e é, portanto, um ato político ou social.” Insurreição “tem como consequência inevitável uma transformação das circunstâncias, ainda não começar a partir dele, mas do descontentamento dos homens consigo mesmos, não é uma insurreição armada, mas um aumento dos indivíduos, um levantar-se, sem levar em conta as regras da mola que a partir dele.”

Insurreição “tem como consequência inevitável uma transformação das circunstâncias, ainda não iniciar a partir dele, mas do descontentamento dos homens com eles mesmos, não é uma insurreição armada, mas uma crescente de indivíduos, um levantar-se, sem levar em conta os arranjos mola que a partir dele. “Stirner realizada a distinção mais longe, mas o ponto que eu quero fazer é que há toda a diferença do mundo entre um movimento que visa à troca de instituições políticas, noção do que é o burguês socialista (Fabian) de uma revolução, e uma movimento que tem como objetivo se livrar dessas instituições políticas completamente. Uma insurreição, portanto, é dirigido contra o Estado, enquanto tal, e este objetivo vão determinar nossas táticas. Obviamente, seria um erro para criar o tipo de máquinas que, no final de uma revolução bem sucedida, seria meramente tomada pelos líderes da revolução, que, em seguida, assumir as funções de um governo. Que está fora da frigideira para o fogo. É por esta razão que a derrota do Governo espanhol, lamentável em que ele deixa o poder do Estado nas mãos de ainda mais cruéis, deve ser encarado com uma certa indiferença, pois no processo de defender a sua existência, o Governo espanhol criou, na forma de uma matriz de pé e uma polícia secreta, todos os instrumentos de opressão, e que havia pouca chance de que esses instrumentos teria sido descartado pelo grupo especial de homens que teria sido no controle, se a guerra tinha terminado em uma vitória do Governo.

A arma natural das classes trabalhadoras é a greve, e se me disseram que a greve foi usada e falhou, devo responder que a greve como uma força estratégica está em sua infância. Este poder supremo que está nas boas mãos das classes trabalhadoras e ainda nunca foi usado com inteligência e com coragem. A greve-geral a nossa greve geral de 1926, por exemplo, é uma imbecilidade. O que é necessário é uma disposição de forças em profundidade, de modo que os vastos recursos dos trabalhadores poderão ser organizados em apoio a um ataque em um ponto vital. O Estado é tão vulnerável quanto um ser humano, e pode ser morto pelo corte de uma única artéria. Mas você tem perceber e evitar que os cirurgiões não se apressem em salvar a vítima. Você deve trabalhar secretamente e agir rapidamente: o evento deve se catastrófico. Tirania, seja de uma pessoa ou de uma classe, não pode ser destruída de qualquer outra maneira. Foi o próprio Grande Insurgente, que disse: “Sede prudentes como as serpentes”.

Uma insurreição é necessária pela simples razão de que, quando se chega ao ponto que mesmo o homem de boa vontade, se está no topo, não sacrificará suas vantagens pessoais para o bem geral. No tipo voraz do capitalismo existente no país e na América, tais vantagens pessoais são o resultado de um exercício de baixa astúcia dificilmente compatível com um senso de justiça e são baseados em uma especulação insensível em finanças que não conhece e nem se importa com o ser humano, só com os elementos que estão envolvidos no movimento abstrato de preços de mercado. Durante os últimos 50 anos tem sido evidente para qualquer pessoa com uma mente inquiridora que o sistema capitalista chegou a um estágio de seu desenvolvimento em que só pode continuar sob a cobertura de agressão imperial – em que só pode estender seus mercados atrás de uma barragem de explosivos. Mas a mesma percepção de que – a percepção de que o capitalismo envolve um sacrifício humano para além dos desejos de Moloch – a realização não convence os nossos governantes para humanizar a economia social das nações. Em nenhuma parte – nem mesmo na Rússia – já abandonaram os valores econômicos sobre os quais toda a sociedade desde a Idade Média tentou basear-se em vão. Só foi provado, mais uma vez, que na questão dos valores espirituais, não pode haver compromisso. Medidas paliativas não conseguiram e agora a catástrofe inevitável tem nos sobrecarregado. Quer que a catástrofe seja o paroxismo final de um sistema condenado, deixando o mundo mais escuro e mais desesperado do que nunca, ou se é o prelúdio de uma insurreição espontânea e universal, vai depender de uma apreensão rápida do destino que está sobre nós. A fé na bondade fundamental do homem, humildade na presença de lei natural; razão e ajuda mútua – estas são as qualidades que podem nos salvar. Mas elas devem ser unificadas e vitalizadas por uma paixão insurrecional, uma chama em que todas as virtudes são temperadas e esclarecidas, tornando-se mais eficiente e mais forte.

Referências

  1. Vale a pena observar que está é a medida no Curso no Platão na República, II, 369 e ss.

  2. Vale a pena observar que está é a medida no Curso no Platão na República, II, 369 e ss.

  3. Relacionado a Justiça. No direito romano, é aquele ideal ético que existe, em estado amorfo, na consciência social, e que tende a transformar-se em direito positivo . NT

  4. Direito estabelecido pela razão natural para todos os homens e que era guardado por todos os povos: por isso era o direito observado, em comum, pelo povo romano e pelos demais povos (conhecidos daquele, naturalmente): por isso, também, era que tanto aquele como estes se utilizavam de normas, sejam próprias, sejam comuns a todos os povos e diferente do Jus Civile, ou seja, do direito próprio e exclusivo de cada povo. NT<

  5. Isto é claramente demonstrado por Rudolf Rocker em Nacionalismo e Cultura. (New York, 1937.)

  6. Princípio de igualdade. NT

  7. O termo indica, de maneira geral, os traços característicos de um grupo, do ponto de vista social e cultural, que o diferencia de outros. Seria assim, um valor de identidade social.

  8. Para as relações atuais entre o governo soviético e da Igreja, ver A. Ciliga, O Enigma Russo (Routledge, 1940), p. 160-5.