[Curdistão] 6 Notas sobre a Economia da Revolução de Rojava

Fonte: Passa Palavra5 de fevereiro de 2015, já traduzido por Leo Vinicius a partir do original por Nic Beuret, postado em Novara Wire.

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O programa econômico de Rojava, junto com os outros elementos da revolução, torna-a um experimento em ‘democracia sem estado’ o qual vale a pena apoiar e aprender. Por Nic Beuret

Muito já foi escrito sobre a revolução em Rojava, um território composto por três cantões de maioria curda no norte da Síria, que se tornou famoso pela defesa da cidade de Kobane contra as forças do Estado Islâmico. Após a Síria entrar em guerra civil em 2011, o povo de Rojava, incluindo muitos esquerdistas curdos, tomaram a região e embarcaram num projeto radical que eles chamam de ‘autonomia democrática’. Esse projeto visa criar uma democracia sem o Estado através da criação de conselhos e comunas em vários níveis políticos para governar o território, assim como trabalhar para abolir a polícia. Rojava também é famosa (com justiça) por colocar uma política feminista no centro do projeto político. Implementou sistemas de quota para participação feminina em várias comunas e conselhos, sendo quase tão mencionadas quanto a participação armada das mulheres nas forças de defesa de Rojava. Mas tudo isso raramente é suficiente para alguns segmentos da esquerda – a questão que não cala é, sem dúvida, e as relações de classe e a economia? Afinal, não é realmente #comunismointegral sem a tomada dos meios de produção…

Não muito tem sido escrito especificamente sobre a economia de Rojava, fora alguns poucos relatos de delegações que visitaram a região e entrevistas com representantes. Porém, o que sabemos até agora é que a transformação econômica de Rojava é tão radical quanto o resto do projeto.

rojava11. O estado da economia antes de 2011

As regiões que compõem Rojava foram deliberadamente deixadas no subdesenvolvimento pelo regime Assad e direcionadas para suprir a Síria com matérias primas, incluindo trigo, algodão e petróleo. A região era expressiva como fonte desses produtos, sendo uma das regiões mais férteis da Síria e fonte da maior parte de seu petróleo.

Contudo, embora houvesse vários milhares de poços de petróleo na região, havia poucas fábricas e nenhuma refinaria ou engenho. Cerca de metade da terra era propriedade estatal gerida por pessoas do governo como feudos privados. Após o início da revolução a maioria dessas pessoas e dos capitalistas que havia, fugiram. Os recursos que eles controlavam e que foram deixados para trás foram expropriados pelos conselhos locais.

2. A economia social

A prioridade para os vários níveis do governo de Rojava é implementar o que eles chamam de ‘economia social’ – um sistema econômico construído com base em uma série de cooperativas em todos os setores econômicos. O objetivo inicial é se tornar autossuficiente para satisfazer necessidades básicas como comida e combustível. No momento isso é menos um ideal e mais uma necessidade uma vez que Rojava vive efetivamente sob embargo, sendo muito difícil importar para a região até mesmo os suprimentos mais básicos.

O programa econômico imediato visa criar uma infraestrutura para prover as necessidades vitais. Rações de pão são fornecidas pelas administrações locais a cada família e combustível é distribuído pelas comunas locais. Até agora duas refinarias de petróleo foram construídas assim como uma quantidade de engenhos e de plantas de processamento de laticínios geridos publicamente. Desde 2011 a nova administração tem tomado as terras que antes eram detidas pelos quadros do governo sírio e distribuído muitas delas a cooperativas rurais auto-organizadas.rojava4

3. Dinheiro e comércio

O objetivo final é construir a economia inteira de Rojava sobre a base de cooperativas ou outras pequenas unidades econômicas, juntando-as em uma rede na qual o uso do dinheiro seja minimizado ou eliminado. O que é produzido atualmente é vendido às várias entidades administrativas ou nos mercados locais onde o controle de preços é imposto aos produtos que são considerados ‘essenciais’.

A moeda síria ainda é usada, mas embora empréstimos possam ser feitos, juros não podem ser cobrados. Não há bancos no momento, embora haja um plano de criação de bancos para guardar economias, e o capital privado não será impedido de investir na região uma vez que ele adira aos princípios econômicos mais amplos da região. Muitos dos produtos nos mercados locais são contrabandeados para a região, um comércio que ainda está para ser coletivizado…

4. Educação

Central ao programa econômico é o desenvolvimento do setor educacional, incluindo um sistema acadêmico que oferece uma gama de cursos intensivos. Sob o regime Assad, competências e conhecimentos profissionais eram restritos aos membros do regime. No sistema acadêmico há uma estratégia consciente de desprofissionalização de modo a quebrar a divisão entre profissionais e não-profissionais e prevenir o aparecimento de uma nova classe tecnocrática.

As próprias lições na academia enfatizam fortemente a partilha de experiência entre os alunos de modo a quebrar a hierarquia professor-aluno, e focam a resolução de problemas em vez da aprendizagem por memorização. Fundamentalmente, a participação é uma das principais competências adquiridas nas academias, abrindo os vários conselhos e comunas a um engajamento social mais amplo, que pode não acontecer de outra forma (a participação é uma competência desigualmente distribuída em Rojava da mesma forma como é no Reino Unido).

5. Sindicatos e associações

rojava3Uma vez que grande parte da economia está nas mãos das cooperativas ou nas mãos privadas de indivíduos, os sindicatos e associações são limitados em número. Há, contudo, um número de sindicatos e associações, incluindo vários de agricultores, engenheiros e agrônomos, assim como uma associação de mulheres que se organiza pelos direitos das trabalhadoras, remuneradas e não remuneradas, que cuidam de pessoas.

6. A polícia

Uma associação que não será formada é a de policiais. O plano em Rojava é, ao fim, abolir a polícia, embora como a Asayis (segurança civil) responde aos conselhos locais e não ao Estado (não existente), o termo ‘polícia’ não seja usado. A função da Asayis é garantir a segurança da população e levar as disputas aos conselhos locais onde elas são na maioria das vezes dirimidas através de diálogo. O plano final é garantir que a maioria da população tenha treinamento em autodefesa e resolução de litígios de modo a difundir esses meios e capacidades a todos. O quadro geral é o de uma economia cooperativa onde as necessidades básicas são fornecidas pelas administrações locais ainda que estruturas de mercado ainda existam, embora em formas limitadas. Competências e educação, incluindo aquelas que envolvem autodefesa, estão sendo coletivizadas – com o objetivo de erradicação de hierarquias de conhecimento e de capacidades para violência. O programa econômico de Rojava, junto com os outros elementos da revolução, torna-a um experimento em ‘democracia sem estado’ o qual vale a pena apoiar e aprender.

 

Os anarquistas e a geografia urbana (1): Kropotkin

Fonte: Passa Palavra

Fonte: Passa Palavra

Fonte: Passa Palavra

O espaço urbano do passado e do porvir – como qualquer outro espaço – é, também, fruto de lutas sociais, em especial quando as cidades são o palco principal das lutas pela liberdade. Por Manolo

Embora seja possível traçar seus antecessores em diversos momentos da história, o movimento anarquista, tal como o compreendemos hoje, consolidou-se como expressão de um projeto político apenas nas quatro últimas décadas do século XIX, e a força, presença e relevância deste projeto político inicial influenciaram incontáveis organizações e iniciativas políticas até a década de 1930, quando eventos que culminaram na chegada ao poder político entre 1917 e 1939 de organizações políticas historicamente inimigas do anarquismo – que vão desde comunistas até fascistas, passando por organizações influenciadas pelo liberalismo, pelo conservadorismo, pelo nacionalismo e pelo fundamentalismo religioso – resultaram numa onda de perseguição política aos anarquistas cujo saldo foi o desmantelamento de suas organizações e a destruição de seus arquivos pessoais, além de prisões, exílios e assassinatos.

Somente na década de 1960 o anarquismo retornou com força à cena política, perseguido e marginalizado (WOODCOCK, 2008). Por isto, optou-se neste artigo por chamar o movimento anarquista existente nos setenta anos compreendidos entre as décadas de 1860 e 1930 de primeira onda do anarquismo, para diferenciá-lo da retomada iniciada na década de 1960, cujos efeitos são sentidos até hoje.

Nesta primeira onda do movimento anarquista, houve dois militantes, geógrafos de profissão, que apresentaram versões alternativas e bastante funcionais a muitas das teorias atualmente empregues na compreensão do fenômeno citadino e no planejamento urbano [1]: Elisée Reclus e Piotr Kropotkin. Para ambos, “anarquismo e geografia são uma combinação lógica” (DUNBAR, 1989, p. 78), seja enquanto filosofia política, seja enquanto fundamento epistemológico.

Kropotkin e Reclus veem na livre associação dos indivíduos e na solidariedade duas forças motrizes do desenvolvimento social, econômico, político e geográfico; por isto mesmo, são críticos acerbos de tudo quanto possa obstaculizar estas duas forças: Estado, capital, exploração do homem pelo homem, colonialismo, imperialismo, tirania e autoritarismo são temas constantes de seus ataques.

Por caminhos teóricos ligeiramente diferentes, Kropotkin e Reclus chegam à conclusão de que as cidades são um lugar de encontros e um espaço fértil para atuação política, por terem sido os lugares onde surgiram os embriões da democracia moderna – embora vejam no governo representativo e no Estado, mesmo o mais democrático, entraves à solidariedade e à livre associação dos indivíduos. Por terem sido quase vizinhos em seu exílio suíço (1877-1881), Kropotkin e Reclus influenciaram-se mutuamente, um “polindo” o entendimento do outro através do diálogo: Reclus dando foco mais social e ecológico à geografia física de Kropotkin, e este último conferindo à geografia social e ecológica de Reclus caráter mais comunal e mais atento no fenômeno urbano (WARD, 2010, p. 209-210).

1 Piotr Kropotkin e a revolução urbana na Europa

1.1 Breve biografia

Piotr Kropotkin em 1864

Príncipe da dinastia ruríquida, senhora dos territórios da Rússia e Ucrânia entre 862 e 1610, Piotr Kropotkin (1843-1921) recusou o título aos 12 anos para tornar-se uma das figuras centrais do movimento anarquista no século XIX, e repreendia duramente os amigos que ainda o tratavam como se fosse nobre (BALDWIN, 1970, p. 13).

Quando jovem, na Rússia, esteve envolvido com atividades administrativas, militares e de corte; entre 1866 e 1872 dedicou-se a expedições científicas à Sibéria, tendo em seguida, numa viagem à Suíça, tido contato com o movimento operário, filiando-se à seção genebrina da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).

Por influência de militantes da Federação do Jura suíço, ingressou no movimento anarquista, que não abandonou até sua morte. Voltou à Rússia ainda em 1872, e já em 1874 estava preso na fortaleza de Pedro e Paulo por sua atividade política com o Círculo Tchaikovsky. Tendo escapado das prisões russas em 1876, passou a viver no exílio, entre a França, Suíça e Inglaterra, sempre ativo no movimento anarquista então em pleno vigor.

Voltou à Rússia apenas em 1917 para colaborar com o processo revolucionário, mas a escalada dos bolcheviques ao poder através de um golpe de Estado fê-lo crítico acerbo desta forma de condução de um processo revolucionário – em conformidade com sua longa crítica a qualquer governo, mesmo revolucionário. Morto em 8 de fevereiro de 1921, seu funeral, em 13 de fevereiro, foi o último ato público de anarquistas durante a Revolução Russa; a Cheka, polícia política bolchevique, se encarregaria de aniquilá-los a partir de então.

1.2 As cidades medievais europeias como berço da democracia e do Estado modernos

Não cabe aqui fazer um inventário completo das ideias políticas e Kropotkin quando uma boa introdução ao assunto (WOODCOCK, 2002, pp. 207-250) ainda se encontra em catálogo editorial. Basta mencionar, introdutória e esquematicamente, que para Kropotkin tanto o feudalismo quanto o capitalismo criam escassez artificial e baseiam-se na força bruta e em privilégios; ele propôs um sistema político e econômico descentralizado, baseado no apoio mútuo e na cooperação voluntária, duas tendências que identificou como já presentes na vida social (KROPOTKIN, 2000, 2005, 2009, 2011).

Nuremberg, 1493

Interessam, para os fins deste artigo, sobretudo as ideias de Kropotkin sobre as cidades e sua inter-relação, ainda mais justificadas quando sua obra geográfica não tem sido objeto do mesmo revival que a de seu amigo Élisée Reclus. Será necessário, como pano de fundo desta subseção, criticar duas opiniões. A primeira, mais comum, diz que Kropotkin teria sido fundamentalmente um geógrafo físico. O geógrafo Marcelo Lopes de Souza (2011, p. 10), após breve apresentação desta opinião, está também entre os que a criticam; não obstante a fama de Kropotkin como geógrafo físico ser merecida, por ter sido o primeiro a cartografar certas regiões do norte da Ásia (WARD, 2010, p. 214), ela espraia uma cortina de fumaça sobre sua não menos significante contribuição à geografia social presente em obras como Campos, fábricas e oficinas (KROPOTKIN, 1901) e A conquista do pão (KROPOTKIN, 2011), reconhecida por entusiastas de primeira hora como Lewis Mumford [2]. A segunda opinião, menos difundida, leva em conta a contribuição de Kropotkin à geografia social, mas quanto à questão urbana defende que “sua preocupação com a cidade é mais indireta” (VASCONCELOS, 2012, p. 71); a questão urbana, muito pelo contrário, está no cerne das preocupações de Kropotkin, quer no âmbito historiográfico, quer no âmbito geográfico, quer no âmbito político.

Kropotkin, geógrafo evolucionista e biólogo neolamarckista (ALSINO, 2012), e por isso mesmo muito atento ao desenvolvimento histórico da relação homem-meio, encontrou nas comunasurbanas europeias existentes entre os séculos X a XIV, herdeiras diretas das comunas rurais, tanto um antecessor cronológico das cidades modernas quanto uma base para a reflexão política de sua militância revolucionária.

As comunas urbanas e as primeiras cidades medievais eram, para Kropotkin, um modelo de resistência à tirania. Em várias passagens de sua obra (KROPOTKIN, 1901, 1955, 2000, 2005h, 2009, 2011) mostrou como estas comunas lutaram contra os senhores feudais, sendo em alguns momentos vitoriosas.

Para Kropotkin, as cidades medievais foram formadas por um lento e conflituoso desenvolvimento histórico, impulsionado por um conjunto de fatores em influência recíproca: a federação de vilarejos em prol da defesa comum contra inimigos externos (KROPOTKIN, 2009, p. 128); a restauração da paz interna em situações de desrespeito aos costumes, num embrião de função jurisdicional (idem, p. 120-131); o surgimento e consolidação das guildas e dos mercados (idem, p. ); a consolidação dos direitos fundamentais da posse comum da terra e daautojurisdição, que significava na prática autoadministração e autolegislação (idem, p. 133); e as conjurações, fraternidades e amizades, pactos políticos consolidados em cartas constitucionais, forjados na luta para “sacudir o jugo de seus senhores laicos e clericais” (idem, p. 132). O europeu medieval, para Kropotkin, seria “essencialmente federalista” (KROPOTKIN, 2000, p. 53), “preferia invariavelmente a paz à guerra” (KROPOTKIN, 2009, p. 128).

Representação da cidade livre de Aachen (Alemanha) na Idade Média

Em termos atuais, pode-se dizer que Kropotkin viu na história das cidades europeias medievais o espaço urbano como produto da associação de indivíduos em busca da libertação do jugo feudal e da dominação eclesial: “O principal objetivo da cidade medieval era o de garantir a liberdade, a autoadministração e a paz, e sua principal base, o trabalho” (KROPOTKIN, 2009, p. 142). Não apenas o espaço físico e o desenho urbano [3], como as instituições sociais criadas nestas cidades foram para ele resultados desta luta. A tese das cidades medievais como berço da democracia ocidental só veio a ser retomada – com as nuances hermenêuticas e idiossincráticas peculiares a cada autor – no início do século XX por Max Weber (2002, pp. 955-975) e Henri Pirenne (1927, 1969).

O final deste período de lutas libertárias teria sido determinado por um conjunto de fatores, também em influência recíproca, verificados por Kropotkin entre os séculos XIV e XVI. A partir da iniciativa de senhores feudais que, tendo acumulado mais riquezas que seus circunvizinhos, escolhiam como sede de seu domínio “um grupo de aldeias bem situadas e ainda sem a experiência da vida municipal livre” (KROPOTKIN, 2009, p. 168), surgiram as cidades nobres fortificadas, imitações tortas das cidades livres, às quais estes senhores feudais atraíam companheiros de armas (por distribuição de aldeias), mercadores (por privilégios ao comércio), juristas versados no direito romano e bispos. Estas cidades nobres, em constante conflito com as cidades livres, foram o embrião do Estado absolutista (idem, p. 169).

Soma-se a este fator a mudança da tática política da Igreja: ao invés da recalcitrante tentativa de criação de uma teocracia unificada, “bispos mais inteligentes e ambiciosos passaram a apoiar quem consideravam capazes de reconstituir o poder dos reis de Israel ou dos imperadores de Constantinopla” (idem, p. 169), espraiando-se assim entre os nobres como conselheiros, jurisconsultos e diplomatas.

Os camponeses ainda sob o jugo feudal, ao verem a incapacidade dos habitantes dos burgos para pôr fim às guerras entre cavaleiros, afiançavam sua liberdade agora àqueles nobres mais poderosos (idem, p. 169), cujas famílias – a família Kropotkin inclusive – no futuro seriam as mais poderosas dinastias absolutistas da Europa.

Havia também um fator interno, as “divisões que haviam surgido dentro das próprias cidades” (idem, p. 169): as famílias dos fundadores da cidade disputavam privilégios de comércio com as famílias de habitantes mais recentes; os citadinos, ou burgueses, não faziam questão de proteger as aldeias dos arredores, formadas por camponeses, a quem deixavam frequentemente sob o jugo de senhores feudais; mas para Kropotkin “o erro maior e mais fatal da maioria das cidades foi o de basear sua riqueza no comércio e na indústria, em detrimento da agricultura” (idem, p. 169), o que além de dificultar a integração com as aldeias circunvizinhas, fomentou o colonialismo e, como consequência, guerras coloniais consumidoras das riquezas citadinas [4].

Florença no Renascimento

Ao contrário do que se possa imaginar à primeira leitura, o retorno de Kropotkin às cidades medievais não era uma utopia regressiva, uma idealização do passado proposta como horizonte político, mas sim uma crítica historicista às utopias socialistas do século XIX: “não só as aspirações de nossos radicais modernos já eram realidade na Idade Média, assim como muito do que se chama hoje de utopia era comum naquela época” (KROPOTKIN, 2009, p. 157; HORNER, 1989, p. 142).

1.3 As cidades como palco privilegiado da luta de classes na Europa

A tese geográfico-política kropotkiniana, entretanto, não se encerra aí. As cidades europeias teriam sido palco desde o século XIV de uma luta encarniçada do “povo” contra os burgueses, senhores feudais, aristocratas e reis absolutistas pela defesa de suas liberdades e pelo uso comum da terra. Toda a história das revoluções europeias, para Kropotkin, explica-se por esta chave. A análise da Revolução Francesa feita por Kropotkin é exemplar neste sentido.

Para Kropotkin, a Revolução Francesa foi impulsionada não apenas pelos panfletos iluministas, mas pela decidida ação popular de libertação de obrigações feudais e de retomada de terras das mãos de senhores laicos e religiosos. Desabrochavam no seio das massas ideias “a respeito da descentralização política, do papel preponderante que o povo queria dar às suas municipalidades, às suas seções nas grandes cidades, e às assembleias de aldeia” (KROPOTKIN, 1955, vol. 1, p. 23). Ou ainda: “a revolta dos camponeses para a abolição dos direitos feudais e a reconquista das terras comunais tiradas às comunas aldeãs desde o século XVII pelos senhores laicos e eclesiásticos – eis a própria essência, a base da grande Revolução” (idem, p. 114). Ou então:

Em França, o movimento não foi somente um levante para conquistar a liberdade religiosa ou apenas a liberdade comercial e industrial para o indivíduo, ou ainda para constituir a autonomia municipal nas mãos de alguns burgueses. Foi, sobretudo, uma revolta dos camponeses: um movimento do povo para reentrar na posse da terra e a libertar das obrigações feudais que sobre ela pesavam; e além de haver nisso um poderoso elemento individualista – o desejo de possuir a terra individualmente – havia também o elemento comunista: o direito de toda nação à terra – direito que veremos altamente proclamado pelos pobres em 1793. (idem, pp. 116-117)

Tomada da Bastilha

A luta de classes eclodiu também nas cidades. Na França do século XVIII, a autoridade real demorara duzentos anos para construir uma estrutura institucional capaz de submeter a seu jugo as cidades anteriormente livres; tais instituições – conselhos municipais vitalícios, direitos feudais, síndicos, almotacéis, direitos eclesiais de intervenção nas instituições municipais, isenções tributárias a membros da Igreja Católica e aristocratas etc. – encontravam-se em franca decrepitude às vésperas da Revolução Francesa (idem, pp. 118-120). Assim que a notícia da queda da Bastilha circulou pela província, o povo sublevou-se, apoderando-se dos Paços dos Conselhos e elegendo “uma nova municipalidade”; esta foi a base da revolução comunalista posteriormente sancionada pela Assembleia Constituinte em 1789 e 1790 (idem, p. 121). O “povo”, territorializado a partir dos distritos (arrondissements) de Paris e de outras cidades grandes, “fez a revolução nas localidades, estabelece revolucionariamente uma nova administração municipal, distingue entre os impostos que aceita e os que recusa pagar, e dita o modo de repartição igualitária daqueles que pagaria ao Estado ou à Comuna” (idem, p. 130).

Daí por diante, estabelecido o pano de fundo, a densa análise de Kropotkin, baseada em rigorosa pesquisa documental e arquivística [5], segue a mesma tônica. A Revolução Francesa é analisada em termos territoriais, e especificamente em sua expressão urbana. A luta dos habitantes das cidades contra as instituições feudais ressurgia, desta vez inaugurando na prática ocomunismo.

1.4 As cidades nos processos revolucionários

Mas é na passagem da sociedade capitalista para a sociedade anarquista – ou seja, durante a revolução – que Kropotkin apresenta vislumbres interessantes. Para ele, “a revolução social deve ser feita pela libertação das comunas, e (…) apenas as comunas, absolutamente independentes, libertas da tutela do Estado (…) poderão nos dar o meio necessário à revolução e o meio de realizá-la (…)” (KROPOTKIN, 2005a, p. 91). Pontuou, na esteira de suas análises histórico-geográficas posteriores ao período medieval, que a revolução das comunas não se tratava de simples retorno à comuna medieval, mas sim da construção de uma nova comuna que, devido à ciência e à tecnologia de então, seria “um fato absolutamente novo, situado em novas condições e que, sem dúvida, traria consequências totalmente diferentes” (idem, p. 91), e que “deve destruir o Estado e substituí-lo pela federação” (idem, p. 93). Neste processo, Kropotkin mostra atenção para as relações “cidade-província”, para que as cidades não fiquem desabastecidas (KROPOTKIN, 2011, p. 53). Tal como se verá adiante e com mais detalhe sobre Élisée Reclus, Kropotkin já intuía entre 1880 e 1882 aquilo que só na década de 1930 veio a ser chamado de rede urbana, dando-lhe o nome de federação de comunas e projetando-a no futuro a partir de tendências do presente:

Graças à infinita variedade das necessidades da indústria e do comércio, todos os lugares habitados já possuem vários centros aos quais se ligam, e, à medida que suas necessidades desenvolverem-se, ligar-se-ão a novos centros, que poderão prover às novas necessidades. (…) A comuna sentirá, portanto, necessidade de estabelecer outros contratos de aliança, entrar para outra federação. Membro de um grupo para aquisição de gêneros alimentícios, a comuna deverá tornar-se membro de um segundo grupo para obter outros objetos que lhe serão necessários (…). Tomai um atlas econômico de qualquer país e vereis que não existem fronteiras econômicas; as zonas de produção e de troca de diversos produtos penetram-se mutuamente, confundem-se, superpõem-se. Do mesmo modo, as federações de comunas, se seguissem seu livre desenvolvimento, viriam rápido confundir-se, cruzar-se, superpor-se e formar, assim, uma rede de maneira diversamente compacta, “una e indivisível”, daqueles agrupamentos estatistas, que são apenas justapostos como as varas em feixe em torno da machadinha do lictor. (…) [A] íntima ligação já existe entre as diversas localidades, graças aos centros de gravitação industrial e comercial, graças a um grande número destes centros, graças às incessantes relações (KROPOTKIN, 2005a, pp. 97-98).

A este nível territorial da federação de comunas soma-se outro, ligado aos interesses dos indivíduos, apto a formar “uma comuna de interesses cujos membros estão disseminados em mil cidades e vilarejos” (KROPOTKIN, 2005a, p. 99); trata-se das associações, cooperativas e todas as outras formas de sociedades livremente constituídas para a atividade humana – ou seja, aquilo que, usando um vocabulário contemporâneo, se chamaria sem equívoco de sociedade civil – verdadeira “tendência, o traço distintivo da segunda metade do século XIX” (idem, ibidem) que ocupava “a cada dia novos campos de ação, até aqueles que, outrora, eram considerados como uma atribuição especial do Estado” (idem, ibidem). A convergência entre ascomunas territoriais e as comunas de interesse formava o solo onde a propaganda feita pelas minorias revolucionárias, ao romper com preconceitos políticos arraigados no seio do povo, germinaria em ações revolucionárias cujos fins últimos são a abolição do Estado, dos privilégios e da exploração (KROPOTKIN, 2005 e, 2005f, 2005g).

Casas proletárias na Londres do século XIX

E a questão urbana, mais especificamente a questão da moradia, é um dos pontos, para Kropotkin, por onde pode-se começar a ação revolucionária. Plenamente consciente dos mecanismos de formação da renda fundiária urbana, Kropotkin deslegitimou-a, pois não somente as vantagens locacionais capazes de valorizar imóveis seriam resultado pura e simplesmente de um trabalho coletivo a que o proprietário do imóvel não deu causa e do qual se beneficia, como o próprio imóvel seria resultado de trabalho alheio indevidamente apropriado:

Finalmente – e é aqui sobretudo que a enormidade salta aos olhos – a casa deve o seu valor atual ao rendimento que o proprietário puder tirar dela. Ora, esse rendimento será devido à circunstância de a propriedade estar edificada em uma cidade calçada, iluminada a gás, em comunicação regular com outras cidades e reunindo no deu seio estabelecimentos de indústria, de comércio, de ciência, de arte; ao fato de esta cidade ser ornada de pontes, de cais, de monumentos, de arquitetura, oferecendo aos habitantes muitos confortos e muitos agrados desconhecidos nas aldeias; ao fato de que 20, 30 gerações têm trabalhado para a tornar habitável, saneá-la e embelezá-la.

O valor de uma casa em certos bairros de Paris é 1.000.000, não que nas suas paredes haja 1.000.000 em trabalho, mas porque está em Paris; porque desde séculos, os operários, os artistas, os pensadores, os sábios e os literatos têm contribuído para fazer Paris o que ela é hoje; um centro industrial, comercial, político, artístico e científico; porque tem um passado; porque as suas ruas são conhecidas graças à literatura, na província como no estrangeiro; porque é o produto de um trabalho de 18 séculos, de 50 gerações, de toda a nação francesa.

Quem, pois, tem o direito de se apropriar da mais ínfima parcela desse terreno ou da última das construções, sem cometer uma clamorosa injustiça?

Quem tem o direito de vender, seja a quem for, a menor parcela do patrimônio comum? (KROPOTKIN, 2011, pp 59-60)

Casas proletárias em Paris, 1912

A solução deste problema, para Kropotkin, é o alojamento gratuito, como proposta pós-revolucionária, e a expropriação das casas, como ação revolucionária imediata. Na verdade, Kropotkin não fez nada além de sistematizar e discutir a prática, já existente no século XIX:

Repugna-nos traçar nos seus menores detalhes planos de expropriação. […] Assim, esboçando o método segundo o qual a expropriação e a repartição das riquezas expropriadas “poderiam” fazer-se sem a intervenção do governo, não queremos senão responder aos que declaram a coisa impossível. […] O que somente nos importa é demonstrar que a expropriação “pode” fazer-se pela iniciativa popular e “não pode” fazer-se de outro modo.

É de prever que, desde os primeiros atos de expropriação, surgirão no bairro, na rua ou no agregado de casas, grupos de cidadãos de boa vontade, que virão oferecer os seus serviços para se informarem do número de apartamentos vazios, dos apartamentos atulhados de famílias numerosas, dos alojamentos insalubres e das casas que, demasiado espaçosas para os seus ocupantes, poderiam ser ocupadas por aqueles que não têm ar em seus casebres. Em alguns dias, esses voluntários espalharão pela rua, pelo bairro, listas completas de todos os apartamentos, salubres e insalubres, estreitos e largos, alojamentos infectos e moradias suntuosas.

Comunicarão livremente entre si as suas listas e em poucos dias terão estatísticas completas. […]

Então, sem esperar coisa alguma de ninguém, esses cidadãos irão provavelmente encontrar os seus camaradas que habitam espeluncas e lhes dirão muito simplesmente: “Desta vez, camaradas, é a Revolução a valer. Venham esta tarde a tal lugar. Todo o bairro lá estará, repartiremos os apartamentos de cinco peças que estão disponíveis. E logo que estiverdes “em casa”, será negócio feito. O povo armado responderá a quem quiser desalojar-nos. (KROPOTKIN, 2011, pp. 61-62)

De um só golpe, Kropotkin antecipou em quase cem anos – o texto é de 1892 – conceitos criados no contexto do movimento de reforma urbana, como o défice habitacional quantitativo e qualitativo, a retenção especulativa de imóveis, a discussão sobre a destinação dos imóveis vazios, a ocupação de imóveis cujos proprietários não lhes dão função social e o método de ação dos movimentos de luta por moradia. Não estamos tão longe dele quanto se poderia supor. Kropotkin influenciou diretamente, por exemplo, a campanha de ocupação de bases militares para moradia na Inglaterra, em 1946, e as ideias de John Turner sobre a autoconstrução em Lima (Peru) (WARD, 1996, pp. 67-73).

1.5 Um balanço

Como se vê, o pensamento político de Kropotkin não lida com conceitos e categorias abstratas ou idealizadas; enraíza-os num meio geográfico, territorializa-os. A relação homem-meio, sociedade-natureza, é vista por Kropotkin como um todo unitário, pleno de relações biunívocas e complexas.

O espaço, em Kropotkin, é produto também do desenvolvimento histórico, e a História se desenvolve no espaço. O espaço urbano do passado e do porvir – como qualquer outro espaço – é, também, fruto de lutas sociais, em especial quando as cidades são o palco principal das lutas pela liberdade.

Por isso, a questão urbana, em Kropotkin, pode ser vista como o conjunto dos fatores que obstaculizam o pleno desenvolvimento dos indivíduos e sua livre organização nas cidades, fatores estes que variam em cada momento histórico; o conhecimento destes fatores só pode se dar através da pesquisa histórica da produção e do uso do espaço de cada cidade e das lutas em torno desta produção e deste uso, na tentativa de produzir sínteses orientadoras da ação política.

Leia aqui a segunda parte deste artigo.

Notas

[1] Não por acaso Patrick Geddes, um dos fundadores do planejamento regional e urbano modernos, foi amigo e discípulo dos dois (DUNBAR, 1989, pp. 89-90; HALL, 2007, pp. 161-170).

[2] Lewis Mumford considerava Piotr Kropotkin “inteligência sociológica e econômica de primeira ordem, baseada na competência especializada […] como geógrafo, e na sua generosa paixão social como líder do anarquismo comunista” (MUMFORD, 1998, p. 658). Fez comentários entusiásticos a dois livros de Piotr Kropotkin em sua obra A cidade na história: sobre Campos, fábricas e oficinas, disse ser “recomendado especialmente a todos os que se interessam em planejar para áreas não-desenvolvidas” (idem, ibidem); sobre O apoio mútuo, disse ser “obra pioneira sobre a simbiose na sociologia; uma das primeiras tentativas para reformar a unilateral ênfase darwiniana nos aspectos mais predatórios da vida. Note-se o capítulo sobre Ajuda Mútua na Cidade Medieval” (idem, ibidem).

[3] “Geralmente a cidade era dividida em quatro partes, ou em cinco a sete setores que se irradiavam de um centro, e cada um deles correspondia mais ou menos a um certo comércio ou ofício que nele prevalecia, mas continha habitantes de diferentes posições sociais e ocupações – nobres, comerciantes, artesãos ou mesmo semisservos. Cada setor ou parte constituía um aglomerado bem independente. […] Portanto, a cidade medieval é uma dupla federação: de todos os domicílios unidos em pequenas associações territoriais – a rua, a paróquia, o setor – e de indivíduos ligados por juramento em corporações de ofício. A primeira foi resultante da origem na comunidade aldeã e a segunda, uma ramificação subsequente gerada por novas condições” (KROPOTKIN, 2009, p. 142).

[4] “Colônias foram fundadas pelos italianos no sudeste, pelas cidades alemãs no leste, pelas eslavas no extremo nordeste. Passaram a existir exércitos mercenários para as guerras coloniais, e logo também para a defesa local” (KROPOTKIN, 2009, p. 170).

[5] Num artigo escrito entre 1880 e 1882, Kropotkin explicitou o método que resultou na obra A grande revolução: “Quanto às insurreições, que precederam a revolução e sucederam-se durante o primeiro ano, o pouco que posso dizer disso, neste espaço restrito, é o resultado de um trabalho de conjunto, que realizei em 1877 e 1878, no Museu Britânico e na Biblioteca Nacional [da França], trabalho que ainda não terminei, e no qual me propunha expor as origens da revolução e de outros movimentos na Europa. Aqueles que quiserem lançar-se neste estudo deverão consultar (além das obras conhecidas […]) as memórias e as histórias locais […]. Entretanto, não devem contar com o fato de poder reconstituir, só com estes documentos, uma história completa das insurreições, que precederam a revolução. Para fazê-lo, só há um meio: dirigir-se aos arquivos, onde, apesar da destruição dos documentos feudais, ordenada pela Convenção, acabar-se-á, com certeza, por encontrar fatos muito importantes” (KROPOTKIN, 2005f, nota 27).

Referências bibliográficas

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_____________. “A lei e a autoridade”. In: _____________. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2005d, pp. 163-184.

_____________. “As minorias revolucionárias” In: _____________. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2005e, pp.

_____________. “O espírito de revolta”. In: _____________. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2005f, pp. 205-223.

_____________. “O governo representativo” In: _____________. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2005g, pp. 133-162.

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Não se intimidar, não desmobilizar! Toda nossa solidariedade ao companheiro Vicente!

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Fonte: FAG – Federação Anarquista Gaúcha

Janeiro de 2015, às vésperas da retomada das lutas contra o aumento das passagens e em defesa de um transporte 100% púbico em Porto Alegre, recebemos a notícia da sentença dada ao companheiro Vicente, militante da FAG e lutador social do Bloco de Luta pelo Transporte Público de Porto Alegre. Vicente está sendo condenado a um ano e meio de prisão por dano ao patrimônio público e crime ambiental, “crimes” que teria cometido em Abril de 2013 durante uma manifestação do Bloco de Luta em frente a Prefeitura de Porto Alegre. Trata-se da primeira condenação em Porto Alegre e para nós uma clara tentativa de intimidar e colocar medo no conjunto de lutadores e organizações que estão rearticulando as lutas nesse início de 2015. Um expediente político e histórico utilizado pelos setores dominantes de nossa cidade e de todo o mundo: o encarceramento dos que se levantam. Não nos desmobilizaremos e a nossa solidariedade será militante e nas ruas!!!

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E a criminalização continua…

O fato de a condenação nos ter sido comunicada apenas uma semana antes do primeiro protesto do ano do Bloco de Lutas pelo Transporte Público é tudo menos uma obra do acaso ou de um processo regular do poder judiciário. Inicia-se o ano e ao mesmo tempo se começa a mexer nos processos que estavam tramitando desde 2013: adicionando nomes à alguns, novos crimes à outros. O processo neste contexto busca ter o mesmo efeito de uma bala de borracha ou de uma bomba de efeito moral: uma tentativa de intimidar e freiar as lutas nas ruas que ousam questionar os lucros dos empresários e os conchavos já evidente das empresas com os poderes públicos.

A situação está longe de ser apenas uma situação local: quem achou que a conjuntura de criminalização havia se esgotado em virtude do descenso das mobilizações de rua após a Copa do Mundo em 2014, a recente movimentação dos governos e dos aparelhos repressivos indicam o contrário. Em São Paulo, Rio de Janeiro e uma série de outras cidades no Brasil que iniciaram o ano com mobilizações contra o aumento das tarifas de ônibus a repressão tem usado dos mesmos expedientes contra os manifestantes: gás lacrimogênio, bala de borracha e detenções arbitrárias. O carioca Rafael Braga Vieira, que era até então o único condenado dos protestos de junho de 2013 continua preso e em Porto Alegre os processos voltam a ser movidos, novos nomes são inseridos e agora a primeira sentença é dada, sem prova alguma. É a velha justiça burguesa tomando lado em uma luta entre opressores e oprimidos que está longe de acabar.

Contudo, a luta e organização dos de baixo não começou hoje e também continuará. Mobilizam-se os jovens, os trabalhadores, os sem tetos e as comunidades de periferia. As mobilizações de rua de 2013 abriram novas possibilidades na gestação de experiências organizativas e de luta que o conjunto da esquerda combativa e anti capitalista precisa ajudar a fomentar e impulsionar, descartando as velhas práticas vanguardistas, sectárias e impositivas que infelizmente ainda permeiam discursos e práticas de muitas organizações. Acreditamos que só assim podemos criar força social que desde baixo vá gestando mecanismos de auto-organização e cravando em seu horizonte a necessidade de transformação social do conjunto da sociedade. Uma verdadeira frente de oprimidas e oprimidos solidária a todo e qualquer companheiro preso, torturado, assassinado e desaparecido.

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2015: avançar em organização, cercar ainda mais de solidariedade @s que lutam!

A seletividade do sistema penal também se torna evidente neste caso. Ao longo desse processo que começa com mais de uma dezena de acusados pelos danos realizados em uma manifestação com mais de mil pessoas, vimos arquivarem um a um todos os suspeitos, responsabilizarem o único rapaz negro de ideologia anarquista que estava entre os acusados e agora incluírem outro militante negro do Pstu. Sabemos que o motivo central dessa condenação é de ordem político-ideológica mas não podemos omitir o fato de que a cor negra dos acusados tem um peso importante.

Os últimos processos tiveram como destaque a criminalização contra os coletivos e movimentos anarquistas. Em 2013, tivemos os nossos espaços públicos invadidos e nossos livros recolhidos, passando por pesados processos de inquéritos onde o que era avaliado era nossa posição em relação a temas como autoridade, governo, forças policiais e outros assuntos caros à ideologia anarquista. Panfletos, cartazes e literatura foram anexadas nos processos, como se fossem provas circunstanciais que mostrassem algum papel de mentor intelectual da nossa ideologia nas depredações ou saques realizados nas manifestações de 2013, que contavam com mais de 50 mil pessoas em Porto Alegre.

O companheiro Vicente, assim como os demais militantes e lutadores de outras organizações, coletivos e ideologias, não foi o primeiro e não será o último jovem negro e anarquista a ser condenado nesse Brasil racista. São milhares de homens e mulheres negros/as e pobres exterminados e condenados diariamente pelas polícias militares e pela justiça burguesa e racista. É a elas e eles que nossa solidariedade militante é direcionada e será junto de cada trabalhador/a que cerraremos nossos punhos. Não nos intimidaremos e em cada marcha de rua, piquete, greve, ocupação estaremos ombro a ombro com todos e todas que lutam!

Solidariedade à todos e todas companheiros e companheiras perseguidos por lutar!

Pelo fim da polícia militar!

Nossa ideologia anarquista não se presta a caricaturas!!!

Federação Anarquista Gaúcha – FAG

[Chile] O passado é nossa ofensiva: 1920 e uma sabotagem estatal contra os anarquistas

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Fonte: Portal Libertário OACA

É difícil de acreditar, para quem não é afim às idéias anarquistas, que o estado sabota estes e outros protestos. Existe, além disso, uma tendência majoritária a assimilar tudo o que é dito na imprensa de massa; imprensa que, advertimos nós, na maioria das vezes ou ignoram os fatos ou bem discreto e mansamente os distorcem. Em último caso, a farsa policial e a tergiversação das notícias são questões do passado, da ditadura de Pinochet.

Mas sabotagens existem. É uma ingenuidade acreditar que olhar para o passado tirará da prisão nossos companheiros, mas nós opinamos que fatos extraídos dele podem ser ferramentas para enfrentar os desafios do hoje. E é como dizem por aí: a história não se repete, mas rima. Viajaremos brevemente ao ano 1920 e nos deteremos em uma das sabotagens feitas contra os anarquistas. Os atores e o contexto mudaram bastante, mas não a confrontação que motivou esses episódios e as farsas levantadas pelo Estado e pela imprensa de massas para acabar com os antiautoritários. Conste que não se trata de limpar a barra dos anarquistas e tratá-los como pombinhas brancas, mas as ações se assumem, as mentiras não.

Os anos 20

1920 foi um ano agitado na região chilena. Antes de tudo, se achava em seu ápice o período que se identifica comumente como o de “a questão social”, uma época de transição de economias tradicionais a economias de mercado, cujos traços mais visíveis e recorrentes na hora de falar daquele tempo são os conventozinhos, as mortes prematuras, o desemprego, a falta de proteção laboral, as jornadas de trabalho excessivas (até 16 horas), o salário em fichas em vez de dinheiro etc. Entre 1917 e 1921 se deu um contexto de manifesta agitação social, particularmente por causa de um novo ciclo de crise salitreira, assim como também pelo encarecimento dos bens de primeira necessidade. Pelo segundo houve manifestações de dimensões desconhecidas até então, posto que não só os setores “ideologizados” se somaram aos protesto, mas também pessoas sem inclinação política e parte da classe média emergente.

Por outro lado, em julho de 1920 se elegeu presidente o burguês Arturo Alessandri, o primeiro candidato que fez campanha nas praças e estações, entusiasmando as multidões e sobretudo os setores populares. Era a esperança para os que o seguiram, uma ameaça para a oligarquia explícita no poder, e uma farsa para comunistas e anarquistas, embora não tenham faltado alguns indivíduos desses setores que pegaram carona na carruagem da vitória.

Por último, a princípios desse ano se reanimaram os ressentimentos nacionalistas contra o Peru (e vice-versa) por Tacna e Arica, províncias originalmente peruanas, mas que depois da Guerra de 79 ficaram sob controle chileno. E de fato, em julho desse ano se mobilizaram 15 mil reservistas à fronteira norte para fazer frente a um suposto complô de Bolívia e Peru contra Chile.

Estes três elementos constituem, a nosso ver, os traços mínimos para conseguir entender o contexto no qual se desenvolveram os fatos que referiremos.

Os anarquistas

Os anarquistas, então, marcavam presença em quase todos os grêmios, sendo particularmente influentes entre os zapatistas, trabalhadores de tipografias, carpinteiros, padeiros, e nos trabalhos de porto como estivardores (carregadores) e lancheiros. Em dezembro de 1919 tinham constituído a seção chilena dos Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW). Esta central, que na região chilena se identificou com o anarcossindicalismo, aglutinou a vários grêmios (embora não todos aqueles com preponderância anarquista); além disso, teve uniões locais em várias localidades, desde Iquique até Corral. Paralelo a isso os ácratas possuíam diversas formas de expressão cultural, se destacando sua produtividade em meios de propaganda escrita. Havia jornais em quase todo o território e cada um estava conectado com a maioria dos meios ligados a outros pontos e ao estrangeiro. O Surco em Iquique, Mar y Tierra e La Batalla em Valparaíso, Acción Directa e Verba Roja em Santiago, eram os mais conhecidos.

O processo contra os subversivos e a sabotagem dos anos 20.

Em julho de 1920 se decretou a mobilização dos reservistas à fronteira norte, como já indicamos mais acima, para enfrentar um suposto complô por parte de Peru e Bolívia. Várias organizações sindicais revolucionárias, assim como os estudantes da FECH, não se responderam ao chamado belicista apelando ao internacionalismo. Eram inimigos da guerra. Por causa disso o local dos estudantes foi atacado em plena luz do dia por uma turba de nacionalistas (“mauricinhos e maltrapilhos”) no dia 20 de Julho; por sua vez, o local da Federação Operária de Magallanes em Punta Arenas foi queimado com gente dentro pelas ligas patrióticas e pelas autoridades locais. Estes e outros similares episódios se aglutinam no que se conhece como “A Guerra de Don Ladislao”, nome que faz referência ao ministro de Guerra do momento, Ladislao Errazuriz.

No dia 21 de julho começou a perseguição aos libertários abarcando vários locais da IWW. Nas operações levadas à frente em Valparaíso, a polícia “encontrou” cartuchos de dinamite na seção local da organização. No outro dia e em Santiago se estabeleceu um processo contra a IWW por associação ilícita e terrorista, investigação que se fez extensiva para os demais anarquistas crioulos. Era o processo contra os subversivos (1). Os sindicalistas foram presos.

Imediatamente a imprensa de massas deu a voz de alarme, apontando que a IWW era uma organização terrorista paga pelo ouro peruano para semear o caos no Chile. Tinha que se castigar os anti-patriotas. Os prisioneiros foram tratados de forma brutal, exemplifica aquilo o fato de que dois ficaram loucos em suas celas, o operário Isidro Vidal e o poeta José Domingo Gómez Rojas. Este último morreria em pleno processo no dia 29 de setembro. Com seus companheiros presos, os que ficaram livres se deram à tarefa de construir a resistência. Clandestinamente saíram à luz Mar y Tierra e Acción Directa. Outros reorganizaram os “comitês pró presos por questões sociais”, coletivos que coordenavam atividades para reunir ajuda para os encarcerados. Também houve greves solidárias em Chile e gestos similares no estrangeiro. Em Valparaíso, por exemplo, se decretou greve geral no dia 17 de janeiro de 1921 para tirar da prisão Juan Onofre Chamorro, secretário da IWW no porto. E nos Estados Unidos, wobblies (integrantes dos IWW) empregados de hotéis, se negaram a atender a qualquer “burguês chileno”. A repressão repercutiu na proliferação de expressões de solidariedade. A imprensa de massas explorou o patriotismo chileno e durante meses assegurou abertamente as inclinações terroristas e “peruanas” dos IWW.

Mas todo o processo contra os subversivos se reduziu a nada quando se “descobriu” que tudo havia sido uma sabotagem. A dinamite de Valparaíso tinha sido posta por dois deliquentes a mandos de Enrique Caballero, capitão da polícia daquele porto. Como acontece nesses casos, não houve condenação para esse funcionário do Estado e a imprensa não retificou suas difamações infundadas. E como se “descobriu” além disso que tampouco trabalhavam para o Governo peruano, os anarquistas foram absolvidos por completo. A vida de Gómez Rojas, a saúde de Vidal, os meses de prisão para dezenas de sindicalistas, as imprensas destruídas, as famílias sem sustento, os gastos de defesa, tudo isso e mais, ninguém o devolveria. Era, talvez, o preço de serem coerentemente anarquistas.

Continuidades, mudanças e urgências abertas

Há continuidades e diferenças que é preciso remarcar para que esta história se torne útil hoje. Entre as primeiras temos a repressão estatal, o cerco midiático com as mentiras elaboradas pela imprensa de massas, a sabotagem policial mediante a qual se põe em locais anarquistas explosivos para depois processá-los. Há continuidade também na prisão e incomunicação dos companheiros, e afortunadamente, no desejo de criar instâncias de denúncia e solidariedade para com os presos.

Mas onde mais devemos pensar é nas diferenças. A mais visível e importante, talvez, está na capacidade de pressão com a qual contamos para liberar os presos. Hoje os mesmos não contam com o respaldo de organizações trabalhistas que com o uso da greve possam acelerar sua liberdade, como outrora ocorreu em não poucas ocasiões. Embora, em todo caso, o sindicalismo atual – burocrático – só faz greves econômicas para beneficiar seus grêmios, o qual em si não é mau se se trata de arrebatar migalhas das riquezas patronais, mas já não se mobilizam por causas que não lhes afetem diretamente.

Que fazer, como encurtar o tempo atrás das grades dos presos políticos em geral? É verdade, contamos com a imaginação, com os braços de vários companheiros, com páginas web e jornais, com cartazes, faixas, com assessores legais afins, com atividades para arrecadar fundos; mas não temos capacidade de pressão na rua, não temos convocatória, somos poucos. Apesar de que ser maioria não garante nada, nem sequer a liberdade, creio que devemos ter em conta esta transcendente realidade, este problema, na hora de brigar por nossos presos. Enérgica arma usam as pessoas que decidiram acudir à greve de fome, nossa tarefa é quebrar o cerco midiático para dá-la a conhecer. Mas devemos tentar imaginar novas e melhores formas para libertar os companheiros e sobretudo para constituirmos uma ameaça de verdade e não só o fantasma da mesma. Porque sabemos que somos muito mais do que vende a imprensa, e muito menos do que ela faz crer que há. O Estado e a imprensa seguirão sabotando, e a cada dia se aperfeiçoarão mais ainda. Nós não podemos continuar na defensiva e apenas “denunciando”, sabemos como agem, suicídio seria esperar e sempre aplicar as mesmas ações. É preciso imaginar, criar, é preciso experimentar.

*Citações

(1). Em dezembro de 1918 foi aprovada no Chile a Lei da Residência, que dava poder às autoridades para expulsar do país qualquer estrangeiro que sustentasse publicamente valores contrários à nação. Os anarquistas, com certeza, estavam nessa categoria.

Referências

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Víctor Muñoz, Armando Triviño: wobblie. Hombres, problemas e ideas del anarquismo en los años veinte, Quimantú, 2009

Escrito por Manuel de la Tierra | Análisis – Histórico.
Publicado en El Surco, nº19, Septiembre 2010

Fuente: https://periodicoelamanecer.wordpress.com/2012/11/25/el-pasado-es-nuestra-ofensiva-1920-y-un-montaje-estatal-contra-los-anarquistas/

Curdistão: DAF fala sobre Solidariedade e Rojava

“Uma entrevista com um militante do DAF sobre a solidariedade pelo processo social em Rojava”

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FONTE: Resistência Curda

A versão original em inglês foi concluída em 09 de janeiro de 2015. 

Entrevista realizada por Bruno Lima Rocha, originalmente publicada em inglês no site Estratégia e Análise.

Introdução: Desde que começou o cerco à Kobanê tenho dedicado várias horas por semana a entender e divulgar o máximo possível sobre essa revolução social iniciada numa combinação de Confederalismo Democrático e a Guerra Civil Síria. Enquanto militante, eu sempre estive envolvido com solidariedade internacional. Enquanto descendente árabe, eu sempre tentei procurar uma força de esquerda que combinasse ação direta e democracia interna. Enquanto acadêmico e professor de Geopolítica estudando a região por mais de 25 anos, Rojava é um sonho que se tornou realidade. Aqui eu começo a primeira de algumas entrevistas com organizações com real experiência nesse processo e na região. Nesta estou conversando com o Devrimci Anarşist Faaliyet (DAF, ou Ação Revolucionária Anarquista). Eles têm sido bem ativos nessa ação e entendem em detalhes todo o processo Curdo, tanto em Rojava quanto no interior das fronteiras do Estado Turco.

E&A- É possível entender o PKK (Partiya Karkerên Kurdistani, Partido Popular do Curdistão) como uma força político-militar remodelada pelo pensamento de seu líder histórico (e sentenciado a prisão perpétua) sendo transferida organicamente para toda a organização? Ainda, temos duas perguntas em sequência: Você pode imaginar a reprodução dessas ideias além de um culto à personalidade ao redor da imagem de Abdullah Ocalan (Apo)? E, seria possível universalizar as propostas do PKK-KCK (Koma Civakên Kurdistan, Grupo de Comunidades do Curdistão) além dos assuntos nacionais dos Curdos que ainda não foram resolvidos?

DAF- Nós temos de ver o assunto enquanto Movimento de Liberdade Curda. O PKK é uma organização do povo Curdo que vem lutando não apenas por 30 anos, mas centenas de anos. Especialmente após os anos 2000 o partido mudou sua ideologia, estratégia e característica. Assim, os críticos do movimento tem mesmo o mesmo vício de tomar o PKK como sendo o mesmo partido das décadas de 80 e 90. Apenas para lembrar, o PKK clamou pela liberdade não apenas para o povo Curdo, mas pela liberdade para todos os povos oprimidos no Oriente Médio. Pense sobre Rojava, PYD (Democratic Union Party, in Kurdish: Partiya Yekîtiya Demokrat), tem lutado não apenas pelos Curdos, mas pelos Ezidis, Turcomanos, Xiitas, Alauítas os quais o Daesh (ISIS, ISIL, EI, Estado Islâmico) quer destruir.

E&A- É observável um problema estratégico para a revolução de Rojava. Eu explico: a fronteira viva e aquela que é possível ser usada como santuário está com o KRG (Governo Regional Curdo no Iraque), mesmo o epicentro da guerra estando em Kobanê. É observável que se não houver reforços dos peshmerges (forças profissionais do KRG), provavelmente a coalizão anti-ISIS liderada pelos EUA não bombardeará a posição dos jihadistas. Logo, a aliança entre PKK-PYD e o KDP (Partido Democrático do Curdistão, Partîya Demokrata Kurdistanê, ou PDK) e sua coalizão com Massoud Barzani a frente do gabinete do KRG poderia implicar numa inevitável aproximação com o Ocidente? É possível sobreviver enquanto processo revolucionário dependendo militarmente e fisicamente do KRG e do Ocidente?

DAF- Temos que ver o papel dos peshmerges. Faz quase um mês e meio que eles não fazem nada por Rojava. Quando o YPG (Unidades de Proteção Popular, em Curdo: Yekîeyên Parastina Gel) e YPJ (Unidades de Proteção das Mulheres, em curdo: Yekîeyên Parastina Jinê), as organizações de auto-defesa do povo de Rojava tomou o controle de 60% de Kobanê, as forças de Barzani decidiram vir ajudar. É óbvio que essa foi uma ação estratégica de Barzani. Barzani declarou que como se não houvesse a Revolução de Rojava dois anos antes e temos que ver isso, EUA e outros países ocidentais não apoiam a resistência de Kobanê. Após a Revolução de Rojava não aceitaram a existência política do PYD ou dos cantões de Rojava. Assim, a melhor solução para eles é Barzani que não tem problemas com política capitalistas ou estatistas. Ainda, o KDP de Barzani é o partido irmão do AKP de Recep Erdogan (Partido do Desenvolvimento e Justiça, em turco: Adalet ve Kalkinma Partisi). Nestas circunstâncias, o povo em Rojava precisa de qualquer tipo de apoio. Isto não significa que ele pode receber ajuda de qualquer poder capitalista e estatista. Mas é como o YPG-YPJ lutando contra o EI, a Frente Al-Nusrat (uma afiliada do grupo Al-Qaeda)…, mas também lutando estrategicamente contra a Turquia, a Síria de Esad (Bashir Al Assad), o Curdistão de Barzani e todos os poderes capitalistas.

E&A- Ainda, em termos de estratégia, ao que tudo indica, o governo da Turquia tem favorecido as linhas de suprimentos deixando o EI se fortalecer dentro do território sob controle do exército turco. Aparentemente, isto é causado pelo cálculo realista de Ankara e o governo do AKP, considerando ser menos perigosa uma proposta de “califado” – ou o retorno do Ummah – comparado à ideia do separatismo Curdo, ou mesmo autonomia política de Rojava dentro do fracassado Estado da Síria? Pela posição turca, como avaliar a disputa entre os outros Estados operando através de sunitas jihadista, como Arábia Saudita e Qatar?

DAF- Na mídia hegemônica, é difícil achar notícias sobre o apoio Turco ao Estado islâmico. Não é apenas apoio por armamentos, ou sua posição neutra. Como você declarou, existe uma óbvia logística de apoio de países sunitas ao EI, mas o aquilo que nunca podemos esquecer são as relações escondidas entre o EI e poderes capitalistas ocidentais. A cena é clara de que um grupo terrorista islâmico tem fortalecido a mão dos EUA, especialmente no Oriente Médio.

E&A- Entrando no assunto da guerra civil Síria, o que pode ser visto hoje é uma guerra crescente entre Sunitas e Xiitas, e junto disto, entre o EI (e antes a Frente Al-Nusra) e a tentiva de conquista de Kobanê. Considerando essa realidade, qual seria o papel do Exército Livre da Síria hoje (FSA)? Esta força ainda possui algum poder de proteção – como o Qatar – ou caiu para uma condição de aliado secundário do YPG? Nós podemos considerar o Qatar o maior patrocinador do FSA? E, talvez esta seja a razão, ao passo que ambos o FSA e o YPG são contrários ao regime de Assad, Damascus e seus aliados (financiadores) preferiram liberar a área de Aleppo e Raqqa para operações do EI, permitindo que os sunitas jihadistas avançassem sobre Rojava?

DAF- Como declaramos antes, algumas das ações estratégicas contra o EI com o FSA não representam a real visão política do PYD. Então, este tipo de cooperação é o resultado das circunstâncias na Síria e em Rojava. A cooperação entre as organizações e grupos não deveria ser tomada como resultados das reais políticas das organizações e grupos. A guerra em Rojava, ainda mais continua na Síria, então é difícil para nós determinar os aliados. Esta longe da solidariedade dos revolucionários pela Resistência de Kobanê e pela Revolução de Rojava.

E&A- Eu entendo, mesmo de um relance à distância, que para os Estados da Turquia, Síria (o que restou dela) e do Irã, um Curdistão a oeste com autonomia política e uma sociedade trabalhando sobre bases igualitária e secular implica num problema insolúvel. Não seria a proposta do PYD não separar-se formalmente da Síria, mas obter o status de uma Federação política autônoma na Síria, assim como um futuro reajuste com o Iraque e com o governo de Irbil (Capital do KRG)? A Turquia toleraria tal estatuto, mesmo possuindo o segundo maior exército da OTAN e o de maior contingente num Estado de grande população islâmica? Se o Curdistão Turco recebe tal status, o que preveniria uma Confederação com o Curdistão Sírio? E, dessa forma, qual seria a reação do KRG e da coalizão de direita e partidos Curdos pró-Ocidente, como o KDP? 

DAF- Estes cenários estão sendo discutindo ao passo que a guerra na Síria acabou. É difícil estimar como essas guerras irão modelar o Oriente Médio. Rojava declarou a liberdade de seus três cantões há 2 anos e meio atrás sem se importar com qual seriam as reações de Esad (Bashir al Assad), Erdogan ou Barzani. Todos os três declararam que não reconheciam o auto-governo dos cantões de Rojava. Ainda, eles insistem em não falar sobre a existência política de Rojava. Camarada, nós precisamos ver que durante estes dois anos os Estados em torno de Rojava mudaram suas políticas em suas regiões com a decisiva luta do povo livre de Rojava. Eles tentam encontrar meios de controlar a liberdade de Rojava. O cenário principal é de que Rojava será uma federação parte da Síria de Esad. Mas de qual Síria estamos falando, qual será o poder de Esad na Síria ou se haverá um Esad para liderar a Síria? O segundo cenário é de que Rojava fará parte do Curdistão de Barzani. O que seria o objetivo de Barzani, mas os princípios que sustentam Kobanê contra o EI não só assustam o EI como também Barzani. Porque a Revolução de Rojava se autodeclarou uma revolução centrada no anticapitalismo, no antiestatismo, nas mulheres e no meio ambiente.

E&A- Seria interessante para o KRG que Washington deixasse de considerar o PKK-HPG (Força de Defesa Popular, em curdo: Hezen Parastina Gel) como uma força terrorista? Isto permitiria uma requisição da liberdade de Ocalan, reforçando a liderança dessa força política? 

DAF- Este é um assunto político constante na Turquia. A Resistência de Kobanê e a Revolução de Rojava não fortaleceu apenas a posição dos Curdos que vivem em Rojava, mas também na Turquia, Irã e Iraque. Então, esta ocasião tem alguns resultados políticos, sociais e econômicos. Mas temos de ter em mente o poder do AKP de Erdogan que não hesita em expressar suas ideias sobre a política internacional.

E&A- Como vocês projetam a existência de uma soberania e status de autonomia política legais para Rojava considerando alguns temas fundamentais como: moeda corrente (como seria? Existiria um banco central?); relações comerciais com outros territórios (por exemplo, na comercialização do petróleo); pertencer a uma federação territorial (como numa Síria reorganizada ou federada à KRG); e quais medidas concretas seriam instituídas através da Confederalismo Democrático com total unidade territorial e existência dos três cantões? 

DAF- 2 anos e meio atrás, após a declaração de liberdade dos cantões de Rojava, o povo de Rojava começou a organizar a economia instituindo as terras coletivas do povo; abriu o Mala Gel (Casa do Povo) e Mala Jins (Casa das Mulheres) para organizar a sociedade numa forma de democracia direta. Estas casas são os reais centros políticos onde pessoas de dessas regiões discutem questões sociais e políticas e decidem o que fazer. Elas organizam o processo jurídico entre si sem nenhuma corte, advogado ou juiz. Justiça social não é providenciada sem qualquer tipo de poder central como um Estado. Sem escolas, mas com compartilhamento de conhecimento gratuito aos moldes das Universidades Zapatistas.

Nós temos que aceitar que a Revolução de Rojava não é uma revolução anarquista. Mas não há dúvidas sobre seu caráter de revolução social. A existência política de Rojava não faz parte da Síria de Esadou parte do Curdistão Iraquiano. Nós estamos falando de uma federação que se autodeclarou anticapitalista. Agora é inútil se preocupar com o futuro de Rojava se esta comercializa com capitalistas ou coopera com Estados… Façamos aumentar a solidariedade revolucionária e façamos parte dessa revolução social, para que não tenhamos tanta coisa para nos preocupar. Enquanto DAF, nós também mencionamos nossa posição num texto sobre a Resistência de Kobanê; nós não somos cartomantes que, então não adivinhamos a posição política de Rojava daqui 10 ou 50 anos. Mas somos anarquistas revolucionários, nós temos que tomar parte nos movimentos sociais e moldar esses movimentos.

E&A- O que seria um resultado concreto das políticas de massa através dos organizadores do KCK e das propostas de democratização da política municipal de autonomia do Curdistão Turco?

DAF- O verdadeiro mal-entendido da oposição social internacional é diferenciar as políticas do Movimento Curdo (HDP – Partido Popular Democrático, em turco: Halklarin Demokratik Partisi) ou outras instituições que são aceitas pelo Estado Turco; e o PKK (que é mencionado como organização terrorista pelo Estado). As chances de realização de instituições políticas democráticas dependem da luta do povo Curdo que é referida como terrorismo. Então, temos que entender a questão da “luta contra a política assimilacionista do Estado Turco”como um todo. Não há movimento, política ou instituição que se expresse por si como distante da luta do PKK e se declarou parte desta luta.(?) Então, o resultado de quaisquer políticas depende do sucesso da luta do povo Curdo organizado, o PKK. Esta situação pode ser parte de outro tipo de cultura política situado no Oriente Médio, distante das Europeias.

E&A- O DAF, enquanto uma força anarquista toma parte de alguma coordenação de alianças com o KCK ou com o DTK (Congresso da Sociedade Democrática, em turco: Demokratik Toplum Kongresi)? Enquanto anarquistas, como avaliar essas atividades com outras forças sociais? E, neste sentido, como avaliar a participação eleitoral da Aliança BDP (Partido da Paz e Democracia, em turco: Baris ve Demokrasi Partisi, em curdo: Partiya Astî û Demokrasiyê), BDP/HDP?

DAF- Relacionado com a resposta da questão acima, o DAF toma o PKK como o verdadeiro assunto da questão. Especialmente depois da mudança do paradigma dos anos 2000, após Ocalan não declarar mais o PKK como um movimento marxista-leninista e referenciá-lo a Bookchin, Bakunin e Kropotkin, é impossível para o DAF não se interessar por essa mudança teórica. Nós tivemos experiência com as mudanças dia após dia. A democracia direta tomou um importante lugar para essa realização política. Mesmo assim, existem críticas de anarquistas europeus já que são parte da ideologia marxista, nós estamos testemunhando a mudança não apenas na partilha da mesma cena política (a luta contra o Estado), mas estamos testemunhando a harmonia da teoria e da prática na Revolução de Rojava. As instituições como KCK, DTK, DBP/HDP poderiam estar numa manobra de estratégia no parlamento, sistema jurídico… Nós podemos criticar estas estratégias, mas não tomamos estas instituições como se fossem organizações as quais objetivam outras políticas. Assim como não votamos pelo HDP do BDP, pois não temos outro tipo de estratégia na democracia parlamentar, isto não nos faz repudiar estas instituições com o PKK.

E&A- Ao passo que o Confederalismo Democrático é inspirado no anarquismo, nós assumimos que existe uma aproximação e simpatia entre as ideias anarquistas e o atual pensamento da esquerda Curda. Esta avaliação é correta? Poderia especificar em qual sentido?

DAF- Como foi dito acima, especialmente após a aparição do novo paradigma dos anos 2000 no movimento Curdo refereciando principalmente Bookchin, Kropotkin e Bakunin (talvez Michael Albert em economia). Então, este é um bom passo para um movimento popular. O povo Curdo não está lutando há apenas 30 anos, ele está lutando há décadas. Para anarquistas revolucionários, é um bom momento para nós, esta organização desta luta de libertação chamada anarquista. É um bom momento para nós socializarmos o anarquismo nas terras onde pessoas vivem se Estado há décadas. Uma revolução social pode ser preparada como se fosse socializada. Nós, enquanto DAF, não somos anarquistas apenas para escrever alguns textos e viver o anarquismo em grupos fechados como os camaradas da Europa fazem. Nós objetivamos a revolução social, nós estamos lutando em todos os sentidos, então este é um bom momento para socializar o anarquismo.

E&A- Baseado no que lemos, o DAF opera lado a lado com o fronte dos movimentos pró-Rojava e como apoiadores da revolução social na região. Isto tem gerado uma aproximação da esquerda Turca como um todo, pode estar marcando um fortalecimento de posição entre o guarda-chuva político e social pró-Curdos (DTK-KCK e forças políticas legais DBP/HDP), levando a população a ter uma opção à rivalidade entre o AKP e o Kemalistas-Nacionalistas?

DAF- O DAF é solidário à Revolução de Rojava e a Resistência de Kobanê desde o princípio. Pois, em 19 de julho, os cantões de Rojava declararam independência contra a Síria de Esad, contra o EI, contra Barzani e contra os poderes econômicos e políticos internacionais que têm interesses na região. A solidariedade do DAF com o povo de Rojava que são Curdos, Ezidis, Xiitas ou Alauítas… pois Rojava é a esperança para o povo oprimido que vive no Oriente Médio e outras partes do mundo. Rojava mostra o que pretendemos ganhar contra os Estados, contra os capitalistas.

Na verdade, a Revolução de Rojava tem um papel decisivo para a esquerda Turca. Pois, algumas organizações e partidos não solidarizam com a revolução por conta de suas visões nacionalistas. A questão Curda para oposição social na esquerda Turca é uma importante questão para se observar os efeitos da política estatal no socialismo. Ainda, depois da mudança de paradigma do PKK, esta situação faz com que alguns partidos socialistas distanciarem-se do movimento Curdo. A posição dos anarquistas neste assunto também é importante. Nós, como revolucionários anarquistas vindos de uma tradição, onde socialistas nem davam importância para movimentos de libertação popular em países do terceiro mundo, mas camaradas anarquistas constituíram os primeiros movimentos na Bulgária, Grécia, Macedônia, Armênia, em 1850, nós estamos vindo de uma tradição onde os camaradas anarquistas empreenderam as primeiras lutas libertárias na América do Sul, na Indonésia, nas Filipinas… Isto não é para criar um novo fronte contra Nacionalistas e AKP. O DAF não se considera na agenda política parlamentar Turca. Este é um novo front que está contra soluções parlamentares para problemas sociais, econômicos e políticos.

E&A- Pelo que vocês podem observar em Rojava de acordo com a grande proximidade, quais seriam as maiores virtudes do sistema social em desenvolvimento na região? E, no mesmo sentido, qual seria a maior fraqueza em termos do PYD-TEV DEM (Movimento pela Sociedade Democrática, em Curdo: Tevgera Civaka Demokratîk) estar estabelecendo um novo Estado na região? O que eles poderiam estar reproduzindo que poderia culminar em outro Estado?

DAF- Camaradas, nós precisamos fortalecer a posição da Revolução de Rojava em todos os sentidos. As pessoas que estão lutando aqui, pessoas que estão lutando aqui para não construir outro Estado opressor. Esta é a luta por revolução social sem Estado, sem capitalismo, sem patriarcado… Nós conhecemos os cenários sobre estarmos unidos ao Curdistão de Barzani ou numa confederação com a Síria de Esad. Nosso papel tem de ser em participar e manter a revolução social longe destes cenários. Se a solidariedade das pessoas revolucionárias for o suficiente para criar esta solução sem Estado, é inútil sentir medo destes cenários. Esta não é apenas nossa posição em Rojava, esta é a posição do Movimento de Libertação Curda.

E&A- Nós entendemos que o tema da emancipação e empoderamento das mulheres é tão importante, que implicaria numa entrevista inteira, mas podemos perceber que isto é uma característica e um resultado acordado pelo processo social da maioria Curda (e não algo sectário, isto está claro). Em quais aspectos a presença das mulheres combatentes no YPJ está transformando as relações sociais no Curdistão como um todo? Isto tem uma relação direta com o PKK e o pensamento orgânico sobre a participação das mulheres no HPG?

DAF- Surgiram os Mala Jins (algo como Conselho das Mulheres) desde o princípio da revolução em Rojava. Nos Mala Jins, se socializa a consciência no papel das mulheres na sociedade, socializa luta contra a cultura patriarcal, socializa a importância da mulher na sociedade. Este esforço é muito importante, pois o EI e outros islamitas radicais tentam moldar toda a região de acordo com os valores de suas culturas. A revolução social não é apenas mudança política. Nós temos que ver outras mudanças como nas questões das mulheres para entender a importância da Revolução de Rojava.

E&A- Para concluir, existe uma preocupação, pois os fatos provam que as sociedades ocidentais observam o processo social de Rojava com simpatia e, em termos e comportamento e regras de coexistência, o Curdistão parece ser o mais próximo que existe de uma forma de sociedade democrática, secular e liberal. Na visão do DAF, existe um verdadeiro risco da esquerda Curda acabar se aproximando do Ocidente de uma maneira inevitável (dependendo do apoio do Ocidente) que ela acabe como uma sociedade secular protoestatal com igualdade de gênero (com é uma conquista para região) ao invés de uma revolução social com chances de realmente construir outra sociedade? 

DAF- Como escrevemos “Não somos videntes, nós não podemos prever o que acontecerá em Rojava daqui um mês ou daqui um ano. Nós não podemos saber se esta transformação social, que não só nos traz esperança enquanto revolucionários que lutam numa região geograficamente próxima, mas também alimenta nossa luta nas regiões nas quais lutamos, seguirá num futuro positivo ou negativo. Mas nós somos anarquistas revolucionários. Nós não podemos apenas sentar de fora, ver o que está acontecendo e comentar; nós tomamos parte em lutas sociais e tomamos ações para uma revolução anarquista.”

Vida longa à Revolução de Rojava! Vida longa à Resistência de Kobanê! Vida longa ao Anarquismo Revolucionário!

Original em inglês por Bruno Lima Rocha: possui PhD em Ciência Política e é Professor de Estudos Internacionais e Geopolítica lecionando em três faculdades regionais e universidade no Sul do Brasil.

Tradução: Mariana Miotto

Fonte: http://www.anarkismo.net/article/27779?author_name=BrunoL

 

As Comunas e Conselhos de Rojava – Janet Biehl

Fonte: Resistência Curda

kobani

As Comunas e Conselhos de Rojava

No Sábado, 6 de Dezembro, a Delegação Acadêmica para Rojava reuniu-se em Qamislo com dois representantes de Tev-dem, o movimento por uma Sociedade Democrática. Abdulkerim Omar e Çınar Salih primeiramente nos deram uma contextualização do pensamento de Rojava sobre Estado e Democracia. Então, eles explicaram a estrutura da democracia auto-governada – as comunas e o sistema de conselhos – e ouviram nossas perguntas. Falando por meio de tradutores, Salih foi quem mais falou.

Nós construímos nossa democracia para que pessoas de várias nacionalidades vivam juntas. Nós somos novos, e cometemos erros, e nós estamos tentando impedir o Daesh [i.e Estado Islâmico]de entrar em Rojava. Outras delegações vieram aqui, mas nos agrada receber vocês aqui. Seu projeto está nos dando esperanças. Ainda não conquistamos a liberdade, mas aprendemos a lutar.

O sistema que estamos vivendo existe há cinco mil anos. Diferentes estágios da história têm dado-o diferentes nomes, mas em seu núcleo tem se mantido o mesmo, e seu pilar principal é o Estado. Isto precisa ser bem compreendido. Nos últimos cem anos as pessoas têm lutado contra o Estado, e elas conseguiram atingir independência historicamente, mas elas não atingiram a liberdade, porque elas não se emanciparam do Estado. Seu conceito de liberdade se encontra dentro dos limites do Estado.

O atual sistema de Estados-Nacionais abriu os portões para a grande crise que estamos vendo. Os Curdos também tiveram um papel nessa região – como nossos amigos arqueólogos descobriram, eles deixaram uma marca na história e na cultura. Nós entendemos enquanto Curdos que nossos problemas não serão resolvidos criando num novo Estado-Nacional. Como podemos superar esse caos com o mínimo de derramamento de sangue possível? Como arrumar uma solução apesar da existência das fronteiras de Estado?

Ao invés de independência de Estado, nós preferimos autonomia. A solução tem de ser mais profunda. O sistema de Estados Nacionais criou grandes prejuízos, então, as pessoas pensam que Árabes, Curdos e Turcos não se dão bem. Esta ideia tem sido reforçada pelo sistema de Estados Nacionais. Foi fixado nos cérebros das pessoas, com péssimas consequências. Isto excluiu condições de coexistência e cooperação entre os povos. Nós estamos lutando para nos livrar desses prejuízos e criar condições para a vida em comum.

Nós acreditamos que o sistema equivale à destruição sistemática das mulheres, e que a autonomia democrática equivale à liberação das mulheres. Por isto nossa revolução de Rojava é uma revolução das mulheres. Em Rojava não existe nenhum lugar na vida no qual as mulheres não tomem papel ativo. Uma das nossas maiores conquistas tem sido quebrar esse dogma predominante no Oriente Médio de que as mulheres são fracas e dependentes [lacking, usado como adjetivo no original], como é expressado de maneiras diferentes como nas leis da Sharia. Mas este é apenas um dos resultados da nossa revolução. Nós acreditamos que uma revolução que não abre caminhos para a libertação das mulheres não é uma revolução. Houveram revoluções na Líbia, Egito e Tunísia – houveram novos governos –, mas o mesmo status para as mulheres persistiu.

Nosso sistema se baseia nas Comunas, constituídas por vizinhanças de 300 pessoas. As Comunas têm co-presidentes, e há co-presidentes em todos os níveis, da Comuna à Administração do Canton*. Em cada Comuna há cinco ou seis comitês. As Comunas trabalham em duas funções. Primeira, elas resolvem problemas rápido e com antecedência – por exemplo, um problema técnico ou um problema social. Alguns trabalhos podem ser feitos em cinco minutos, mas você o banda para o Estado, e fica preso na burocracia. Assim, nós conseguimos resolver problemas rápido. A segunda função é política. Se nós falamos democracia verdadeira, decisões não podem ser tomadas de cima para baixo, elas tem que ser tomadas na base e então subirem os degraus. Há também Conselhos de Distrito [District Councils] e Conselhos Municipais [City Councils], até o Canton. O princípio é “poucos problemas, muitas soluções”.

Então, para que o governo não fique pairando no ar, nós tentamos preencher sua base. Existem perguntas sobre como esse sistema realmente se organiza. Então, vocês podem fazer perguntas.

Q: É um conceito muito interessante, e provavelmente existem tensões e desafios dentro desse sistema. Um é a tensão entre decisões de baixo e necessidades imediatas em nível de todo Canton. Por exemplo, provavelmente vocês têm de decidir de maneira centralizada que vocês precisam construir um moinho para fazer farinha. Ou vocês precisam decidir construir uma refinaria. Estrategicamente, estas coisas altamente importantes. Por outro lado, vocês têm este sistema de baixo para cima vindo das Comunas. Não é útil estabelecer infraestruturas semelhantes e muitas Comunas ou muitas Cidades. Então, vocês precisam de algum tipo de coordenação entre as Comunas e os Conselhos Municipais. Quem os coordena?

Nós também estamos discutindo estes problemas – não existe uma fórmula pronta para aplicar. Falando em números pode ajudar. Qamişlo possui seis distritos diferentes. Cada distrito tem 18 Comunas, e cada Comuna é composta por 300 pessoas.

Agora, cada Comuna possui 2 co-presidentes. E cada Comuna possuem comitês diferentes. Os dois co-presidentes eleitos de cada Comuna se juntam para constituir o Conselho Popular daquele Distrito.

Então, cada um desses Conselhos Populares do Distrito elegem dois co-presidentes. Então, dos 6 distritos de Qamişlo, 12 pessoas constituem o Conselho Popular Municipal. Mas apenas 12 pessoas não podem constituir o conselho – ele deveria ter 200. Então, somado a estas 12 pessoas, as outras são diretamente eleitas. Mesmo que você não esteja num comitê, ou tenha sido eleito numa Comuna, você pode colocar seu nome e potencialmente ser eleito.

O Canto de Cizîre consiste em 12 cidades. Delegados do Conselho Popular do Canton são alocados de acordo com a população. Qamişlo é a maior cidade, então possui mais delegados que outras – possui 20. Eles determinam isso pelo número da população. Os co-presidentes já fazem parte deste grande Conselho; então Qamişlo possui mais 18. Cada Conselho Popular Municipal elege quem irá para o Conselho Popular do Canton. No final você possui um Conselho Popular em nível de todo o Canton. É como um parlamento, mas os laços entre Comunas e Conselhos não cortados.

Q: Cada Comuna vota em delegados que vão para os níveis superiores?

Sim.

Q: Qamişlo possui mais delegados – Quem decide quantos delegados cada cidade possui?

É baseado na população.

Q: De acordo com qual censo?

O que estiver em vigor. Agora, o Conselho Popular do Canton não existe ainda. O censo está sendo feito agora. Mas todas as Comunas nas cidades estão trabalhando nele. Este conselho nem possui um nome ainda – pode ser chamado de parlamento.

Cada Comuna possui comitês, como, digamos, um comitê de saúde, e há comitês similares em níveis acima. Assim é que asseguram que o comitê de saúde da administração do canton tenha conexão direta com as necessidades da Comuna.

Q: Qual é o papel do Tev-Dem?

Tev-Dem coordena e mobiliza pessoas na base e carrega a conexão para o parlamento. Isto garante a conexão da democracia direta ao governo. Ele mobiliza e coordena, mas também senta no parlamento, onde representa os interesses do povo. É uma dupla identidade.

Q: Os Conselhos das Mulheres existem paralemamente aos Conselhos Populares, nos quais as mulheres possuem 40% de representação. Isto existe em todos os níveis, e em todos existe o poder de veto sobre questões das mulheres?

Sim. Os Conselhos das Mulheres existem em todos os níveis, a Comuna, o Distrito, a Cidade e o Canton. Os Conselhos das Mulheres não decidem sobre assuntos gerais – é para isto que existem os Conselhos Populares. Eles discutem questões que são especificamente sobre as mulheres. Se há disputa social, como conflitos interpessoais. Um comitê tenta resolver um problema entre pessoas. O Conselho das Mulheres também possui um comitê como esse. Então, se elas verem neste comitê um problema que importe às mulheres, como uma disputa sobre violência doméstica, e elas discordem do Conselho Popular, e dizem não, o não do Conselho das Mulheres será aceito. Elas têm poder de veto sobre questões referentes às mulheres.

Q: É sempre claro o que são questões das mulheres?

Nós seguimos uma base de caso a caso. Não há fórmula pronta. Sempre que o Conselho das Mulheres veta alguma coisa, esse veto é aceito. Se um problema não pode ser resolvido nos baixos níveis, esses problemas são levados à corte. Mas essas questões, como todas as questões em Rojava, são resolvidas localmente se possível.

*A tradutora referiu utilizar o termo original em inglês da unidade territorial para antecipar possível confusões, mas por analogia com o sistema político brasileiro, o Canton parece equivaler a um Estado Federativo.

Tradução: Mariana Miotto

Fonte: http://kurdishquestion.com/index.php/kurdistan/west-kurdistan/rojava-s-communes-and-councils.html

O ir e vir, a esquerda, os partidos, o governo, Kobane e a Grécia

fonte: coletivo Krisis: http://3.bp.blogspot.com/-DNZ08pG_syg/T2v3OSuWhPI/AAAAAAAAAWw/nvZmhNZixNc/s1600/CIMG0333.JPG

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por Gilson Moura Henrique Junior

Em pleno janeiro de 2015 e temos um cadinho de movimentação política pela esquerda mundial que causa terremotos interpretativos nas mentes socialistas e anarquistas, especialmente depois da comoção brasileira em torno da “Dilmãe de coração valente” que atingiu até a dita esquerda radical partidária e até anarquistas nas eleições de 2014.

Logo neste início de ano temos o burburinho das manifestações contra a tarifa, que se movimentam para também se tornarem protestos contra todas as tarifas e não só as de transporte, e o eco feliz da esquerda partidária à vitória do Syriza na Grécia.

Além disso, há o escândalo socialista e anarquista diante do governo da “Dilmãe” que se apresenta um governo muito mais parecido com o que seria o de Aécio Satã do que com a propaganda que petistas e abestados seguidores “responsáveis” da súbita transformação do governo pragmático de Dilma num governo “de esquerda” gostariam de admitir.

Aliás, salta aos olhos a desilusão de uma esquerda madura o suficiente pra tomar decisões “responsáveis” com um governo que guina à direita, cada vez mais, desde 2002, em um segundo turno de 2014, como se morasse em Marte e não tivesse noção da perseguição que o governo federal moveu contra anarquistas e autonomistas junto a governos estaduais como os do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo; como se não soubesse dos ataques a indígenas e quilombolas e como se os recuos na demarcação de terras,etc fossem ilusões; como se fossem lenda a franca postura homofóbica do governo incluindo omissões que permitiram Feliciano na comissão de DH da Câmara federal e os recuos nas políticas de Gênero e como se as indicações de abraço neoliberal na política econômica não fossem dadas desde 2013.

Essa esquerda talvez tenha sofrido um surto súbito de Alzheimer temporário ou sucumbiu à lógica oportunista eleitoral imediata e mal tentou fingir que não. Diante da dúvida entre a responsabilidade concreta com movimentos e mudanças e o medo de desagradar eleitores escolheu a segunda opção, abraçou Dilmãe e agora faz a egípcia com o resultado das opções.

Agora em janeiro de 2015 essa mesma esquerda “responsável”, além de se chocar com um governo Dilmãe que nomeia Katia Abreu ministra da Agricultura e o negacionista Aldo Rebelo para ministro da ciência e tecnologia, se põe calada diante da covardia de suas figuras públicas no apoio aos 23 presos políticos perseguidos pelo estado do Rio de Janeiro, se omite diante das manifestações contra aumento das passagens e tarifas em geral, ignora a crise hídrica como parte da crise ecológica e climática que jamais confrontou concretamente em seus programas e ainda tem o disparate de dizer que quer ser o PODEMOS brasileiro.

Não sei como se quer ser um movimento que buscou ser horizontal e discutir amplamente desde o cancelamento da dívida pública à mobilidade urbana, ecossocialismo, fim do uso dos combustíveis fósseis,etc de forma aberta sem que se consiga sequer discutir mobilidade de forma franca, ser solidário com perseguidos políticos além do Rafael Braga ou ao menos tentar dialogar com o movimento contra mudanças climáticas. Talvez se esteja dizendo que será o PODEMOS brasileiro no que tange aos defeitos do PODEMOS, e aí concordo, já que está até à frente do PODEMOS na cooptação pelo estado.

No Rio essa esquerda que quer ser PODEMOS foi brilhantemente ativa na negação de prestar solidariedade aos 23 presos políticos julgados pelo estado por supostamente estarem organizando ataques no dia da final da copa, presos que inclusive foram indiciados junto com Bakunin (sim o anarquista russo morto em 1876 em Berna na Suíça), em uma manifestação contra o aumento das passagens que desde o inicio indicava que iria até o Tribunal de Justiça prestar solidariedade, mas cuja “responsabilidade” da esquerda a fez negar o trajeto e optar por ficar ao redor da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia, local que frequenta alegre com seus mandatos e que talvez seja uma espécie de centro nervoso de sua existência e que por isso não pode se afastar muito deste totem geográfico.

Em SP a esquerda que quer ser PODEMOS faz uma atuação comovente em ser secundária diante do MPL e parece participar dos atos apenas como coadjuvante envergonhado que precisa ir para não parecer negar aquele movimento e necessidade dele.

Enquanto isso, a esquerda que quer ser PODEMOS prega com voracidade a reforma política, uma reforma política que tem de passar pelo congresso, uma reforma política que precisa estar vinculada à institucionalidade, uma reforma política que quer fazer uma mudança no estado por dentro do estado e que mobiliza ou tenta mobilizar os movimentos sociais para sustentarem essa lógica surreal em pleno auge da crise hídrica.

Ou seja, enquanto a crise ecológica atinge o auge de seus efeitos visíveis nas principais cidades do país, enquanto os governos cagam solenemente pra necessidade dos mais pobres e aumentam as tarifas de transporte; enquanto o governo federal que recebeu apoio “responsável” desta esquerda que quer ser PODEMOS ataca direitos trabalhistas e retira acesso a seguro desemprego e seguro-defeso; enquanto os governos, todos, em plena crise hídrica mentem pra população e a sacrificam com racionamento assumido ou não e permitem que indústria, agronegócio, termelétricas e mineração continuem desperdiçando água e usando-a de forma predatória, a esquerda que quer ser PODEMOS faz movimentinho para uma reforma política que deve passar pelo congresso mais conservador de todos os tempos e sequer, repito, SEQUER, se posiciona a partir de seus mandatos, setoriais,etc para uma política CON-CRE-TA de ataque às mudanças climáticas, uso de combustíveis fósseis,etc, nenhuma defesa concreta de mudanças na mobilidade urbana, nenhum debate, nada, apenas o velho e modorrento movimento para fortalecimento de figuras públicas.

Enquanto isso a esquerda que quer ser PODEMOS louva a vitória do Syriza na Grécia, e sonha em fazer igual aqui. Talvez por usarem táticas semelhantes ao que o Syriza fez com Tsipras e o PODEMOS faz com Iglesias, movimentos de reforço e anabolização de figuras públicas com objetivos eleitorais que eclipsam o surgimento de organizações mais horizontais, democráticas e anti hierárquicas, essa esquerda que quer ser PODEMOS vê no Syriza o surgimento de uma terra sem males na Grécia e em breve em toda a Europa.

Se a vitória do Syriza é um alento no sentido de interromper a sanha da Troika e o avanço das políticas de austeridade, impondo um novo programa para a Grécia e a Europa, atrapalhando o avanço da extrema-direita, ela também é um sinal de problemas quando a esquerda auto-proclamada radical já desde cedo sacrifica parte de seu programa, como a defesa do casamento civil igualitário, para permitir coalizões com partidos de direita que a permitam governar.

A coalização com os gregos independentes inclusive traz em seu bojo a entrega do ministério da defesa a um xenófobo homofóbico e racista que já adianta que trará políticas anti imigração e já ressuscita questões de soberania que cria litígios com a Turquia. Tudo isso é preocupante demais e soa mais preocupante quando parte da esquerda mundial opta por ignorar essas manobras para atacar o KKE, partido stalinista grego que anunciou por motivos que vão de sectários a lógicos que não se aliaria ao Syriza, enquanto faz a egípcia com movimentos do próprio Syriza.

Se o KKE é sectário, e é, o Syriza manifesta preocupantes movimentos de adequação à lógica do capitalismo promovendo menos uma guinada radical anti austeridade e mais um movimento de renegociação agressiva da dívida pública sem romper com o euro, a zona do euro e a lógica econômica do Banco Central Europeu.

Se o Syriza tensiona o mercado ao negociar com os credores sem passar pelo BCE e FMI, ele deveria tensionar a esquerda pela indicação de pouco rompimento e muita adequação à lógica do estado, promovendo uma ação deveras similar à assimilação que a social-democracia europeia fez nos anos 1950, só que pintada com tintas radicais.

A esquerda deveria ser mais crítica com o Syriza, mesmo considerando o simbólico de sua vitória, para evitar danos graves no futuro a partir de sua assimilação pelo estado e capital. Se o Syriza na Grécia, em uma situação de concreta força política para implementação de medidas radicais de transformação do estado através de plataformas reformistas radicais, já dá pinta de assimilação, isso simboliza uma paulada na cabeça de qualquer sonho de reforma radical na Europa e no mundo. E ao silenciar sobre isso a esquerda que quer ser PODEMOS é cúmplice de uma tática que já vimos no Brasil a partir da eleição do PT.

Aliás, a similaridade entre PT e Syriza, no todo da história, deveria saltar aos olhos brasileiros e fazê-los ajudar observadores europeus a entenderem os limites das ações deste no cenário político europeu.

O Syriza assim como o PT não é um partido nos moldes clássicos europeus, é uma força política complexa, mais similar a uma frente de correntes e vertentes da política partidária de esquerda e que contempla setores mais ou menos pragmáticos que se entendem socialistas e que vão além de elementos marxistas-leninistas. Ambos os partidos rompem com a social-democracia clássica e também com os PCs e ambos os partidos contemplam reformismos diversos, de tonalidades diversas, mais ou menos pragmáticos, mais ou menos marxistas, mais ou menos libertários. Ambos os partidos promoveram mudanças radicias no quadro político da esquerda local e mundial, apresentam lideranças carismáticas e programas radicais de reforma do estado com foco na eliminação da pobreza.

O Syriza chega no poder, no entanto, em uma situação mais parecida com o PT na eleição de 1989, com um quadro econômico parecido com a chegada do PT ao poder em 2002. O quadro do Syriza é, portanto, um quadro que lhe permite mais autonomia e legitimidade nas decisões, possui quadros e políticas mais radicais em um cenário de terra arrasada parecido com o brasileiro em 2002.

A questão é que mesmo com mais força política que a obtida por qualquer partido da esquerda mundial nos últimos trinta anos, o Syriza faz movimentos confusos, contraditórios e que não nos deixam exatamente alheios à sua similaridade com a história de assimilação ao estado e ao capitalismo que faz quase parte do DNA político da esquerda partidária.

E isso nos leva às contradições inerentes entre PODEMOS, Syriza, PSOL e suas “responsabilidades” diante dos cenários políticos dos quais fazem parte e a enigmática parte de um DNA organizado em partidos que centralizam, hierarquizam, diferenciam-se das ruas em nome da conquista do estado para supostamente através dele promover reformas que ajudem na revolução e que paulatinamente acaba fazendo parte deste estado, parte daquele aparato que deveria combater e agora ajuda a sustentar.

Sacaram a contradição?

O PODEMOS ao focar no Iglesias, e o Syriza ao focar no Tsipras, já amplificam a lógica hierárquica, criando a figura de uma liderança centralizadora que recebe a energia de milhares de partidários, o foco da esperança,etc, com o fim de ser ungido como capitão das massas em processos eleitorais.

A questão piora quando a partir dos processos eleitorais feitos para que a burguesia seja sempre eleita, construído com regras da burguesia, organizado para a vitória do capital, se busca organizar um processo de mudanças políticas estruturais, de transformação do estado. Pior mais ainda quando estas forças se afastam da construção de processos de mudança cotidiana por fora da institucionalidade.

E isso se repete no PSOL ao se elegerem figuras públicas que absorvem a força militante em sua defesa, como Marcelo Freixo e Luciana Genro, sem a força construída nas ruas pelo Syriza e PODEMOS. E por isso talvez vemos no Brasil o distanciamento destes elementos das movimentações das ruas, dos movimentos independentes como o MPL, de organizações como FIP, de coletivos anarquistas e um afastamento que grita alto na rua para tentar se desvincular de pessoas presas por se colocarem como lideranças alternativas aos partidos na construção de lutas cotidianas.

Em plena crise hídrica, em plena contestação da taxação do direito de ir e vir e temos distanciamento dos partidos das luta cotidianas, desvinculação dos partidos das lutas das periferias, omissão na defesa e solidariedade com lutadores presos e nenhum partido brasileiro fortalecendo lutas que juntam milhares e podem juntar milhões na defesa do básico, do direito de ter água e de não pagar passagem para ir e vir.

A lógica parece de disputa por espaço, como se a eleição dependesse do enfraquecimento de movimentos independentes que fujam ao controle dos partidos.

Enquanto se luta contra as tarifas, os partidos fazem campanha para Presidência da Câmara, elogiam o Syriza de forma acrítica, querem ser PODEMOS, faltam ao depoimento que poderia ajudar presos políticos que estão sendo presos de forma absolutamente autoritária e ainda querem ser representantes da mudança nas próximas eleições.

E é sintomático que, em todo este período, a Grécia e a Europa tenham sido o foco central dos partidos, invejando o PODEMOS e seus milhões nas ruas, invejando Tsipras sendo eleito, mas silenciando tanto pra o debate sobre tarifa zero, um debate concreto que abranja toda a sociedade e que mire em políticas públicas concretas, quanto para um movimento revolucionário em curso em Rojava, no Curdistão Sírio e que recentemente ganhou atenção só após a libertação de Kobane do assédio do Estado Islâmico.

Mesmo com fome de ocupar o estado, pouco se discute nos partidos sobre políticas concretas a respeito de mobilidade urbana, de uso de combustíveis fósseis, sobre a gestão de recursos hídricos, sobre a economia a partir do decrescimento e sobre a própria gestão do estado, discutindo democracia direta concreta e não um referendismo mal formulado e que não propõe nenhuma democracia direta concreta.

Diante de um quadro mundial que pouco oferece ventos de mudança fora da institucionalidade, a esquerda partidária despreza fortemente tudo o que envolve a experiência curda de confederalismo libertário, com construção de conselhos feministas, de jovens, administração comunal da economia,etc. E isso em um quadro geopolítico ímpar que é o oriente médio.

Estes elementos são sinais fortes que medem a vontade partidária de construir concretamente mudança para além do estado, de sair do estado, de mudar o estado e não de apenas subir no trono do estado para reformas leves que não alterem a dinâmica das relações humanas e a dinâmica hierárquica da própria constituição partidária.

A ausência de discussão veemente sobre mudanças na estrutura de poder e gerência do estado e fora dele são sintomas de uma negativa de tentar construir um mundo pós-estado, ou seja, a negativa de discutir a construção de poder exercido pela sociedade é um sintoma que a defesa do comunismo e de uma sociedade socialista e pós-socialista vai até a página dois, dado que se a manutenção da institucionalidade sem questionamento da hierarquização dela e da presença do estado é a norma, que sociedade livre é essa que se constrói mantendo o estado, e não a sociedade, no controle das necessidades da vida cotidiana?

Essa negativa de debater sobre democracia direta concreta é parte do problema que coloca a esquerda partidária como produtivista e que pensa o estado na gerência da economia, dá pouca abertura pra uma discussão sobre crescimento econômico, alimentação, descentralização energética,etc e que por isso é avessa ao debate ecológico. Essa esquerda, por isso, jamais entende o que rola no Curdistão Livre.

Rojava pra essa esquerda é um reino encantado.

Em um cenário de avanço da extrema-direita mundial e no Brasil a esquerda partidária assume apenas parte da responsabilidade na construção do contraponto e nega-se a qualquer diálogo que fuja da relação pela institucionalidade.

E diante da omissão diante dos 23 presos podemos até ir além e achar que a esquerda partidária não só se nega a pensar pra fora do estado como se nega sequer a pensar pra fora de qualquer coisa que cause risco leve em suas eleições.

Por isso o mais avançado partido da esquerda mundial, o Syriza, não teve escrúpulos em mandar às favas os escrúpulos de consciência e rifar direitos LGBT, em por em risco a vida de imigrantes, em nome do que considera maior e prioritário: o combate à Troika.

Por isso o partido que se proclama PODEMOS do Brasil se nega a qualquer solidariedade com quem é perseguido político do estado, evitando assim correr risco na eleição de sua maior figura pública para prefeito do Rio: Marcelo Freixo.

Da mesma forma que o PODEMOS na Espanha se nega a ser solidário com os anarquistas presos pela operação Pandora, o PSOL no Rio tem coisas mais importantes do que manifestar solidariedade com autonomistas presos de forma absolutamente canalha.

E a nave da cooptação, da assimilação pelo estado, vai, segue adiante enquanto anarquistas são presos no Chile, no Brasil, na Espanha e enquanto a esquerda partidária se anima com a conquista do governo por um co-irmão, fazendo aquecer corações carentes de postos administrativos no estado pularem de felicidade mundo afora.

E a água acaba, e o clima pira, mas tá tudo bem, o Syriza chegou ao poder.

(UMA VISÃO ANARQUISTA) COMO ORGANIZAR OS ORGANISMOS DE TRANSPORTE NA REVOLUÇÃO SOCIAL

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Fonte: Coletivo Libertário Évora

Para ler o documento clique aqui

Os sistemas de transporte são essenciais em qualquer sociedade e, muitas vezes, discute-se qual deverá ser o estatuto dessas empresas, dada a sua enorme função social. Há quem defenda a sua nacionalização e estatização, uma vez que são essenciais para a organização social. Este debate tem vindo ultimamente, também, a acontecer em Portugal devido à ameaça da privatização da TAP. Ainda há dias um grupo de libertários divulgou um comunicado em que se refere que os anarquistas não consideram que a privatização seja uma solução, mas também criticam a gestão estatal, entregue aos partidos políticos e à sua casta de boys e girls. Defendemos, por isso, a socialização – e não a estatização – deste tipo de grandes empresas”.

Há cerca de oito décadas já esta questão se colocava aos anarquistas e anarco-sindicalistas de então. Na altura as grandes empresas de transportes cingiam-se ao caminho de ferro e às ligações marítimas, uma vez que a aviação comercial ainda estava nos seus primórdios. No entanto, a questão colocava-se do mesmo modo (ainda, talvez, sem a complexidade actual, em que se movimentam mercadoria e pessoas ininterruptamente de todos os pontos do mundo) que hoje se coloca: que alternativa ao Estado e aos privados? Mário Castelhano, ferroviário e coordenador da CGT (que posteriormente viria a morrer no Tarrafal) escreveu um pequeno opúsculo sobre este tema intitulado: “Os organismos de Transporte na Revolução Social”, que aborda estas questões sempre no prisma da revolução social libertadora e libertária e cuja leitura (saliente-se o fervor transformador e revolucionário deste texto) ainda hoje dá resposta a várias questões sobre a organização social numa futura sociedade liberta dos grilhões do capitalismo (de Estado incluído).

Ler:  http://issuu.com/a.directa/docs/os_organismos_de_transporte_na_revo/1

 

Vídeo: Pom Poko e a Luta Ambientalista

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Apresentação por Li-tatá.
OBS.: Pode conter spoilers.

Pom Poko, ou em seu título original em japonês, Heisei Tanuki Gassen Ponpoko, é uma animação japonesa escrita e dirigida por Isao Takahata e produzida pelo Studio Ghibli. Sua importância está vinculada à apresentação de problemas sociais e ambientais causados pela expansão do capitalismo, representados simultaneamente de uma forma séria, cômica e fantástica. Por isso, ela se destaca da maioria das animações contemporâneas (sendo mais aproximada à Mononoke Hime – A Princesa Mononoke, também do Studio Ghibli).

Em Pom Poko, um grupo de Tanukis, tipo de guaxinim japonês, têm suas florestas ameaçadas pela expansão residencial em Tókio. No início, eles são organizados em espécies de tribos ou comunidades regionais, até que a necessidade da resistência à destruição de suas florestas faz com que eles se unam e se organizem. Há alguns tipos de comitês e também algumas divergências quanto à forma de resistência: violenta ou não. E assim a animação se desenrola.

Um aspecto muito importante é que o foco narrativo está na comunidade dos Tanukis, não apenas em protagonistas específicos, e é essa comunidade que luta e tenta resistir. Além do mais, os Tanukis são animais místicos do folclore japonês, o que é revivido na animação, desde que no Japão moderno o folclore vem sendo esquecido – o que também é representado. Os Tanukis têm o poder da transformação corporal, o que reforça o senso de coletividade, pois juntos podem se transformar em uma única grande coisa.

Outro detalhe é a participação da mulher nas decisões e na detenção do conhecimento, o que gradualmente vai crescendo com a participação igualitária na resistência, visto que elas aprendem também as técnicas de transformação.

Os tanukis vivem um confronto direto com a expansão do homem e a negligência humana em relação à natureza, fauna e flora. A eles começa a faltar espaço e, principalmente, comida. Sem as floretas e suas árvores, sem frutas ou ratos, passam a depender da comida humana. Com isso, um pequeno confronto de ideias aparece na dependência que os tanukis têm aos produtos industrializados feitos pelo homem, como hamburgers, batatas fritas, etc, pois eles sentem prazer com esses alimentos, contraditoriamente, feitos pelo homem que tanto os prejudica.

Enfim, é uma animação que passa uma mensagem ambientalista muito forte, e uma necessidade de consciência humana revolucionária urgente, visto que a expansão capitalista, tanto urbana como rural, com suas plantações, seus transgênicos, seus desmatamentos, destrói a biodiversidade. O ser humano precisa resgatar sua ligação com a terra e com a natureza e sentir-se pertencente e responsável pela sua preservação.

Você pode assistir ao vídeo online e legendado no site Anitube, neste link.

O Processo Revolucionário em Rojava

Ativista curdo pede solidariedade e apoio para o processo revolucionário de Rojava

Por Roberta Fofonka/Sul21

POSTADO EM Sul21, 27 de Janeiro de 2015

Samir Oliveira

Os curdos são a mais numerosa etnia do mundo sem Estado: são mais de 26 milhões de pessoas que vivem em regiões da Turquia, da Síria, do Iraque e do Irã. Desde 2012, com a intensificação da guerra civil na Síria, os curdos da região têm se organizado para defender seus territórios das forças do governo de Bashar al-Assad e dos terroristas do Estado Islâmico (também conhecido como ISIS).

Em 2013, os curdos da Síria anunciaram a organização de três regiões administrativas no norte do país, chamadas de “cantões”: Afrin, Jazira e Kobani. Separados geograficamente em meio a um território conflagrada pela guerra, os cantões formam a região de Rojava – palavra que, em curdo, significa “oeste”.

 Rojava possui uma população de cerca de 3 milhões de pessoas, espalhadas por doze cidades. Enquanto se organizam para lutar contra o Estado Islâmico e unificar os cantões, os curdos estão criando uma própria forma de organização social, política e econômica na região, baseada no confederalismo democrático, com premissas anti-Estado e anticapitalistas inspiradas no programa político do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) – organização criada na década de 1970 e considerada “terrorista” pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Turquia, país onde seu principal líder, Abdullah Öcalan, encontra-se em prisão perpétua desde a década de 1990.

Nesta entrevista ao Sul21, o ativista curdo Giran Ozcan fala sobre o processo revolucionário em Rojava e dá mais detalhes sobre a situação na região. Giran edita o site Kurdish Question e esteve em Porto Alegre nesta semana para falar sobre o assunto com organizações de esquerda.

Na entrevista, ele fala ainda sobre o funcionamento das forças de combate de Rojava, que estão divididas basicamente em das brigadas: as Unidades de Proteção do Povo (YPG) e as Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ) – esta última, composta e comandada por mulheres curdas.

“O desafio é tornar Rojava, os cantões e o povo curdo reconhecidos pela comunidade internacional”

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – Como está a situação agora em Rojava?
Giran Ozcan –
A luta na Síria começou há quatro anos e há quase três anos os curdos anunciaram que vão se autogovernar em três cantões. Depois deste anúncio, o Estado Islâmico (ISIS) começou a atacar os curdos. Embora isto só esteja sendo divulgado pela mídia desde Kobani região de Rojava na Síria, que está cercada pelo Estado Islâmico], ISIS e os curdos estão lutando há quase três anos na Síria. Atualmente, depois de capturar armamento pesado dos exércitos iraquiano e sírio, eles novamente atacaram os curdos, há cerca de quatro meses, em Kobani. Enquanto os exércitos da Síria e do Iraque estão fugindo do Estado Islâmico em várias regiões, os curdos estão resistindo, lutando e fazendo eles recuarem. É isso que vem ocorrendo em Rojava nos últimos meses. Hoje, mesmo após o ISIS atacar Kobani com todas as suas forças, a cidade não caiu. Os curdos estão mostrando ao mundo que são capazes de se autogovernar e de se defender. Estão oferecendo uma alternativa à região. A luta ainda está ocorrendo em Kobani, o ISIS ainda não foi completamente derrotado, mas já foi expulso da cidade. Nos outros dois cantões o autogoverno continua sendo implementado e desenvolvido. O desafio é tornar Rojava, os cantões e o povo curdo reconhecidos pela comunidade internacional.

Sul21 – Quem está controlando Kobani hoje?
Ozcan –
Hoje Kobani é controlada pelos combatentes curdos do YPG. Cerca de 98% da cidade está sob controle do YPG. Há dois dias, eles conquistaram a colina de Minstenur. Atualmente, o ISIS está apenas na periferia da cidade.

Sul21 – O Estado Islâmico é a principal ameaça para Rojava e a causa curda atualmente?
Ozcan – ISIS é ameaça que está batendo diretamente na porta. Mas Rojava está enfrentando um embargo de todos os lados, porque é um sistema alternativo aos imperialistas e às forças regionais. Por isso, o povo em Rojava está tentando se autossustentar, porque não recebendo ajuda de ninguém. Economicamente, estão tentando criar um novo sistema. Então existem duas ameaças: obviamente o Estado Islâmico e o embargo internacional.

“Os cantões são governados pelo povo através das assembleias populares”

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – Como foi possível que o Estado Islâmico crescesse tanto na região?
Ozcan –
O ISIS está lá há pelo menos seis anos. Antes de o ISIS crescer, o governo central do Iraque se aproximava do Irã e se distanciava dos Estados Unidos. Barzani (presidente do Governo Regional Curdo no Iraque) falava em declarar independência e o regime de Assad (presidente da Síria) estava fortalecido. Todos se encaminhavam contra o Ocidente na região. De repente, do nada, o Estado Islâmico começa a ganhar tanta força que o governo iraquiano precisou se aproximar dos Estados Unidos novamente. Barzani parou de falar em independência e a guerra se intensificou na Síria. Se analisarmos objetivamente, quem se beneficiou do crescimento do Estado Islâmico foram os Estados Unidos. Não podemos provar que os Estados Unidos fortaleceram o ISIS, mas o empoderamento deles definitivamente beneficiou os planos dos Estados Unidos para a região.

Sul21 – Como é a relação entre a luta que ocorre entre os curdos e o Estado Islâmico e o regime de Assad, que governa a Síria?
Ozcan –
Os curdos querem que o regime sírio reconheça sua autonomia. Eles querem que o regime respeite a vontade do povo. Até então, Assad nunca havia concedido cidadania aos curdos. Centenas de milhares de curdos não podiam ir à escola, comprar terras ou ter empregos formais. Atualmente a situação está equilibrada: os curdos querem seus direitos reconhecidos e não vão atacar o regime sírio, mas não vão hesitar em defender o que já foi conquistado.

Sul21 – O governo sírio não está combatendo o Estado Islâmico também?
Ozcan –
Está, em certas regiões. Mas os principais opositores do ISIS são os curdos. Embora eles digam a todos que estão lutando contra o governo e tentando estabelecer um Estado islâmico, os principais antagonistas que eles enfrentam são os curdos.

“As mulheres participam da vida política e possuem seu próprio exército, que está lutando contra o Estado Islâmico”

Sul21 – E os revolucionários sírios que lutam contra o regime não estão do lado de vocês, combatendo também o Estado Islâmico?
Ozcan –
Não podemos mais falar em apenas uma FSA (Exército Livre da Síria), porque se trata de uma coalizão muito ampla — o ISIS inclusive fazia parte do grupo anteriormente. É uma plataforma da luta contra Assad, mas é uma coalizão revolucionária? Isso está aberto ao debate. Há muitos extremistas islâmicos na FSA, mas também há revolucionários. Eles não se identificam mais como FSA, porque a coalizão ficou tão ampla que não pode mais ser chamada de coalizão. Em Kobani há grupos da FSA lutando junto com os curdos, mas em outros cantões há grupos da FSA lutando contra nós.

Foto: Reprodução

Sul21 – Quais são as forças políticas que comandam Rojava?
Ozcan –
O PYD é um partido político curdo que já existia junto ao sistema sírio e está se aliando à ideologia do PKK e de Öcalan. Essa é a organização com mais apoio popular em Rojava. Mas as pessoas têm seu próprio sistema, suas assembleias populares, onde o partido político não está presente. O chamado Movimento Democrático do Povo realiza as assembleias locais e comanda os cantões, que não são governados pelo PYD. Os cantões são governados pelo povo através das assembleias populares. Há uma co-presidência para cada cantão, composta por um homem e uma mulher. Rojava é um grande processo revolucionário porque, na cultura daquela região, a mulher não possuía participação política. A ideologia do PKK foi gradualmente mudando isso. Agora, as mulheres participam da vida política e possuem seu próprio exército, que está lutando contra o Estado Islâmico. Trata-se de uma das maiores revoluções sociais da região.

Sul21 – Como os governos dos cantões são escolhidos?
Ozcan –
Através de eleições. As primeiras ocorreram há seis meses. Não é um sistema representativo, é uma democracia direta. A qualquer momento o povo pode retirar do poder quem eles elegeram. O Poder Executivo é mais um coordenador do processo, porque existem assembleias populares em cada comunidade. As decisões locais são tomadas pelas pessoas que moram nas comunidades. Em cada comunidade existem três assembleias: a local, a de jovens e a de mulheres. É um outro modelo, não haverá eleições a cada quatro anos. Sempre e quando o povo precisar, o governo permanecerá ou será mudado.

“Não existe nenhum outro lugar no Oriente Médio onde cristãos e muçulmanos estejam governando juntos”

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – Não existe um governo central dos três cantões?
Ozcan –
Atualmente, cada cantão é separado. Não existe coordenação entre eles. Quando falamos sobre Rojava, estamos falando sobre os três cantões, mas não existe um representante de Rojava. Isso se deve a problemas práticos, já que os três cantões estão fisicamente distantes e separados, e também porque o projeto político ainda está sendo discutido. Ainda está aberto ao debate a forma como essa coordenação central será construída.

Sul21 – Como os três cantões se comunicam e realizam trocas entre si?
Ozcan –
A região inteira é uma zona de guerra, então há limitações práticas para isso. Estão sendo criadas academias econômicas para se discutir o tipo de economia que será criada quando os cantões se unificarem. Uma das nossas funções na América Latina é entender melhor as experiências econômicas da região, com cooperativas e economias comunitárias criadas ao longo da história de processos revolucionários no continente.

Sul21 – Quando falamos sobre Rojava, sobre quantas pessoas e cidades estamos falando?
Ozcan –
Estamos falando sobre algo entre 2,5 milhões e 3 milhões de pessoas e cerca de 12 cidades. Não são cidades muito grandes, porque as administrações dos cantões são diferentes do mapa político da Síria. Por exemplo, de acordo com a Síria, a cidade de Kobani pertence a Aleppo, mas para os curdos, é uma cidade livre. A maior cidade é Qamislo.

“O sucesso de um projeto anticapitalista, especialmente no Oriente Médio, é uma grande ameaça ao sistema”

Sul21 – Qamislo é a capital de Rojava?
Ozcan –
A ideologia do confederalismo democrático não prevê a existência de uma capital. Eles não precisam de uma capital, que é um instrumento de um Estado – e eles querem evitar isso.

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – Como está sendo a implantação do confederalismo democrático em Rojava?
Ozcan –
É tudo muito novo, então não posso dizer que não estejam ocorrendo problemas. Mas pela primeira vez estamos implantando o confederalismo democrático como um sistema prático. O povo está muito animado, porque estamos resolvendo os problemas da causa curda, mas também estão resolvendo o problema da exploração, do governo, do socialismo e da vida social. É uma revolução em muitas dimensões e aspectos. Muitos olhos pairam sobre Rojava agora, porque não existe nenhum outro lugar no Oriente Médio onde cristãos e muçulmanos estejam governando juntos. Os cristãos podem governar a si próprios se eles quiserem, esse direito está garantido na Constituição de Rojava. Os cristãos têm seu próprio mecanismo de auto-defesa. É um sistema secular, por isso está atraindo tanta atenção.

Sul21 – Como o processo revolucionário está resolvendo as necessidades imediatas do povo, principalmente no que diz respeito a saúde e educação?
Ozcan –
As assembleias populares estão criando academias. É um sistema muito novo, então tudo está tendo que ser autogestionado. As pessoas precisam fazer tudo e construir seu próprio sistema de forma coletiva. Escolas primárias, secundárias e até mesmo universidades estão sendo criadas pelo povo. O problema principal em relação a Rojava é que, por ser uma alternativa ao sistema, o sistema não a apoia. É por isso que tudo precisa ser feito de dentro para fora.

Sul21 – É um modelo anticapitalista também.
Ozcan –
A economia está sendo organizada através de cooperativas. Em Rojava, o princípio básico é: “o que pertence ao povo sempre pertencerá ao povo e será compartilhado pelo povo”. Há muita oliva e petróleo na região, por isso que muitas companhias internacionais querem saber qual é a política econômica do PKK. O PKK diz que nenhuma companhia pode se aproximar da região com a ambição de lucrar, porque o partido é contra monopólios e privatizações. Os recursos da região serão compartilhados pelo povo. Se obtivermos sucesso, será um modelo para o mundo inteiro. O sucesso de um projeto anticapitalista, especialmente no Oriente Médio, é uma grande ameaça ao sistema.

“Devido à censura da mídia, ninguém sabia que o PKK tem mulheres combatendo e liderando suas fileiras há mais de 35 anos”

Sul21 – E o que acontece com a iniciativa privada que existe na região, com os comércios e empresas das cidades?
Ozcan –
Por causa do preconceito de Assad contra o povo curdo, não havia muito comércio e capital privado sendo investido na região. Agora isso é uma coisa boa, porque, caso contrário, ocorreria uma oposição interna na região ao processo revolucionário. Isso não está ocorrendo porque o povo de Rojava mora em vilas, são trabalhadores, não é uma região dividia em classes. Essa era a natureza da região, mesmo antes da revolução, então a transição não está sendo difícil.

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – Para uma revolução ser bem sucedida, o povo precisa apoiá-la. A região de Rojava não possuía uma classe média ou uma burguesia capazes de opor resistência?
Ozcan –
Para o confederalismo democrático, as academias são muito importantes. O povo precisa estar a par do que está acontecendo, do tipo de revolução que está ocorrendo e das ameaças do sistema. O PKK foi criado em 1978. Depois que Öcalan teve que deixar a Turquia, ele foi para Rojava, em 1979. Ele viveu no Curdistão sírio por 20 anos, então o povo curdo da Síria conhece muito bem suas ideias. Milhares de jovens de Rojava se juntaram ao PKK nos anos 1980 e 1990. Milhares morreram na luta contra a Turquia. O povo de Rojava conhece muito bem a ideologia do PKK.

Sul21 – Como é a relação entre Rojava e o Governo Regional Curdo do Iraque?
Ozcan –
Não muito boa, porque Barzani e o Governo Regional Curdo são um satélite completamente dependente do Ocidente. Rojava é uma revolução contra o sistema e Barzani é parte do sistema. Ao fim e ao cabo, talvez a maior revolução de Rojava seja contra Barzani, porque ele é a parte do sistema que mais se aproxima de Rojava, é o principal representante do sistema na região. Muita gente compreendeu que a Turquia estava conduzindo um embargo contra Rojava, mas ninguém entendeu porque Barzani estava reforçando esse embargo contra o povo curdo. Ele queria sufocar a revolução também, por isso que reforçou o embargo nas fronteiras que o Governo Regional Curdo possui com Rojava.

“A resistência em Kobani contra o Estado Islâmico foi liderada por uma mulher”

Sul21 – Isso pode estar enfraquecendo a popularidade de Barzani junto aos curdos?
Ozcan –
Definitivamente, porque o Ocidente quer que Barzani seja uma alternativa a Öcalan e ao PKK. Após atacarem Kobani, o Estado Islâmico atacou Sinjar, onde os curdos Yazidi vivem. Eles não são muçulmanos, são curdos que pertencem a uma religião muito típica e antiga. Quando eles foram atacados, as forças de Barzani, os Peshmergas, fugiram, deixando os Yazidi sozinhos e desarmados. Por isso cerca de 3 mil mulheres Yazidi foram capturadas pelo ISIS e estão sendo vendidas como escravas sexuais. É por isso que o povo curdo está muito crítico em relação a Barzani. Se o PKK não tivesse descido das montanhas e defendido os Yazidis em Sinjar, teria havido um massacre massivo. Em todas as cidades governadas por Barzani que estão sob sítio do ISIS, quem está combatendo não são os Peshmergas, mas a guerrilha do PKK. O mundo inteiro está vendo as guerrilhas assumirem a luta e os Peshmergas recuarem, isso está abalando muito a popularidade de Barzani.

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – É possível haver uma mudança política no comando do Governo Regional do Curdistão e um aliado do PKK assumir o poder?
Giran – O partido-irmão do PKK no Governo Regional do Curdistão foi banido das eleições. Nas últimas eleições, Barzani fez 38% dos votos. Agora existe o movimento Gorran, que é uma nova força política de oposição e está com 29% das intenções de voto. Então há espaço para mudança no Governo Regional do Curdistão.

Sul21 – O que isso iria significar para Rojava?
Giran –
Significaria que pelo menos uma certa parte do Curdistão estaria livre. Embora o Governo Regional do Curdistão possua uma autonomia “de facto” desde a década de 1990, ninguém enxerga a região como uma parte livre do Curdistão, porque ela está completamente dependente do Ocidente. Os curdos estão dizendo agora que Rojava é o primeiro território livre do Curdistão. A próxima eleição no Governo Regional do Curdistão será somente em três anos, mas acredito que muita coisa vá mudar até lá. No momento os curdos estão numa posição defensiva, lutando contra o Estado Islâmico, então não estão falando muito sobre mudanças políticas. Mas as guerrilhas do PKK estão nas cidades do Governo Regional do Curdistão. Antes, para ir lá, eles teriam que lutar com os Peshmergas, e ninguém quer ver os curdos lutando uns contra os outros. Agora o povo está vendo as guerrilhas todos os dias. As coisas irão mudar nas próximas eleições, o governo já não pode mais banir o PKK de participar no processo.

“A luta não está sendo conduzida dentro de uma lógica militarista, mas, sim, de autodefesa”

Sul21 – Como se deu o surgimento das brigadas comandadas e compostas por mulheres em Rojava?
Giran –
O movimento de libertação das mulheres está contemplado na ideologia do PKK. Devido à censura da mídia, ninguém sabia que o PKK tem mulheres combatendo e liderando suas fileiras há mais de 35 anos. Desde a criação do PKK, no primeiro congresso do partido, as mulheres estavam presentes. Nos anos 1980, nas primeiras guerrilhas do PKK, havia brigadas femininas. Öcalan sempre dizia que nenhuma sociedade pode ser livre enquanto as mulheres não forem livres. Para ele, o nível de liberdade de uma sociedade pode ser medido pelo nível de liberdade das mulheres. Por isso que a revolução em Rojava é uma revolução de mulheres. Embora as YPJ tenham sido criadas há apenas três anos, elas vêm de uma história de 35 anos. A principal comandante de Kobani era uma mulher, Narin Afrin. A resistência em Kobani contra o Estado Islâmico foi liderada por uma mulher. As pessoas costumam dizer que o Oriente Médio é uma região muito conservadora, mas, no centro do Oriente Médio, mulheres estão na linha de frente da vanguarda por libertação. E a maioria delas são muçulmanas, que é a religião predominante entre os curdos.

Por Roberta Fofonka/Sul21

Sul21 – Isso contraria o estereótipo que se costuma ter no Ocidente quanto às mulheres muçulmanas, como se a opressão de gênero e o islamismo fossem duas coisas intrinsecamente ligadas.
Giran –
Há muitas leituras diferentes do Islã, a do ISIS é apenas uma delas e tem suas raízes no wahhabismo. Através do PKK, o povo curdo passou a ter um entendimento completamente diferente a respeito das mulheres. Não é uma característica curda, mas uma característica do socialismo defendido pelo PKK, que foi rompendo com as opressões em relação às mulheres naquela região.

Sul21 – O militarismo costuma ser um fenômeno bastante machista. Como as mulheres estão desconstruindo isso em Rojava?
Giran –
Nos anos 1980, acredito que qualquer mulher militante do PKK teria muitos relatos para fazer a respeito das dificuldades em enfrentar o machismo em uma organização predominantemente masculina. Öcalan escreveu um livro sobre a necessidade de se romper com o machismo, porque viu que mesmo na sua organização isso era um problema. Atualmente, em grande medida isso já foi superado. A luta não está sendo conduzida dentro de uma lógica militarista, mas, sim, de autodefesa. E as mulheres são uma parte desta autodefesa.

“O governo turco deixa suas fronteiras abertas para o Estado Islâmico e fecha as portas para a solidariedade revolucionária em relação a Rojava”

Sul21 – Como está a solidariedade internacional em relação a Rojava?
Giran –
Há dois períodos: antes e depois da conquista de Kobani. Antes de Kobani a mídia ocidental não falava sobre Rojava, porque a resistência foi inacreditável. O Estado Islâmico tomou Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, em 24 horas. Mas não conseguiram conquistar Kobani, uma cidade com 200 mil habitantes e não mais do que 5 mil combatentes. Depois disso, houve um despertar internacional em relação ao que ocorre em Rojava, as pessoas estão debatendo o sistema político que está sendo criado lá. Esperamos que as pessoas se solidarizem e acompanhem esse experimento socialista e revolucionário que está ocorrendo em Rojava. Ainda é um experimento. Somente com a ajuda e a solidariedade das pessoas ao redor do mundo, especialmente na América Latina, esse experimento poderá ser bem sucedido.



Sul21 – O que esse processo revolucionário significa para a esquerda, de uma forma geral?
Giran –
Embora o capitalismo esteja afundando em uma grande crise, a esquerda ainda não foi capaz de mostrar um modelo concreto ao mundo. Agora temos um experimento em Rojava ao qual podemos nos espelhar e dizer ao mundo: “É assim que queremos que as pessoas vivam”. Cabe a nós, pessoas de esquerda e revolucionárias, mostrar ao mundo que o modelo desenvolvido em Rojava pode ser bem sucedido e que o socialismo pode ser tão bom na prática quanto é na teoria. Acredito que a esquerda não irá perder essa oportunidade.

Sul21 – Como Rojava está se abrindo para o mundo neste momento? Organizações e pessoas estrangeiras podem ir para lá?
Giran –
O governo turco deixa suas fronteiras abertas para o Estado Islâmico e fecha as portas para a solidariedade revolucionária em relação a Rojava. Muitos europeus já se juntaram ao YPG, vários latino-americanos também já se juntaram a Rojava. Há maneiras de garantir contatos, o PYD tem escritórios na Europa. Rojava espera pela visita das pessoas, porque tem algo a mostrar ao mundo.

“A mídia ocidental não demonstra a realidade da revolução, não fala sobre seu caráter anticapitalista”

Sul21 – Qual o papel das potências ocidentais em relação ao que ocorre em Rojava?
Giran –
O Ocidente está dizendo que aceitará Rojava se for igual ao Governo Regional do Curdistão. Se Rojava for mais aberta ao Ocidente e às grandes corporações, receberá apoio das potências ocidentais. É por isso que o povo não está esperando que esse apoio venha.

Sul21 – Como tu vês a cobertura da mídia sobre Rojava?
Giran – Há diferentes abordagens. É claro que a revolução quer ser conhecida e vista pelo mundo, mas ela quer ser mostrada pelo que realmente é. A gente vê fotos de mulheres combatendo em Rojava, mas não sabemos por que elas estão lutando. Não vemos na mídia tradicional a informação de que o PKK é uma organização socialista, de que a economia em Rojava é baseada em cooperativas.