Reforma política é segunda demão no estado

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Por Gilson Moura Henrique Junior

O uso pelos partidos da ordem e pela esquerda partidária da reforma política como panaceia para a solução dos problemas do país esconde uma preguiça intelectual fortemente aliada ao oportunismo eleitoreiro.

O primeiro problema das propostas de reforma política que ela não é política em seu inteiro teor, ela é uma reforma eleitoral, e tímida. Enquanto reforma não abrange sequer outras formas de políticas fora do eixo eleitoral, mas ainda dentro da institucionalidade, como a expansão dos comitês e conselhos que já existem na esfera municipal, para além de conselhos consultivos ou expansão para as esferas estaduais e federais com ganho de poderes e capilaridade. Enquanto política as propostas de reforma sequer tangenciam uma discussão sobre o caráter democrático do estado e a necessária repactuação deste para que o exercício do poder não seja platônico, onde uma elite dirigente quase intocável conduz a população conforme foi eleita para fazer, nas palavras de Eduardo cunha, presidente da câmara.

E isso ainda sendo discutida a reforma política nos parâmetros reformistas do estado conforme se propõe a esquerda partidária e os partidos da ordem, sequer comecei a debater o problema sob a luz da superação do sistema e do estado, coisa que pelo menos superficialmente os partidos da oposição de esquerda se dizem desejosos.

Sob o ponto de vista para além do estado é preciso dizer que o que se deveria exigir é mais que reforma do estado, que nada mais é que uma segunda demão na pintura exterior do aparato estatal ampliando direitos e deveres sob o ponto de vista eleitoral reduzindo pontual e mediocremente a questão política à financiamento público de campanha, recall e plebiscito.

Até por exigência ecológica é preciso que se exija uma descentralização absoluta do processo decisório sobre economia, energia e gestão a ponto de obrigar a um repensar de produção e consumo a níveis radicais, não por uma preferência ideológica descolada da realidade, mas por absoluta necessidade de manutenção da vida na terra.

Enquanto a economia não for lógica ou ecológica, enquanto a gestão de recursos entendê-los ainda como infinitos e ignorar resíduos, ignorar a ruptura metabólica causada pela extração de recursos e pela geração de resíduos, em escala geométrica e reproduzida de forma praticamente infinitesimal, enquanto a compreensão da casa (oykos+logos) for secundarizada pela administração da casa (oykos+nomos), correremos o risco da casa cair.

E é esse o eixo que grita a necessidade de ir além da reforma da casa, ou de parte dela ou de parte superficial de parte dela, é fundamental que se grite a obrigatoriedade da exposição á população do risco do modelo em curso de gestão da vida das pessoas e recursos para a vida no planeta, para a existência das civilizações e a partir disto é fundamental horizontalizar os processos decisórios, torná-los comunais, organizados de rua a rua, bairro a bairro, vila a vila, cidade a cidade, estado a estado, para que cada ponto onde a ação econômica atinge e afeta, produzindo danos ambientais, sociais, comunitários,etc, tenha poder para decidir sobre seus rumos, para decidir sobre como é afetado, para além da decisão distante de gestores que sequer sabem da existência dos pontos atingidos por suas ações.

Se nem como reforma isso é posto em perspectiva, diante da absoluta necessidade de por em prática uma gestão democrática radical da produção de alimentos, da produção industrial, de energia, e do consumo disso tudo, inclusive sob o ponto de vista da saúde, se isto não é visto como política e parte do que se propõe como reforma para a política, que reforma e que política é essa?

Que política e essa onde diante da absoluta necessidade de, por exemplo, discutirmos a produção de alimentos centralizada e cujo resultado dela percorre milhares de quilômetros para chegar às mesas dos consumidores, recebendo para isso uma carga absoluta de produtos químicos para sua conservação até lá e com eles afetando a saúde dos consumidores, o que ocorre é a omissão, o silêncio e a troca disso por plebiscitos aqui e ali e um recall ou outro?

Que política é essa onde transgênicos e agrotóxicos são naturalizados e entendidos como algo externo à população que no máximo que se terá de acesso á decisão é se um dia vier, no fantástico mundo da institucionalidade, a plebiscito? E como viria? Por que o inteiro teor das leis não pode ser discutido por quem sofre com elas?

Cadê a política dessas reformas?

A grande reforma que daria solução para os problemas do país, dos países, com a democracia só pode ser a reforma definitiva do estado, que é sua superação e substituição por processos horizontais de decisão, organizados em confederações de conselhos organizadas em cantões, pela descentralização da própria ideia artificial de nação, de Brasil, França ou seja lá o que os estados nacionais tomam pra si como se fossem proprietários da população que reside entre as cercas embandeiradas que separam quintais. População esta forçada a se entender como parte de uma ficção, por vezes na base da porrada, que não tem nenhuma raiz na constituição coletiva além de elementos políticos externos à ela, construído nos altos fornos das elites políticas.

Pra que perder tempo com reformas desta ficção? Não é melhor criar uma outra estória, um outro riso, uma outra peça, um outro poema, uma outra canção?

Anarquistas e a Perseguição Internacional

Por Gilson Moura Henrique Junior

A perseguição internacional a anarquistas neste início de século XXI remete à perseguição a anarquistas no início do século XX num exercício superficial de comparação histórica, mas vai mais longe que isso e tem relação profunda com novos quadros conjunturais que incluem a presença de partidos considerados de esquerda e centro esquerda no poder.

Seja na Turquia, na Espanha, no Chile, no Brasil ou em tantos outros lugares no mundo, a perseguição a anarquistas e autonomistas ocorrem de forma a não deixar dúvidas que o estado implementa uma ação consciente para não permitir nenhum tipo de resistência que não seja a consentida.

Toda luta institucional se mantém controlada dentro das regras do estado de direito e da lógica republicana, mesmo com parte dela sendo travada nas ruas, e neste aspecto mantém-se como parte da própria organização política da burguesia, que exerce sua ação dentro do arcabouço das regras da burguesia, dentro do conceito hierárquico e altamente centralizado que é também a lógica de organização estatal.

A luta sindical, as organizações sociais contestatórias, ONGs e até movimentos como o MST e MTST acabam reproduzindo em seu interior a mesma lógica da luta institucional, especialmente sindicatos, que acabam sendo parte da institucionalidade ao lidarem sempre com a mediação do e para com o estado na busca de resolução de seus objetivos e metas táticas ou estratégicas. Neste sentido qualquer luta que saia do âmbito da organização estatal ou para estatal é combatida pelo estado.

Fora deste conjunto de relações com o estado e para estado, lutas inclusive, toda força que não esteja organizada segundo os parâmetros hierárquicos do estado é entendida como alienígena e passível de repressão e exclusão custe o que custar.

Sintomático também é a conduta dos partidos da esquerda socialista na relação com estas perseguições e prisões. Quando não são eles os verdugos e os gendarmes da burguesia, são omissos na relação e na denúncia da suspensão dos direitos políticos e dos direitos humanos para com os militantes anarquistas e autonomistas prisioneiros e processados pelo estado por resistir ao avanço do capitalismo e da repressão.

Seja a militância vegana do Chile, sejam os 23 presos e processados por resistirem à gentrificação do Rio de Janeiro, sejam os anarquistas espanhóis processados pela operação Pandora ou os ambientalistas turcos perseguidos por Erdogan, e nem menciono os curdos que sofrem ataques da Turquia ou do ISIS apoiado pela mesma Turquia de foram “oculta” e “fantasma”, todos fazem parte de um tipo de resistência que busca a horizontalidade e a retirada de suas ações do âmbito da institucionalidade, e todos são perseguidos de forma brutal pelo sistema.

Não é possível que ações como essas, que compõe um cenário internacional de forte questionamento populacional à luta institucional, não teçam uma teia de coordenação de repressão a tudo o que foge da luta institucional.

O caso do Brasil e do Chile são mais graves ainda dado que parte dos comandantes da repressão, sejam os governos federais ou os dos estados, são do Partido dos Trabalhadores, outrora partido socialista e que tinha em seu programa a superação do capital e boa parte dos seus quadros são ex-perseguidos pela ditadura militar que durou de 1964 a 1985, ou, no caso do Chile, de uma consertación de centro-esquerda onda a presidente Michelet foi vítima de perseguição política por Pinochet.

Estes elementos deixam claro que a ação do estado não é isolada e busca centrar o combate pelas forças repressivas às organizações e forças que não atuam no teatro de operações do estado, na institucionalidade burguesa.

É preciso assim que estejamos atentos e fortes para a perseguição política em curso, dado que esta conta com a omissão e cumplicidade da esquerda partidária e que tendem a reforçar o avanço conservador.

Em um cenário de profundo retrocesso, esta perseguição tem poder para desarticular as lutas políticas pra fora da institucionalidade e com isso destruir mais do que a luta de anarquistas e autonomistas, mas todas elas e mais, permitir que as forças da reação assumam mais do que ameaçam hoje.

Esse tipo de ataque mundial às lutas “sem líder” são sintomas de uma profunda ofensiva do aparato estatal e do capital contra qualquer tipo de horizontalidade e democracia real. E é sintomático o silêncio da esquerda partidária sobre estas ações do aparato estatal na direção de anarquistas e autonomistas, quando não é cúmplice o silêncio.

A turba anti-partido e que busca ações por fora da institucionalidade é um profundo corte na construção estratégica da luta institucional e aponta para a construção de organizações independentes e horizontais nas periferias, nas ocupações, que independem de lideranças e de mediações com o estado e o confrontam com a autonomia e autogestão como forma de libertação e de combate ao estado.

Esse corte metodológico é adversário da centralização e do centralismo hierárquico das organizações partidária, sindicais e da maioria dos movimentos sociais que vivem na órbita da esquerda partidária.

Sendo adversário da centralização e do centralismo hierárquico da esquerda partidária, o corte metodológico anarquista e autonomista é um inimigo da busca de popularização de programas de conciliação de classe em andamento pela esquerda partidária, cujo desejo de rompimento e transformação para na ameaça de perda de espaço eleitoral e de controle sobre a massa populacional que chamam de povo e que buscam liderar de forma vertical e autoritária.

Filhos da cultura hierárquica de fábrica os partidos, sindicatos e movimentos acabam por serem simulacros da organização estatal e reprodutores de sua cultura de domínio vertical e autoritário da população. Qualquer ameaça ao eixo de sua ação política e seu próprio cerne organizativo é tratado como um inimigo pior que o próprio capitalismo.

E é por isso que precisamos de um senso de urgência que arme cada coletivo, cada organização horizontal, cada frente de lutas de antídotos e de proteção contra estados, partidos, sindicatos e movimentos que são cúmplice da repressão mundial a anarquistas e autonomistas. Ao mesmo tempo em que precisamos entender que isso também é um sintoma do crescimento da repulsa ao estado no seio da população.

Por isso precisamos nos proteger e avançar, buscando criar a cada coletivo, em cada rua, bairro e cidade meios de construirmos conselhos, coletivos e organizações libertárias que confrontem mais e mais a hierarquização estatal e sua reprodução que nos reprime.

Belas palavras escritas há alguns meses por algumas das anarquistas sequestradas pela Operação Pandora

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Fonte: Contrainformate

Solidaridade e luta

Para quem luta, a solidariedade não é um conceito vazio e distante de nossa capacidade ofensiva e dos conflitos desenvolvidos na própria luta.

Para quem luta, a solidariedade não é um “assunto” que emerge unicamente em “momentos” repressivos concretos, porque a repressão não é um “momento” senão parte inevitável e permanente dos mecanismos do Estado contra quem se rebela.

Para quem luta, a solidariedade entre quem se levanta contra a miséria diária é uma constante que permite criar a manter laços combativos que rompam o cerco do chicoteamento, do isolamento, da prisão e/ou imobilismo.

Para quem luta, a solidariedade transcende fronteiras impostas tentando transcendê-las e destruí-las através da agitação e da ação.

Para quem luta, o sentido da solidariedade busca esgotar a solidão do confinamento, livrar uma batalha contra o esquecimento de nossxs companheirxs sequestradxs pelos Estados, evidenciar a lógica do domínio que busca condená-lxs ao abandono.

Para quem luta, a solidariedade busca se traduzir em verdadeira intenção que gera gestos de rebeldia que desatem axs nossxs.

Para quem luta, nemhum deve se ver só, seja na prisão ou no cárcere a seu aberto na qual vivemos.

Para quem luta, tudo está para ser decidido, tudo está para ser feito.

Tenhamos a iniciativa.

Por todxs xs companheirxs que com garra continuam apostando na ruptura de todas as correntes.

A continuidade da luta se dá por cada um, se dá por todxs, até que não reste nenhum muro em pé.

VIVA A ANARQUIA

Para escrever axs companheirxs:

Beatriz Isabel Velazquez Davila Lisa Sandra Dorfer P. Madrid VII – Estremera Ctra. M-241 km 5,7 28595 Estremera

Madrid España

Alba Gracia Martínez Noemí Cuadrado Carvajal Anna Hernandez del Blanco P. Madrid V – Soto del Real Carretera M-609, Km 3,5 28791 Soto del Real Madrid España

Enrique Balaguer Pérez P. Madrid VI – Aranjuez Ctra. Nacional 400, Km. 28 28300 Aranjuez Madrid España

David Juan Fernández P. Madrid III – Valdemoro Ctra. Pinto-San Martín de la Vega, km. 4,5 28340 Valdemoro Madrid España

Mónica Andrea Caballero Sepúlveda Ávila-Prisión Provincial Ctra. de Vicolozano s/n Apdo. 206 05194 Brieva (Ávila) España

Francisco Javier Solar Domínguez C.P. de Villabona Finca Tabladiello 33480 Villabona-Llanera (Asturias) España

Decrescimento ou barbárie!

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Entrevista especial com Serge Latouche

Fonte IHU – Instituto Humanitas Unisinos

“O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando”, avalia o economista francês Serge Latouche, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, a crise financeira e o caos ambiental instalados no planeta farão o capitalismo reencontrar “a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, ele é enfático: “Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião”.

Segundo ele, o PIB não pode mais crescer, e a “única possibilidade para escapar ao pauperismo” é “retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.

Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em Ciências Econômicas, pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas, pela Université de Paris, e diretor de pesquisas. Entre suas publicações, citamos, La déraison de la raison économique (Paris: Albin Michel, 2001),  Justice sans limites – Le défi de l’éthique dans une économie mondialisée. (Paris: Fayard, 2003) e La pensée créative contre l’économie de l’absurde. (Paris: Parangon, 2003)

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio ambiente e do atual modelo econômico?

Serge Latouche – Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos subprimes é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e econômica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos ser taxados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo.
Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar, quando o hiperconsumo vem nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida. Pode-se imaginar que enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão social e civilizatória é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de trajetória.

IHU On-Line – Como manter o equilíbrio entre crescimento econômico e meio ambiente?

Serge Latouche – Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.

IHU On-Line – Quais são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais sustentável? Quais seriam os seus princípios?

Serge Latouche – Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto é, o produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos muito bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx, mas também John Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica – as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich, excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado. Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade ecossocialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que vivemos.

IHU On-Line – Como conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?

Serge Latouche – Uma lógica de crescimento e um projeto de decrescimento são incompatíveis, mas o projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos estresse, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.).

IHU On-Line – Alguns especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?

Serge Latouche – As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise econômica e financeira nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor. A rarefação do petróleo não prejudica, bem ao contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.

IHU On-Line – Qual é a marca socioecológica do Planeta? Já existe um déficit ecológico?

Serge Latouche – E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso sobre-crescimento econômico se furta aos limites da finitude da biosfera. A capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem transforma os recursos em rejeitos mais rapidamente do que a natureza consegue transformar esses rejeitos em novos recursos (1).

Se tomarmos como índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida sua “pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário, obtém-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extração da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 bilhões de hectares.

Todavia, o espaço “bioprodutivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fração do total, ou seja, em torno de 12 bilhões de hectares (2). Dividido pela população mundial atual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários para absorver dejetos e rejeitos da produção e do consumo (cada vez que queimamos um litro de essência, nós necessitamos de cinco metros quadrados de floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a isso o impacto do habitat e das infraestruturas necessárias, os pesquisadores que trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” [Redefinindo o progresso] e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo consumido por pessoa da humanidade era de 2,2 hectares na média.

Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população atual permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8.

Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada país, estamos bem longe da igualdade planetária. (2) Cada americano consome em média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo o mundo vivesse como nós franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável.

Notas:

1.- WWF, Rapport planète vivant [Relatório planeta vivo] 2006, p. 2.
2.- Um hectare de pasto permanente, por exemplo, é considerado como equivalente a 0,48 ha de espaço bioprodutivo e, para uma zona de pesca, 0,36. Wackemagel, Mathis, O nosso planeta se está exaurindo. In: Economia e Ambiente. O desafio do terceiro milênio. EMI, Bolonha 2005. (Nota do entrevistado)
3.- Gianfranco Bologna (org.), Itália capaz de futuro. WWF-EMI, Bolonha, 2001, pp. 86-88. (Nota do entrevistado)