Ecologia Social é Pelegagem!?

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Fonte: Nodo50

A Ecologia Social é pelegagem ou a Pedagogia Libertária é mera retórica, para um falar e agir intelectualmente “confortante”?

Todas as idéias novas e constatação de fatos quando concebidos ou descobertos, a princípio, sempre são recebidos com a “desconfiança” do preconceito e a sua decorrente animosidade e desvalorização. Isto para apresentar uma forma mais amena de contrariedade.

Vide o que ocorreu com “livres–pensadores” como Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei na assim chamada idade média. Homens que podem representar o advento da série de questionamentos em diversos setores do saber e na visão de mundo que desembocou no “Renascimento” cultural e a redescoberta do próprio Ocidente.

No caso de Copérnico foi uma profunda e radical mudança de paradigma, chamada de revolução Copernicana, que consistiu na teoria de que a terra move-se em torno do sol e não o inverso, que era postulado dogmaticamente pela igreja. Consiste na oposição do geocentrismo da igreja ao heliocentrismo de Copérnico, pela qual a detentora do monopólio ideológico perdia, e perdeu, muito de sua influência e poder.

Em seguida, com o “Renascimento”, como autoproclamado pelos estetas da época, surgiram novos paradigmas como o antropocentrismo, que colaborou para a desconstrução do teocentrismo até este momento dominante neste processo de transformações do Ocidente.

Decorreu em seguida o mercantilismo, a reforma protestante e o racionalismo cartesiano, de base “mecanicista” e etc. sendo que este último erigiu–se como uma “nova moral religiosa da modernidade” e sua conseqüência direta foi uma visão extremamente utilitarista do mundo, subordinando–o à sua lógica “analógica”, “analítica” e “digital”, antes da cibernética, com os seus: racional ou irracional, certo ou errado, lucrativo ou não.

Este tipo de visão tem como prioridade secionar, atomizar o conhecimento e a sua experiência. Ele vê as partes de uma árvore ao invés da árvore, ou de um bosque. “Adestra” a visão do homem em relação ao mundo e à “natureza”, das coisas a uma determinada lógica. Este paradigma gera um “conforto”, uma “conformidade” do pensamento no que ele poderia inspirar de reflexões mais instigantes, obscuras e ansiosas, pois as grandes questões não-eleitas como utilitárias ou importantes, e a própria reflexão sobre esses valores, são deixadas de lado. É um “conforto” que gera “conformismo” intelectual e pensamento estático. Ela divide, escrutina, separa, seciona o conhecimento e conquista o imaginário social diminuindo o poder de intervenção e elaboração simbólica de outros saberes como as culturas e tradições ancestrais em relação à natureza, sua ética e visão do mundo e para com o mundo.

Estamos numa época de profundos conflitos, gerados pela “globalização”. Também dentro desta conjuntura há o florescimento, e o resgate de outras visões de mundo, ou o surgimento de outras. Podemos afirmar que estamos caminhando, se não houver nenhum “acidente”, para uma provável nova “revolução Copernicana”. Mas deixemos este ponto para mais adiante. Falemos agora das polêmicas surgidas dentro do “movimento libertário” a partir destas novas conjunturas.

Com a derrocada dos regimes do capitalismo estatal, como ex–URSS e leste europeu, ou seja, o fim da “guerra fria”, com o mundo todo se tornando um imenso burgo lamacento, onde espaços antes ocupados no imaginário social, e antes de tudo nos movimentos sociais, em que esquerda fetichizava o operário industrial urbano e colonizava com o seu programa outros setores, tais como camponeses, favelados e contestações de fundo étnico, dando–lhes uma dinâmica monolítica e unidimensional, e com a falência deste projeto, novos movimentos e alternativas começaram a surgir ocupando estes espaços, dentro de uma enorme multiplicidade. Estes movimentos são de todos os tipos e aspectos. Muitos são meras reivindicações como princípios em si mesmos, como o movimento dos consumidores “conscientes”. Outros de perfil que poderíamos chamar “não rigidamente” de “libertários”. E muitos outros fundamentalistas, como os religiosos, nacionalistas e “Nazis”.

Dos anos 60, séc. XX, até a atualidade, popularizou–se a revalorização das teses e práticas “libertárias anarquistas”, o surgimento e valorização de movimentos étnicos, indígena e negro por exemplo, de gênero e anti–patriarcais, gays, lésbicas e mulheres, e a verdadeira “febre”” que é o “movimento ecológico internacional”, sendo isto, em muito, herdeiro de um arcabouço teórico de origem anarquista, tendo como exemplo evidente a obra “Campos, fábricas e oficinas”, de Pedro Kropotkin, e um dos seus lemas mais importantes é sintomático em relação a isto, “pensar globalmente, agir localmente”. Apesar deste florescimento de movimentos, ousadias intelectuais e ativistas, o mundo não se tornou uma grande “aldeia–livre”.

Estas novas concepções, e as resgatadas, de movimentos e visões de mundo ainda estão sendo digeridas, e talvez o seu pleno potencial ainda seja embrionário e contraditório. Conflitos entre estes elementos não foram totalmente superados, e isto somente a prática social quotidiana poderá silenciosamente responder.

Para assinalar a partir do campo da ação e reflexão anarquista pode ser exemplificada brevemente ao nível geral a polêmica surgida recentemente a respeito da Ecologia social e da Ecologia profunda. Tentar-se-á tratar deste tema como um todo.

Com a popularização das “teses” políticas e ecológicas colocadas em pauta em todo mundo, mais fortemente a partir dos anos 60, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte–americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotada pela “eco-guerrilha”, ou sabotagem ecológica, pela organização chamada Earth First!, “A Terra Primeiro!”, fundada inicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não–violência, ação direta e ecologia profunda.

Entre estas duas vertentes existe uma certa animosidade mútua principalmente no campo teórico, já que a militância da EF! é mais forte e contem muitas individualidades e organizações ácratas. A EF! acusa os ecologistas sociais de excessivamente “antropocêntricos”, preocupados apenas com a remediação dos problemas ecológicos, vendo apenas uma parte da vida, o homem, e não atentando para o todo do planeta, a Mãe Terra, categoria forte na EF!. Da parte dos Ecologistas sociais, aviso, nem todos de matriz anarquista já que a ecologia social se pretende enquanto uma das diversas subdivisões da ciência, acusam a Ecologia profunda de misantrópica, alienada das questões sociais e excessivamente “biocêntrica”. Na linha de frente desta crítica está o próprio M. Boockchin. Como podem ver, está formada uma querela. Embora o próprio M. Boockchin no seu trabalho “Por uma ecologia social”, reconheça a proximidade nos últimos tempos da EF! com a IWW, órgão sindical de orientação libertária, fato deveras inovador neste país onde o sindicalismo tem a tendência e tradição de ser corporativo e atrelado ao paradigma do credo industrial capitalista.

Para complicar um pouquinho mais este quadro, há a posição de setores anarco–sindicalistas portugueses da FAI que acusam os signatários das teses do Boockchin de “neo–anarquistas” de direita, que abandonaram “a luta dos trabalhadores”. Fazendo uma breve análise destas questões, no caso específico dos anarco–sindicalistas, existe um equívoco em relação a este assunto. Primeiro por que estes não consideram estas questões. As suas avaliações são realizadas em categorias cristalizadas, desconectadas com o real, feitas na maioria das vezes de forma apriorística, e não que os companheiros sejam obrigados a uma “concordância” inexorável e a se tornarem PhDs em ecologia social, mas um pouquinho de sensibilidade e menos ortodoxias ajudariam bastante a sensibilizarem–se a novas e pertinentes questões. Talvez em Portugal seja um pouco como no Brasil. Em segundo, o anarco–sindicalismo ainda está atrelado ao paradigma da “luta econômica industrialista”, sendo que é observado que esta tendência e as suas organizações não são mais um movimento preponderante, e nem representam mais uma alternativa concreta de transformação social. Sua preocupação primordial é promover a luta econômica industrial com tintas “anárquicas”, mas estes hoje apenas sobrevivem em formas mumificadas e em discursos radicalmente ultrapassadas, convertendo–os assim em ortodoxos.

Em relação à dicotomia Ecologia Profunda e Ecologia Social, a questão às vezes é meio espinhosa, mas mesmo assim há de se aprender muito com a prática e a teoria das duas vertentes. A princípio, deve-se observar e esclarecer que no caso da Ecologia social esta não consiste numa organização e sim em uma elaboração teórica e proposta, como tantas outras teses anarquistas: o apoio mútuo, a desobediência civil, a ação direta, a autogestão etc. Nos EUA esta prática habita duas esferas: a acadêmica, como uma espécie sui generis de transdiciplinaridade, e o ponto programático, idéia-força, tese e princípio dos grupos organizados anarquistas. Porém existem grandes polêmica sobre os limites desta última esfera por parte de outros ecólogos sociais.

No caso da Ecologia Profunda, esta pode ser considerada como um conjunto de princípios éticos sobre toda forma de vida no planeta, seja humana ou não-humana, como são trabalhadas as categorias de discurso por parte dos ecólogos profundos. Como foi dito antes, a principal organização política que adota esta teoria é a já referida EF!, mas também há a incorporação de pequenos grupos pacifistas e de direitos e liberação animal.

A EF! advoga uma profunda transformação nas estruturas econômicas, políticas e das mentalidades. As suas “ações diretas” de eco-sabotagem são contra os agentes diretos da poluição e depredação da natureza. O alvo principal é o grande capital das megacorporações transnacionais e também nacionais. Tem se observado que nos últimos anos, nas fileiras da EF!, tem crescido bastante o número de militantes de orientação anarquista.

Visto isso, pode-se interpretar que as posições de luta pela melhoria da qualidade de vida das comunidades humanas com uma conseqüente transformação “profunda” da sociedade a pressupostos de defesa de quaisquer formas de vida e seus ecossistemas não são contraditórios e nem oponentes. A dicotomia entre antropocentrismo e biocentrismo é falsa. Mas ocorre um fato além da vaidade e briga por espaço político. Acontece realmente que adeptos da Ecologia profunda, eventualmente, e alguns setores, têm a tendência há um certo “fundamentalismo biológico preservacionista”, e talvez isto seja reflexo das proposições do próprio Foreman. Mas o seu empenho ativista, dedicação e base ética bem constituída na esfera da condução filosófica do ativismo, são invejáveis, mesmo se estes ainda engatinharem na clareza de sua análise social para a “comunidade humana”. Enquanto que com a ecologia social, esta tem claras e objetivas propostas em relação ao social, mas apenas principia-se em uma visão mais holística com outros elementos vitais ao ser humano e à vida. Prendem-se a vícios do passado que também atrapalham com que esta visão se amplie.

Estas teses e proposições ideológicas, metodológicas, filosóficas, científicas, práticas e éticas devidamente criticizadas são possivelmente intercambiáveis aqui no Brasil. Jamais devemos ser certos de nossas certezas em demais pois isto atrofia a prática, esteriliza a reflexão e dogmatiza o espírito, mas mesmo assim nas condições tropicais brasileiras talvez seja possível florescer uma “Ecologia social de visão profunda” como uma linha de interpretação do mundo e linha de ação. O nosso patrimônio biológico, multicultural, humano e social podem contribuir muito para com a nossa própria sociedade e por que não com o próprio planeta. Esta temática e este tipo de proposta com certeza enfrentaram (e enfrentam) resistências infundadas ou talvez preconceituosas.

Dado que os anarquistas brasileiros, muitos, mas não todos, sofrem de uma estranha doença “da auto-afirmação”, depois de anos de inação e auto-enclausuramento em conventos culturalistas, agora que estes estão começando a despertar para a ação nas gerações mais recentes sofrem desta estranha patologia, que é repetir retoricamente um anarco-comunismo datado combinado aos vícios da visão anarco-sindicalista com práticas de análise em “dogmatismos principistas” da esquerda tradicional. Mas esta crítica está associada apenas aos reprodutores da “velha escola” e “culturalistas de classe média” por que já existe uma nova geração composta de elementos sinceros e tolerantes que estão trabalhando para alavancar as lutas sociais vitais para a nossa sociedade.

Pois é nítido, empiricamente comprovado, que o paradigma cartesiano-mecanicista, “industrialista” e utilitarista-econômico hoje, com o processo de globalização, porá em cheque a humanidade e quaisquer formas de vida ameaçando severamente a Mãe Terra.

A militância libertária para este princípio de terceiro milênio além de não transigir com os seus princípios vitais incorporados nas lutas populares, deve ter uma atuação prática dentro de uma visão multidimensional, ou seja, signatária de novos paradigmas Holísticos e transdiciplinares filosóficos-científicos como também otimisadores de outras tradições, saberes; o intuitivo com o racional conjugado com os saberes populares e comunitários, e também dos saberes milenares dos povos ancestrais “originários”, africanos, indígenas e etc. Pois urge cada vez mais o rompimento com as metafísicas mistificadoras religiosas tanto quanto com os vícios e males do materialismo. Deixemos isto para o marxismo.

Neste tempo de demanda por transformações politico–sociais, é contatado que novas formas de conhecimento como a ecologia, que por acaso significa o “estudo da casa”, ou seja ambiente, universo, requer o trabalho sócio-cultural da consciência ambiental irmanado com a questão econômica. Economia significa administração da casa, do ambiente. Para continuarmos a viver e não meramente sobreviver como humanos devemos entender e lutar por quem vai “administrar”, respeitar ou arrumar a casa. Nós todos ou uma casta genocida?

Tanto se fala entre os anarquistas brasileiros e outros ativistas populares na defesa de uma concepção de acordo com a cultura popular brasileira e latino-americana e se faz tão pouco para implementá-la. O paradigma Holístico é uma janela que se abre para esta questão.

Afinal de contas o termo libertário hoje é um conceito muito amplo. Ele não é mais de nenhuma forma monopólio dos anarquistas, devemos ter consciência disto, pois dentro dos próprios princípios dos “autonomistas” europeus, por exemplo, admite-se que em outras culturas, de outros continentes surjam formas diversas de “libertários”. Os “Resistentes”, “Magonistas” e “Zapatistas” podem enquadrar-se neste caso, ou seja, sermos globais, internacionalistas, sem esquecermos de quem somos ou dos nossos rituais culturais comunitários.

O que se entende por “libertários” são aqueles que lutam e ao mesmo tempo têm como princípio a liberdade. Isto dado não apenas numa forma idealizada e abstrata, metafísica, e sim com práticas concretas como, ação direta, descentralização, democracia direta horizontalizada, fóruns coletivos públicos de deliberação e federalismo. Dentro destes princípios existe hoje uma grande multiplicidade de correntes e movimentos sociais adeptos tais como os autonomistas, movimento Zapatista no México, movimento Okupas na Espanha, movimentos ecológicos, ação global dos povos, movimentos indígenas etc. Somente dialogando apoiando, agindo conjuntamente e incentivando estas iniciativas contra o verdadeiro adversário da humanidade que é o capitalismo “globalitarista” promotor de guerras, genocídios e ecocídios, somente através de alianças em “rede” e horizontalizadas que as pessoas poderão resistir “globalmente.”

Desconstruindo quaisquer formas de obscurantismos, mentalidades confortantes e acomodadas mal-disfarçadas de principismo, poderá se construir uma democratização econômica com a descentralização produtiva, com gestão comunitária em rede gerando empregos saudáveis e para todos em oposição às concentrações da produção industrial que é hierárquica, sexista, anti-humana e poluidora. Características típicas da economia capitalista.

Pode-se afirmar que a vida na terra seja humana e não-humana, seja comunitária e que os ecossistemas estão além do que nossas arbitrárias medidas de valores supõem.

Para esclarecer melhor o que foi discutido neste ensaio é recomendada a leitura de obras dos autores clássicos tais como Petr Kropotkin, os irmãos Reclus e de autores recentes como Felix Guatarri, Cornelius Castoriadis, Fritjof Capra, Michel Foucault, Arne Naess, Murray Boockchin, Lewis Munford e Pierre Clastres.

Concluindo, para se trabalhar de forma concreta a consciência ambiental e ecológica, de nossa casa que é o mundo, com um processo de aprofundamento da tomada de consciência social é pertinente se trabalhar na educação popular incluindo na sua área temática e didática a educação ambiental. E esta Educação popular pode apoiar-se no seguinte tripé temático: pedagogia libertária, estudo e aplicação da ecologia social mesclada à ecologia profunda e práticas técnicas para a melhoria direta da comunidade feita em regime de mutirão.

A pedagogia libertária é a educação na vida e a ecologia é a ética na ciência conjugando um “modo de vida” voltado para a vida.

Coletivo Domingos Passos – São Gonçalo, 2001.

Anarquismo e Feminismo

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Fonte: Nodo50
As novas formas de “relações conjugais” e de “relações domésticas” sugerem um novo modelo de feminilidade: o da “mulher liberada”, segundo um tipo de liberação que convém a economia capitalista e as políticas dos Estados governantes.
O princípio básico desta feminilidade é a igualdade na diferença. De um lado, as mulheres adquiriram os mesmos direitos e deveres que os homens, no que diz, respeito ao matrimônio, a família ao trabalho e à vida política social. Do outro lado, as diferenças específicas homem – mulher devem e precisam ser preservadas.
Esta especificidade refere-se a toda uma série de características físicas, intelectuais e emocionais que são consideradas típicas da natureza feminina. No entanto, tal conceituação de feminilidade não mais eficiente para descrever a mulher no mundo atual Antes, impõe e estabelece um novo estereótipo normatizado e normalizado da mulher.
Os componentes clássicos da mulher submissa eram: heterossexualidade, passividade, narcisismo e sentimentalismo. Hoje, os componentes básicos da mulher liberada camuflam os anteriores e adaptam a mulher às características deste novo ser emergente: individualismo, autonomia, força, autocontrole, eficácia e racionalidade.
Não obstante as suas contradições, este modelo e mulher justifica psicologicamente e permite socialmente ao mesmo tempo a relação conjugal, a maternidade e, na esfera das relações econômicas, a divisão do trabalho com o homem.
No contexto político, a feminilidade é objeto de negociações de todo tipo entre os movimentos feministas e as instituições que produzem, difundem e inculcam ideologias nas sociedades modernas: o Estado, os meios de comunicação e o meio cultural.
O modelo da “mulher liberada” é, basicamente, o reflexo das relações de poder entre esses dois agentes: Os movimentos feministas e os Estados governantes. Este novo modelo de feminilidade não só torna possível formas “avançadas” de opressão sobre a “mulher liberada”, como também, constitui o fator – chave da reversibilidade do movimento de liberação feminina, enquanto movimento cooptado pelo Estado.
A história das mulheres é uma história de avanços e recuos. Em certos períodos históricos, as mulheres adquiriram direitos formais e informais que, em outros períodos, foram perdidos. Por outro lado, outros foram conquistados, de maneiras diversas e em contextos diversos, e assim por diante.
Toda mudança econômica, social e política relevante implica em conseqüências positivas ou negativas para as mulheres. Melhorias em sua condição são sempre fruto de uma mobilização ativa, inserida na contradição dessas mudanças.
A ideologia da feminilidade reflete a variação, no tempo, de uma essência mantida imutável: “o eterno feminino”. A eficácia do feminismo, a curto e a longo prazos, depende, em grande parte, da capacidade das mulher em impedir a formação e a institucionalizacão de novas variantes do “eterno feminino”, mesmo que venham apresentadas como parte integrante do processo de liberação da mulher.
O potencial de força das mulheres somente poderá ser mobilizado e usado em favor de sua verdadeira liberação, se o movimento feminista trilhar um caminho verdadeiramente revolucionário. Em outras palavras, se optar por uma mudança da ordem social e não na ordem social.
O anarquismo oferece instrumentos de organização e de luta revolucionária capazes de tornar realidade o potencial subversivo do feminismo.
Em sua origem, o feminismo representou um sério golpe nas estruturas de poder, em sua forma mais elementar e básica: o controle interpessoal, no jogo recíproco de força e consenso.
Mas a força do protesto feminista pode-se voltar contra as mulheres, se, em sua luta contra a dominação, decidirem aliar-se às instituições detentoras de poder: os partidos políticos e os aparelhos de Estado.
O Estado tornou-se (ou foi convertido em) interlocutor privilegiado do movimento feminista moderno, desde seu surgimento, e de forma cada vez mais íntima. Em seu diálogo com o Estado, o movimento das mulheres, ao formular suas reivindicações principais, terminou por assimilar-lhe a linguagem.
Dessa forma, adquiriram elas direitos que o Estado pode garantir, reformas que o Estado pode realizar e recursos que o Estado pode distribuir.
Ainda o Estado apresenta-se como agente garantidor de mudanças em esferas privadas que ele (Estado) não pode realizar diretamente, coma no caso de relações sexuais e afetivas homem – mulher.
Da mesma maneira que a movimento operário, especialmente em suas formas sindicais institucionalizadas, o movimento feminista é, a todo momento, levado a negociar com o Estado. Por sen turno, o movimento feminista dispõe-se a esse tipo de negociação porque lhe parece que somente esta forma mostra-se capaz de impor respeito a maridos, patrões, pais, concidadãos, colégios, dirigentes de todo tipo, intelectuais, etc.
Essa interação movimento feminista – Estado é coerente com a lógica dos sistemas sociais vigentes. De fato, a função principal do Estado moderno é expressar e neutralizar as tensões e os conflitos causados por atritos entre sujeitos sociais, especialmente as relativos a classes sociais e sexos.
Todo movimento de protesto, a qualquer nível de luta, é necessariamente remetido ao Estado. E este dispõe dos recursos e mecanismos necessários para neutralizá-lo. Pode e tem reprimido protestos com o uso da violência, mas também tem e pode determinar realizar modificações funcionais do sistema, com vistas a reduzir as tensões, sem comprometer a sua autoridade e perpetuação.
A história do movimento operário, das lutas raciais, dos movimentos estudantis oferecem uma farta ilustração de como opera o mecanismo estatal de controle nas Sociedades modernas.
Sem dúvida, as mulheres obtiveram, sobretudo por parte doEstado, o reconhecimento de certos direitos e melhorias parciais de sua condição. Na maior parte dos casos, estas vitórias das mulheres tornaram-se, também, vitórias do Estado, na medida em que significaram, em certa medida, um aumento da capacidade do Estado de controlá-las e a seu movimento.
Alguns organismos instalados a nível governamental têm toda a aparência de mecanismos permanentes de controle sobre as mulheres e seu movimento, como, por exemplo, comitês, comissões, institutos montados para estudar a mulher, formular soluções para seus problemas e, até, para montar e implantar projetos feministas.
Estes organismos e instituições multiplicam-se e proliferam em sociedades nas quais a movimento feminista tem provocado fortes impactos e possui articulações regionais e internacionais.
A despeito dessa interação, as relações mulheres – Estado estão longe de ser harmoniosas. Isso porque a Estado não resolveu – e nem pode resolver – as contradições que alimentam a revolta e a resistência das mulheres. Se, por um lado, oferece-se como um interlocutor e lhe fornece canais legais de reivindicações, por outros neutraliza seu potencial revolucionário e corrói seu potencial de libertação.
0 movimento feminista proclama, como principio, que o privado é político. Séculos de opressão demonstram que a afirmação é verdadeira sob todos as seus aspectos.
É chegado o momento, no entanto, de uma predominâcia da esfera privada sobre a pública. A primeira é vida e desejo. A segunda é ordem e imposição. Imposição que sempre vem sob a camuflagem de ajudar o desejo, desejo que é sempre posto a serviço da ordem. Porque se trata, aqui, daquele desejo que a ordem programou e daquela imposição que o desejo previu e a ela se sujeitou.
Para subverter este sistema, é necessário superar a linha imaginária que se construiu entre esfera pública e esfera privada. São duas faces da mesma moeda: a Estado – família e a família – Estado.
É necessário liberar a consciência para o fato de que, neste âmbito de solidão e luta, a moeda corrente é o controle.
Além de outras formas que devem ser liberadas, está aquela a que me referi no inicio – a feminilidade – e tal só pode ser feito se entendermos que é o poder que a produz e que são as mulheres as suas prisioneiras.
Nicole Laurin-Frenette
Professora de Sociologia na Universidade de Montreal
Membro do Instituto Anarchos,
Montreal Canadá,
in “Volontà”, no. 4, 1982.
revista anarquista trimestral
editada na Itália
Revista Utopia #1, primavera de 1988

Socialismo, anarquismo e feminismo – Carol Ehrlich (1977)

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Fonte: Amor y Anarquia em 31 de maio de 2013, por Carol Ehrlich (1977)

“Você é uma mulher na sociedade capitalista. Você fica puta: com emprego, com as contas, com seu marido (ou ex), com a escola das crianças, com as tarefas domésticas, ser bonita, não ser bonita, ser vista, não ser vista (e no mesmo sentido não ser escutada), etc. Se você pensa em todas essas coisas, como elas se encaixam e o que tem que ser mudado, e ai você procura por algumas palavras para abarcar todos esses pensamentos juntos de forma abreviada, você quase tem que chegar em ‘feminismo socialista’”[1]

Tudo indica que um grupo de mulheres brilhantes teve de “inventar” o feminismo socialista como uma solução ao problema persistente do sexismo. “Socialismo” (em sua surpreendente variedade de formas) é popular para muitas pessoas hoje em dia, porque tem muito a oferecer: preocupação com xs trabalhadorxs, um corpo de teoria revolucionário para o qual as pessoas podem recorrer (tendo ou não lido), e alguns exemplos reais de países industrializados estruturados de forma diferente que os Estados Unidos e seus satélites.

Para muitas feministas, o socialismo é atrativo porque promete acabar com a desigualdade econômica para as mulheres trabalhadoras. Além disso, para aquelas mulheres que acreditam que uma análise exclusivamente feminista é muito estreita para abarcar todas as desigualdades existentes, o socialismo promete abrangê-la, enquanto se resguarda contra a diluição de sua perspectiva radical.

Por boas razões, então, as mulheres estão considerando se o “socialismo feminista” faz ou não sentido como uma teoria política. Para as feministas socialistas realmente parece ser ao mesmo tempo sensível e radical – pelo menos, a maioria delas evidentemente sente uma forte antipatia por algumas armadilhas reformistas e solipsísticas nas quais um crescente número de mulheres parece estar caindo.

Para muitas do tipo mais não-romanticas de nós, a Sociedade Amazônica, com seus exércitos de fortes matriarcas cavalgando ao por-do-sol, é irreal, mas inofensivo. Uma questão mais séria é a atual obsessão com a Grande Deusa e diversos outros objetos de culto, bruxaria, magia e fenômenos psíquicos. Como uma feminista preocupada em transformar a estrutura da sociedade, eu acho isso qualquer coisa menos inofensivo.

Primeiro ponto: Mais de 1400 mulheres foram para Boston em abril de 1976 para assistir a uma conferência de espiritualidade feminina que lida em grande parte com as coisas apontadas acima. Não poderia a energia investida em encantamentos, difundir as últimas idéias pagãs e ir a workshops de dança do ventre e rituais menstruais ter sido utilizada para alguns usos melhores e mais feministas?

Segundo ponto: De acordo com reportagens em um jornal feminista, um grupo de bruxas tentou levitar Susan Saxe para fora da cadeia. Se elas honestamente acharam que isso iria libertar Saxe, então elas estavam totalmente fora de sintonia com as realidades da opressão patriarcal. Se isso pretendia ser uma piadinha alegre, então por que ninguém está rindo?

O reformismo é um inimigo muito maior para os interesses das mulheres do que jogos psíquicos bizarros. Sei que “reformismo” é um nome que pode ser usado de modos que não são nem honestos nem muito úteis – principalmente para demonstrar a pureza ideológica de alguém, ou para dizer que trabalhos políticos concretos de qualquer tipo não valem a pena ser feitos porque são potencialmente cooptáveis. Em resposta, algumas feministas argumentaram persuasivamente que os tipos certos de reformas podem construir um movimento radical[2].

Da mesma forma, existem estratégias reformistas que gastam as energias das mulheres, que aumentam as expectativas de uma grande mudança e que são ilusórias e alienantes porque elas não podem atingir os fins. O melhor (ou pior) exemplo é a política eleitoral. Algumas socialistas (seduzidas pela noção de gradualismo) caem nessa. Anarquistas conhecem melhor. Você não pode se libertar através de meios não-libertadores; você não pode eleger um novo conjunto de políticos (não importa o quão sinceros sejam) para operar nas mesmas velhas instituições corruptas – que por sua vez governam você. Quando a Majority Caucus da National Organisation of Women (NOW) – a corrente radical dessa organização – pede para que as mulheres a sigam “fora do tradicional [mainstream], para a revolução”  através de meios que incluem a política eleitoral, elas vão todas se afundar na profundezas das coisas como elas são.

A política eleitoral é um tipo de armadilha óbvia e rotineira. Até muitas não-radicais aprenderam a evitá-la. Um problema mais sutil é o capitalismo disfarçado de empoderamento econômico feminista. Considere, por exemplo, o Feminist Economic Network. O nome pode talvez enganar você. Ostensivamente era uma rede de negócios alternativos configurada para destruir o capitalismo de dentro para fora por meio da criação de auto-suficiência econômica para mulheres. É uma idéia atraente. Contudo, o primeiro grande projeto do FEN começou em Detroit, abril de 1976. Por uma taxa anual de filiação de 1oo dólares, mulheres privilegiadas poderiam nadar em uma piscina particular, beber num bar privado e conseguir descontos em um punhado de boutiques. O FEN pagava a suas empregadas $2.50 por hora para trabalhar lá. Sua diretora, Laura Brown, anunciou essa empreitada como “o começo da revolução econômica feminista”[3].

Quando dois dos mesmos velhos jogos – política eleitoral e capitalismo – são rotulados de “revolução”, a palavra foi virada de ponta-cabeça. Não é surpresa que uma marca socialista de feminismo parece ser a fonte de sanidade revolucionária para muitas mulheres que não querem ser bruxas, guerreiras primitivas, senadoras ou pequenas empreendedoras, mas sim que querem acabar com o sexismo enquanto criam uma sociedade transformada. O feminismo anarquista pode dar um quadro teórico significativo, mas muitas feministas nunca ouviram falar disso, ou então o descartam como as senhoritas ajudantes de homens que lançam bombas.

O feminismo socialista oferece uma série de “lares” políticos. De um lado, existem os esquálidos, limitados quartéis dos setores da Velha Esquerda, como o Partido Comunista Revolucionário (formalmente a União Revolucionária), a Liga de Outubro e o Partido Internacional dos Trabalhadores. Pouquíssimas mulheres consideram eles habitáveis. Por outro lado, um bom número de mulheres está se movendo para os dispersos e ecléticos estabelecimentos construídos por grupos de esquerda mais novos, como o New American Movement, ou por diversas “união de mulheres” autônomas.

As novas feministas socialistas tem feito uma campanha enérgica e sensata para recrutar mulheres sem alinhamento. Contrariamente, os grupos da Velha Esquerda mais rígidos extensivamente rejeitaram a idéia em si de que lésbicas, separatistas e diversas outras desajustadas e inadequadas feministas poderiam trabalhar com os nobres herdeiros de Marx, Trotsky (apesar de que trostskistas são imprevisíveis), Stalin e Mao. Muitos rejeitaram a idéia de um movimento de mulheres autônomas que se importa só com questões das mulheres. Para eles,  está cheio de mulheres burguesas (o mais condenável de todos os jargões marxistas!) focadas em “fazer suas próprias coisas” e isso “divide a classe trabalhadora”, o que é uma suposição curiosa de que os trabalhadores são mais burros do que todo mundo. Alguns tem uma antipatia histérica por lésbicas: os grupos mais notórios são o Liga de Outubro e o Partido Comunista Revolucionário, mas eles não estão sozinhos. Nessa prática política, como em muitas outras,  a linha anti-lésbica segue a dos países comunistas. O PCR, por exemplo, lançou uma nota de posicionamento no começo dos anos 70 (de volta aos dias de pré-partido, quando era o pleno e velho Revolutionary Union), em que anunciava que homossexuais estão presos no lodo e na lama da decadência burguesa” e que a libertação gay é ” anti classe trabalhadora e contra-revolucionária”. Todos os grupos da velha esquerda são desconfortáveis com a idéia de que qualquer mulher fora do “proletariado” seja oprimida. A classe trabalhadora, é claro, é um conceito maravilhosamente flexível: nos atuais debates de esquerda, abrange desde trabalhadores da ponta da produção (ponto final) até um enorme grupo que inclui cada pessoa que vende seu trabalho por salário, ou que depende de alguém que o faz. Isso é praticamente todxs nós. (Então, Papa Kari, se 90% das pessoas dos Estados Unidos são a vanguarda, por que ainda não fizemos a revolução?)

As feministas socialistas mais novas têm tentado de todas as maneiras dos modos inventivos de manter uma coesão com o pensamento marxista-leninista, atualizá-lo e trazê-lo para o feminismo radical contemporâneo. Os resultados são as vezes peculiares. Em julho de 1975, as mulheres do New American Movement e um número de grupos autônomos realizaram a primeira conferência nacional sobre feminismo socialista. Não foi especialmente divulgado em massa previamente e todo mundo pareceu surpreso que tantas mulheres (mais de 1600, mais as deixadas de fora) quisessem passar a semana do 4 de julho em Ohio.

Lendo as palestras dadas na conferência, assim como os extensos comentários escritos por mulheres que compareceram[4], não é claro o que as organizadoras da conferência pensaram o que estavam oferecendo sob o nome de “feminismo socialista”. Os Princípios da União que foram elaborados antes da conferência incluía dois itens que foram sempre associados ao feminismo radical e que na verdade são tipicamente pensados como antíteses a uma perspectiva socialista. O primeiro princípio colocava: “Nós reconhecemos a necessidade de e apoio ao movimento de mulheres autônomas através do processo revolucionário”. O segundo dizia: “Nós concordamos que toda opressão, seja baseada na raça, classe, sexo ou lesbianismo está interrelacionada e que as lutas por libertação da opressão devem ser simultâneas e cooperativas”. O terceiro simplesmente comentou que o “feminismo socialista é uma estratégia para a revolução” e o quarto e último princípio convidava a manter a discussão “no espírito da luta e união”.

Isso é, claro, uma incrível miscelânea de princípios saborosos – um menu desenhado para atrair praticamente todo mundo. Mas quando feministas “socialistas” servem o movimento de mulheres independentes como o prato principal, e quando dizem que a opressão de classe é só mais uma de muitas opressões, não mais importante do que qualquer outra, então (como seus críticos marxistas dizem) não é mais socialismo.

No entanto, feministas socialistas não seguem as implicações do feminismo radical o tempo todo. Se o fizessem, aceitariam outro princípio: que estruturas não-hierárquicas são essenciais para uma prática feminista. Isso, é claro, é demais para qualquer socialista. Mas o que significa é que o feminismo radical é muito mais compatível com um tipo de anarquismo do que com o socialismo. Esse tipo é o anarquismo social (também conhecido como anarquismo comunista), não as variedades individualistas ou anarco-capitalistas.

Isso não será novidade para feministas acostumadas com os princípios anarquistas – mas poucas feministas são. Isso é compreensível desde que o anarquismo tem se virado entre uma má publicidade e nenhuma. Se as feministas se familiarizassem com o anarquismo, não estariam olhando tanto para o socialismo como um meio de combater a opressão sexista. As feministas tem de ser céticas a qualquer teoria social que vem com um conjunto embutido de líderes e seguidores, não importa o quão “democrática” essa estrutura centralizada se supõe ser. Mulheres de todas as classes, raças e circunstancias de vida tem estado na posição de receptoras da dominação por tempo demais para querer trocar um grupo de mestres por outro. Nós sabemos quem tem poder e (com poucas exceções isoladas) não somos nós.

Várias feministas anarquistas contemporâneas apontaram para as conexões entre anarquismo social e feminismo radical. Lynne Farrow disse que “o feminismo pratica o que o anarquismo prega”. Peggy Kornegger acredita que as “feministas tem sido há anos anarquistas inconscientes tanto na teoria quanto na prática”. E Marian Leighton coloca que ” a distinção refinadora entre feminismo radical e anarco-feminismo é a basicamente aquela em que se dá um passo de desenvolvimento teórico auto-consciente”[5].

Nós construímos autonomia

O processo sempre crescente de síntese

Para toda criatura viva

Nós espalhamos

Espontaneidade e criação

Nós aprendemos os prazeres da igualdade

De relacionamentos

Sem domínio

Entre irmãs.

Nós destruímos a dominação

Em todas as suas formas.

Essa canção apareceu no jornal It Aint Me Babe[6] cujo título principal dizia “acabe com todas a hierarquias”. Não se classificava como um jornal anarquista (ou anarco-feminista), mas as conexões são impressionantes. Exemplificou muito do que a libertação da mulher se tratava nos primeiros anos de ressurgimento do movimento. E é esse espírito que vai ser perdido se o híbrido socialista feminista se enraizar; se as adorações à deusa ou a nação lésbica convencerem às mulheres a estabelecerem novas formas de dominação-submissão.

Feminismo Radical e Feminismo Anarquista

Todas as feministas radicais e todas as feministas anarquistas-sociais estão preocupadas com um conjunto de questões em comum: controle sobre o próprio corpo; alternativas à família mono-nuclear e à heterossexualidade; novos métodos de criação de crianças que libertem mães/pais e crianças; auto-determinação econômica; acabar com os estereótipos sexuais na educação, na mídia, no trabalho; a abolição de leis repressivas; um fim à autoridade , direito de propriedade e controle masculin0s sobre as mulheres; prover às mulheres meios de desenvolver habilidades e tomar atitudes positivas; um fim para os relacionamentos emocionais opressivos; e o que os Situacionistas chamaram de “a reinvenção da vida cotidiana”.

Existem, então, muitas questões em que as feministas radicais e as feministas anarquistas concordam. Mas as feministas anarquistas estão preocupadas com algo mais. Porque são anarquistas, elas trabalham para acabar com todas as relações de poder, todas as situações em que alguém pode oprimir outra pessoa. Diferente de algumas feministas radicais que não são anarquistas, elas não acreditam que poder nas mãos das mulheres poderia levar a uma sociedade não-coercitiva. E diferente de muitas feministas socialistas, elas não acreditam que nada bom possa sair de um movimento de massas com uma liderança de elite. Em resumo, nem um Estado dos trabalhadores, nem um matriarcado vai acabar com a opressão de qualquer um. O objetivo, então, não é “conquistar” o poder, como socialistas incitam, mas abolir o poder.

Contrariamente a crença popular, todxs anarquistas sociais são socialistas. Isso é, querem tirar a riqueza das mãos de poucos e redistribuí-la entre todos os membros da comunidade. E acreditam que as pessoas precisam  contribuir umas com as outras como uma comunidade, ao invés de viver como indivíduos isolados. Para anarquistas, no entanto, os problemas centrais são sempre poder e hierarquia social. Se um estado – mesmo um estado representando os trabalhadores – continua, vai reestabelecer formas de dominação, e algumas pessoas não vão mais ser livres. As pessoas não são livres só porque estão sobrevivendo, ou até economicamente confortáveis. Elas são livres somente quando elas tem poder sobre suas próprias vidas. Mulheres, muito mais do que muitos homens, tem muito pouco poder sobre suas próprias vidas. Obter essa autonomia e insistir para que todxs a tenham, é o objetivo principal das anarquistas feministas.

O poder à ninguém, e poder a todxs: para cada umx o poder sobre sua própria vida, e não outros.[7]

Na prática

Essa é a teoria. E quanto a prática? Novamente, o feminismo radical e o anarquista tem muito mais em comum do que com o socialista. Ambos trabalham para criar estruturas alternativas e ambos levam a política do pessoal muito a sério. Feministas socialista são menos inclinadas a pensar que isso é particularmente vital para a prática revolucionária.

Desenvolver formas alternativas de organização significa construir self-help [especializadas e organizadas por mulheres] clínicas, ao invés de lutar para colocar uma radical no quadro de diretores de um hospital; significa grupos de vídeo e jornais de mulheres, ao invés de televisões e jornais comerciais; viver em coletivos, ao invés de famílias nucleares isoladas; centros de crise de estupro; cooperativas de comida; creches controladas pelos pais; escolas livres; cooperativas de editoras; grupos de radio alternativos, e assim em diante.

Ainda, não faz nenhuma melhoria construir instituições alternativas se as estruturas imitam os modelos capitalistas e hierárquicos dos quais somos tão familiarizadxs. Muitas feministas radicais reconheceram isso cedo: é por isso que elas trabalharam para mudar a maneira como as mulheres percebiam o mundo e a si mesmas (através de um grupo de tomada de consciência), e porque elas trabalharam para mudar as formas de relacionamento no trabalho e interações interpessoais (através dos grupos pequenos, sem líderes onde as tarefas eram rotativas e habilidades e conhecimento divididos). Elas estavam tentando fazer isso em uma sociedade hierárquica que não nos dá modelos a não ser os da desigualdade. Certamente, um conhecimento sobre teoria anarquista e modelos de organização teria ajudado. Equipadas desse conhecimento, as feministas radicais talvez teriam evitado alguns dos erros que fizeram – e talvez estivessem melhor capacitadas para superar algumas das dificuldades elas encontraram ao tentar simultaneamente transformar a si mesmas e a sociedade.

Tome, por exemplo, o debate ainda corrente das “mulheres fortes” e a questão intimamente ligada da liderança. A posição das feministas radicais pode ser resumida dessa forma:

1- As mulheres tem sido minorizadas porque estão isoladas umas das outras e estão emparelhadas com homens em relações de dominação e submissão.

2- Os homens não vão libertar as mulheres; as mulheres devem libertar a si mesmas. Isso não pode acontecer se cada mulher tenta se libertar sozinha. Assim, as mulheres devem trabalhar juntas em um modelo de ajuda mútua.

3- “A irmandade é poderosa”, mas as mulheres não podem ser irmãs se recapitulam padrões masculinos de dominação e submissão.

4- Novas formas organizacionais devem ser desenvolvidas. A forma básica é o pequeno grupo sem liderança; os comportamentos mais importantes são o igualitarismo, apoio mútuo e o compartilhamento de habilidades e conhecimento.

Se muitas mulheres aceitam isso, muitas mais não. Algumas eram contra desde o começo; outras viram de primeira que isso era difícil de por em prática, e lamentavelmente concluíram que um idealismo tão bonito nunca funcionaria.

Suporte ideológico àquelxs que rejeitam os princípios apresentados pelas “anarquistas inconscientes” foi dado em dois documentos que circularam rapidamente entre jornais e organizações de libertação das mulheres. O primeiro foi o discurso feito por Anselma dell’Olio no segundo Congresso por União das Mulheres, que aconteceu em maio de 1970 em Nova Iorque. O discurso, intitulado Divisão e Auto-Destruição no Movimento das Mulheres: Uma Carta de Desligamento [Resignation, abandono], dava os motivos de Dell’Olio para sair do movimento. O segundo documento foi A Tirania da Falta de Estrutura de Joreen, que apareceu pela primeira vez em 1972 na Segunda Onda. Ambos levantaram questões sobre práticas organizacionais e pessoais que foram, e ainda são, tremendamente importantes para o movimento das mulheres.

“Eu venho anunciar minha derradeira participação no movimento das mulheres… Eu fui destruída… Eu aprendi há 3 anos e meio atrás que as mulheres sempre foram divididas umas com as outras, que eram auto-destrutivas e repletas de raiva impotente. Eu nunca sonhei que veria o dia em que essa raiva, mascarada de um radicalismo pseudo-igualitário sob a bandeira de “pro-mulher”, se tornaria fascismo anti-intelectual assustadoramente vicioso da esquerda, e usado dentro do movimento para derrubar irmãs apontadas com toda sutileza e justiça de uma corte do Ku Klux Klan. Estou me referindo, é claro, ao ataque pessoal, evidente e odioso, que mulheres do movimento, as quais penosamente conseguiram algum grau de realização, foram submetidas… Se você é… realizada é imediatamente rotulada de uma aventureira oportunista, uma cruel mercenária, tentando ganhar fama e fortuna por aí em cima dos cadáveres de irmãs altruístas que queimaram suas habilidades e sacrificaram suas ambições pela glória maior do Feminismo… se você teve a desgraça de ser sincera e clara, você é acusada de ser louca por poder, elitista, racista, e por fim o pior adjetivo: IDENTIFICADA COM A MASCULINIDADE”[9]

Quando Anselma Dell’Olio deu esse adeus raivoso ao movimento, fez duas coisas: para algumas mulheres, trouxe a questão de como as mulheres podem em relações de poder desiguais entre elas sem destruir uma a outra. Para outras, causou quase o oposto – deu justificativa fácil para todas as mulheres que têm dominado outras mulheres de uma forma não-irmã. Qualquer uma que fosse envolvida com a libertação das mulheres naquele tempo sabe que a declaração de Dell’Olio foi retorcida por algumas mulheres exatamente dessa maneira: Chame a si mesma de assertiva (enérgica/segura), ou forte, ou talentosa e você pode dar outro nome a uma boa porção de comportamentos feios, insensíveis e opressores. As mulheres que se apresentam como heroínas trágicas destruídas por suas “irmãs” invejosas ou disfarçadas (e, é claro, muito menos talentosas) podem contar com a resposta compreensiva de algumas mulheres.

Da mesma forma, as mulheres que estavam envolvidas com o movimento naquele tempo sabem que o tipo de coisa que Dell’Olio falou sobre realmente aconteceram, e elas não deviam ter acontecido. Um conhecimento de teoria anarquista não é o bastante, é claro, para prevenir ataques indiscriminados a mulheres. Mas na luta de aprender novas formas de se relacionar e trabalhar umas com as outras, tal conhecimento poderia – só poderia – ter prevenido alguns desses erros destrutivos.

Ironicamente esses erros foram motivados pela aversão do feminismo radical pelas formas convencionais de poder, e o as relações pessoais desumanas que resultam de um grupo de pessoas tendo poder sobre outras. Quando as feministas radicais e as feministas anarquistas falam de abolir o poder, elas querem dizer se livrar de todas as instituições, todas as formas de socialização, todas as maneiras em que as pessoas são coercitivas com outras – e se sujeitam a serem coagidas.

Um problema maior surgiu ao definir a natureza da coerção no movimento das mulheres. A hostilidade contra a mulher “forte” surgiu porque ela poderia, pelo menos potencialmente, ser coercitiva com mulheres que fossem menos articuladas, menos auto-confiantes, menos contundentes do que ela. A coerção costuma ser muito mais sutil do que a força física ou a sanção econômica. Uma pessoa pode ser coercitiva com outra sem tirar seu emprego, ou golpeá-la ou a atirando na cadeia.

As mulheres fortes começaram com uma vantagem tremenda. Muitas vezes, elas sabiam mais. Certamente elas tinham há muito tempo superado a socialização traumatizante que enfatizou o comportamento passivo, tímido, dócil, conformista – o comportamento que ensinou as mulheres a sorrir quando não estão achando graça, a sussurrar quando querem gritar, a abaixar os olhos quando alguém olha agressivamente para elas. As mulheres fortes não estavam aterrorizadas de falar em público; elas não estavam com medo de fazer tarefas “masculinas”, ou de tentar algo novo. Ou pelo menos pareceu isso.

Ponha uma mulher “forte” no mesmo grupo pequeno que mulheres “fracas”, e ela se torna um problema: Como ela não domina? Como ela compartilha suas confidencias e habilidades arduamente adquiridas com suas irmãs? Do outro lado – como as mulheres “fracas” aprendem a agir por conta própria? Como alguém pode conceber a ajuda “mútua” numa situação de mão-única? De “irmandade” quando os membros “fracos” não se sentem iguais ao membro “forte”?

Essas são perguntas complicadas, sem respostas simples. Talvez o mais próximo que possamos chegar é com o lema anarquista, “um povo forte não precisa de líderes”. Aquelxs de nós que aprendemos a sobreviver dominando outrxs, assim como aquelxs que aprenderam a sobreviver aceitando a dominação, precisamos re-socializar nós mesmxs a sermos fortes sem jogar jogos de dominação-submissão, a controlar o que acontece conosco sem controlar xs outrxs. Isso não pode ser feito elegendo as pessoas certas para cargos ou seguindo a linha certa de partido; nem pode ser feito sentando e refletindo sobre nossos pecados. Nós reconstruímos nós mesmas e o mundo através da atividade, através de sucessos parciais, fracasso, e mais sucessos parciais. E a todo tempo ficamos mais fortes e auto-confiantes.

Se Anselma dell’Olio criticou a prática pessoal das feministas radicais, Joreen levantou algumas questões pesadas sobre a estrutura organizacional. A Tirania da Falta de Estrutura [10] mostrou que não existe isso de um grupo “sem estrutura” e as pessoas que alegam existir estão enganando a si mesmas. Todos os grupos tem uma estrutura; a diferença é se a estrutura está ou não explícita. Se está implícita, elites escondidas certamente existirão e controlarão o grupo – e todo mundo, xs líderes e xs lideradas, vai negar ou ficar confuso pelo controle que existe. Essa é a “tirania” da falta de estrutura. Para superar isso os grupos precisam definir estruturas explícitas, abertas, que sirva a associação.

Qualquer feminista anarquista, eu acho, concordaria com a análise dela – até esse ponto e nada além. Joreen também disse que os auto-entitulados “grupos sem liderança e sem estrutura” eram incapazes de ir além da teoria para a ação. Não somente sua falta de estrutura aberta, mas também seu pequeno tamanho e ênfase na tomada de consciência (teoria) estavam destinadas a fazer dele ineficaz.

Joreen não disse que os grupos de mulheres devem ser hierarquicamente estruturados. Na verdade ela tratou de uma liderança que seria “difusa, flexível, aberta e temporária”; para organizações que pretendiam construir responsabilidade, difusão do poder entre o maior número de pessoas, rotatividade de tarefas, compartilhar habilidades, e disseminar informação e fontes. Todos os bons princípios de organização do anarquismo social! Mas a minorização dela a cerca da tomada de consciência e sua preferência por organizações grandes regionais e nacionais estavam estreitamente ligadas a velha forma de fazer as coisas, e implicitamente aceitava a manutenção de estruturas hierárquicas.

Grupos grandes são organizados de forma que o poder e a tomada de decisões são delegadas para poucos – a não ser, é claro, que se esteja falando de uma rede horizontalmente coordenada de pequenos coletivos, o que ela não mencionou. Como um grupo como o NOW (Organização Nacional de Mulheres), com seus 60.000 membros em 1975, distribui tarefas, divide habilidades e assegura que todas as informações e fontes estejam disponíveis para todo mundo? Não consegue, é claro. Grupos assim tem um presidente, tem um quadro de diretores, um escritório nacional, e associados – alguns dos quais estão em filiais locais, alguns são membros isolados. Poucos desses grupos tem democracia direta e poucos ensinam seus membros novas formas de trabalhar e se relacionar uns com os outros.

O efeito infeliz de A Tirania da Falta de Estrutura é que pôs junto grandes organizações, estrutura formal e ações diretas bem sucedidas de uma forma que pareceu fazer sentido para muitas pessoas. Muitas mulheres sentiram que para combater a opressão social, uma organização grande era essencial, e que quanto maior melhor. A imagem é força confrontando força: Você não mata um elefante com uma pistola de ar, e você não derruba o Estado patriarcal com um grupo pequeno. Para mulheres que aceitam o argumento de que o maior tamanho está relacionada com a maior efetividade, as opções organizacionais parecem limitadas a grandes grupos liberais como o NOW ou a organizações socialistas que são organizações de massa.

Assim como muitas coisas que parecem fazer sentido, a lógica é defeituosa. “Opressão social” é uma reificação, uma entidade inventada, paralizante e exagerada que é basicamente no sentido de que as mesmas opressões acontecem com muitxs de nós. Mas as opressões, não importa o quão universais (penetrantes), o quão previsíveis, quase sempre nos são feitas por alguém – mesmo se essa pessoa está agindo como agente do Estado, ou como um membro da raça, gênero ou classe dominante. As investidas massivas da polícia sobre nossas forças organizadas são poucas; até o policial ou o chefe ou o marido que está exercendo sua porção de sexismo ou papel autoritário nos intersepta num dado ponto da nossa vida cotidiana. A opressão institucionalizada existe, em larga escala, mas raramente precisa ser atacada (na verdade, raramente pode ser atacada) por um grande grupo. Táticas de guerrilha feitas por um pequeno grupo – ocasionalmente até por um único indivíduo – servirão muito bem para retaliação.

Outro efeito infeliz da mentalidade da Tirania da Falta de Estrutura é que alimentou os estereótipos  das pessoas sobre anarquistas. (É claro que as pessoas só consomem algo se demandam por algo). Anarquistas sociais não são opostos à estrutura: nem sequer são contrários à liderança, desde que não acarrete nenhuma recompensa ou privilégio, e que seja temporária e específica para uma meta particular. No entanto, xs anarquistas, que desejam abolir uma estrutura hierarquizada, são quase sempre estereotipadxs como não querendo nenhuma forma de estrutura. Infelizmente, a imagem de um bando de mulheres anarquistas, desorganizadas e caóticas, vagando à deriva sem direção, pegou. Por exemplo, em 1976 a Quest relançou e editou a transcrição de uma entrevista que Charlott Bunch e Beverly Fisher deram para a Feminist Radio Network em 1972. De um lado, o mais interessante da entrevista é que xs editorxs da Quest sentiram que as questões estavam ainda em dia em 1976. [11] (“Nós vemos o mesmo desprezo por líderes e glorificação da falta de estrutura que existia há uns anos atrás” p.13). Mas o que Bunch tinha a dizer naquele tempo era também extremamente interessante: de acordo com ela, a ênfase em resolver problemas de estrutura e liderança era “um desejo anarquista muito forte. Era um desejo bom, mas irrealista” (p.4).

Anarquistas, acostumadxs a serem chamadxs de “irrealistas”, notarão que a irrealidade daquilo tudo aparentemente estava nos problemas que o movimento das mulheres estava tendo em organizar a si mesmo – problemas de liderança oculta, de “líderes” impostxs pela mídia, a dificuldade de alcançar mulheres interessadas mas não envolvidas, do super-representação de mulheres de classe média cheias de tempo sobrando, do movimento amorfo, da escassez de grupos com metas específicas que as mulheres possam aderir, da hostilidade contra mulheres que tentaram demonstrar liderança ou iniciativa. Uma acusação pesada! Ainda assim, esses problemas sérios não foram causados pelo anarquismo, nem serão sanados com doses de vanguardismo ou reformismo. E ao taxarem essas dificuldades organizacionais de “anarquistas”, as feministas ignoram uma rica tradição anarquista, enquanto ao mesmo tempo propõe soluções que são -embora aparentemente elas não saibam – anarquistas. Bunch e Fisher expuseram um modelo de liderança no qual todxs participam na formulação das decisões; e a liderança é específica para uma situação em particular e por tempo limitado. Fisher criticou o NOW por ter “uma liderança hierárquica que não tem responsabilidade com a vastidão de membros”(p.9) e Bunch colocou, “liderança são pessoas tomando iniciativa, dando meios das coisas acontecerem, tendo idéias e imaginação para começar algo, e apresentando habilidades particulares para areas diferentes”(p.8). Como elas sugerem que nós previnamos o silenciamento dessas mulheres sobre falsas noções de igualdade? “A única forma das mulheres pararem de depreciar mulheres fortes, é que elas mesmas sejam fortes” (p.12). Ou, como disse antes, um povo forte não precisa de líderes. E tenho o dito!

Situacionismo e feminismo anarquista

“Transformar o mundo e mudar a estrutura da vida são a mesma única coisa”. [12]

“O pessoal é político”. [13]

Os anarquistas estão acostumadxs a ouvir que elxs não tem uma teoria que ajude a construir uma nova sociedade. Na melhor das hipóteses, dizem paternalmente seus detratores, o anarquismo nos diz o que não fazer. Não permite burocracia ou estruturas hierárquicas; não deixa um grupo de vanguarda tomar as decisões; não pise em mim. Não pise em ninguém. De acordo com essas perspectiva, o anarquismo não é de forma alguma uma teoria. É um conjunto de práticas cautelosas, as vozes da consciência libertária – sempre idealista, as vezes um pouco truculenta, ocasionalmente anacrônica, mas um lembrete necessário.

Existe mais de um núcleo de verdade nessa objeção. Da mesma forma, existem variados pensamentos anarquistas que podem oferecer um enquadramento teórico para analisar o mundo e tomar atitudes para mudá-lo. Para as feministas radicais que querem dar esse “passo em direção a um desenvolvimento teórico auto-consciente” [14], talvez o maior potencial esteja no Situacionismo.

O valor do Situacionismo para uma análise anarca-feminista é que ele combina a consciência socialista dos primórdios da opressão capitalista com a ênfase anarquista em transformar tanto a vida pública como a privada. O ponto da opressão capitalista é importante: com muita frequencia anarquistas parecem esquecer que esse sistema econômico explora a maioria das pessoas. Mas com muita frequencia socialistas – especialmente marxistas – estão cegos para o fato de que as pessoas são oprimidas em todos os aspectos da vida: trabalho, lazer, cultura, relacionamentos pessoais – todos. E somente xs anarquistas insistem que as pessoas devem transformar as condições de suas vidas elas mesmas – ninguém pode fazer isso por elas. Nem o partido, nem o Estado, nem “organizadores”, nem ninguém.

Dois conceitos básicos do Situacionismo são “mercadoria” e “espetáculo”. O capitalismo fez de todas as relações sociais, relações de mercado: O Mercado manda em tudo. As pessoas não são apenas produtoras e consumidoras no estreito sentido econômico, mas a estrutura de sua vida cotidiana é baseada em relações financeiras. A sociedade “é consumida como um todo – o conjunto das relações sociais e estruturas é o produto central da economia de mercado” [15]. Isso inevitavelmente alienou as pessoas de suas vidas, não só do trabalho; consumir relações sociais faz da pessoa uma espectadora passiva de sua própria vida. O espetáculo, então, é a cultura que nasce da economia de mercado – o palco está montado, a ação de desenrola, nós aplaudimos quando pensamos que estamos felizes, nós bocejamos quando achamos que estamos entediados, mas não podemos deixar o show, porque não existe mundo fora do teatro para irmos.

Nos últimos anos, no entanto, o palco social tem começado a esfacelar-se, e assim existe a possibilidade de construir um outro mundo fora do teatro – dessa vez, um mundo real, onde cada umx de nós participa como sujeito e não como objeto. A frase situacionista para essa possibilidade é “a reinvenção da vida cotidiana”.

Como a vida cotidiana pode ser recriada? Criando situações que rompam com o que parece ser a ordem natural das coisas – situações que sacudam as pessoas para fora da forma costumeira de pensar e agir. Só então elas terão meios de agir, de destruir o espetáculo manufaturado e a economia da mercadoria- isto é, o capitalismo em todas as suas formas. Só assim elas estarão livres para criar vidas livres e não alienadas.

A congruência desse ativismo, a teoria do anarquismo social com a teoria do feminismo radical é surpreendente. Os conceitos de mercadoria e espetáculo são especialmente aplicáveis às vidas das mulheres. Na verdade, muitas feministas radicais descreveram eles em detalhe, sem localizá-los no quadro situacionista [16]. Fazer isso abrange a análise ao mostrar a situação da mulher como parte orgânica da sociedade como um todo, mas ao mesmo tempo sem jogar os jogos reducionistas do socialismo. A opressão das mulheres é parte da opressão geral da economia capitalista sobre as pessoas, mas não é menos uma opressão do que as outras. Nem – de uma perspectiva situacionista- você precisa ser de um tipo particular de mulher para ser oprimida; você não precisa ser parte do proletariado, tanto literalmente enquanto uma trabalhadora industrial, nem metaforicamente como alguém que não é rico. Você não tem que esperar ansiosamente por um manifesto socialista feminista para lhe dizer que você tem os requisitos – como dona de casa (reproduzindo a próxima geração de trabalhadores), como trabalhadora de escritório, como estudante ou profissional de classe média empregada pelo Estado (e assim parte da “nova classe trabalhadora”). Você não precisa ser parte do terceiro mundo, ou lésbica, ou idosa, ou alvo de políticas de bem-estar. Todas essas mulheres são objetos na economia de mercado; todas são espectadoras passivas do espetáculo. Obviamente, mulheres em algumas situações estão muito piores do que outras. Mas, ao mesmo tempo, nenhuma delas é livre em todas as áreas de suas vidas.

Mulheres e a Economia de Mercado

As mulheres têm um relacionamento dual com a economia de mercado – elas são ao mesmo tempo consumidoras e consumidas. Como donas de casa, elas são consumidoras de bens domésticos comprados com dinheiro que não pertence a elas, porque não foi “ganho” por elas. Isso deve dar a elas uma certa quantidade de poder de consumo, mas muito pouco poder sobre qualquer aspecto de suas vidas. Como jovens e heterossexuais solteiras, as mulheres consomem bens feitos para dar um alto preço no mercado do casamento. Como qualquer outra coisa –    como lésbica, ou como solteira em idade avançada, ou como mulher auto-suficiente com “carreira”, o relacionamento das mulheres com o mercado enquanto consumidoras não é tão bem definido. Se espera que elas comprem (e quanto melhor sua situação, mais se espera que elas comprem), mas para algumas categorias de mulheres, comprar não é definido primordialmente como o papel que uma mulher deve desempenhar.

Então o que mais é novidade? Não é a idéia da mulher como consumidora passiva, manipulada pela mídia e que se envolve com homens viscosos um cliche exagerado do movimento? Bem, sim – e não. Uma análise situacionista amarra o consumo de bens econômicos ao consumo de bens ideológicos, e então, nos diz para criarmos situações (ações de guerrilha em diversos níveis) que quebrem esse padrão de aceitação social do mundo como ele é. Sem acusações; não vou criticar mulheres que “compraram” a perspectiva de consumidora. Para aquelas que realmente compraram: isso foi vendido a elas como um meio de sobrevivência desde os primeiros momentos de suas vidas. Compre isso: Tornará você bonita e adorável. Compre isso: Vai deixar sua família mais saudável. Está deprimida? Se trate com um dia no salão de beleza ou com um novo vestido!

A culpa leva a inação. Somente a ação, para re-inventar a vida cotidiana e torná-la outra coisa, mudará as relações sociais.

O Presente

Pensando que ela era o presente

Eles começaram a empacotá-la antes do tempo.

Eles poliram seu sorriso

Eles abaixaram os seus olhos

Eles plugaram suas orelhas no telefone

eles fizeram cachinhos em seu cabelo

eles endireitaram os dentes

eles a ensinaram a enterrar seus desejos

eles derramaram mel pela sua goela a baixo

eles a fizeram dizer sim, sim e sim

eles a deixaram imobilizada

Aquela caixa tem meu nome,

disse o homem. É para mim.

E eles não estavam surpresos.

Enquanto eles sopravam beijinhos e me piscavam

ele levou pra casa. Colocou na mesa

onde seus amigos podiam averiguar

dizendo dance, dizendo mais rápido.

Ele a afundou para longe da saída

e queimou o nome dele mais fundo.

Depois ele a colocou em uma plataforma

debaixo dos holofotes

dizendo vai, dizendo mais forte

dizendo assim que eu queria

você me deu um filho.

Carole Oles [17]

As mulheres não são apenas consumidoras na economia de mercado; elas são consumidas como mercadoria. É disso que fala o poema de Oles, e isso é o que Tax chamou de “esquizofrenia feminina”. Tax constrói um monólogo interior para a dona-de-casa-mercadoria: “Não sou nada quando estou sozinha comigo mesma. Em mim mesma, não sou nada. Só sei que existo se sou desejada por alguém que é real, meu marido, e pelos meus filhos”.[18]

Quando as feministas descrevem a socialização nos papéis sexuais de mulher, quando elas apontam as características que garotas são ensinadas a ter (dependência emocional, infantilidade, timidez, preocupação em ser bonita, docilidade, passividade e assim vai), elas estão falando da fabricação cuidadosa de um produto – apesar de não se chamar assim normalmente. Quando elas descrevem a opressão da objetificação sexual, ou de viver em família nuclear, ou de ser uma Supermãe, ou de ser trabalhadora precarizada, subempregos com baixo salário que são ocupados majoritariamente por mulheres, elas também estão descrevendo a mulher enquanto mercadoria. As mulheres são consumidas por homens que as tratam como objetos sexuais; são consumidas por seus filhos (que elas mesmas produziram!) quando eles compram o papel da Supermãe; são consumidas por maridos autoritários que esperam que elas sejam servas submissas; e elas são consumidas por patrões que as mantém instáveis na força de trabalho ativa e que extraem o máximo trabalho pelo menor salário. Elas são consumidas por pesquisadores médicos que experimentam nelas novos e inseguros contraceptivos. São consumidas por homens que compram seus corpos nas ruas. São consumidas pelo Estado e pela Igreja, que esperam que proliferem a próxima geração pela glória de deus e do país; são consumidas por organizações políticas e sociais que esperam que elas “voluntariem” seu tempo e energia. Elas tem pouca noção de si mesmas porque sua pessoa enquanto identidade foi vendida para os outros.

Mulheres e o Espetáculo

É difícil consumir pessoas que travaram uma luta, que resistem à canibalização de seus corpos, mentes e suas vidas. Algumas pessoas tentam resistir, mas não o fazem de forma efetiva, porque não podem. É difícil localizar nosso carrasco, porque é tão difuso, tão familiar. Nós o conhecemos a vida inteira. É a nossa cultura.

Os situacionistas caracterizam nossa cultura como um espetáculo. O espetáculo nos trata a todxs como espectadorxs passivxs do que nos dizem ser nossas vidas. E a cultura-como-espetáculo cobre a tudo: nós nascemos nisso, somos socializadas nisso, vamos para a escola nisso, trabalhamos, relaxamos e nos relacionamos com outras pessoas dentro disso. Mesmo quando nos rebelamos contra isso,  a rebelião geralmente é definida pelo espetáculo. Alguém se importaria em fazer uma estimativa de quantos homens adolescentes sensíveis e alienados que há uma geração atrás  modelaram seu comportamento como James Dean em Juventude Transviada? Estou falando de um filme, cujos produtores capitalistas e cujo astro fizeram uma bagatela em dinheiro com seu espatáculo.

Os atos rebeldes, tendem então a serem atos contra o espetáculo, mas raramente diferem dele ao ponto de transcender o espetáculo. As mulheres tem uma série de comportamentos que demonstram insatisfação em ser o oposto do que se espera. Ao mesmo tempo esses atos são cliches da rebeldia, e assim são quase prescritas como válvulas de escape seguras que não alteram o teatro em nossas vidas. O que se espera que uma mulher rebelde faça? Podemos todos nomear as atitudes – elas aparecem em todos os jornais, no horário nobre da TV, nas lista dos best-sellers, nas revistas populares – e, é claro, na vida cotidiana. Num contexto em que se preza pela manutenção perfeita da casa, ela pode ser uma desleixada; em uma subcultura que preza por grandes famílias, ela pode se negar a ter filhos. Alguma outra insurgência previsível? Ela pode desafiar o padrão de binarismo sexual para mulheres casadas tendo um caso (ou muitos); ela pode beber; ou ela pode usar o que é visto como linguagem de “baixo calão”; ou ela pode ter uma crise nervosa; ou -se ela é adolescente- pode ter um impulso e fugir de casa e transar com muitos homens.

Qualquer uma dessas coisas pode tornar a vida de uma mulher individualmente mais tolerável (com frequência também fazem o contrário); todas elas são garantias para o discurso conservador de que a sociedade está ruindo. Mas esses tipos de insurreições previstas não a fizeram ruir ainda, e, por si só, não farão. Qualquer coisa menos que um ataque direto a todas as condições de nossas vidas não será o bastante.

Quando as mulheres falam de mudar os papéis sexuais destrutivos em que são socializadas, elas escolhem uma das 3 soluções possíveis: (a) garotas devem ser socializadas mais ou menos como garotos para serem independentes, competitivas, agressivas e assim por diante. Em poucas palavras, como é um mundo dos homens, as mulheres que querem se encaixar dele devem ser “como um dos caras”. (b) devemos glorificar o papel de gênero feminino e perceber que aquilo que havíamos chamado de fraqueza, na verdade é força. Devemos ser orgulhosas de ser maternais, provedoras, sensíveis, emotivas… e assim por diante. (c) As pessoas andrógenas são as únicas saudáveis: devemos erradicar as fronteiras artificiais que dividem a humanidade entre masculino e feminino, e ajudar ambos a se tornarem uma mistura do que há de melhor traço em cada.

Com esses três modelos, as possibilidades de soluções pessoais para problemas de opressão sexista são bem abrangentes: ficar solteira; viver em comunidade (com homens e mulher ou apenas com mulheres). Não ter filhos; não ter filhos homens; ter quantos filhos quiser, mas deixar que seus parentes cuidem ou pagar alguém/alguma instituição para cuidar deles. Ter um emprego; conseguir um emprego ainda melhor; fazer pressão para receber ações afirmativas. Ser uma consumidora informada; vestir a camisa de uma causa;  aprender karate; receber treinamento de auto-confiança. Desenvolver a lésbica dentro de você. Desenvolver sua identidade de proletariada. Tudo isso faz sentido em algumas situações, para algumas mulheres. Mas todas elas são soluções parciais para problemas muito maiores, e nenhuma delas implica necessariamente em ver o mundo de forma qualitativamente diferente.

Assim, vamos de soluções particulares para mais gerais. Destruir o capitalismo. Acabar com o patriarcado. Derrubar o heterossexismo. Todas são tarefas óbvias na construção de um mundo novo e verdadeiramente humano. Marxistas, outros socialistas, anarquistas sociais, feministas – todos concordariam. Mas o que o socialismo, e até alguns feminismos, deixam de fora é isso: devemos destruir todas as formas de dominação. Isso não é só um slogan, e é a tarefa mais difícil de todas. Significa que devemos enxergar através do espetáculo, destruir os cenários e palcos, saber que existem outras formas de fazer as coisas. Significa que devemos fazer mais que reagir em rebeliões programadas – devemos agir. E nossas ações serão feitas coletivamente enquanto cada um age anonimamente. Parece contraditório? Não é – mas será muito difícil de fazer. O indivíduo não consegue mudar muita coisa, por essa razão devemos agir juntxs. Mas esse trabalho deve ser feito sem líderes como conhecemos até então, sem delegar nenhum controle sobre o que fazemos e sobre o que queremos construir.

Os socialistas podem fazer isso? Ou as matriarcas? Ou o pessoal das viagens espirituais? Você sabe a resposta. Trabalhe com elxs quando fazer sentido que se deva trabalhar, mas não abra mão de nada. Não ceda nada a eles ou a nenhuma outra pessoa.

O passado nos leva a algum lugar se o forçamos a isso.

Caso contrário, ele nos mantém

em seu asilo sem portões.

Ou nós fazemos a história,

ou ela nos faz. [19]

  • 1. Barbara Ehrenreich, “What is Socialist Feminism?”, Win Magazine, June 3, 1976, p.4.
  • 2. The best of these arguments I’ve encountered are “Socialist Feminism; A Strategy for the Women’s Movement”, by the Hyde Park Chapter, Chicago Women’s Liberation Union, 1972; and Charlotte Bunch, “The Reform Tool Kit”, Quest, 1:1, Summer 1974, pp.37-51.
  • 3. Reports by Polly Anna, Kana Trueblood, C. Corday and S. Tufts, The Fifth Estate, May, 1976, pp. 13, 16. The ” revolution” failed: FEN and its club shut down.
  • 4. People who are interested in reading reports of the conference will find them in almost every feminist or socialist newspaper that appeared in the month or so after July 4th. Speeches by Barbara Ehrenreich, Michelle Russell, and the Berkeley-Oakland Women’s Union are reprinted in Socialist Revolution, No. 26, October-December 1975; and the speech by Charlotte Bunch, “Not for Lesbians Only”, appears in Quest, 2:2, Fall 1975. A thirty-minute audiotape documentary is available from the Great Atlantic Radio Conspiracy, 2743 Maryland Avenue, Baltimore, Maryland 21218.
  • 5. Farrow, “Feminism as Anarchism”, Aurora, 4, 1974, p.9; Kornegger, “Anarchism: The Feminist Connection”, Second Wave, 4: 1, Spring 1975, p.31; Leighton, “Anarcho-Feminism and Louise Michel”, Black Rose, 1, April 1974, p. 14.
  • 6. December, 1, 1970, p.11.
  • 7. Lilith’s Manifesto, from the Women’s Majority Union of Seattle, 1969. Reprinted in Robin Morgan (ed.), Sisterhood is Powerful. N.Y.: Random House, 1970, p.529.
  • 8. The best and most detailed description of the parallels between radical feminism and anarchist feminism is found in Kornegger, op cit.
  • 9. The speech is currently available from KNOW, Inc.
  • 10. The Second Wave, 2:1, 1972.
  • 11. “What Future for Leadership?”, Quest, 2:4, Spring 1976, pp.2-13.
  • 12. Strasbourg Situationists, Once the Universities Were Respected, 1968, p.38.
  • 13. Carol Hanisch, “The Personal is Political”, Notes from the Second Year. N.Y.: Radical Feminism, 1970, pp. 76-78.
  • 14. Leighton, op cit.
  • 15. Point-Blank!, “The Changing of the Guard”, in Point-Blank, October 1972, p.16.
  • 16. For one of the most illuminating of these early analyses, see Meredith Tax, “Woman and Her Mind: The Story of Everyday Life”, Boston: Bread and Roses Publication, 1970.
  • 17. Carole Oles, “The Gift”, in 13th Moon, II: 1, 1974, p. 39.
  • 18. Tax, op cit., p. 13.
  • 19. Marge Piercy, excerpt from “Contribution to Our Museum”, in Living in the Open. N.Y.: Knopf, 1976, pp.74-75.

1 de Maio – Dia do trabalhador – Dia de Luto e luta

1-de-maio

Fonte: Anarkio.Net

1º de Maio é dia do TRABALHADOR!

Um dia de rebelião, não de descanso! Um dia não ordenado pelos vozeros arrogantes das instituições que tem aprisionado o mundo do trabalhador! Um dia em que o trabalhador faz suas próprias leis e tem o poder de executá-las! Tudo sem o consentimento nem aprovação dos que oprimem e governam. Um dia em que com tremenda força a unidade do exército dos trabalhadores se mobiliza contra os que hoje dominam o destino dos povos de toda nação. Um dia de protesto contra a opressão e a tirania, contra a ignorância e a guerra de todo tipo. Um dia para começar a desfrutar oito horas de trabalho, oito horas de descanso, oito horas para fazer o que nos dê vontade.”

Essa era a convocatória do 1° de maio de 1886, dia em que 5.000 greves com 340.000 grevistas, se espalharam pelos Estados Unidos. Chicago foi palco de muita luta, repressão, mortes e injustiças. É importante resgatar a memória do 1º de Maio e recuperar a história para entender que o Dia do trabalhador não é dia de festas é o dia de lembrar nossos mortos, dia de luta e resistência!

Trouxemos pⒶra voc’s a história do 1º de Maio, como nasceu este dia e porque(m) ele é comemorado. Este pequeno vídeo relata a verdadeira história do primeiro de Maio e como as lutas dos trabalhadores anarquistas conseguiram a redução da jornada, 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer, 8 horas de repouso.

Ao contrário do que os partidos, os sindicatos pelegos, os burgueses e os Estados tentam nos fazer acreditar com seu revisionismo histórico, o primeiro de maio é um dia de origem anarquista, decorrente das agitações pela jornada de trabalho de 8 horas, à qual 5 anarquistas de Chicago deram suas vidas. Há vasta literatura sobre os fatos reais do primeiro de maio, então reproduzimos abaixo um texto sucinto mas bastante informativo.

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos “seus” trabalhadores. Também existem – ou existiam – aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a ideia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oitos horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oitos horas tornou-se uma das reivindicações mais freqüentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: “Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou”. Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: “Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje”.

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os “Mártires de Chicago”, tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.

O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”, mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: “Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações…”

Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.

A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.

Foram décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.

Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários “pais dos pobres” do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oitos horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oitos horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de eqüidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.
*Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania – Florianópolis (CECCA)

1ª de maio por Eduardo Galeano.

A desmemoria/4

Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Haymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio.
– Deve ser por aqui – me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade Chicago. Nem estátua, nem monólito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos, o primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Haymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que está como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.”
Página 115/116, “O livro dos Abraços”.

DIA DE MAIO – DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO – A HISTÓRIA

1 de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, comemora a luta histórica da classe trabalhadora em todo o mundo, e é reconhecido na maioria dos países. Os Estados Unidos da América e Canadá estão entre as exceções. Isso apesar do fato de que o feriado começou na década de 1880 nos EUA, ligadas a batalha pela jornada de oito horas , e os anarquistas de Chicago .

A luta pela jornada de oito horas começou na década de 1860. Em 1884, a Federação de Negócios organizada e Sindicatos dos Estados Unidos e do Canadá , organizado em 1881 (e mudando seu nome em 1886 para Federação Americana do Trabalho ) aprovou uma resolução que afirmava que “oito horas constituirão um dia de trabalho legal de partir e após 1 de Maio de 1886, e que nós recomendamos para organizações de trabalho em todo este distrito que eles assim direcionar suas leis como se conformar com esta resolução ” . No ano seguinte, a Federação repetiu a declaração de que um sistema de oito horas era para entrar em vigor em 1 de Maio de 1886. Com trabalhadores sendo forçados a trabalhar dez, doze e quatorze horas por dia, apoio ao movimento de oito horas cresceu rapidamente . Nos meses anteriores a 1 de Maio de 1886, milhares de trabalhadores, organizados e não organizados, os membros da organização Cavaleiros do Trabalho e da federação, foram atraídos para a luta. Chicago foi o principal centro da agitação por um dia mais curto. Os anarquistas estavam na vanguarda do Sindicato Central de Chicago, que consistia de 22 sindicatos em 1886, entre eles os sete maiores da cidade.

Durante as greves da estrada de ferro de 1877, os trabalhadores haviam sido violentamente atacada pela polícia e exército dos Estados Unidos. Uma tática semelhante de terrorismo de Estado foi preparado pela burocracia para combater o movimento de oito horas. A polícia e da Guarda Nacional foram aumentados em tamanho e recebeu armas novas e poderosas financiados por empresários locais. Do Clube Comercial de Chicago comprou uma metralhadora $ 2000 para a Guarda Nacional de Illinois para ser usado contra os grevistas. No entanto, até 1 º de maio, o movimento já havia vencido os ganhos para muitos trabalhadores de Chicago. Mas em 3 de maio de 1886, a polícia disparou contra uma multidão de grevistas no McCormick Harvester Machine Company, matando pelo menos um atacante, ferindo gravemente cinco ou seis outros, e ferindo um número indeterminado. Anarquistas convocaram uma reunião em massa no dia seguinte em Haymarket Square para protestar contra a brutalidade.

A reunião transcorreu sem incidentes, e pelo tempo que o último orador estava na plataforma, a reunião das chuvas já estava terminando, com apenas cerca de duas centenas de pessoas restantes. Foi então uma coluna policial de 180 homens marcharam para a praça e ordenou a reunião a se dispersar. Ao final da reunião, uma bomba foi atirada na polícia, matando um instantaneamente, outras seis pessoas morreram depois. Cerca de setenta policiais foram feridos. A polícia respondeu disparando contra a multidão. Quantos civis foram feridos ou mortos desde bullits polícia nunca foi apurado exatamente. Embora nunca foi determinado que jogou a bomba, o incidente foi usado como uma desculpa para atacar os anarquistas e do movimento dos trabalhadores em geral. Polícia saquearam as casas e escritórios dos suspeitos radicais, e centenas foram presos sem acusação. Um reinado de terror da polícia varreu Chicago. Encenação “raids” nos bairros operários, a polícia arredondado para cima todos os anarquistas conhecidos e outros socialistas. “Faça as incursões em primeiro lugar e olhar para cima a lei depois!” aconselhou publicamente o advogado do Estado.

Os anarquistas, em especial, foram perseguidos, e oito de Chicago de mais ativos foram acusados ​​de conspiração para assassinato em conexão com o bombardeio de Haymarket. Um tribunal canguru encontrados todos os oito culpados, apesar da falta de evidência de ligar qualquer um deles para a bomba-chamas, e eles foram condenados a morrer. Em 09 de outubro de 1886, a revista semanal Cavaleiros do Trabalho publicado em Chicago, realizada na página 1 o seguinte anúncio: “Na próxima semana vamos começar a publicação das vidas dos anarquistas anunciados em outra coluna.”

O anúncio, realizado na página 14, leia-se: ” A história de anarquistas , contadas por eles próprios; Parsons, Spies, Fielden, Schwab, Fischer, Lingg, Engle, Neebe A única verdadeira história dos homens que afirmam que eles são. condenado a sofrer a morte para o exercício do direito de liberdade de expressão : a sua associação com o trabalho, socialista e anarquista Sociedades, seus pontos de vista quanto aos objetivos e objetos dessas organizações, e como eles esperam para realizá-los, também a sua ligação com o Chicago Haymarket caso . Cada homem é o autor de sua própria história, que aparecerá apenas nos “Cavaleiros do Trabalho” , durante os próximos três meses, – o grande papel de trabalho dos Estados Unidos, um de 16 páginas semanário, que contém todas as últimas estrangeira e notícias de trabalho doméstico do dia, histórias, dicas domésticas, etc Um papel cooperativo possuído e controlado por membros dos Cavaleiros do Trabalho , e mobilado para a pequena quantia de US $ 1,00 por ano . Adress todas as comunicações para Cavaleiros do Trabalho Publishing Company , 163 Washington St., Chicago, Illinois ” Ainda este jornal e do papel de alarme publicou as autobiografias dos homens Haymarket.

Albert Parsons, August Spies, Adolf Fischer e George Engel foram enforcados em 11 de Novembro de 1887. Louis Lingg se suicidou na prisão. As autoridades entregue os corpos para os amigos para o enterro, e um dos maiores cortejos fúnebres da história do Chicago foi realizada. Estima-se que entre 150.000 a 500.000 pessoas alinharam a rota seguida pelo cortejo fúnebre dos mártires de Haymarket. Um monumento aos homens executados foi revelado 25 de junho de 1893 no cemitério Waldheim em Chicago. Os três restantes, Samuel Fielden, Oscar Neebe e Michael Schwab, foram finalmente perdoados em 1893.

Em 26 de junho de 1893, o governador de Illinois, John Peter Altgeld, emitiu a mensagem perdão em que ele deixou claro que ele não estava concedendo o perdão, porque ele acreditava que os homens tinham sofrido o suficiente, mas porque eles eram inocentes do crime para o qual havia sido julgado, e que eles e os homens enforcados haviam sido vítimas de histeria, os júris embalados e um juiz preconceituoso. Ele observou que os réus não foram provados culpados, porque o Estado “nunca descobriu quem foi que jogou a bomba que matou o policial, e as evidências não mostram qualquer ligação entre os réus eo homem que atirou nele.”

Dia Internacional dos Trabalhadores é a comemoração do evento Revolta de Haymarket , em Chicago , em 1886. Em 1889, o primeiro congresso da Segunda Internacional, reunião em Paris para o centenário da Revolução Francesa e da Exposição Universal (1889) , na sequência de uma iniciativa do Federação Americana do Trabalho , convocaram protestos internacionais em 1890 aniversário dos protestos de Chicago. Estes foram tão bem sucedidos que May Day foi formalmente reconhecida como um evento anual no segundo congresso da Internacional em 1891.

Não é de surpreender que o Estado, líderes empresariais, dirigentes sindicais mainstream, e os meios de comunicação querem esconder a verdadeira história do Primeiro de Maio. Na sua tentativa de apagar a história eo significado do Dia de maio, o governo dos Estados Unidos declarou 01 de maio como “Lei Day”, e deu os trabalhadores em vez do Dia do Trabalho, a primeira segunda-feira de Setembro – um feriado desprovido de qualquer significado histórico.

No entanto, em vez de suprimir os movimentos operários e anarquistas, os acontecimentos de 1886 ea execução dos anarquistas de Chicago, os porta-vozes do movimento para a jornada de oito horas, mobilizou muitas gerações de radicais. Emma Goldman, um jovem imigrante na época, depois apontou para o caso de Haymarket como o seu nascimento político. Em vez de desaparecer, o movimento anarquista apenas cresceu na esteira de Haymarket.

Como trabalhadores, devemos reconhecer e comemorar o Dia de maio, não só pela sua importância histórica, mas também como um tempo para organizar em torno de questões de importância vital de hoje para a classe trabalhadora em sentido lato, ou seja, as bases – as pessoas vistas como uma classe em contraste com os superiores de renda e / ou classificação – economicamente e / ou políticos / administrativos.

As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio

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Por Jorge E. Silva – Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania – Florianópolis (CECCA)

Fonte: Insurgentes

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos “seus” trabalhadores. Também existem – ou existiam – aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a idéia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oitos horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oitos horas tornou-se uma das reivindicações mais freqüentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: “Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou”. Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: “Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje”.

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os “Mártires de Chicago”, tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.

O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”, mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: “Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações…”

Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.

A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.

Foram décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.

Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários “pais dos pobres” do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oitos horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oitos horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de eqüidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.

Os mártires do 1º de Maio

 

1o-de-maio

 

Fonte: Aversão ao Estado

Porque se apagaram os seus rostos da história do movimento operário?
Porque não são reconhecidos? Talvez por tal não ser importante…
Ou talvez, antes, porque a sua lembrança era incomoda.
A história do movimento operário foi, ao longo do século XX, objeto de grandes manipulações. São relativamente bem conhecidos os casos de reconstrução das fotografias da revolução russa, em que a figura de Trotsky foi apagada, ou aquelas, do funeral de Mao, em que os membros do chamado Bando dos Quatro desapareceram simplesmente das exéquias do “Grande Timoneiro”.
Menos conhecidos serão os fatos do assassínio de Rosa Luxemburgo às mãos da democracia alemã ou de todos os crimes levados a cabo pelos chefes democratas de todo o lado, já que, tratando-se de provar que este é o melhor dos mundos, não se pode deixar que se saibam os seus crimes.
Melhor do que a manipulação, funciona geralmente a omissão pura e simples.
O ascenso da influência comunista no mundo, após a Revolução de Outubro e a consolidação do poder bolchevique, permitiu meios de propaganda apontados como de apoio ao movimento operário internacional nunca vistos até aí. Mas esses meios de propaganda foram sempre extremamente criteriosos a selecionar a História que lhes convinha e a esconder os fatos que não fossem tanto da sua conveniência.
Este – o caso do 1º de Maio – é mais um dos exemplos tristes de como se pode reescrever, ou simplesmente apagar a história no sentido que mais convenha.

A luta pelas 8 horas 

No 1º de Maio de 1886 travou-se nos Estados Unidos uma importante luta dos trabalhadores pela conquista da jornada das 8 horas de trabalho. Cerca de 400 mil trabalhadores abandonaram então o seu local de trabalho e dispuseram-se ao combate de classe. Mas estes acontecimentos viriam a ter uma trágica dimensão. No dia 3, os grevistas dirigiram-se à fábrica MacCormick, o único centro de trabalho que não tinha cessado a laboração, pois cerca de 1.200 trabalhadores tinham sido despedidos e substituídos por fura-greves. Quando aí chegaram os trabalhadores, a polícia disparou, apesar da presença de mulheres e crianças, provocando seis mortos e uma centena de feridos.
A indignação dos trabalhadores cresceu, e foi convocado um encontro para o dia 5 de Maio, na Praça Haymarket, em Chicago, convocado pelos grupos anarquistas. Assistiram a ele, de forma pacífica, cerca de 15 mil pessoas. Antes de terminar o ato, centenas de polícias armados carregaram sobre os manifestantes e, nesse momento, sem que se soubesse de onde, explodiu uma bomba no meio dos polícias, provocando a morte de oito deles. A isto se seguiu uma selvagem e brutal repressão sangrenta dos trabalhadores, tendo perecido cerca de oitenta, e registrando-se ainda centenas de feridos.

O julgamento

Do processo então instruído, foram presos os militantes anarquistas August Spies, Adolf Fischer, Luis Lingg, Albert Parsons, George Engel, Michael Schwab, Oscar Neebe e Samuel Fielden, tendo três deles, Spies, Parsons e Fielden, estando entre os oradores do encontro.
A paródia do julgamento que se seguiu foi apenas um processo ao anarquismo, então em fase de rápido crescimento. O delegado do ministério público, aliás, não pediu a forca para os réus por causa de terem lançado a bomba, mas sim por professarem ideais anarquistas. Fizeram-se então leis de aviário, à pressa, para que se pudessem mandar para a forca os acusados. A sentença, ditada a 20 de Agosto de 1886, condenou à morte os oito réus, embora posteriormente Schwab e Fielden vissem a pena comutada para prisão perpétua e Neebe para 15 anos de prisão. A execução dos condenados foi marcada para 11 de Novembro de 1887.
Na antevéspera, Lingg suicidou-se, numa última tentativa de salvar a vida dos companheiros. Mas as autoridades não recuaram, os quatro ativistas foram executados, enquanto a tropa se encarregava de conter a multidão nas ruas.

Circunstâncias

A grande importância do movimento operário norte-americano da época é também hoje, muitas vezes ignorada. Uma das mais importantes associações de trabalhadores, a IWW, manteve, e mantém ainda hoje – a uma menor escala, claro – bem viva a luta por uma sociedade sem oprimidos. Muitos dos ativistas do movimento operário norte-americano eram trabalhadores imigrados, não sendo de admirar encontrarem-se entre os seus mártires muitos italianos, como Sacco e Vanzetti, ou alemães, como a maior parte dos mártires do 1º de Maio.

Conclusão

O 1º de Maio é hoje comemorado praticamente em todo o mundo, por vezes no confronto direto com a repressão. Apesar disso, o acontecimento que se comemora, a jornada de luta e os seus mártires são um fato esquecido (ou apagado) por aqueles que, nas últimas décadas, mais têm influenciado o movimento operário.

Retirado do www.azine.org

Alexandre Samis. “A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Conformação da Tradição Libertária”

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Fonte: Instituto de Teoria e História Anarquista

Nesse texto, Samis analisa a formação e consolidação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), chamada posteriormente de Primeira Internacional, e da matriz libertária do socialismo. Com uma análise minuciosa das atas e minutas congressuais da AIT, sempre relacionado-as ao contexto de seu tempo, ele elucida a composição de forças, estratégias e tendências políticas dessa associação. Num trabalho de reconstituição dos fios históricos que conformaram a tradição libertária, o autor discute as principais polêmicas congressuais abordando, além dos primeiros congressos, as resoluções e conflitos internos do Congresso da Basiléia (1869), da Conferência de Londres (1871) e por fim, a formação em Saint-Imier da Internacional Anti-autoritária (1872), que pode ser vista, do ponto de vista simbólico, como o ponto o marco definitivo da conformação da tradição libertária. Longe de reduzir a formação da tendência libertária e da própria Internacional, tratando-os como produto de uma doutrina sem relação com as questões da classe trabalhadora, o autor evidencia que as posições ideológicas e políticas dessa associação ligam-se diretamente a uma experiência de classe.

* Baixe o artigo completo aqui: Alexandre Samis – A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Conformação da Tradição Libertária

A filosofia do anarquismo

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Por Herbert Read

Fonte: anarkio.net

Fonte: Protopia

A atitude característica política de hoje não é um crer positivo, mas no desespero.

Ninguém acredita seriamente nas filosofias sociais do passado recente. Existem algumas pessoas, mas um número cada vez menor, que ainda acreditam que o marxismo, como um sistema econômico, oferece uma alternativa coerente ao capitalismo e o socialismo, de fato, triunfou em apenas em um país. Mas não mudou a natureza servil da condição humana. O homem está em todo lugar ainda em cadeias. O motivo de sua atividade econômica permanece, e este motivo econômico conduz inevitavelmente às desigualdades sociais, as quais ele tinha esperança de escapar. Diante desta falha dupla, do capitalismo e do socialismo, o desespero das massas tomou forma com o fascismo – um movimento revolucionário, mas totalmente negativo, que visa à criação de uma organização egoísta de poder dentro do caos geral. Neste deserto político a maioria das pessoas está perdida, e se não cedem ao desespero, eles recorrem à um mundo particular de oração. Mas outros persistem em acreditar que um mundo novo pode ser construído se nós abandonarmos os conceitos econômicos sobre os quais tanto o socialismo quanto o capitalismo se baseiam. Para concretizar esse novo mundo, devemos preferir os valores de liberdade e igualdade acima de todos os outros valores — acima de riqueza pessoal, poder técnico e nacionalismo. No passado, essa visão tem sido sustentada pelos maiores esclarecidos do mundo, mas seus seguidores foram uma minoria numericamente insignificante, especialmente na esfera política, onde a sua doutrina tem sido chamado de anarquismo. Pode ser um erro tático em reafirmar um conceito válido sob uma palavra que é ambígua — para o que é “sem governo,” o significado literal da palavra, não é necessariamente “sem ordem”, o significado mais livremente associado. O sentido da continuidade histórica, e um sentimento de retidão filosófica não podem, no entanto, serem comprometidos. Toda associação vaga ou romântica que a palavra adquiriu é incidental. A doutrina em si permanece absoluta e pura. Existem milhares, se não milhões, de pessoas que, instintivamente, possuem essas ideias, e muitos outros que aceitariam a doutrina se fosse claro para eles. A doutrina deve ser reconhecida por um nome comum. Não sei de nenhum nome melhor do que o anarquismo. Neste ensaio vou tentar reafirmar os princípios fundamentais da filosofia política denotada por esse nome.

1

Vamos começar fazendo uma pergunta muito simples: Qual é o tamanho do progresso humano? Não há necessidade de discutir se tais progressos existem ou não, até mesmo para chegar a uma conclusão negativa, devemos ter um parâmetro. Na evolução da humanidade sempre houve certo grau de coerência social. Os registros mais antigos de nossa de espécies em organizações de grupo — a horda primitiva, tribos nômades, assentamentos, comunidades, cidades, nações. Esses grupos progrediram em números, riqueza e inteligência, subdivididos em grupos especializados, classes sociais, seitas religiosas, associações culturais e sindicatos profissionais ou artesanais. Seria esta complicação ou articulação da sociedade em si, um sintoma de progresso? Eu não penso que ele possa ser descrito assim, na medida em que são apenas mudanças quantitativas. Mas se isso implica em uma divisão dos homens, segundo as suas capacidades inatas, de modo que o homem forte funciona exigindo grande força e que o homem sutil tenha habilidade em um trabalho que requer sensibilidade, então, obviamente, como grãos que formam um todo, estão em melhor posição para continuar a luta por uma vida qualitativamente melhor.

Estes grupos dentro de uma sociedade se distinguiram de acordo ao fato de, como um exército ou uma orquestra, funcionaram como um único corpo, ou se são unidos apenas para defenderem seus interesses comuns em determinadas circunstâncias, em outras, agem como indivíduos separados. Num caso de agregação das unidades impessoais, se unem em um corpo com uma única finalidade; noutro caso, há uma suspensão das atividades individuais para a finalidade de prestar ajuda mútua.

O primeiro tipo de grupo — o exército, por exemplo — é historicamente o mais primitivo. É verdade que as sociedades secretas de curandeiros aparecem muito cedo na cena, mas esses grupos são realmente do primeiro tipo que agir como um grupo e não como indivíduos separados. O segundo tipo de grupo — a organização dos indivíduos para a promoção ativa dos seus interesses comuns — vem relativamente tarde no desenvolvimento social. O ponto que eu estou fazendo é que nas formas mais primitivas da sociedade o indivíduo é apenas uma unidade, em formas mais desenvolvidas da sociedade, ele é uma personalidade independente.

Isto leva à minha medida de progresso. O progresso é medido pelo grau de diferenciação dentro de uma sociedade. Se o indivíduo é uma unidade de massa corporativa, sua vida não é simplesmente brutal e curta, mas monótona e mecânica. Se o indivíduo é uma unidade por conta própria, com espaço e potencialidade para a ação separada, então ele pode estar mais sujeito a acidente ou acaso, mas pelo menos ele pode se expandir e se expressar. Ele pode desenvolver — desenvolver-se no único significado real da palavra — desenvolver na consciência de força, vitalidade e alegria.

Tudo isso pode parecer muito elementar, mas é uma distinção fundamental, que ainda divide as pessoas em dois campos. Você pode pensar que seria ele o desejo natural de todo homem a se desenvolver como uma personalidade independente, mas isso não parece ser verdade. Porque eles são ou economicamente ou psicologicamente predispostos, há muitas pessoas que encontram segurança nos números, a felicidade no anonimato e da dignidade na rotina. Eles pedem nada melhor do que ser ovelha em um pastor, soldados sob um capitão, os escravos sob um tirano. Os poucos que devem expandir-se os pastores, os capitães e líderes desses seguidores dispostos.

Tais pessoas servis existem aos milhões, mas volto a perguntar: Qual é a nossa medida de progresso? E novamente eu respondo que é só na medida em que o escravo é emancipado e da personalidade diferenciada que se pode falar de progresso. O escravo pode ser feliz, mas a felicidade não é suficiente. Um cão ou um gato pode ser feliz, mas nós não, portanto, concluir que esses animais são superiores aos seres humanos — apesar de Walt Whitman, num poema conhecido, os detém para a nossa emulação. O progresso é medido pela riqueza e intensidade da experiência — por uma apreensão mais ampla e profunda sobre o significado e o alcance da existência humana

Tal são, de fato, o critério consciente ou inconsciente de todos os historiadores e filósofos. O valor de uma civilização ou uma cultura não é valorizado em termos de sua riqueza material ou poder militar, mas pela qualidade e realizações de seus indivíduos representativos — os seus filósofos, seus poetas e seus artistas.

Podemos, portanto, expressar a nossa definição de progresso de uma forma um pouco mais precisa. Progresso, poderíamos dizer, é a criação gradual de uma diferenciação qualitativa dos indivíduos dentro de uma sociedade[1]. Na longa história da humanidade, o grupo deve ser considerado como um expediente — uma ajuda evolutiva. É um meio para a segurança e bem-estar econômico: é essencial para o estabelecimento de uma civilização. Mas o passo adicional, por meio do qual uma civilização é dada a sua qualidade ou cultura, só é alcançado por um processo de divisão celular, no decurso da qual o indivíduo é diferenciada, feita distinta e independente do grupo pai. Quanto mais uma sociedade progride, mais claramente o indivíduo se torna a antítese do grupo.

Em determinados períodos da história do mundo tornou-se uma sociedade consciente de suas personalidades: seria talvez mais verdadeiro dizer que ele estabeleceu condições sociais e econômicas que permitam o livre desenvolvimento da personalidade. A grande época da civilização grega é a idade das grandes personalidades da poesia grega, arte grega e oratória grega: e apesar de a instituição da escravidão, ele pode ser descrito, relativamente às idades que o precederam, como uma era de política libertação. Mas perto do nosso tempo, temos o Renascimento chamado, inspirado por esta civilização helênica antes, e ainda mais consciente do valor do desenvolvimento individual livre. O Renascimento europeu é uma época de confusão política, mas, apesar das tiranias e da opressão, não há dúvida de que, em comparação com o período anterior[2], também foi uma época de libertação. O indivíduo, mais uma vez entra em si próprio, e as artes são cultivadas e apreciadas como nunca antes. Mas ainda mais importante, surge a consciência do fato de que o valor de uma civilização é dependente da liberdade e variedade dos indivíduos que o compõem. Pela primeira vez, a personalidade é deliberadamente cultivada, como tal, e desde aquele tempo até hoje, não foi possível separar as realizações de uma civilização a partir das realizações dos indivíduos que o compõem. Mesmo nas ciências que agora tendem a pensar no crescimento do conhecimento em termos particulares e pessoais da física, por exemplo, como uma linha de indivíduos que se estende entre Galileu e Einstein.

2

Eu não tenho a menor dúvida de que esta forma de individualização representa um estágio superior na evolução da humanidade. Pode ser que estamos apenas no início de tal fase alguns séculos são um curto período de tempo na história de um processo biológico. Credos e castas, e todas as formas de agrupamento intelectual e emocional, pertencem ao passado. A futura unidade é o indivíduo, um mundo em si mesmo, autossuficiente e auto-criativa, livremente dar e receber livremente, mas, essencialmente, um espírito livre.

Foi Nietzsche quem primeiro fez-nos conscientes da importância do indivíduo como um termo no processo evolutivo em que parte do processo evolutivo que tem ainda a ter lugar. No entanto, existe nos escritos de Nietzsche uma confusão que deve ser evitado. Isso pode ser evitado é devido, principalmente, às descobertas científicas feitas desde o primeiro dia de Nietzsche, para Nietzsche deve em certa medida ser dispensado. Refiro-me às descobertas da psicanálise. Freud mostrou claramente uma coisa: que só esquecemos-nos de nossa infância por enterrá-la no inconsciente, e que os problemas deste período são difíceis de encontrar solução, sob uma forma disfarçada na vida adulta. Eu não desejo importar a linguagem técnica da psicanálise para essa discussão, mas foi demonstrada que a devoção irracional que um grupo vai mostrar ao seu líder é simplesmente uma transferência de uma relação emocional que tem sido dissolvido ou reprimido dentro do círculo familiar. Quando descrevemos um rei como “o pai de seu povo”, a metáfora é uma descrição exata de um simbolismo inconsciente. Além disso, nós transferimos a esta figura de proa todos os tipos de virtudes imaginárias que nós mesmos gostaríamos de ter: é o processo inverso do bode expiatório, que é o destinatário da nossa culpa secreta.

Nietzsche, como os admiradores de nossos ditadores contemporâneos, não suficientemente percebe esta distinção, e ele está apto a louvar como um super-homem, uma figura que é apenas inflado com os desejos inconscientes do grupo. O verdadeiro super-homem é o homem que se mantém distante do grupo — um fato que Nietzsche reconheceu em outras ocasiões. Quando um indivíduo tornou-se consciente, não apenas de sua “Eigentum” (Propriedade), de seu próprio circuito fechado de desejos e potencialidades (em que fase ele é um egoísta), mas também das leis que regem suas reações para o grupo de que é mentira um membro, então ele está a caminho de se tornar o novo tipo de ser humano que Nietzsche chamou de o Super-homem.

O indivíduo e o grupo — este é o relacionamento a partir da qual brotam todas as complexidades da nossa existência e a necessidade de desvendar e simplificar. A própria consciência nasce dessa relação, e todos os instintos de uma simpatia mutua e que se tornam codificados na moral. A moral, como muitas vezes tem sido apontado, é antecedente à religião ainda existe em uma forma rudimentar entre os animais. Religião e política seguir, como tentativas de definir a conduta instintiva natural para o grupo e, finalmente, você começa o processo histórico muito bem conhecido por nós, em que as instituições da religião e a política são capturadas por um indivíduo ou uma classe e voltou-se contra o grupo que eles foram projetados para se beneficiar. Homem encontra seus instintos, já deformada por ser definida, agora totalmente inibida. A vida biológica do grupo, uma vida autorreguladora como a vida de todas as entidades orgânicas, é esticada sobre a estrutura rígida de um código. Ele deixa de ser vida, em qualquer sentido real, e só funciona como conformidade, convenção e disciplina.

Há uma distinção a ser feita aqui entre a disciplina imposta sobre a vida, e a lei que é inerente à vida. Minha própria experiência precoce na guerra levou-me a suspeitar que o valor da disciplina, mesmo nesse domínio, onde é muitas vezes considerado como o primeiro ponto essencial para o sucesso. Não foi a disciplina, mas duas qualidades que eu chamaria de iniciativa e livre associação, que se mostrou essencial no esforço de ação. Estas qualidades são desenvolvidas individualmente e tendem a ser destruído pela rotina mecânica da praça do quartel. Quanto à obediência inconsciente, que disciplina e broca supostamente incutem, ele quebra tão facilmente como casca de ovo no rosto de metralhadoras e explosivos avançados.

A lei que é inerente na vida é de um tipo completamente diferente. Temos de admitir “o fato singular”, como Nietzsche dizia, “que tudo da natureza da liberdade, elegância, ousadia, dança, e de certeza magistral, o que existe ou existiu, seja no próprio pensamento, ou na administração, ou em falar e convencer, na arte como na conduta, só se desenvolveu por meio da tirania de lei arbitrária tal, e com toda a seriedade, não é de todo improvável que este é precisamente a “natureza e “natural”. (Além do bem e do mal, § 188) que a “natureza” é penetrada por toda a “lei” é um fato que se torna mais clara a cada avanço da ciência, e precisamos apenas criticar Nietzsche para chamar essa lei “arbitrária”. O que é arbitrário não é a lei da natureza, em qualquer esfera existe, mas a interpretação do homem dela. A única necessidade é descobrir as verdadeiras leis da natureza e conduzir nossas vidas de acordo com elas.

A lei mais geral na natureza é a igualdade, o princípio de equilíbrio e simetria que orienta o crescimento de formas ao longo das linhas de maior eficiência estrutural. É a lei o que dá a folha, bem como a árvore, o corpo humano e do universo em si, uma forma harmoniosa e funcional, que é ao mesmo tempo a beleza objetivo. Mas quando usamos a expressão: a lei da igualdade resulta em um curioso paradoxo. Se olharmos para a definição do dicionário da equidade, encontramos: “Recorrer a princípios de justiça para corrigir ou completar o direito” Como tantas vezes, as palavras que usamos nos trair: temos de confessar, usando a palavra equidade, que a lei estatuto comum que é a lei imposta pelo Estado não é necessariamente o direito natural ou justo; que existem princípios de justiça que são superiores a essas leis feitas pelo homem de princípios de igualdade e justiça inerente à ordem natural do universo.

O princípio da equidade veio pela primeira vez em evidência no jurisprudência romana e foi derivada por analogia com o significado físico da palavra. Em uma discussão clássica sobre o assunto em seu livro sobre a Lei Antiga, Sir Henry Maine aponta que os Aequitas[3] dos romanos implica de fato o princípio da distribuição igualitária ou proporcional. “A divisão igual de números ou grandezas físicas é, sem dúvida, intimamente entrelaçada com as nossas percepções de justiça, há poucas associações que mantêm suas posições na mente tão teimosamente ou são demitidos a partir dele com tanta dificuldade pelos mais profundos pensadores.” “A característica do Jus Gentium[4], que foi apresentado para a apreensão de um romano pelo Patrimônio palavra, era exatamente a característica primeira e mais vividamente realizada do estado hipotético de natureza. Natureza implícita ordem simétrica, em primeiro lugar no mundo físico, e no próximo na noção mais antiga moral, e telha de ordem, sem dúvida envolvido linhas retas, superfícies planas, e as distâncias medidas.” Enfatizo essa origem da palavra, porque é muito necessário distinguir entre as leis da natureza (que, para evitar confusão, devemos antes de chamar as leis do universo físico) e que a teoria de um estado primitivo da natureza que foi feito a base do igualitarismo sentimental de Rousseau. Foi, este último conceito que, como observou secamente Maine, “Ajudou muito para trazer as decepções mais grosseiras na primeira revolução francesa, onde era fértil.” A teoria ainda é a dos advogados: romanos, mas a teoria é, por assim dizer, de cabeça para baixo. “O romano tinha concebido que pela observação cuidadosa das instituições existentes partes delas poderiam ser apontadas, que seriam expostas já, ou através de uma purificação criteriosa ser feita para expor os vestígios de que o reino da natureza, cuja realidade ele vagamente afirmou. A crença de Rousseau era de que uma ordem social perfeita poderia ser evoluída a partir da consideração desassistida do estado natural, uma ordem social inteiramente independentemente da condição atual do mundo e totalmente diferente dele. A grande diferença entre os pontos de vista é que se amargamente e amplamente condena o presente para a sua dessemelhança com o passado ideal; enquanto o outro, assumindo o presente para ser tão necessário quanto o passado, não, afetam a desconsiderar ou censurá-lo”.

Não vou afirmar que o anarquismo moderno tem qualquer relação direta com a jurisprudência romana, mas afirmo que ele tem sua base nas leis da natureza e não no estado de natureza. Ela é baseada em analogias derivadas da simplicidade e harmonia universais leis físicas, e não em suposições da bondade natural da natureza humana, e isso é precisamente onde começa a divergir radicalmente do socialismo democrático, que remonta a Rousseau, o verdadeiro fundador do socialismo de Estado,[5]. Embora o socialismo de Estado procure dar a cada um segundo suas necessidades, ou, como hoje em dia na Rússia, de acordo com seus desertos, a noção abstrata de capital próprio é realmente muito estranho em seu pensamento. A tendência do socialismo moderno é o de estabelecer um vasto sistema de direito positivo contra o qual já não existe um fundamento no patrimônio líquido. O objetivo do anarquismo, por outro lado, é estender o princípio da equidade até substituir completamente a lei estatutária.

Esta distinção já estava clara para Bakunin, como a citação seguinte irá mostrar:

“Quando falamos de justiça, não queremos dizer o que está previsto nos códigos e nos editais de jurisprudência romana, fundada na maior parte em atos, de violência, consagrada pelo tempo e as bênçãos de uma igreja, seja ela pagã ou cristã, e como tal aceites como princípios absolutos de que o resto pode ser deduzida logicamente, queremos dizer sim a justiça que se baseia unicamente na consciência da humanidade, que está presente na consciência de cada um de nós, mesmo nas mentes das crianças, e que é simplesmente traduzida como equalness[6].

“Essa justiça que é universal, mas que, graças ao abuso da força e influências religiosas, nunca prevaleceu, nem na política e nem no jurídico, nem no mundo econômico. Este sentido universal de justiça deve ser a base constitutiva de um novo mundo. Sem ele nenhuma liberdade, nenhuma república, nenhuma prosperidade, nenhuma paz! ” (Oeuvres, 1 (1912), pp.54-5.)

3

É certo que um sistema de equivalência patrimonial, não menos do que um sistema de direito, implica num mecanismo para determinar e administrar os seus princípios. Não consigo imaginar a sociedade que não incorpora algum método de arbitragem. Mas, assim como o juiz no capital próprio é suposto a apelar para os princípios universais da razão, e por ignorar o direito legal quando ele entra em conflito com esses princípios, de modo que o árbitro de uma comunidade anarquista vai apelar para esses mesmos princípios, como determinado pela filosofia ou senso comum, e irá fazê-lo sem restrições por todos os preconceitos jurídicos e econômicos que a organização atual da sociedade acarreta.

Será dito que eu estou apelando a entidades místicas, as noções idealistas que todos os materialistas rejeitam. Eu não nego isso. O que eu nego é que você pode construir uma sociedade duradoura sem algum ethos[7] tal mística. Tal declaração vai chocar o socialista marxista, que, apesar das advertências de Marx, é normalmente um materialista ingênuo. A teoria de Marx, como eu acho que ele mesmo faria, teria sido o primeiro a não admitir-se uma teoria universal. Não lidar com todos os fatos da vida ou só lidava com alguns deles de uma forma muito “superficial”. Marx rejeitou corretamente os métodos não históricos dos metafísicos alemães, que tentaram fazer os fatos se encaixarem numa teoria pré-concebida. Ele também, com igual firmeza, rejeitou o materialismo mecânico do século XVIII, rejeitou alegando que apesar de que poderiam explicar a natureza de coisas existente, ignorou todo o processo de desenvolvimento histórico do universo como um crescimento orgânico. A maioria dos marxistas esquece a primeira tese sobre Feuerbach, onde se lê: “O principal defeito de todo materialismo até agora existente ao qual Feuerbach é incluído, é que o objeto, a realidade, a sensualidade, é concebido apenas sob a forma do objeto, mas não como atividade sensorial humana, e a prática, não subjetivamente”. Naturalmente, quando se tratava de interpretar a história da religião, Marx teria tratado como um produto social, mas que está longe de tratá-la como uma ilusão. De fato, a evidência histórica deve tender o todo na direção oposta, e obrigar-nos a reconhecer na religião uma necessidade social. Nunca houve uma civilização sem a sua religião correspondente, e o aparecimento do racionalismo e do ceticismo é sempre um sintoma de decadência.

É certo que há um fundo geral da razão, que todas as civilizações a sua parte e que inclui uma atitude de desapego comparativo da religião em particular de sua época. Mas, para reconhecer a evolução histórica do fenômeno como a religião não é explicá-la. É muito mais provável dar-lhe uma justificação científica, para revelá-lo como uma condição necessária da “atividade humana sensível”, e, portanto, para lançar suspeita sobre qualquer filosofia social que exclui a religião de forma arbitrária por parte da organização que se propõe para a sociedade.

Já está claro, depois de vinte anos de socialismo na Rússia, que, se você não fornecer a sua sociedade uma nova religião, ela irá gradualmente reverter-se para a antiga. O comunismo tem, naturalmente, os seus aspectos religiosos, e para além da readmissão gradual da Igreja Ortodoxa[8], a deificação de Lênin (um túmulo sagrado, suas efígies, a criação de uma lenda, todos os elementos “divinizadores” estão lá) é uma tentativa deliberada de criar um válvula de escape para emoções religiosas. Ainda mais tentativas deliberadas para criar uma parafernália de um novo credo estão sendo feitas na Alemanha, onde a necessidade de uma religião de algum tipo nunca foi oficialmente negado. Na Itália, Mussolini tem sido demasiado astuto para fazer qualquer coisa, e sim chegar em um acordo com a Igreja Católica predominante. Longe de escárnio a estes aspectos irracionais do comunismo e do fascismo, devemos sim apenas criticá-los por sua estupidez, sua falta de qualquer conteúdo real, sensorial e estético, pela pobreza de seu ritual, e, sobretudo, pela sua incompreensão da função de poesia e da imaginação na vida da comunidade.

Podemos ter certeza de que das ruínas da nossa civilização capitalista uma nova religião vai surgir, assim como o cristianismo surgiu das ruínas da civilização romana. O socialismo, tal como concebido pelos pseudo-históricos materialistas, não é uma religião, e nunca será. E, embora, a partir deste ponto de vista, é preciso reconhecer que o fascismo tem se mostrado mais imaginativo, é em si um fenômeno de decadência a consciência defensiva, antes de um destino aguardado de uma ordem social existente, e que a sua superestrutura ideológica não é de interesse permanente. Uma religião nunca é uma criação sintética – você não pode selecionar as lendas e os santos do passado mítico e combiná-los com algum tipo de orientação política ou racial para fazer um bom credo conveniente. Um profeta, como um poeta, nasce. Mas mesmo concebido o profeta, você ainda está longe de ter o estabelecimento de uma religião. Ele precisou de cinco séculos para construir a religião do cristianismo sobre a mensagem de Cristo. Essa mensagem foi moldada, alargada e em grande medida distorcida até expressar o que Jung chamou de inconsciente coletivo, um complexo de fatores psicológicos que deu coesão a uma sociedade. A religião, em suas fases posteriores, pode muito bem ser o ópio do povo, mas ao mesmo tempo se torna a única força que pode conter um povo de forma ampla, que pode fornecer-lhes uma autoridade natural para atrair ao confronto de interesses de seu pessoal.

Eu chamo a religião de uma autoridade natural, mas tem sido geralmente concebido como uma entidade sobrenatural. É natural em relação à morfologia da sociedade; sobrenatural em relação à morfologia do universo físico. Mas em qualquer aspecto, é em oposição à autoridade artificial do Estado. O Estado só adquire a sua autoridade suprema quando a religião começa a declinar, e a grande luta entre a Igreja e o Estado, quando, como na Europa moderna, que termina de forma tão decisiva em favor do Estado, é do ponto de vista da vida orgânica do uma sociedade, eventualmente, fatal. É porque o socialismo moderno tem sido incapaz de perceber esta verdade e, em vez disso, liga-se a mão morta do Estado, e consequentemente em todos os lugares, o socialismo se torna derrotado. O aliado natural do socialismo era a Igreja, embora reconhecidamente nas circunstâncias atuais históricos do século XIX era difícil ver isso. A Igreja estava tão corrompida, em uma dependência das classes dominantes, que apenas alguns espíritos raros podiam ver através de aparições às realidades, e conceber o socialismo nos termos de uma nova religião, ou mais simplesmente como uma nova reforma do cristianismo.

Se, nas circunstâncias atuais de hoje, ainda é possível encontrar um caminho a partir da antiga religião, uma nova religião seria duvidosa. O cristianismo está tão comprometido com os regimes atuais, que qualquer reforma que seria suficientemente drástica e é quase inconcebível. A nova religião é mais provável que surja passo a passo com uma nova sociedade, talvez, no México, talvez na Espanha, talvez nos Estados Unidos: é impossível dizer onde, porque mesmo o germe de uma sociedade nova é nada evidente e sua formação completa está profundamente enterrada no futuro.

Eu não sou um revivalista cristão ou sem religião, nem recomendo ou indico alguma em que se acredite, apenas me baseio na evidência da história das civilizações, em que uma religião é um elemento necessário em qualquer sociedade orgânica. * E eu sou tão consciente do lento processo de desenvolvimento espiritual e que estou sem vontade de procurar uma nova religião, muito menos esperar encontrar uma. Eu apenas arrisco uma observação. Tanto em suas origens e desenvolvimento, até o seu apogeu, a religião está intimamente associada com a arte. Religião e arte são, de fato, se não de modos alternativos de expressão, modos intimamente associados. Para além da natureza essencialmente estética do ritual religioso, além, também, da dependência da religião na arte para a visualização de seus conceitos subjetivos, há, além disso, uma identidade das maiores formas de expressão poética e mística. Poesia, nos seus momentos mais intensos e criativos, penetra no mesmo nível do inconsciente como o misticismo. Escritores, e com certeza que estão entre os grandes nomes, temos St. Francis, Dante, Santa Teresa, São João da Cruz, como poetas e como místicos. Por esta razão, pode muito bem acontecer que as origens de uma nova religião serão encontradas na arte, em vez de qualquer forma de revivalismo moralista. *

O que tudo isso a ver com o anarquismo? Simplesmente isto: o socialismo da tradição marxista, que é o socialismo, quer dizer, estatal, tão completamente isola-se das sanções religiosas e foi levado a tais subterfúgios lamentáveis em sua busca por substitutos para a religião, que ao contrário do anarquismo, que não é sem sua linhagem mística, é uma religião em si. É possível, isto é, conceber uma nova religião em desenvolvimento fora do anarquismo. Durante a Guerra Civil Espanhola, muitos observadores ficaram impressionados com a intensidade religiosa dos anarquistas. Nesse país de potencial renascimento do anarquismo inspirou, não apenas heróis, mas até mesmo os santos de uma nova raça de homens cujas vidas são dedicadas, na imaginação sensual e, na prática, à criação de um novo tipo de sociedade humana.

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Estas são as frases retumbantes de um visionário, me dirão, e não os acentos práticos do socialismo “construtivo”. Mas o ceticismo do homem chamado prática é destrutiva para a única força que pode trazer uma comunidade socialista na existência. Sempre foi profetizado, nos anos pré- guerra, que o socialismo de Estado era o ideal visionário, impossível de realização. Além do fato de que cada país industrial do mundo foi se movendo rapidamente em direção ao socialismo de Estado durante o último quarto de século, há o exemplo da Rússia para provar como muito possível uma organização central de produção e distribuição é, desde que você tenha visionários suficiente implacáveis, e neste caso inumanos suficientes, para transportar do ideal à prática. Eu não acredito que este tipo particular de organização social possa durar por muito tempo, simplesmente porque, como já sugeri, não é orgânico. Mas se tal forma (ou, se você preferir a palavra, lógico) arbitrária da sociedade pode ser estabelecida, ainda por alguns anos, quanto mais provável é que uma sociedade que não contradiz as leis de crescimento orgânico pode ser estabelecida e perdurará. Um começo estava sendo feito na Espanha, apesar da Guerra Civil e todas as restrições que uma condição de emergência implícitas. A indústria têxtil de Alcoy, a indústria da madeira em Cuenca, o sistema de transporte em Barcelona – estes são alguns exemplos dos muitos coletivos anarquistas que estavam funcionando de forma eficiente por mais de dois anos. * Tem sido demonstrado para além de qualquer possibilidade de negação, os vários méritos ou deméritos do sistema anarcossindicalista, que consegue fazer o trabalho. Uma vez que prevalece sobre toda a vida econômica do país, deve funcionar melhor ainda e fornecer um padrão de vida muito maior do que a realizado sob qualquer forma anterior de organização social.

Eu não pretendo repetir em detalhe as propostas sindicais para a organização da produção e distribuição. O princípio geral tem uma forma clara: cada indústria faz-se em uma federação de autogestão em coletivos, o controle de cada indústria está inteiramente nas mãos dos trabalhadores, de toda a indústria, e estes coletivos administram toda a vida econômica do país. Isso lembra em natureza de um parlamento de indústrias, para ajustar as relações mútuas entre os coletivos diversos e decidir sobre questões gerais de política, mas este Parlamento, em nenhum sentido é um órgão administrativo ou executivo, mas que formará uma espécie de serviço diplomático industrial, ajustando as relações e preservam a paz, mas não possuindo poderes legislativos e não de status privilegiado. Também tende a haver um corpo que corresponda representar os interesses dos consumidores, e para organizar as questões de preço e distribuição, junto aos coletivos.

É certo que haverá todos os tipos de dificuldades de ordem prática a serem superadas, mas o sistema é a própria simplicidade em comparação com o monstro do controle estatal centralizado, que estabelece uma distância tão desumana entre o trabalhador e o administrador que não há espaço de intervenção para mil dificuldades existentes. Depois de fazer da subsistência e não aproveitaria o motivo para a associação e da ajuda mútua, ali tudo para ele disse para o controle local, a iniciativa individual e da igualdade absoluta. Caso contrário, pode ter certeza de que alguma máquina ex deus será controlar as coisas para seu próprio benefício, e talvez colocar uma roda na engrenagem para sua própria satisfação sádica.

O único outro problema prático a considerar nesta fase é o que vou chamar de desigualdade de interpretação do que a administração da justiça. Obviamente, a grande massa de processos cíveis e criminais irá simplesmente desaparecer com o desaparecimento do lucro motivacional, e outros permaneceriam como o ato antinatural de cobiça, raiva e autoindulgência de vontade, em grande medida tratou pelos coletivos, assim como o tribunal de pequenas causas tratam com todos os crimes contra a paz da localidade. Se é verdade que certas tendências perigosas persistirão, estes devem ser mantidos sob controle. “Manter a seleção” é o clichê que nasce primeiro para a mente, mas indica os métodos repressivos da velha moralidade. A palavra mais elegante seria “sublimado”, e por isto queremos dizer à formulação de saídas inofensivas para as energias emocionais que, quando reprimidos, tornam-se mal e antissociais. Os instintos agressivos, por exemplo, são gastos em jogos competitivos de vários tipos, a nação mais divertida é mesmo agora menos agressiva.

O caso todo para descansos anarquismo em uma suposição geral de que faz especulações detalhadas desse tipo completamente desnecessário. A suposição é que o tipo certo de sociedade é um ser orgânico não apenas semelhante a um ser orgânico, mas na verdade estrutura a vida com apetites e digestões, instintos e paixões, a inteligência e a razão. Assim como um indivíduo por um equilíbrio adequado dessas faculdades podem manter-se na saúde, assim que uma comunidade pode viver naturalmente e livremente, sem a doença do crime. Crime é um sintoma de doença social, de pobreza, desigualdade e restrição. * Livrar o corpo social destas doenças e que a sociedade livrar do crime. A menos que você pode acreditar nisso, não como um ideal ou fantasia, mas como uma verdade biológica, pode não ser um anarquista. Mas se você acreditar, você deve logicamente chegar anarquismo. Sua única alternativa é ser um cético e autoritário, uma pessoa que tem tão pouca fé na ordem natural que ele vai tentar fazer do mundo estar de acordo com algum sistema artificial de sua própria invenção.

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Tenho falado pouco sobre a organização real de uma comunidade anarquista, em parte porque eu não tenho nada a acrescentar ao que foi dito por Kropotkin e por sindicalistas contemporâneos como Dubreuil, em parte porque é sempre um erro construir constituições priori. A coisa principal é estabelecer seus princípios – os princípios da igualdade, da liberdade individual, de controle dos trabalhadores. A comunidade, em seguida, visa o estabelecimento destes princípios a partir do ponto de partida das necessidades locais e as condições locais. Que deve ser estabelecida por métodos revolucionários é, talvez, inevitável. Mas, neste contexto, eu gostaria de reviver a distinção feita por Max Stirner entre revolução e insurreição. Revolução “consiste em uma revirada das condições, da condição estabelecida ou status, o Estado ou a sociedade, e é, portanto, um ato político ou social.” Insurreição “tem como consequência inevitável uma transformação das circunstâncias, ainda não começar a partir dele, mas do descontentamento dos homens consigo mesmos, não é uma insurreição armada, mas um aumento dos indivíduos, um levantar-se, sem levar em conta as regras da mola que a partir dele.”

Insurreição “tem como consequência inevitável uma transformação das circunstâncias, ainda não iniciar a partir dele, mas do descontentamento dos homens com eles mesmos, não é uma insurreição armada, mas uma crescente de indivíduos, um levantar-se, sem levar em conta os arranjos mola que a partir dele. “Stirner realizada a distinção mais longe, mas o ponto que eu quero fazer é que há toda a diferença do mundo entre um movimento que visa à troca de instituições políticas, noção do que é o burguês socialista (Fabian) de uma revolução, e uma movimento que tem como objetivo se livrar dessas instituições políticas completamente. Uma insurreição, portanto, é dirigido contra o Estado, enquanto tal, e este objetivo vão determinar nossas táticas. Obviamente, seria um erro para criar o tipo de máquinas que, no final de uma revolução bem sucedida, seria meramente tomada pelos líderes da revolução, que, em seguida, assumir as funções de um governo. Que está fora da frigideira para o fogo. É por esta razão que a derrota do Governo espanhol, lamentável em que ele deixa o poder do Estado nas mãos de ainda mais cruéis, deve ser encarado com uma certa indiferença, pois no processo de defender a sua existência, o Governo espanhol criou, na forma de uma matriz de pé e uma polícia secreta, todos os instrumentos de opressão, e que havia pouca chance de que esses instrumentos teria sido descartado pelo grupo especial de homens que teria sido no controle, se a guerra tinha terminado em uma vitória do Governo.

A arma natural das classes trabalhadoras é a greve, e se me disseram que a greve foi usada e falhou, devo responder que a greve como uma força estratégica está em sua infância. Este poder supremo que está nas boas mãos das classes trabalhadoras e ainda nunca foi usado com inteligência e com coragem. A greve-geral a nossa greve geral de 1926, por exemplo, é uma imbecilidade. O que é necessário é uma disposição de forças em profundidade, de modo que os vastos recursos dos trabalhadores poderão ser organizados em apoio a um ataque em um ponto vital. O Estado é tão vulnerável quanto um ser humano, e pode ser morto pelo corte de uma única artéria. Mas você tem perceber e evitar que os cirurgiões não se apressem em salvar a vítima. Você deve trabalhar secretamente e agir rapidamente: o evento deve se catastrófico. Tirania, seja de uma pessoa ou de uma classe, não pode ser destruída de qualquer outra maneira. Foi o próprio Grande Insurgente, que disse: “Sede prudentes como as serpentes”.

Uma insurreição é necessária pela simples razão de que, quando se chega ao ponto que mesmo o homem de boa vontade, se está no topo, não sacrificará suas vantagens pessoais para o bem geral. No tipo voraz do capitalismo existente no país e na América, tais vantagens pessoais são o resultado de um exercício de baixa astúcia dificilmente compatível com um senso de justiça e são baseados em uma especulação insensível em finanças que não conhece e nem se importa com o ser humano, só com os elementos que estão envolvidos no movimento abstrato de preços de mercado. Durante os últimos 50 anos tem sido evidente para qualquer pessoa com uma mente inquiridora que o sistema capitalista chegou a um estágio de seu desenvolvimento em que só pode continuar sob a cobertura de agressão imperial – em que só pode estender seus mercados atrás de uma barragem de explosivos. Mas a mesma percepção de que – a percepção de que o capitalismo envolve um sacrifício humano para além dos desejos de Moloch – a realização não convence os nossos governantes para humanizar a economia social das nações. Em nenhuma parte – nem mesmo na Rússia – já abandonaram os valores econômicos sobre os quais toda a sociedade desde a Idade Média tentou basear-se em vão. Só foi provado, mais uma vez, que na questão dos valores espirituais, não pode haver compromisso. Medidas paliativas não conseguiram e agora a catástrofe inevitável tem nos sobrecarregado. Quer que a catástrofe seja o paroxismo final de um sistema condenado, deixando o mundo mais escuro e mais desesperado do que nunca, ou se é o prelúdio de uma insurreição espontânea e universal, vai depender de uma apreensão rápida do destino que está sobre nós. A fé na bondade fundamental do homem, humildade na presença de lei natural; razão e ajuda mútua – estas são as qualidades que podem nos salvar. Mas elas devem ser unificadas e vitalizadas por uma paixão insurrecional, uma chama em que todas as virtudes são temperadas e esclarecidas, tornando-se mais eficiente e mais forte.

Referências

  1. Vale a pena observar que está é a medida no Curso no Platão na República, II, 369 e ss.

  2. Vale a pena observar que está é a medida no Curso no Platão na República, II, 369 e ss.

  3. Relacionado a Justiça. No direito romano, é aquele ideal ético que existe, em estado amorfo, na consciência social, e que tende a transformar-se em direito positivo . NT

  4. Direito estabelecido pela razão natural para todos os homens e que era guardado por todos os povos: por isso era o direito observado, em comum, pelo povo romano e pelos demais povos (conhecidos daquele, naturalmente): por isso, também, era que tanto aquele como estes se utilizavam de normas, sejam próprias, sejam comuns a todos os povos e diferente do Jus Civile, ou seja, do direito próprio e exclusivo de cada povo. NT<

  5. Isto é claramente demonstrado por Rudolf Rocker em Nacionalismo e Cultura. (New York, 1937.)

  6. Princípio de igualdade. NT

  7. O termo indica, de maneira geral, os traços característicos de um grupo, do ponto de vista social e cultural, que o diferencia de outros. Seria assim, um valor de identidade social.

  8. Para as relações atuais entre o governo soviético e da Igreja, ver A. Ciliga, O Enigma Russo (Routledge, 1940), p. 160-5.

Ocupação Jardim União: Na zona sul, uma pequena cidade autônoma

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Fonte: Vai dar pé

Na zona sul de São Paulo, a ocupação Jardim da União reúne mais de 800 famílias, conta com educação própria, reciclagem e pode sofrer reintegração de posse a qualquer momento

Por Henrique Santana

Fotos: André Zuccolo

IMG_4922O Jardim da União está há um ano e meio no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. Com 820 famílias distribuídas em quatro quadras, a ocupação se tornou uma pequena cidade autônoma. Com a falta de políticas do Estado, o número de famílias dobrou no decorrer do último ano. Hoje, conta com educação própria, reciclagem e agricultura.

A caminhada das famílias passou por uma violenta reintegração de posse em uma ocupação localizada no Itajaí, também no Grajaú, em setembro de 2013. Sem teto e sem terra, as cerca de 200 famílias que perderam os barracos – destruídos pela Tropa de Choque – passaram a ocupar o terreno do Varginha e fizeram o batismo: Jardim da União.

Mesmo com a função social que exerce, o Jardim da União pode sofrer reintegração de posse a qualquer momento. O terreno, ironicamente, pertence ao CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), empresa do governo estadual responsável pelo desenvolvimento urbano e de habitações populares para pessoas de baixa renda. As autoridades alegam que a ocupação se localiza em área de manancial e, por isso, deve ser desocupada.

Educação é nóis que faz

A creche “Filhos da Luta” foi a mais recente construção dos moradores, realizada em outubro (12) do ano passado e inaugurada no dia das crianças. A tarefa de cuidar dos mais novos é divida entre quatro mulheres, duas fazem o trabalho no turno da manhã e as outras duas à tarde.

Biblioteca pública do Jardim União. Educando na luta

Biblioteca pública do Jardim União. Educando na luta

Aldenira Amarante é conhecida por sua simpatia, o que lhe rendeu o apelido de Sorriso. Chega à creche no segundo período, já que de manhã vai ao Curso de Educação de Jovens e Adultos (Eja). “A creche foi construída com muita dificuldade. Todos os moradores ajudaram com mutirões. A gente tinha 17 crianças, esse ano diminuiu porque algumas foram chamadas para a escola”, conta a cearense, que tem três filhos cursando a faculdade graças às notas obtidas no Enem.

Sorriso diz que gosta de trabalhar com crianças e que, depois da experiência com a creche, pretende cursar pedagogia. Além de frequentar o Eja, Sorriso também vai às aulas de espanhol da ocupação, ministradas por Samuel, boliviano que também ocupa o terreno do CDHU.

IMG_4734Sandra de Moura, uma das coordenadoras da ocupação, ressalta que os moradores realizam trabalhos deixados ao léu pelo governo, como o coletivo de educação. A iniciativa conta com uma escola de futebol, aulas de capoeira e atende não só crianças da ocupação, como também de bairros vizinhos.

O Jardim da União não para por aí. Aulas de alfabetização, jiu-jitsu, cooperativa de costura e dezenas de hortas comunitárias também compõem o leque de iniciativas promovidas pela ocupação. A ideia é que as pautas se expandam em um projeto de educação popular promovido pelos próprios moradores.

É uma tentativa de educação popular. Educar dentro da luta”, afirmou Carolina Moura, pedagoga e militante da Rede Extremo Sul, um ano atrás, quando a ocupação começava a ganhar seus moldes.

Eco-ocupação

Hortas comunitárias no Jardim União

Hortas comunitárias no Jardim União

Apesar de se localizar em área de mananciais, o Jardim da União está a frente de muitos bairros no quesito reciclagem. Lixo na rua não tem. Quando tem a comunidade cobra. “Tem que recolher isso aí. Se não vai entrar cobra na sua casa”, reclama Aricleiton, também coordenador, ao ver algumas caixas de madeira no meio da rua.

Sete pessoas trabalham na reciclagem, dois homens e cinco mulheres. Entre as tarefas, há o recolhimento do lixo e a divisão de materiais que vão ser reciclados. O resto dos moradores também participam do processo, organizando o despejo para facilitar a coleta. As poucas coisas que não servem para reciclagem são levadas para uma caçamba do lado de fora da ocupação e levados pelo caminhão da prefeitura.

Maria Aparecida é mais conhecida na ocupação como Cida, a “manda chuva” da reciclagem, brinca. “Se não fosse nóis aqui dentro, ia tá cheio de lixo. Porque nóis cata o lixo todinho e traz para cá”, conta.

A coleta se dá a cada dois dias, das 8h até às 12h. O dinheiro da venda dos materiais é dividido. Parte dele fica no caixa da ocupação e o resto é distribuído igualmente entre quem trabalha na reciclagem. Em média, os trabalhos rendem R$ 250 para cada envolvido.

Sorriso esbanjando simpatia na ocupação

Sorriso esbanjando simpatia na ocupação

As mercadorias saem da ocupação no caminhão de Bruno, também morador do Jardim da União. Ele não cobra pelo deslocamento e ajuda na venda de reciclados. “Se for pagar caminhão por fora, nóis não ganha nada. Só o deslocamento do material em um carreto custa R$ 40”, explica a “manda chuva”.

IMG_4557Cida morava antes em casa alugada, saiu porque não tinha condição de pagar, assim como muitos dos que vivem na ocupação. “Eu pagava R$ 450 de aluguel, fora água e luz. Com o salário que eu tinha não dava para se manter. Era eu, meu marido, filho pequeno e meu outro filho rapaz.”

A ocupante conta que atualmente sua situação melhorou. O filho mais novo vai para a creche de manhã enquanto a reciclagem funciona a todo vapor. A creche é a grande paixão de João Victor, atualmente com três anos. Aos sábados e domingos, sem os compromissos escolares, ele “chora e esperneia” e Cida tem que levá-lo até a creche para mostrar que está fechada.

Aqui não tem patrão!

A estrutura do Jardim União se diferencia de muitos movimentos de moradia, buscando quebrar as estruturas de hierarquização na luta. Toda quarta-feira, o salão de assembleias ganha vida. Os moradores se reúnem para discutir questões da ocupação e deliberar decisões em conjunto. Não existe pauta fixa, os próprios ocupantes que decidem o que será discutido.

A atual coordenadora, Sandra, pontua que todas as decisões são tomadas em conjunto. “Então, quando eu saio para trabalhar não faz falta, porque tem outra pessoa que pode tocar as tarefas”, comenta.

A ocupação é uma responsabilidade de todo mundo. Um exercício que coloca dificuldades porque é muito mais fácil chegar alguém dizendo que manda. A gente não quer isso”, explica Guto, que também milita na Rede Extremo Sul. O movimento se divide em grupos de coordenadores rotativos, uma forma de todos participarem e entenderem mais a fundo o funcionamento da ocupação.

Mariano está no terreno desde a chegada dos moradores. No passado, trabalhava na roça e hoje cuida de uma bela horta na ocupação. Com um galo embaixo do braço e um pé de couve na outra mão, desabafa: “Na roça eu trabalhava para patrão e nóis aqui não quer ter patrão”.

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A Comuna de Paris segundo Louise Michel

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Por Samanta Colhado Mendes, bacharel e licenciada em Historia pela Universidade
Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp) e mestre em História e Cultura Social pela mesma universidade; é pós-graduanda lato sensu em Revisão de Texto.

Resumo:
O presente trabalho visa entender a Comuna de Paris de 1871, que em 2011 completa 140 anos, sob a perspectiva de seus próprios sujeitos históricos, ou seja, buscamos esgatar a memória desta experiência histórica através das memórias e relatos de seus próprios atores. Para tal, estudamos a anarquista Louise Michel, figura central desse texto, que lutou pela Comuna desde suas raízes, no ano de 1870 com a deflagração da guerra franco-prussiana, até a hecatombe final, em maio de 1871.

Download na fonte: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12537/67007