(TUNÍSIA, MARÇO DE 2015) APELO PARA UM PRIMEIRO ENCONTRO ANARQUISTA DO MEDITERRÂNEO

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Fonte: Portal Anarquista – Coletivo Libertário Evora

Hoje a região mediterrânica continua a ser uma das regiões do mundo na vanguarda dos levantamentos e dos protestos populares. Estes últimos estendem-se do norte ao sul do Mediterrâneo, devido à crise económica e financeira mundial, provocando um aumento da precariedade e da pobreza bem como a migração de centenas de milhar de pessoas.

Ainda que as situações sejam diferentes de uma região para outra, a população resta à mercê dos capitalistas e das suas cliques. Em resposta a esta crise mundial, uma série de levantamentos populares atingiu a região. Começaram na Tunisia e não sabemos ainda onde irão acabar. Estes levantamentos e estas manifestações, que têm lugar na região mediterrânica, dão esperança na capacidade dos povos poderem mudar a sua vida.

Contudo, apesar das revoltas populares, a situação na Tunísia e no Egipto degradou-se fortemente nestes três últimos anos. Com efeito, as milicias RDC do antigo regime (Tunísia) e a Junta Militar (Egipto) aproveitaram as incertezas pós-revolucionárias para assegurarem o seu poder graças à colaboração e ao apoio de antigos membros destes regimes. Eles têm hoje na sua mão o conjunto dos postos chave do poder e as suas riquezas, condenando assim as populações a mais precariedade e a mais miséria.

Quanto à situação na Síria e na Líbia, grupos de mercenários islamitas financiados por certos emiratos árabes e/ou pelo Irão confiscaram a luta do povo contra a opressão e a ditadura para si próprios. Nomeadamente, o povo sírio que está a lutar contra a barbárie de Bachar El Assad e contra a dos combatentes que lutam pelo Califado Islâmico.

Ainda que as classes dirigentes destes países intimidem e reprimam  através do sangue as manifestações e os levantamentos, a população e os anarquistas continuam a resistir e a lutar pela sua emancipação, a auto-organizarem-se e a tecerem laços de solidariedade e entre-ajuda.

É neste espírito de solidariedade e de entre-ajuda que apelamos a todos os anarquistas, libertários e anti-autoritários a juntarem-se a nós para a  criação de uma rede de contactos, de partilha de informações, de projectos e de solidariedade entre os anarquistas do Mediterrâneo.

Com esse fim, o colectivo libertário tunisino “Património Libertário“, a Federação Anarquista (Francófona, FA) e a Internacional de Federações Anarquistas (IFA-IAF) convidam-vos aos Encontros Anarquistas do Mediterrâneo que vão ter lugar em Tunes, de 27 a 29 de Março de 2015. Este convite é aberto a todas e a todos, aos nossos camaradas, incluindo aquelas e aqueles que não pertencem a esta região.

O encontro vai-se concentar sobre a situação vivida pelos povos do Mediterrâneo durante as crises económicas e sobre os protestos populares com o objectivo de derrubarem os regimes que exploraram e que ainda exploram os povos da região.

Jornadas libertárias mediterrânicas

Tunísia, Março de 2015

Ficha de organização

1/Temas de debate e programa das Jornadas:

  1. Sexta-feira, 27 de Março

Dia de acolhimento das delegações.

  1. Sábado, 28 de Março

A manhã será dedicada às trocas de experiências sobre as lutas sociais, há a proposta de que uma organização ou duas nos falem das suas lutas actuais (ex. os kurdos/turcos e os gregos).

Da parte da tarde terá lugar a discussão e a adopção do texto/carta pelas delegações presentes que formalizará a existência da rede mediterrânica.

      3. Domingo, 29 de Março

De manhã: Apresentação pela delegação grega do próximo encontro Med, que terá lugar em Outubro de 2015, provavelmente na Grécia.

Da parte da tarde: conclusão do encontro.

II/ logística e condições

As jornadas serão organizadas num local que será posto à disposição dos participantes pelo colectivo libertário tunisino “Património Libertário” de sexta-feira, 27, a domingo, 29 de Março de 2015

As delegações (1 ou 2 pessoas por organização) serão alojadas e as refeições serão também asseguradas no mesmo local.

Por isso será pedida uma participação de 15 euros a cada participante

Contactos:

Federação Anarquista: http://www.federation-anarchiste.org/

internationales@federation-anarchiste.org

Le Commun Libertaire (Património Libertário) : commun.anar.lib@gmail.com

Internationale des federations Anarchistes (IFA): www.i-f-a.org

secretariat@i-f-a.org

(Chile) Propaganda pela solidariedade internacional anti-autoritária com os compas presos na Espanha.

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Fonte: ContraInformate

SOLIDARIEDADE REBELDE COM OS ANARQUISTAS PRESOS NA ESPANHA

NENHUMA AGRESSÃO SEM RESPOSTA!!!

Frente à nova operação repressiva que no dia 16 de dezembro deixou uma dezena de espaços anarquistas invadidos pela polícia e 7 companheiros anarquistas prisioneiros no Estado espanhol acusados de terrorismo, nossa resposta não pode ser outra que não a multiforme solidariedade anárquica internacional em ofensiva permanente contra todas as formas do domínio.

Que nossos companheiros sintam o calor da solidariedade e nosso inimigo arda no fogo da luta anti-autoritária pela liberdade.

NEM CULPADOS NEM INOCENTES, SIMPLESMENTE INIMIGOS DO PODER E DE TODA AUTORIDADE!

MÓNICA CABALLERO, FRANCISCO SOLAR, GABRIEL POMBO DA SILVA E TODOS OS COMPANHEIROS PRESOS NA ESPANHA E NO MUNDO, VAMOS PRA RUA!!!!

Sobre o perigo de transformar a anarquia em um conjunto de práticas “alternativas” sem conteúdo de ofensiva ao poder.

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(publicado na revista “Contra toda autoridad”, Chile, Setembro 2014#1)

Fonte: ContraInformate

Sem dúvida um dos grandes perigos que assola a anarquia a todo tempo é a possibilidade de ela se transformar em um conjunto de práticas sem qualquer conteúdo de ofensiva contra o poder.

Esta situação é fomentada, por um lado, pelo mesmo inimigo através de seus valores aglutinantes em torno do domínio democrático, como a “diversidade”, a “tolerância”, o “pluralismo” e também a integração econômica por meio da mercantilização da rebeldia e do consumo “alternativo”.

Por outro lado, existe também toda uma gama de indivíduos e grupos “contestadores” e inclusive alguns “anarquistas” que de modo inconsciente ou deliberadamente se apagam do antagonismo e do conflito permanente para contra o domínio, tanto silenciando a necessidade da destruição e do ataque direto contra a autoridade ou, no pior dos casos, realizando campanhas toscas de limpeza da imagem do anarquismo, apresentando-se a si mesmos como patéticos defensores de uma ideologia alheia à confrontação ao poder.

Para nós, a recuperação de nossa vida é um processo que envolve a construção de nossa autonomia em relação ao modo de vida alienado, submisso e mercantil que oferece a sociedade do capital e da autoridade. Mas não abordamos essa proposta nunca a partir de uma lógica de coexistência pacífica com o poder, mas sim a partir de uma atitude de permanente confronto que também envolve a necessária perspectiva do ataque direto e da destruição do poder como elementos indispensáveis de todo o processo de libertação total.

E precisamente isso, uma proposta de confronto, de guerra e ataque ultrapassa a legalidade, é o que faz que toda prática que visa a “autogerir a vida” transborde qualquer iniciativa específica vivendo-a como parte de uma proposta de ofensiva impossível de ser assimilada pelo poder.

Não existem dúvidas de que a alimentação saudável e livre de exploração animal, as hortas autogeridas, a confecção de nossa própria vestimenta, a medicina natural e a libertação das relações entre indivíduos são práticas válidas na luta sempre e quando lhes resignifique como prática que propagem o antagonismo em relação à ordem social dominante. Também é importante valorar essas práticas em sua própria dimensão, a qual não é precisamente a de ser um ataque direto contra o domínio. Por isso, ao desenvolver boas iniciativas sob uma proposta de confronto anti-autoritário multiforme, estas terminam por ultrapassar as fronteiras de seus próprios limites, se mostrando como um suporte a mais na luta antes que como “a” forma de luta.

Além disso, as ações violentas que não se projetam como parte de uma ofensiva que envolve a recuperação integral da vida possuem também alcances limitados em suas perspectivas.

Tão importante como não hierarquizar os meios utilizados na luta contra o poder, é o fato de valorizar cada ferramenta em seu suporte pontual, visando a ultrapassar a luta na própria prática da permanente insurreição.

É por isso que nossa ofensiva fixa seu olhar em um horizonte que vai além dos meios utilizados, dotando de conteúdo e significado de rebelião a cada uma das práticas que desenvolvemos atrás da eliminação de todo poder e autoridade. Esta guerra contra o poder implica para nós a tensão constante e a autocrítica da qual emana a necessidade de sempre se superar, de nunca se conformar, de ganhar a rua e o terreno da polícia, de atacar a repressão e a ordem social visando permanentemente à destruição de toda forma de poder.

Difundir a anarquia não passa pela redenção dos valores antagônicos à ordem imperante, tampouco passa por fazer das formas de autogestão da vida um conjunto de práticas que evitam o confronto da ordem social. A anarquia não pode ser uma alternativa à cultura do consumo, um conjunto de práticas culturais que coexistem pacificamente com o inimigo.

A anarquia é um contínuo estar em guerra, vai além das práticas específicas arrasando com toda ideologia parcializante ou totalizante (animalismo, feminismo, naturismo, etc).

Quanto de nosso tempo e energia dedicamos a alimentar discursos e práticas carentes de conteúdo de ofensiva? Quanto dedicamos a projetos ou iniciativas destinados a propagar valores, ideias e práticas baseadas no confronto e ataque contra a dominação?

Por isso, companheiros, nem práticas de autonomia sem perspectiva de ataque, nem práticas de ataque sem perspectiva de libertação e autonomia nas relações e na vida como um todo. Porque, como disse um companheiro, a anarquia não é e nem pode ser um remédio ou um analgésico ante os males da sociedade; a anarquia é e deve ser um punhal carregado de veneno contra a ordem social e contra toda autoridade.

12 de dezembro: Trabalhadores, não escravos – Que a Greve Geral seja realmente geral

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Tradução e Fonte: FARJ

Comunicado da Federação dos Comunistas Anarquistas (FdCA), organização anarquista da Itália, sobre a Greve Geral ocorrida dia 12 de dezembro


Comunicado original: http://www.fdca.it/sindacale/2014/12dicembre.htm

12 DE DEZEMBRO: TRABALHADORES, NÃO ESCRAVOS  QUE A GREVE GERAL SEJA REALMENTE GERAL

Depois de 2 meses de greves e manifestações que culminaram com a greve social do 14 de novembro, o ciclo de lutas contra o Jobs Act, lei de estabilidade, destrava-Itália e Boa escola, chegaram a um ponto importante com a greve do 12 de dezembro decretada pela Confederação Geral do Trabalho Italiana (CGIL) com a adesão da União Italiana do Trabalho (UIL). Mesmo levando em conta fatores condizentes como o confronto entre a direção do Partido Democrático e direção da CGIL, da resposta desta última à tentativa de deslegitimação do maior sindicato italiano por parte do governo, esta greve esta para assumir a importância de grandes acontecimentos históricos do proletariado italiano. De fato este é um dos períodos mais difíceis das ultimas décadas para os trabalhadores, aos quais o ataque do capital e do governo na Itália respondem às exigências do grande capital e da oligarquia financeira que detém o comando no mundo inteiro.

O domínio totalitário do mundo financeiro gerou um dos últimos ataques à condição de vida dos trabalhadores e as decisões do Governo Renzi estão aí para demonstrar a total fidelidade aos dogmas do liberalismo mais autoritário. O “Jobs Act” é mais um, e não último, dos ataques que a casta patronal está desencadeando contra os trabalhadores, com o cancelamento de direitos e conquistas em anos de lutas. A necessidade para os patrões de sufocar o trabalho de cada sindicato que não se curve às suas exigências de concorrência capitalista, a chantagem do posto de trabalho num mar de desempregados e de empregados pobres fazem com que se desencadeie em todos os lugares a guerra entre pobres, aquela concorrência entre explorados que é a verdadeira razão do nascimento das formas sindicais.

Por isso hoje a Greve Geral pode ser realmente Geral, que doa a Governo e Patrões, que revele finalmente o próprio objetivo político e cultural. Uma greve que não tenha nada de autorreferencial e que tenha que responder à violência do ataque às condições proletárias com forte hipoteca sobre a possibilidade dos trabalhadores de se organizarem coletivamente no futuro próximo, tem de ser uma greve que reivindique aquele mesmo direito de greve, que em vários lugares tenta-se fazer passar por um privilégio entre os tantos possuídos pelos trabalhadores.

Uma greve que tem de ser uma etapa de uma ação sindical européia, que ultrapasse as contradições itálicas para chegar ao coração do monstro, às políticas econômicas do Banco Central Europeu (BCE) e da oligarquia financeira que continua a nomear governos fiéis em toda Europa.

Uma jornada, aquela do dia 12, que deve encher-se pela oposição social às politicas liberais, às ilusões governistas sustentadas pela mídia sempre disposta à colaboração com a direita politica, sempre dispostos a inventá-la para o prazer de eleitores distraídos.

Para não cair nas alternativas da direita liberal é importante reconquistar as praças e ruas com uma oposição difusa, feita de comportamentos e de escolhas corajosas. Uma greve para ressaltar que a solidariedade de classe é para nós fundamental e que estamos dispostos sempre a reconstruí-la sobre as ruínas do enfrentamento com o capital, reagindo à crescente repressão que atinge os operários como aqueles que lutam pelo direito à moradia, à água, à saúde e à escola pública, os precários como aqueles que lutam contra as grandes obras inúteis e contra os tratados internacionais sobre as mercadorias.

Hoje está em jogo a sobrevivência da defesa coletiva dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras e não só, diante de escolhas políticas que tentam nos desarmar para segregar-nos num futuro de escravos, impotentes de reagir à violência das políticas dos patrões. Hoje na praça temos que estar em muitos se queremos mudar a marca de políticas autoritárias de uma Europa que procura seu espaço imperialista através da compressão social.

Nós comunistas-anarquistas e libertários, estaremos com aqueles que combatem este projeto. Se o espaço europeu é o nosso espaço mínimo, que seja território de solidariedade e de justiça social.

ALTERNATIVA LIBERTÁRIA/FdCA

Uma visita à Assembleia Popular da Cinelândia

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Assembleia Popular 09.10.13 foto de Leila Hol

 

Por Samuel Victor

Ao final das tardes de quarta-feira já é comum encontrar nas escadarias da Câmara Municipal do Rio de Janeiro os integrantes da Assembleia Popular da Cinelândia. A aparente normalidade do ato se desmente nos passos desacelerados dos transeuntes que vem ou vão do trabalho, e nos olhares curiosos sobre as pessoas nas escadarias e sobre a insistente faixa negra que chama à reunião que deve começar logo mais às 19hs no centro da praça.

A Assembleia Popular da Cinelândia surgiu como resposta à desocupação do Ocupa Câmara e à prisão de 70 ativistas, no dia 15 de outubro do ano passado, num ato bárbaro da polícia militar e do governo do estado em que detiveram 200 pessoas e destruíram toda a estrutura da ocupação, pondo fim à resistência que durava mais de 2 meses. Após se recuperarem do ocorrido, os ativistas se reorganizaram e decidiram continuar com as reuniões que já realizavam na ocupação, mas agora sob o formato da Assembleia Popular da Cinelândia. Continuariam, assim, ocupando a Cinelândia, fazendo frente à política corrupta e autoritária com a política combativa, horizontal e popular. Mas também criariam, sem deixar de lado a atividade política, uma forma de se proteger que consistiria na própria organização da assembleia.

Nas noites de quarta, militantes de diversos coletivos ou independentes, indivíduos de diferentes ideologias se reúnem na praça para discutir problemas e ações políticas na cidade. A assembleia não é um coletivo, nem espaço próprio de um coletivo. Sua forma fluida e descentralizada garante em certa medida a segurança dos ativistas das garras do Estado que a todo o momento tenta criminalizar o movimento das ruas e criar falsas acusações de organização criminosa. Se perguntar a algum integrante mais ativo nas reuniões sobre a organização da assembleia, ele te responderá que ela nasce toda quarta à noite e se dissolve ao final da mesma noite. As reuniões se dividem normalmente em três partes: informes, propostas e deliberações. Elas seguem sem liderança, sem hierarquia, com regras decididas pelo conjunto dos participantes da assembleia. O espaço é aberto e preza pelo empoderamento popular, podendo, inicialmente, qualquer um trazer propostas para ser abraçada ou não pelo consenso daqueles presentes no dia. Algumas reuniões podem até mesmo ser temáticas.

Nessa linha de ação a Assembleia Popular construiu suas lutas desde a desocupação do Ocupa Câmara. Como não poderia deixar de ser, os temas principais dos encontros no início foram a criminalização dos movimentos sociais e a luta pelo direito ao transporte. A assembleia apoiou a construção de atos, além de servir de espaço para debates. O transporte público acabou por ser um ponto forte nos encontros iniciais, inclusive com a organização conjunta com o MPL do Rio e de Niterói do 1º Ato Contra o Aumento da Passagem, no final de 2013.

Desde então a assembleia participou em diversas lutas, como a dos atos contra a Copa, pela libertação de Rafael Braga Vieira e contra a farsa eleitoral. Hoje os lutadores sociais que resistem na Cinelândia têm dedicado seus esforços também na luta por justiça no caso da morte da Ana Carolina, jovem que morreu vitimada pelo descaso no atendimento da UNIMED quando sofria uma crise de apendicite, esperando 24h para ser atendida. A luta é por justiça para a família de Ana Carolina e de denúncia das relações corruptas na saúde que vitimam a população.

A Assembleia Popular da Cinelândia continua resistindo contra a tirania do Estado.

*Esse relato foi construído a partir de considerações de alguns ativistas que participam atualmente da Assembleia Popular da Cinelândia e dos documentos que podem ser visualizados no grupo da assembleia no Facebook. Sendo assim ele não representa posição geral da Assembleia Popular, mesmo que tenha sido consenso a permissão para que o relato fosse escrito pelo autor do mesmo, que decidiu pedir permissão para fazê-lo.

Anarquismo africano

anarquismo-africano-1[Foi criado um site africano, em inglês, destinado a ser um centro de recursos para os anarquistas, antiautoritários e outros socialistas revolucionários na África, e para todos aqueles que estão interessados na libertação do continente frequentemente explorado. Abaixo reproduzimos o texto de apresentação do projeto, chamado “African Anarchism”.]

A África atravessou séculos de sofrimento e privação, em um mundo que tem tudo. O capitalismo certamente não conseguiu proporcionar um nível de vida mínimo para os africanos e africanas. Os capitalistas autoritários que se chamavam “socialistas de estado” tampouco conseguiram dar respostas aos problemas do continente.

Neste contexto, o anarquismo não é uma solução simples, é a única solução possível que pode permitir que os povos africanos possam dar respostas às suas esperanças de uma vida sem miséria nem exploração. Nos últimos anos, grupos e indivíduos anarquistas surgiram em todo o continente. Embora se trate dos primeiros passos, é um começo, e à medida que o anarquismo cresça deveria mostrar-se como uma força poderosa na África.

Os africanos e africanas não têm nada a perder e depois de ter quebrado as suas correntes, o capitalismo global estremecerá ante suas poderosas forças revolucionárias.

Infelizmente, é muito difícil para as trabalhadoras e os trabalhadores africanos se comunicar com o resto do mundo, uma vez que o acesso à tecnologia na África ainda é muito limitado, e, portanto, muito frequentemente a informação contida nestas páginas oferecem mais perguntas do que respostas.

Estamos à procura de mais informações sobre o anarquismo na África, de modo que você pode completar com novos subsídios e ampliar os materiais que temos postados aqui no site; notícias sobre os movimentos, análise libertárias e outros temas interessantes. Portanto, se você puder nos ajudar, por favor, entre em contato com o nosso site: struggle.ws/africa/.

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a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

Paulo Leminski

Sem casa não vivemos. Sem viver, como lutamos?

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Por Gilson Moura Henrique Junior

O Estado não massacra apenas com base em policiais armados, escudos transparentes, capacetes e a determinação de manter tudo em seu lugar.

O Estado massacra como coirmão do Capital na retirada da energia cotidiana, na construção do medo, do medo de perder a casa, o respeito, as raízes, o senso, o bom senso, a alegria.

O Estado massacra ao ser cúmplice da mercantilização do morar, ao ser primo-irmão da gentrificação que aluga cavernas insalubres com preço de tendas bordadas a ouro e cobra por elas tudo, abusa de contratos leoninos, esmaga a alma, o viver, o sorriso.

Há quem consiga escapar com a ajuda dos amigos, por algum tempo, e se transferir pra outro canto, sobrevivendo, se movendo, fugindo da sanha feroz de almas que o Estado e o Capital fomentam para além do sentimento comum de seus controladores, mas intervindo até no sonho e na fome de outros massacrados por eles, que naturalizam a lógica de devoramento de homens, mulheres e crianças pela máquina de moer carne das megalópoles urbanas.

Somos todos pisoteados pelo estado e pelo capital, esmagados contra as cercas da cidade, conquistando força na marra, retirando de onde não tem.

Nós ainda temos saída, mas e quem não tem? Quem não tem suporta o peso das botas, do aluguel, do emprego mal pago e muito explorado e reza pra chegar a tempo de se aposentar e trabalhar um pouco menos nos bicos que puder pra complementar renda, rezando pra ainda distribuírem remédios necessários nas unidades de saúde.

E ai não adianta permacultura, falar em bem viver, em veganismo, em soluções mágicas de fuga da realidade esmagadoras de um capital estado onipresente que não poupa nada e não abre espaço pra quem é escravo dele não por ser fraco, mas por não ter nascido alimentado com Purê de Batata Inglesa e Pêra doce a ponto de poder sair levemente de onde dói mais o esmagamento pra um lugar onde o pisar seja mais ameno.

É mole chamar o fudido de “escravo” enquanto ele resiste com uma força inaudita a pressões que cada um dos rebeldezinhos de internet choraria se sentisse meio por cento na pele.

Pra derrubar o estado é preciso ir além da crítica ao voto, é preciso dar suporte para a destruição da relação de esmagamento de famílias sob as botas da precificação do direito de morar.

Sem casa não vivemos. Sem viver, como lutamos?

México: El Rebozo, uma cooperativa autogestionada

Fonte: : Agência de Notícias Anarquistas, em 12 de dezembro de 2014.

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A p r e s e n t a ç ã o:

El Rebozo, somos uma cooperativa autogestionada que caminha com xs que creem e fazem outra política/outra cultura em seu andar.

Associar-se em liberdade. Criar novas relações de convivência e resistência.

Somos COOPERATIVA para refletir a natureza de nossas relações, baseadas no consenso e o fazer coletivo entre nós e apoio mútuo com companheirxs de outros espaços organizados.

Carregando o futuro, caminhando o presente.

El Rebozo, porque é uma ferramenta artesanal e cotidiana que tem muitos usos. Tecido que se pendura em nossas costas, nos protege do frio e da chuva, com ele se carregam sonhos, tradições e a própria vida. El rebozo, se usa para curar feridas e até de mortalha para enterrar a nossos mortos.

Autogestionar as lutas. Organizar e fixar-nos em comunidade.

Rechaçamos o trabalho assalariado e as relações de dependência e alienação que este constrói. Por isto decidimos recuperar a capacidade de sustentar nossas vidas e nossas lutas, reapropriando-nos da possibilidade de dirigi-las até onde decidirmos. Da mesma maneira nos enredamos com outros projetos autônomos tecendo relações de intercâmbio e reciprocidade que ampliam nossa resistência.

Vemos a autogestão como um passo necessário para a construção de autonomia.

Aprender coletivamente. Compartilhar saberes, multiplicar e amplificá-los.

Rechaçamos a escola como único espaço obrigatório para preparar-se para a vida. A desescolarização para nós implica romper com a forma mental, de fazer individual e de relacionar-nos que aprendemos nas instituições educativas capitalistas. Des-aprender e re-aprender, se é possível ludicamente, o que nos é verdadeiramente útil para viver e converter-nos em uma pequena comunidade de aprendizagem móvel e aberta, onde compartimos novas maneiras de criar e fazer as coisas juntxs de maneira convivial.

Irromper desde a inquietude. Rebelar-se/Revelar-se. Criar novas relações de convivência e resistência. Desafiar, subverter, transformar, desprender, iniciar.

Somos aderentes à Sexta Declaração da Selva Lacandona do EZLN: pensamos que nenhuma mostra de dignidade pode vir de cima, de onde os poderosos só distribuem desprezo, despojo, exploração e repressão. Por isso nos somamos aos esforços ativos na reconstrução da sociedade desde baixo através da organização e da prática de novas relações sociais. Não queremos relações baseadas sobre a imposição do poder, do saque, da exploração, da violência e o individualismo, quer dizer, não queremos relações patriarcais.

Buscamos construir em nossa prática cotidiana relações baseadas sobre o respeito, a comunidade, o companheirismo e a autonomia. Em particular nos focamos em recuperar coletivamente a capacidade autônoma de analisar o mundo que vivemos e difundir ferramentas para esta análise. Por isso consideramos que El Rebozo é também um espaço político, tão só uma ferramenta mais para desmantelar o Estado e destruir o patriarcado e seus múltiplos sistemas (capitalista-neoliberal-financeiro).

Despertar imaginários, recuperar práticas, intercambiar experiências, soltar a palavra.

Nosso trabalho está focado na produção textual e gráfica e em sua difusão. Todo o material que produzimos e intercambiamos busca amplificar e nutrir as culturas em resistência e em construção de outro mundo, despertando imaginários para a recuperação de práticas ancestrais assim como para a criação de novas experiências organizativas. Cremos que o exercício de análise e reflexão é fundamental na hora de empreender caminhos alternativos ao que propõe o sistema, por isso tratamos de facilitar o aceso aos materiais que podem nos ajudar em nossas buscas, intercambiando com companheirxs de diferentes latitudes, no esforço de globalizar as lutas e as esperanças.

Vales Centrais de Oaxaca, México

Cooperativa El Rebozo

elrebozo.wordpress.com

Tradução: Sol de Abril

Domingos Passos: O “Bakunin Brasileiro”

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(Federação Anarquista do Rio de Janeiro-FARJ)

Fonte: FARJ

“Eram 5 horas quando me levantei. O Passos, acordado não sei desde que horas, estava sentado na cama, lendo o “Determinismo e Responsabilidade”, de Hamon. Tomei a toalha e desci, para banhar o rosto. Quando voltava do pateo, enxugando-me, vi dois individuos, que logo tomei pelo que realmente eram, de revolver em punho, dirigirem-se para mim, perguntando asperamente.

 – Onde está o Domingos Passos?

Prevendo uma dessas violencias de que o nosso querido companheiro tem sido tantas vezes victima, senti forte desejo de escondel-o e neguei sua presença, dizendo:

– Domingos Passos não mora aqui!”

Esse pequeno trecho do depoimento do operário Orlando Simoneck ao jornal A Pátria[1], tomado em 16 de março de 1923, expressa claramente alguns aspectos da situação então vivida por aquele rapaz mestiço, neto de avós índios[2], carpinteiro de profissão, anarquista e ativo sindicalista do ramo da construção civil: o “camarada Passos” era, já naquele ano, o alvo preferido da Polícia carioca e, se não o mais, um dos mais queridos e respeitados militantes operários do então Districto Federal. Outra característica notável de Domingos Passos, destacada no depoimento de Simoneck, era seu incansável autodidatismo, sua sede pela instrução e pela cultura, que o fazia varar as madrugadas devorando os livros da pequena biblioteca de Florentino de Carvalho, que morava naquela mesma casa da Rua Barão de São Félix, muito próxima da sede do seu sindicato.

Domingos Passos era natural do Rio de Janeiro, tendo nascido, provavelmente, na última década do século XIX[3]. Sua trajetória militante está em grande parte ligada à sua organização de classe, a União dos Operários em Construcção Civil (UOCC), fundada como União Geral da Construcção Civil (UGCC) em abril de 1917 (a UGCC havia sido, na verdade fundada em 1915, mas teve existência breve). Apenas 2 meses após a sua fundação, a UGCC já com mais de 500 filiados, conseguiu mobilizar mais de 20.000 trabalhadores para o sepultamento dos 13 operários mortos no desabamento do New York Hotel, que se transformou em uma grande manifestação contra a ganância patronal.

No rastro da greve geral iniciada em São Paulo após o assassinato do jovem sapateiro Martinez, a UGCC e outras associações de resistência declararam, em 22 de julho de 1917, a extensão do movimento para o Rio de Janeiro, tendo como conseqüência imediata o fechamento de várias sedes sindicais pela Polícia até o início de setembro e a prisão de vários militantes[4]. Outra conseqüência nefasta para a luta dos trabalhadores, foi o banimento da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), que só veio a ser substituída em 18 de janeiro de 1918 pela União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Em 26 de junho de 1918, a UGCC mudou sua denominação para UOCC. Em outubro desse ano, a epidemia de gripe espanhola causou a morte de mais de 12.000 pessoas no Rio de Janeiro e a fome assolou a população trabalhadora, principalmente nos cortiços do Centro e nos subúrbios. Criou-se então, a partir da UOCC, o Comitê de Combate a Fome, que a despeito de sua intenção e da tragédia vigente, teve várias de suas reuniões interrompidas pela polícia e quase todos os seus integrantes presos[5].

Em 18 de novembro de 1918, a UOCC participou ativamente da tentativa de greve insurrecional, tendo sua sede novamente fechada durante a onda repressiva que se seguiu, desta vez por mais de 70 dias. Centenas de operários foram encarcerados e a UGT, com apenas 9 meses de vida, foi fechada por decreto federal.

Em abril de 1919, após um ano e meio de disputas internas entre os sindicalista revolucionários (anarquistas) e a “facção conservadora” da UOCC[6], os primeiros elegeram uma nova comissão executiva e conseguiram que a organização voltasse a ser regida pelas Bases de Acordo originais (em dezembro de 1917, um manobra dos conservadores havia “legalizado” um estatuto que previa os cargos de presidente e vice, e que nunca havia sido reconhecido pelos libertários).

Em maio de 1919, a UOCC conquistou finalmente às 8 horas de trabalho diário para a categoria e, em julho, vários de seus membros participaram da fundação do novo organismo federativo, a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (FTRJ).

Nos meses de setembro e outubro de 1919, uma feroz repressão foi desencadeada contra as associações de resistência do Rio de Janeiro. No dia 10 de setembro, a sede da UOCC e de várias outras entidades de classe foram atacadas pela Polícia, tendo sido efetuadas dezenas de prisões. No dia seguinte, a FTRJ convocou uma manifestação de protesto contra a violência policial, que degenerou em um conflito com a Força Pública, resultando feridos em ambos os lados.

Foi durante esse duro período que registramos a primeira aparição “oficial” de Domingos Passos, quando este foi eleito, em 16 de outubro de 1919, o 2o Secretário da UOCC e, em dezembro desse mesmo ano, 1o Secretário para o período de janeiro a julho de 1920[7]. Destacamos, no entanto, que o fato de Domingos Passos ter passado a ocupar tais cargos na organização em um momento tão difícil, indica que sua trajetória na UOCC vinha, no mínimo, de alguns meses antes.

Domingos Passos foi indicado, junto com José Teixeira[8], delegado da UOCC no 30 Congresso Operário Brasileiro (1920), quando foi eleito Secretário Excursionista da Confederação Operária Brasileira (COB)[9]. Ao ser escolhido para tal cargo, Passos certamente já se destacava no campo do proletariado organizado por sua inteligência e oratória, cultivada no cotidiano de lutas de sua categoria. Segundo Pedro Catallo[10], Passos era “dono de uma oratória suave, envolvente e agressiva o mesmo tempo, multiplicava a afluência aos comícios, desejosa de ouvi-lo falar. Depois, raramente chegava ao seu domicílio porque a polícia cercava-o no caminho e levava-o para o xadrez, onde repousava de quinze a trinta dias por vez”.

A repressão durante todo o governo Epitácio Pessoa foi brutal, com um sem número de deportações de militantes anarquistas, prisões, torturas e assassinatos, fechamentos de sindicatos e empastelamentos de jornais operários. Em outubro de 1920, a polícia dissolveu à bala uma passeata de trabalhadores na Avenida Rio Branco e, não satisfeita, novamente assaltou a sede da UOCC, ferindo 5 trabalhadores, prendendo 28 e, posteriormente, deportando 8 destes[11].

O movimento operário sentiu os golpes, e declinou a partir de 1921. Os sindicatos “amarelos” e “cooperativistas” se fortaleceram rapidamente, e passaram a disputar a hegemonia de diversas categorias com os sindicatos revolucionários. Entre os anarquistas, desmoronaram as esperanças na Revolução Russa, com a chegada das notícias sobre a repressão bolchevique, notadamente o massacre de Kronstadt, em março de 1921.

Em 16 março de 1922, nove dias antes da fundação do Partido Comunista, a UOCC publicou o documento Refutando as afirmações mentirozas do Grupo Comunista, declarando sua incompatibilidade com os “comunistas de estado”[12]. Este importante manifesto certamente teve a participação de Domingos Passos. Este, como outros militantes da Construção Civil foram, por toda a década de 1920, os oponentes mais ferrenhos e intransigentes da doutrina bolchevista, encarnando a consciência crítica e, em determinados aspectos, punitiva, dos quadros comunistas.

“Na Rússia, onde alguns membros do partido Communista, entronizados no poder, exercem a ditadura em nome do proletariado, estão sendo perseguidos, encarcerados e mortos todos os revolucionários da esquerda, mormente os combatentes anarquistas. Se é a obra de tal partido que os do Grupo Communista propagam e pretendem realizar, outra não pode ser a atitude da Construcção Civil, senão a de opozição à ditadura, e aos seus ditadores”.[13]

Em julho de 1922, no rastro do esmagamento da revolta dos tenentes do Forte Copacabana, a repressão fechou o jornal O Trabalho, órgão da UOCC, do qual Passos foi assíduo colaborador. Um novo bastião dos anarquistas na imprensa ficou a cargo de outro militante da Construção Civil, o carpinteiro e jornalista português José Marques da Costa, redator da Secção Trabalhista do jornal A Pátria.

Em 1923, continuamente perseguido pela polícia, Domingos Passos afastou-se da Comissão Executiva da UOCC e passou a se dedicar à propaganda e à organização federativa, tendo viajado duas vezes ao Estado do Paraná[14] para colaborar com sindicatos de resistência locais. Durante todo o primeiro semestre deste ano foi um dos principais articuladores da refundação da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), já que a FTRJ, sob o controle dos bolchevistas, agonizava e, cada vez mais, aproximava-se taticamente da Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira (CSCB), entidade que congregava desde sindicatos colaboracionistas até instituições reacionárias como a Liga de Defesa Nacional e o Centro Industrial do Brasil[15]. Quando a FORJ reapareceu, em 19 de agosto de 1923, Passos foi eleito para o Comitê Federal[16].

Assim como José Oiticica, Carlos Dias e Fábio Luz, Domingos Passos era freqüentemente convidado para conferências nas sedes sindicais. Também participava ativamente dos festivais operários, atuando nas peças teatrais organizadas pelo Grupo Renovação, declamando e palestrando sobre temas sociais. Certamente, foram esses festivais alguns dos poucos momentos de lazer que Passos usufruiu em sua vida de rapaz trabalhador e ativista sindical.

A FORJ, refundada por seis associações de classe (Construção Civil, Sapateiros, Tanoeiros, Carpinteiros Navais, Gastronômicos e o Sindicato de Ofícios Vários de Marechal Hermes), até meados de 1924 teve a adesão de mais cinco categorias importantes: Fundidores, Ladrilheiros, Ferradores, Metalúrgicos e Operários em Pedreiras. O sindicalismo revolucionário, a despeito da repressão estatal e das manobras bolchevistas, se fortalecia sob a orientação da FORJ, que organizava uma conferência intersindical e planejava para aquele ano o 4o Congresso Operário Brasileiro.

E é por isso, simplesmente por isso que dia a dia os trabalhadores vão abandonando os embusteiros, enveredando pelo caminho da organização operaria, não para fortalecer nenhum partido “socialista” ou burguez, e sim para fortalecerem a si mesmos, nos seus organismos de resistencia e de combate as explorações da sociedade actual.

Quando a organização operaria tiver attingido ao apogeu almejado, uma das suas principaes preocupações é a de atirar por terra não só o partido “socialista” (dito Communista) como todos os partidos.

Não é de partidos que precizamos. Os partidos são cacos e os cacos só tem uma utilidade: a de encher as “garys” e ir aterrar a Sapucaia[17].

Precizamos é de “inteiros” e estes só se conseguem com a “organização syndicalista revolucionaria”, que une, que eleva, que constroe.”[18]

Em julho de 1924, todo esse afã organizacional foi ceifado pela repressão que se seguiu à nova revolta dos tenentes, agora em São Paulo. As sedes sindicais foram invadidas e fechadas, centenas de anarquistas encarcerados e muitos deles deportados, entre estes Marques da Costa e Antônio Vaz. Domingos Passos foi um dos primeiros a serem presos e, após 20 dias de sofrimentos na Polícia Central[19], foi recolhido ao navio-prisão Campos, fundeado na Baía de Guanabara. Sua permanência por 3 meses na embarcação caracterizou-se por momentos de profunda privação e constrangimento. Transferido para o navio Comandante Vasconcellos[20], enfrentou mais 22 dias de suplícios junto a outras centenas de cativos (anarquistas, soldados e sub-oficiais sediciosos, ladrões, malandros, cáftens, imigrantes pobres e mendigos), inaugurando em dezembro de 1924[21] a fase prisional da Colônia Agrícola de Clevelândia, o “Inferno Verde” do Oiapoque, no atual Estado do Amapá.

Após alguns meses nessa “Sibéria Tropical”, onde os maus tratos e as doenças dizimaram centenas de homens, Domingos Passos conseguiu fugir para Saint George, na Guiana Francesa. Entretanto, as febres adquiridas na selva o obrigaram à buscar medicamentos em Caiena, tendo sido acolhido fraternalmente por um créole, que o ajudou a recuperar as forças[22]. Da Guiana, seguiu para Belém do Pará, onde permaneceu por algum tempo amparado pela solidariedade ativa do proletariado organizado daquela capital.

Domingos Passos estava entre os que retornaram ao Distrito Federal após o estado de sítio imposto por quase todos os quatro anos do governo de Arthur Bernardes (1923/1926). Ao chegar ao Rio de Janeiro, no início de 1927, retornou ao ativismo sindical, mesmo sofrendo das seqüelas do impaludismo, contraído no Oiapoque. Nesse mesmo ano, mudou-se para São Paulo, onde atuou na reorganização da Federação Operária local (FOSP) e na articulação do Comitê de Agitação Pró-Liberdade de Sacco e Vanzetti[23] ,criado no início de 1926, tendo ainda participado do 4o Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado em Porto Alegre.

Em agosto de 1927 foi preso durante um meeting pró-Sacco e Vanzetti no Largo do Brás, e levado à temida “Bastilha do Cambucí”, onde permaneceu por 40 dias sujeito à toda sorte de maus tratos. Solto, saiu de São Paulo em direção ao Sul do país, perseguido em todos os cantos, conseguindo chegar a Pelotas, onde foi preso e embarcado à força em um navio para Santos[24]. Ao chegar nessa cidade, conseguiu fugir e voltar a São Paulo, vivendo oculto por algum tempo até que, em fevereiro de 1928, foi preso juntamente com o operário sapateiro Affonso Festa[25].

Segundo Pedro Catallo[26], por ordem do delegado Hibraim Nobre, Passos foi deixado incomunicável por mais de três meses em um cubículo de 2 m2 da “Bastilha do Cambuci”, escuro e sem janelas, recebendo alimentação apenas uma vez por dia. Ao ser retirado da cela imunda, tinha o corpo coberto de feridas e vestia apenas trapos. Foi embarcado em um trem e enviado para morrer nas matas da região de Sengés, no interior ainda selvagem do Estado do Paraná. Algum tempo depois, conseguiu abrigo neste povoado e pôde escrever para os camaradas de São Paulo solicitando dinheiro, que foi-lhe levado em mãos por um emissário.

Aí terminou a trajetória conhecida deste que foi um dos mais influentes e respeitados ativistas do anarquismo e do sindicalismo revolucionário de seu tempo. Nunca mais se teve qualquer notícia dele, apenas boatos esporádicos e nunca confirmados.

Não foi à toa que Domingos Passos ganhou de seus contemporâneos a alcunha de “Bakunin Brasileiro”. Poucos como ele se entregaram de tal forma ao Ideal e sofreram tanto as conseqüências dessa dedicação à luta pela emancipação dos homens e mulheres. Durante apenas uma década, em grande parte passada nas prisões e nas selvas tropicais, Passos tornou-se a grande referência de militância libertária e social de seu tempo…e do nosso também!

Nossos passos seguirão os seus, Passos!

Referências

1 A Pátria, Secção Trabalhista, 16/03/1923 (Seção de Periódicos, Biblioteca Nacional).

2 “Memórias” manuscritas de Pedro Catallo in Edgar Rodrigues. Os Companheiros 2. VJR Editores Associados Ltda. Rio de Janeiro, 1995.

3 Ibidem.

4 Leal, Juvenal. Histórico da União dos Operários em Construcção Civil (18 de março de 1917 a 31 de dezembro de 1919). Edição da União dos Operários em Construcção Civil, 1920. pgs. 10-12 (Acervo da Biblioteca Social Fábio Luz, também disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

5 Ibidem. pg.. 16

6 Ibidem. pg. 24.

7 Ibidem. pg. 28.

8 Rodrigues, Edgar. Nacionalismo & Cultura Social (1913-1922). Laemmert, 1972, p.307.

9 Ibidem. p. 314.

10 Rodrigues, Edgar. Os Companheiros 2, p. 26.

11 Rodrigues, Edgar. Nacionalismo & Cultura Social (1913-1922). p. 335-336.

12 UOCC .Refutando as afirmações mentirozas do Grupo Comunista. Edição da União dos Operários em Construcção Civil, 1922. (disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

13 Ibidem.

14 A Pátria, Secção Trabalhista, 08/07/1923.

15 Castro Gomes, Ângela. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988, p. 160.

16 A Pátria, Secção Trabalhista, 18/10/1923.

17 A Sapucaia era o depósito de lixo da cidade, situado no bairro do Caju, às margens da Baía de Guanabara, hoje cortado pela Linha Vermelha.

18 Passos, Domingos. Em frente – Ao Partido Communista. A Pátria, Secção Trabalhista, 04/05/1924. (disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

19 A Plebe, 26/02/1927.

20 Samis, Alexandre. Clevelândia: Anarquismo, Sindicalismo e Repressão Política no Brasil. São Paulo: Ed. Imaginário; Rio de Janeiro: Achiamé, 2002, p. 194.

21 A Plebe, 12/03/1927.

22 A Plebe, 26/02/1927.

23 Rodrigues, Edgar. Novos Rumos (História do Movimento Operário e das Lutas Sociais no Brasil, 1922-1946). Rio de Janeiro, Edições Mundo Livre, 1978.

24 Panfleto “Trabalhadores Conscientes, Procurae saber o paradeiro de Domingos Passos” (1928). Arquivo Biblioteca Social Fábio Luz.

25 Rodrigues, Edgar. Novos Rumos. op. cit. p. 278.

26 Ibidem, p. 279.

Decrescimento ou barbárie!

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Entrevista especial com Serge Latouche

Fonte IHU – Instituto Humanitas Unisinos

“O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando”, avalia o economista francês Serge Latouche, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, a crise financeira e o caos ambiental instalados no planeta farão o capitalismo reencontrar “a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, ele é enfático: “Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião”.

Segundo ele, o PIB não pode mais crescer, e a “única possibilidade para escapar ao pauperismo” é “retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.

Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em Ciências Econômicas, pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas, pela Université de Paris, e diretor de pesquisas. Entre suas publicações, citamos, La déraison de la raison économique (Paris: Albin Michel, 2001),  Justice sans limites – Le défi de l’éthique dans une économie mondialisée. (Paris: Fayard, 2003) e La pensée créative contre l’économie de l’absurde. (Paris: Parangon, 2003)

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio ambiente e do atual modelo econômico?

Serge Latouche – Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos subprimes é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e econômica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos ser taxados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo.
Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar, quando o hiperconsumo vem nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida. Pode-se imaginar que enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão social e civilizatória é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de trajetória.

IHU On-Line – Como manter o equilíbrio entre crescimento econômico e meio ambiente?

Serge Latouche – Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.

IHU On-Line – Quais são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais sustentável? Quais seriam os seus princípios?

Serge Latouche – Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto é, o produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos muito bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx, mas também John Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica – as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich, excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado. Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade ecossocialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que vivemos.

IHU On-Line – Como conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?

Serge Latouche – Uma lógica de crescimento e um projeto de decrescimento são incompatíveis, mas o projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos estresse, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.).

IHU On-Line – Alguns especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?

Serge Latouche – As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise econômica e financeira nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor. A rarefação do petróleo não prejudica, bem ao contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.

IHU On-Line – Qual é a marca socioecológica do Planeta? Já existe um déficit ecológico?

Serge Latouche – E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso sobre-crescimento econômico se furta aos limites da finitude da biosfera. A capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem transforma os recursos em rejeitos mais rapidamente do que a natureza consegue transformar esses rejeitos em novos recursos (1).

Se tomarmos como índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida sua “pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário, obtém-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extração da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 bilhões de hectares.

Todavia, o espaço “bioprodutivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fração do total, ou seja, em torno de 12 bilhões de hectares (2). Dividido pela população mundial atual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários para absorver dejetos e rejeitos da produção e do consumo (cada vez que queimamos um litro de essência, nós necessitamos de cinco metros quadrados de floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a isso o impacto do habitat e das infraestruturas necessárias, os pesquisadores que trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” [Redefinindo o progresso] e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo consumido por pessoa da humanidade era de 2,2 hectares na média.

Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população atual permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8.

Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada país, estamos bem longe da igualdade planetária. (2) Cada americano consome em média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo o mundo vivesse como nós franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável.

Notas:

1.- WWF, Rapport planète vivant [Relatório planeta vivo] 2006, p. 2.
2.- Um hectare de pasto permanente, por exemplo, é considerado como equivalente a 0,48 ha de espaço bioprodutivo e, para uma zona de pesca, 0,36. Wackemagel, Mathis, O nosso planeta se está exaurindo. In: Economia e Ambiente. O desafio do terceiro milênio. EMI, Bolonha 2005. (Nota do entrevistado)
3.- Gianfranco Bologna (org.), Itália capaz de futuro. WWF-EMI, Bolonha, 2001, pp. 86-88. (Nota do entrevistado)