Os anarquistas e a geografia urbana (1): Kropotkin

Fonte: Passa Palavra

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O espaço urbano do passado e do porvir – como qualquer outro espaço – é, também, fruto de lutas sociais, em especial quando as cidades são o palco principal das lutas pela liberdade. Por Manolo

Embora seja possível traçar seus antecessores em diversos momentos da história, o movimento anarquista, tal como o compreendemos hoje, consolidou-se como expressão de um projeto político apenas nas quatro últimas décadas do século XIX, e a força, presença e relevância deste projeto político inicial influenciaram incontáveis organizações e iniciativas políticas até a década de 1930, quando eventos que culminaram na chegada ao poder político entre 1917 e 1939 de organizações políticas historicamente inimigas do anarquismo – que vão desde comunistas até fascistas, passando por organizações influenciadas pelo liberalismo, pelo conservadorismo, pelo nacionalismo e pelo fundamentalismo religioso – resultaram numa onda de perseguição política aos anarquistas cujo saldo foi o desmantelamento de suas organizações e a destruição de seus arquivos pessoais, além de prisões, exílios e assassinatos.

Somente na década de 1960 o anarquismo retornou com força à cena política, perseguido e marginalizado (WOODCOCK, 2008). Por isto, optou-se neste artigo por chamar o movimento anarquista existente nos setenta anos compreendidos entre as décadas de 1860 e 1930 de primeira onda do anarquismo, para diferenciá-lo da retomada iniciada na década de 1960, cujos efeitos são sentidos até hoje.

Nesta primeira onda do movimento anarquista, houve dois militantes, geógrafos de profissão, que apresentaram versões alternativas e bastante funcionais a muitas das teorias atualmente empregues na compreensão do fenômeno citadino e no planejamento urbano [1]: Elisée Reclus e Piotr Kropotkin. Para ambos, “anarquismo e geografia são uma combinação lógica” (DUNBAR, 1989, p. 78), seja enquanto filosofia política, seja enquanto fundamento epistemológico.

Kropotkin e Reclus veem na livre associação dos indivíduos e na solidariedade duas forças motrizes do desenvolvimento social, econômico, político e geográfico; por isto mesmo, são críticos acerbos de tudo quanto possa obstaculizar estas duas forças: Estado, capital, exploração do homem pelo homem, colonialismo, imperialismo, tirania e autoritarismo são temas constantes de seus ataques.

Por caminhos teóricos ligeiramente diferentes, Kropotkin e Reclus chegam à conclusão de que as cidades são um lugar de encontros e um espaço fértil para atuação política, por terem sido os lugares onde surgiram os embriões da democracia moderna – embora vejam no governo representativo e no Estado, mesmo o mais democrático, entraves à solidariedade e à livre associação dos indivíduos. Por terem sido quase vizinhos em seu exílio suíço (1877-1881), Kropotkin e Reclus influenciaram-se mutuamente, um “polindo” o entendimento do outro através do diálogo: Reclus dando foco mais social e ecológico à geografia física de Kropotkin, e este último conferindo à geografia social e ecológica de Reclus caráter mais comunal e mais atento no fenômeno urbano (WARD, 2010, p. 209-210).

1 Piotr Kropotkin e a revolução urbana na Europa

1.1 Breve biografia

Piotr Kropotkin em 1864

Príncipe da dinastia ruríquida, senhora dos territórios da Rússia e Ucrânia entre 862 e 1610, Piotr Kropotkin (1843-1921) recusou o título aos 12 anos para tornar-se uma das figuras centrais do movimento anarquista no século XIX, e repreendia duramente os amigos que ainda o tratavam como se fosse nobre (BALDWIN, 1970, p. 13).

Quando jovem, na Rússia, esteve envolvido com atividades administrativas, militares e de corte; entre 1866 e 1872 dedicou-se a expedições científicas à Sibéria, tendo em seguida, numa viagem à Suíça, tido contato com o movimento operário, filiando-se à seção genebrina da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).

Por influência de militantes da Federação do Jura suíço, ingressou no movimento anarquista, que não abandonou até sua morte. Voltou à Rússia ainda em 1872, e já em 1874 estava preso na fortaleza de Pedro e Paulo por sua atividade política com o Círculo Tchaikovsky. Tendo escapado das prisões russas em 1876, passou a viver no exílio, entre a França, Suíça e Inglaterra, sempre ativo no movimento anarquista então em pleno vigor.

Voltou à Rússia apenas em 1917 para colaborar com o processo revolucionário, mas a escalada dos bolcheviques ao poder através de um golpe de Estado fê-lo crítico acerbo desta forma de condução de um processo revolucionário – em conformidade com sua longa crítica a qualquer governo, mesmo revolucionário. Morto em 8 de fevereiro de 1921, seu funeral, em 13 de fevereiro, foi o último ato público de anarquistas durante a Revolução Russa; a Cheka, polícia política bolchevique, se encarregaria de aniquilá-los a partir de então.

1.2 As cidades medievais europeias como berço da democracia e do Estado modernos

Não cabe aqui fazer um inventário completo das ideias políticas e Kropotkin quando uma boa introdução ao assunto (WOODCOCK, 2002, pp. 207-250) ainda se encontra em catálogo editorial. Basta mencionar, introdutória e esquematicamente, que para Kropotkin tanto o feudalismo quanto o capitalismo criam escassez artificial e baseiam-se na força bruta e em privilégios; ele propôs um sistema político e econômico descentralizado, baseado no apoio mútuo e na cooperação voluntária, duas tendências que identificou como já presentes na vida social (KROPOTKIN, 2000, 2005, 2009, 2011).

Nuremberg, 1493

Interessam, para os fins deste artigo, sobretudo as ideias de Kropotkin sobre as cidades e sua inter-relação, ainda mais justificadas quando sua obra geográfica não tem sido objeto do mesmo revival que a de seu amigo Élisée Reclus. Será necessário, como pano de fundo desta subseção, criticar duas opiniões. A primeira, mais comum, diz que Kropotkin teria sido fundamentalmente um geógrafo físico. O geógrafo Marcelo Lopes de Souza (2011, p. 10), após breve apresentação desta opinião, está também entre os que a criticam; não obstante a fama de Kropotkin como geógrafo físico ser merecida, por ter sido o primeiro a cartografar certas regiões do norte da Ásia (WARD, 2010, p. 214), ela espraia uma cortina de fumaça sobre sua não menos significante contribuição à geografia social presente em obras como Campos, fábricas e oficinas (KROPOTKIN, 1901) e A conquista do pão (KROPOTKIN, 2011), reconhecida por entusiastas de primeira hora como Lewis Mumford [2]. A segunda opinião, menos difundida, leva em conta a contribuição de Kropotkin à geografia social, mas quanto à questão urbana defende que “sua preocupação com a cidade é mais indireta” (VASCONCELOS, 2012, p. 71); a questão urbana, muito pelo contrário, está no cerne das preocupações de Kropotkin, quer no âmbito historiográfico, quer no âmbito geográfico, quer no âmbito político.

Kropotkin, geógrafo evolucionista e biólogo neolamarckista (ALSINO, 2012), e por isso mesmo muito atento ao desenvolvimento histórico da relação homem-meio, encontrou nas comunasurbanas europeias existentes entre os séculos X a XIV, herdeiras diretas das comunas rurais, tanto um antecessor cronológico das cidades modernas quanto uma base para a reflexão política de sua militância revolucionária.

As comunas urbanas e as primeiras cidades medievais eram, para Kropotkin, um modelo de resistência à tirania. Em várias passagens de sua obra (KROPOTKIN, 1901, 1955, 2000, 2005h, 2009, 2011) mostrou como estas comunas lutaram contra os senhores feudais, sendo em alguns momentos vitoriosas.

Para Kropotkin, as cidades medievais foram formadas por um lento e conflituoso desenvolvimento histórico, impulsionado por um conjunto de fatores em influência recíproca: a federação de vilarejos em prol da defesa comum contra inimigos externos (KROPOTKIN, 2009, p. 128); a restauração da paz interna em situações de desrespeito aos costumes, num embrião de função jurisdicional (idem, p. 120-131); o surgimento e consolidação das guildas e dos mercados (idem, p. ); a consolidação dos direitos fundamentais da posse comum da terra e daautojurisdição, que significava na prática autoadministração e autolegislação (idem, p. 133); e as conjurações, fraternidades e amizades, pactos políticos consolidados em cartas constitucionais, forjados na luta para “sacudir o jugo de seus senhores laicos e clericais” (idem, p. 132). O europeu medieval, para Kropotkin, seria “essencialmente federalista” (KROPOTKIN, 2000, p. 53), “preferia invariavelmente a paz à guerra” (KROPOTKIN, 2009, p. 128).

Representação da cidade livre de Aachen (Alemanha) na Idade Média

Em termos atuais, pode-se dizer que Kropotkin viu na história das cidades europeias medievais o espaço urbano como produto da associação de indivíduos em busca da libertação do jugo feudal e da dominação eclesial: “O principal objetivo da cidade medieval era o de garantir a liberdade, a autoadministração e a paz, e sua principal base, o trabalho” (KROPOTKIN, 2009, p. 142). Não apenas o espaço físico e o desenho urbano [3], como as instituições sociais criadas nestas cidades foram para ele resultados desta luta. A tese das cidades medievais como berço da democracia ocidental só veio a ser retomada – com as nuances hermenêuticas e idiossincráticas peculiares a cada autor – no início do século XX por Max Weber (2002, pp. 955-975) e Henri Pirenne (1927, 1969).

O final deste período de lutas libertárias teria sido determinado por um conjunto de fatores, também em influência recíproca, verificados por Kropotkin entre os séculos XIV e XVI. A partir da iniciativa de senhores feudais que, tendo acumulado mais riquezas que seus circunvizinhos, escolhiam como sede de seu domínio “um grupo de aldeias bem situadas e ainda sem a experiência da vida municipal livre” (KROPOTKIN, 2009, p. 168), surgiram as cidades nobres fortificadas, imitações tortas das cidades livres, às quais estes senhores feudais atraíam companheiros de armas (por distribuição de aldeias), mercadores (por privilégios ao comércio), juristas versados no direito romano e bispos. Estas cidades nobres, em constante conflito com as cidades livres, foram o embrião do Estado absolutista (idem, p. 169).

Soma-se a este fator a mudança da tática política da Igreja: ao invés da recalcitrante tentativa de criação de uma teocracia unificada, “bispos mais inteligentes e ambiciosos passaram a apoiar quem consideravam capazes de reconstituir o poder dos reis de Israel ou dos imperadores de Constantinopla” (idem, p. 169), espraiando-se assim entre os nobres como conselheiros, jurisconsultos e diplomatas.

Os camponeses ainda sob o jugo feudal, ao verem a incapacidade dos habitantes dos burgos para pôr fim às guerras entre cavaleiros, afiançavam sua liberdade agora àqueles nobres mais poderosos (idem, p. 169), cujas famílias – a família Kropotkin inclusive – no futuro seriam as mais poderosas dinastias absolutistas da Europa.

Havia também um fator interno, as “divisões que haviam surgido dentro das próprias cidades” (idem, p. 169): as famílias dos fundadores da cidade disputavam privilégios de comércio com as famílias de habitantes mais recentes; os citadinos, ou burgueses, não faziam questão de proteger as aldeias dos arredores, formadas por camponeses, a quem deixavam frequentemente sob o jugo de senhores feudais; mas para Kropotkin “o erro maior e mais fatal da maioria das cidades foi o de basear sua riqueza no comércio e na indústria, em detrimento da agricultura” (idem, p. 169), o que além de dificultar a integração com as aldeias circunvizinhas, fomentou o colonialismo e, como consequência, guerras coloniais consumidoras das riquezas citadinas [4].

Florença no Renascimento

Ao contrário do que se possa imaginar à primeira leitura, o retorno de Kropotkin às cidades medievais não era uma utopia regressiva, uma idealização do passado proposta como horizonte político, mas sim uma crítica historicista às utopias socialistas do século XIX: “não só as aspirações de nossos radicais modernos já eram realidade na Idade Média, assim como muito do que se chama hoje de utopia era comum naquela época” (KROPOTKIN, 2009, p. 157; HORNER, 1989, p. 142).

1.3 As cidades como palco privilegiado da luta de classes na Europa

A tese geográfico-política kropotkiniana, entretanto, não se encerra aí. As cidades europeias teriam sido palco desde o século XIV de uma luta encarniçada do “povo” contra os burgueses, senhores feudais, aristocratas e reis absolutistas pela defesa de suas liberdades e pelo uso comum da terra. Toda a história das revoluções europeias, para Kropotkin, explica-se por esta chave. A análise da Revolução Francesa feita por Kropotkin é exemplar neste sentido.

Para Kropotkin, a Revolução Francesa foi impulsionada não apenas pelos panfletos iluministas, mas pela decidida ação popular de libertação de obrigações feudais e de retomada de terras das mãos de senhores laicos e religiosos. Desabrochavam no seio das massas ideias “a respeito da descentralização política, do papel preponderante que o povo queria dar às suas municipalidades, às suas seções nas grandes cidades, e às assembleias de aldeia” (KROPOTKIN, 1955, vol. 1, p. 23). Ou ainda: “a revolta dos camponeses para a abolição dos direitos feudais e a reconquista das terras comunais tiradas às comunas aldeãs desde o século XVII pelos senhores laicos e eclesiásticos – eis a própria essência, a base da grande Revolução” (idem, p. 114). Ou então:

Em França, o movimento não foi somente um levante para conquistar a liberdade religiosa ou apenas a liberdade comercial e industrial para o indivíduo, ou ainda para constituir a autonomia municipal nas mãos de alguns burgueses. Foi, sobretudo, uma revolta dos camponeses: um movimento do povo para reentrar na posse da terra e a libertar das obrigações feudais que sobre ela pesavam; e além de haver nisso um poderoso elemento individualista – o desejo de possuir a terra individualmente – havia também o elemento comunista: o direito de toda nação à terra – direito que veremos altamente proclamado pelos pobres em 1793. (idem, pp. 116-117)

Tomada da Bastilha

A luta de classes eclodiu também nas cidades. Na França do século XVIII, a autoridade real demorara duzentos anos para construir uma estrutura institucional capaz de submeter a seu jugo as cidades anteriormente livres; tais instituições – conselhos municipais vitalícios, direitos feudais, síndicos, almotacéis, direitos eclesiais de intervenção nas instituições municipais, isenções tributárias a membros da Igreja Católica e aristocratas etc. – encontravam-se em franca decrepitude às vésperas da Revolução Francesa (idem, pp. 118-120). Assim que a notícia da queda da Bastilha circulou pela província, o povo sublevou-se, apoderando-se dos Paços dos Conselhos e elegendo “uma nova municipalidade”; esta foi a base da revolução comunalista posteriormente sancionada pela Assembleia Constituinte em 1789 e 1790 (idem, p. 121). O “povo”, territorializado a partir dos distritos (arrondissements) de Paris e de outras cidades grandes, “fez a revolução nas localidades, estabelece revolucionariamente uma nova administração municipal, distingue entre os impostos que aceita e os que recusa pagar, e dita o modo de repartição igualitária daqueles que pagaria ao Estado ou à Comuna” (idem, p. 130).

Daí por diante, estabelecido o pano de fundo, a densa análise de Kropotkin, baseada em rigorosa pesquisa documental e arquivística [5], segue a mesma tônica. A Revolução Francesa é analisada em termos territoriais, e especificamente em sua expressão urbana. A luta dos habitantes das cidades contra as instituições feudais ressurgia, desta vez inaugurando na prática ocomunismo.

1.4 As cidades nos processos revolucionários

Mas é na passagem da sociedade capitalista para a sociedade anarquista – ou seja, durante a revolução – que Kropotkin apresenta vislumbres interessantes. Para ele, “a revolução social deve ser feita pela libertação das comunas, e (…) apenas as comunas, absolutamente independentes, libertas da tutela do Estado (…) poderão nos dar o meio necessário à revolução e o meio de realizá-la (…)” (KROPOTKIN, 2005a, p. 91). Pontuou, na esteira de suas análises histórico-geográficas posteriores ao período medieval, que a revolução das comunas não se tratava de simples retorno à comuna medieval, mas sim da construção de uma nova comuna que, devido à ciência e à tecnologia de então, seria “um fato absolutamente novo, situado em novas condições e que, sem dúvida, traria consequências totalmente diferentes” (idem, p. 91), e que “deve destruir o Estado e substituí-lo pela federação” (idem, p. 93). Neste processo, Kropotkin mostra atenção para as relações “cidade-província”, para que as cidades não fiquem desabastecidas (KROPOTKIN, 2011, p. 53). Tal como se verá adiante e com mais detalhe sobre Élisée Reclus, Kropotkin já intuía entre 1880 e 1882 aquilo que só na década de 1930 veio a ser chamado de rede urbana, dando-lhe o nome de federação de comunas e projetando-a no futuro a partir de tendências do presente:

Graças à infinita variedade das necessidades da indústria e do comércio, todos os lugares habitados já possuem vários centros aos quais se ligam, e, à medida que suas necessidades desenvolverem-se, ligar-se-ão a novos centros, que poderão prover às novas necessidades. (…) A comuna sentirá, portanto, necessidade de estabelecer outros contratos de aliança, entrar para outra federação. Membro de um grupo para aquisição de gêneros alimentícios, a comuna deverá tornar-se membro de um segundo grupo para obter outros objetos que lhe serão necessários (…). Tomai um atlas econômico de qualquer país e vereis que não existem fronteiras econômicas; as zonas de produção e de troca de diversos produtos penetram-se mutuamente, confundem-se, superpõem-se. Do mesmo modo, as federações de comunas, se seguissem seu livre desenvolvimento, viriam rápido confundir-se, cruzar-se, superpor-se e formar, assim, uma rede de maneira diversamente compacta, “una e indivisível”, daqueles agrupamentos estatistas, que são apenas justapostos como as varas em feixe em torno da machadinha do lictor. (…) [A] íntima ligação já existe entre as diversas localidades, graças aos centros de gravitação industrial e comercial, graças a um grande número destes centros, graças às incessantes relações (KROPOTKIN, 2005a, pp. 97-98).

A este nível territorial da federação de comunas soma-se outro, ligado aos interesses dos indivíduos, apto a formar “uma comuna de interesses cujos membros estão disseminados em mil cidades e vilarejos” (KROPOTKIN, 2005a, p. 99); trata-se das associações, cooperativas e todas as outras formas de sociedades livremente constituídas para a atividade humana – ou seja, aquilo que, usando um vocabulário contemporâneo, se chamaria sem equívoco de sociedade civil – verdadeira “tendência, o traço distintivo da segunda metade do século XIX” (idem, ibidem) que ocupava “a cada dia novos campos de ação, até aqueles que, outrora, eram considerados como uma atribuição especial do Estado” (idem, ibidem). A convergência entre ascomunas territoriais e as comunas de interesse formava o solo onde a propaganda feita pelas minorias revolucionárias, ao romper com preconceitos políticos arraigados no seio do povo, germinaria em ações revolucionárias cujos fins últimos são a abolição do Estado, dos privilégios e da exploração (KROPOTKIN, 2005 e, 2005f, 2005g).

Casas proletárias na Londres do século XIX

E a questão urbana, mais especificamente a questão da moradia, é um dos pontos, para Kropotkin, por onde pode-se começar a ação revolucionária. Plenamente consciente dos mecanismos de formação da renda fundiária urbana, Kropotkin deslegitimou-a, pois não somente as vantagens locacionais capazes de valorizar imóveis seriam resultado pura e simplesmente de um trabalho coletivo a que o proprietário do imóvel não deu causa e do qual se beneficia, como o próprio imóvel seria resultado de trabalho alheio indevidamente apropriado:

Finalmente – e é aqui sobretudo que a enormidade salta aos olhos – a casa deve o seu valor atual ao rendimento que o proprietário puder tirar dela. Ora, esse rendimento será devido à circunstância de a propriedade estar edificada em uma cidade calçada, iluminada a gás, em comunicação regular com outras cidades e reunindo no deu seio estabelecimentos de indústria, de comércio, de ciência, de arte; ao fato de esta cidade ser ornada de pontes, de cais, de monumentos, de arquitetura, oferecendo aos habitantes muitos confortos e muitos agrados desconhecidos nas aldeias; ao fato de que 20, 30 gerações têm trabalhado para a tornar habitável, saneá-la e embelezá-la.

O valor de uma casa em certos bairros de Paris é 1.000.000, não que nas suas paredes haja 1.000.000 em trabalho, mas porque está em Paris; porque desde séculos, os operários, os artistas, os pensadores, os sábios e os literatos têm contribuído para fazer Paris o que ela é hoje; um centro industrial, comercial, político, artístico e científico; porque tem um passado; porque as suas ruas são conhecidas graças à literatura, na província como no estrangeiro; porque é o produto de um trabalho de 18 séculos, de 50 gerações, de toda a nação francesa.

Quem, pois, tem o direito de se apropriar da mais ínfima parcela desse terreno ou da última das construções, sem cometer uma clamorosa injustiça?

Quem tem o direito de vender, seja a quem for, a menor parcela do patrimônio comum? (KROPOTKIN, 2011, pp 59-60)

Casas proletárias em Paris, 1912

A solução deste problema, para Kropotkin, é o alojamento gratuito, como proposta pós-revolucionária, e a expropriação das casas, como ação revolucionária imediata. Na verdade, Kropotkin não fez nada além de sistematizar e discutir a prática, já existente no século XIX:

Repugna-nos traçar nos seus menores detalhes planos de expropriação. […] Assim, esboçando o método segundo o qual a expropriação e a repartição das riquezas expropriadas “poderiam” fazer-se sem a intervenção do governo, não queremos senão responder aos que declaram a coisa impossível. […] O que somente nos importa é demonstrar que a expropriação “pode” fazer-se pela iniciativa popular e “não pode” fazer-se de outro modo.

É de prever que, desde os primeiros atos de expropriação, surgirão no bairro, na rua ou no agregado de casas, grupos de cidadãos de boa vontade, que virão oferecer os seus serviços para se informarem do número de apartamentos vazios, dos apartamentos atulhados de famílias numerosas, dos alojamentos insalubres e das casas que, demasiado espaçosas para os seus ocupantes, poderiam ser ocupadas por aqueles que não têm ar em seus casebres. Em alguns dias, esses voluntários espalharão pela rua, pelo bairro, listas completas de todos os apartamentos, salubres e insalubres, estreitos e largos, alojamentos infectos e moradias suntuosas.

Comunicarão livremente entre si as suas listas e em poucos dias terão estatísticas completas. […]

Então, sem esperar coisa alguma de ninguém, esses cidadãos irão provavelmente encontrar os seus camaradas que habitam espeluncas e lhes dirão muito simplesmente: “Desta vez, camaradas, é a Revolução a valer. Venham esta tarde a tal lugar. Todo o bairro lá estará, repartiremos os apartamentos de cinco peças que estão disponíveis. E logo que estiverdes “em casa”, será negócio feito. O povo armado responderá a quem quiser desalojar-nos. (KROPOTKIN, 2011, pp. 61-62)

De um só golpe, Kropotkin antecipou em quase cem anos – o texto é de 1892 – conceitos criados no contexto do movimento de reforma urbana, como o défice habitacional quantitativo e qualitativo, a retenção especulativa de imóveis, a discussão sobre a destinação dos imóveis vazios, a ocupação de imóveis cujos proprietários não lhes dão função social e o método de ação dos movimentos de luta por moradia. Não estamos tão longe dele quanto se poderia supor. Kropotkin influenciou diretamente, por exemplo, a campanha de ocupação de bases militares para moradia na Inglaterra, em 1946, e as ideias de John Turner sobre a autoconstrução em Lima (Peru) (WARD, 1996, pp. 67-73).

1.5 Um balanço

Como se vê, o pensamento político de Kropotkin não lida com conceitos e categorias abstratas ou idealizadas; enraíza-os num meio geográfico, territorializa-os. A relação homem-meio, sociedade-natureza, é vista por Kropotkin como um todo unitário, pleno de relações biunívocas e complexas.

O espaço, em Kropotkin, é produto também do desenvolvimento histórico, e a História se desenvolve no espaço. O espaço urbano do passado e do porvir – como qualquer outro espaço – é, também, fruto de lutas sociais, em especial quando as cidades são o palco principal das lutas pela liberdade.

Por isso, a questão urbana, em Kropotkin, pode ser vista como o conjunto dos fatores que obstaculizam o pleno desenvolvimento dos indivíduos e sua livre organização nas cidades, fatores estes que variam em cada momento histórico; o conhecimento destes fatores só pode se dar através da pesquisa histórica da produção e do uso do espaço de cada cidade e das lutas em torno desta produção e deste uso, na tentativa de produzir sínteses orientadoras da ação política.

Leia aqui a segunda parte deste artigo.

Notas

[1] Não por acaso Patrick Geddes, um dos fundadores do planejamento regional e urbano modernos, foi amigo e discípulo dos dois (DUNBAR, 1989, pp. 89-90; HALL, 2007, pp. 161-170).

[2] Lewis Mumford considerava Piotr Kropotkin “inteligência sociológica e econômica de primeira ordem, baseada na competência especializada […] como geógrafo, e na sua generosa paixão social como líder do anarquismo comunista” (MUMFORD, 1998, p. 658). Fez comentários entusiásticos a dois livros de Piotr Kropotkin em sua obra A cidade na história: sobre Campos, fábricas e oficinas, disse ser “recomendado especialmente a todos os que se interessam em planejar para áreas não-desenvolvidas” (idem, ibidem); sobre O apoio mútuo, disse ser “obra pioneira sobre a simbiose na sociologia; uma das primeiras tentativas para reformar a unilateral ênfase darwiniana nos aspectos mais predatórios da vida. Note-se o capítulo sobre Ajuda Mútua na Cidade Medieval” (idem, ibidem).

[3] “Geralmente a cidade era dividida em quatro partes, ou em cinco a sete setores que se irradiavam de um centro, e cada um deles correspondia mais ou menos a um certo comércio ou ofício que nele prevalecia, mas continha habitantes de diferentes posições sociais e ocupações – nobres, comerciantes, artesãos ou mesmo semisservos. Cada setor ou parte constituía um aglomerado bem independente. […] Portanto, a cidade medieval é uma dupla federação: de todos os domicílios unidos em pequenas associações territoriais – a rua, a paróquia, o setor – e de indivíduos ligados por juramento em corporações de ofício. A primeira foi resultante da origem na comunidade aldeã e a segunda, uma ramificação subsequente gerada por novas condições” (KROPOTKIN, 2009, p. 142).

[4] “Colônias foram fundadas pelos italianos no sudeste, pelas cidades alemãs no leste, pelas eslavas no extremo nordeste. Passaram a existir exércitos mercenários para as guerras coloniais, e logo também para a defesa local” (KROPOTKIN, 2009, p. 170).

[5] Num artigo escrito entre 1880 e 1882, Kropotkin explicitou o método que resultou na obra A grande revolução: “Quanto às insurreições, que precederam a revolução e sucederam-se durante o primeiro ano, o pouco que posso dizer disso, neste espaço restrito, é o resultado de um trabalho de conjunto, que realizei em 1877 e 1878, no Museu Britânico e na Biblioteca Nacional [da França], trabalho que ainda não terminei, e no qual me propunha expor as origens da revolução e de outros movimentos na Europa. Aqueles que quiserem lançar-se neste estudo deverão consultar (além das obras conhecidas […]) as memórias e as histórias locais […]. Entretanto, não devem contar com o fato de poder reconstituir, só com estes documentos, uma história completa das insurreições, que precederam a revolução. Para fazê-lo, só há um meio: dirigir-se aos arquivos, onde, apesar da destruição dos documentos feudais, ordenada pela Convenção, acabar-se-á, com certeza, por encontrar fatos muito importantes” (KROPOTKIN, 2005f, nota 27).

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[Chile] O passado é nossa ofensiva: 1920 e uma sabotagem estatal contra os anarquistas

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Fonte: Portal Libertário OACA

É difícil de acreditar, para quem não é afim às idéias anarquistas, que o estado sabota estes e outros protestos. Existe, além disso, uma tendência majoritária a assimilar tudo o que é dito na imprensa de massa; imprensa que, advertimos nós, na maioria das vezes ou ignoram os fatos ou bem discreto e mansamente os distorcem. Em último caso, a farsa policial e a tergiversação das notícias são questões do passado, da ditadura de Pinochet.

Mas sabotagens existem. É uma ingenuidade acreditar que olhar para o passado tirará da prisão nossos companheiros, mas nós opinamos que fatos extraídos dele podem ser ferramentas para enfrentar os desafios do hoje. E é como dizem por aí: a história não se repete, mas rima. Viajaremos brevemente ao ano 1920 e nos deteremos em uma das sabotagens feitas contra os anarquistas. Os atores e o contexto mudaram bastante, mas não a confrontação que motivou esses episódios e as farsas levantadas pelo Estado e pela imprensa de massas para acabar com os antiautoritários. Conste que não se trata de limpar a barra dos anarquistas e tratá-los como pombinhas brancas, mas as ações se assumem, as mentiras não.

Os anos 20

1920 foi um ano agitado na região chilena. Antes de tudo, se achava em seu ápice o período que se identifica comumente como o de “a questão social”, uma época de transição de economias tradicionais a economias de mercado, cujos traços mais visíveis e recorrentes na hora de falar daquele tempo são os conventozinhos, as mortes prematuras, o desemprego, a falta de proteção laboral, as jornadas de trabalho excessivas (até 16 horas), o salário em fichas em vez de dinheiro etc. Entre 1917 e 1921 se deu um contexto de manifesta agitação social, particularmente por causa de um novo ciclo de crise salitreira, assim como também pelo encarecimento dos bens de primeira necessidade. Pelo segundo houve manifestações de dimensões desconhecidas até então, posto que não só os setores “ideologizados” se somaram aos protesto, mas também pessoas sem inclinação política e parte da classe média emergente.

Por outro lado, em julho de 1920 se elegeu presidente o burguês Arturo Alessandri, o primeiro candidato que fez campanha nas praças e estações, entusiasmando as multidões e sobretudo os setores populares. Era a esperança para os que o seguiram, uma ameaça para a oligarquia explícita no poder, e uma farsa para comunistas e anarquistas, embora não tenham faltado alguns indivíduos desses setores que pegaram carona na carruagem da vitória.

Por último, a princípios desse ano se reanimaram os ressentimentos nacionalistas contra o Peru (e vice-versa) por Tacna e Arica, províncias originalmente peruanas, mas que depois da Guerra de 79 ficaram sob controle chileno. E de fato, em julho desse ano se mobilizaram 15 mil reservistas à fronteira norte para fazer frente a um suposto complô de Bolívia e Peru contra Chile.

Estes três elementos constituem, a nosso ver, os traços mínimos para conseguir entender o contexto no qual se desenvolveram os fatos que referiremos.

Os anarquistas

Os anarquistas, então, marcavam presença em quase todos os grêmios, sendo particularmente influentes entre os zapatistas, trabalhadores de tipografias, carpinteiros, padeiros, e nos trabalhos de porto como estivardores (carregadores) e lancheiros. Em dezembro de 1919 tinham constituído a seção chilena dos Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW). Esta central, que na região chilena se identificou com o anarcossindicalismo, aglutinou a vários grêmios (embora não todos aqueles com preponderância anarquista); além disso, teve uniões locais em várias localidades, desde Iquique até Corral. Paralelo a isso os ácratas possuíam diversas formas de expressão cultural, se destacando sua produtividade em meios de propaganda escrita. Havia jornais em quase todo o território e cada um estava conectado com a maioria dos meios ligados a outros pontos e ao estrangeiro. O Surco em Iquique, Mar y Tierra e La Batalla em Valparaíso, Acción Directa e Verba Roja em Santiago, eram os mais conhecidos.

O processo contra os subversivos e a sabotagem dos anos 20.

Em julho de 1920 se decretou a mobilização dos reservistas à fronteira norte, como já indicamos mais acima, para enfrentar um suposto complô por parte de Peru e Bolívia. Várias organizações sindicais revolucionárias, assim como os estudantes da FECH, não se responderam ao chamado belicista apelando ao internacionalismo. Eram inimigos da guerra. Por causa disso o local dos estudantes foi atacado em plena luz do dia por uma turba de nacionalistas (“mauricinhos e maltrapilhos”) no dia 20 de Julho; por sua vez, o local da Federação Operária de Magallanes em Punta Arenas foi queimado com gente dentro pelas ligas patrióticas e pelas autoridades locais. Estes e outros similares episódios se aglutinam no que se conhece como “A Guerra de Don Ladislao”, nome que faz referência ao ministro de Guerra do momento, Ladislao Errazuriz.

No dia 21 de julho começou a perseguição aos libertários abarcando vários locais da IWW. Nas operações levadas à frente em Valparaíso, a polícia “encontrou” cartuchos de dinamite na seção local da organização. No outro dia e em Santiago se estabeleceu um processo contra a IWW por associação ilícita e terrorista, investigação que se fez extensiva para os demais anarquistas crioulos. Era o processo contra os subversivos (1). Os sindicalistas foram presos.

Imediatamente a imprensa de massas deu a voz de alarme, apontando que a IWW era uma organização terrorista paga pelo ouro peruano para semear o caos no Chile. Tinha que se castigar os anti-patriotas. Os prisioneiros foram tratados de forma brutal, exemplifica aquilo o fato de que dois ficaram loucos em suas celas, o operário Isidro Vidal e o poeta José Domingo Gómez Rojas. Este último morreria em pleno processo no dia 29 de setembro. Com seus companheiros presos, os que ficaram livres se deram à tarefa de construir a resistência. Clandestinamente saíram à luz Mar y Tierra e Acción Directa. Outros reorganizaram os “comitês pró presos por questões sociais”, coletivos que coordenavam atividades para reunir ajuda para os encarcerados. Também houve greves solidárias em Chile e gestos similares no estrangeiro. Em Valparaíso, por exemplo, se decretou greve geral no dia 17 de janeiro de 1921 para tirar da prisão Juan Onofre Chamorro, secretário da IWW no porto. E nos Estados Unidos, wobblies (integrantes dos IWW) empregados de hotéis, se negaram a atender a qualquer “burguês chileno”. A repressão repercutiu na proliferação de expressões de solidariedade. A imprensa de massas explorou o patriotismo chileno e durante meses assegurou abertamente as inclinações terroristas e “peruanas” dos IWW.

Mas todo o processo contra os subversivos se reduziu a nada quando se “descobriu” que tudo havia sido uma sabotagem. A dinamite de Valparaíso tinha sido posta por dois deliquentes a mandos de Enrique Caballero, capitão da polícia daquele porto. Como acontece nesses casos, não houve condenação para esse funcionário do Estado e a imprensa não retificou suas difamações infundadas. E como se “descobriu” além disso que tampouco trabalhavam para o Governo peruano, os anarquistas foram absolvidos por completo. A vida de Gómez Rojas, a saúde de Vidal, os meses de prisão para dezenas de sindicalistas, as imprensas destruídas, as famílias sem sustento, os gastos de defesa, tudo isso e mais, ninguém o devolveria. Era, talvez, o preço de serem coerentemente anarquistas.

Continuidades, mudanças e urgências abertas

Há continuidades e diferenças que é preciso remarcar para que esta história se torne útil hoje. Entre as primeiras temos a repressão estatal, o cerco midiático com as mentiras elaboradas pela imprensa de massas, a sabotagem policial mediante a qual se põe em locais anarquistas explosivos para depois processá-los. Há continuidade também na prisão e incomunicação dos companheiros, e afortunadamente, no desejo de criar instâncias de denúncia e solidariedade para com os presos.

Mas onde mais devemos pensar é nas diferenças. A mais visível e importante, talvez, está na capacidade de pressão com a qual contamos para liberar os presos. Hoje os mesmos não contam com o respaldo de organizações trabalhistas que com o uso da greve possam acelerar sua liberdade, como outrora ocorreu em não poucas ocasiões. Embora, em todo caso, o sindicalismo atual – burocrático – só faz greves econômicas para beneficiar seus grêmios, o qual em si não é mau se se trata de arrebatar migalhas das riquezas patronais, mas já não se mobilizam por causas que não lhes afetem diretamente.

Que fazer, como encurtar o tempo atrás das grades dos presos políticos em geral? É verdade, contamos com a imaginação, com os braços de vários companheiros, com páginas web e jornais, com cartazes, faixas, com assessores legais afins, com atividades para arrecadar fundos; mas não temos capacidade de pressão na rua, não temos convocatória, somos poucos. Apesar de que ser maioria não garante nada, nem sequer a liberdade, creio que devemos ter em conta esta transcendente realidade, este problema, na hora de brigar por nossos presos. Enérgica arma usam as pessoas que decidiram acudir à greve de fome, nossa tarefa é quebrar o cerco midiático para dá-la a conhecer. Mas devemos tentar imaginar novas e melhores formas para libertar os companheiros e sobretudo para constituirmos uma ameaça de verdade e não só o fantasma da mesma. Porque sabemos que somos muito mais do que vende a imprensa, e muito menos do que ela faz crer que há. O Estado e a imprensa seguirão sabotando, e a cada dia se aperfeiçoarão mais ainda. Nós não podemos continuar na defensiva e apenas “denunciando”, sabemos como agem, suicídio seria esperar e sempre aplicar as mesmas ações. É preciso imaginar, criar, é preciso experimentar.

*Citações

(1). Em dezembro de 1918 foi aprovada no Chile a Lei da Residência, que dava poder às autoridades para expulsar do país qualquer estrangeiro que sustentasse publicamente valores contrários à nação. Os anarquistas, com certeza, estavam nessa categoria.

Referências

Mario Araya, Los wobblies criollos. Fundación e ideología en la Región chilena de la Industrial Workers of the World
– IWW (1917-1927), Tesis de Historia, Arcis, 2008

Peter De Shazo, Trabajadores urbanos y sindicatos en Chile, 1902-1927, DIBAM, 2008

Julio Pinto, Desgarros y utopías en la pampa salitrera, Lom, 2007

René Millar, La elección presidencial de 1920, Universitaria, 1981

Víctor Muñoz, Armando Triviño: wobblie. Hombres, problemas e ideas del anarquismo en los años veinte, Quimantú, 2009

Escrito por Manuel de la Tierra | Análisis – Histórico.
Publicado en El Surco, nº19, Septiembre 2010

Fuente: https://periodicoelamanecer.wordpress.com/2012/11/25/el-pasado-es-nuestra-ofensiva-1920-y-un-montaje-estatal-contra-los-anarquistas/

As Comunas e Conselhos de Rojava – Janet Biehl

Fonte: Resistência Curda

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As Comunas e Conselhos de Rojava

No Sábado, 6 de Dezembro, a Delegação Acadêmica para Rojava reuniu-se em Qamislo com dois representantes de Tev-dem, o movimento por uma Sociedade Democrática. Abdulkerim Omar e Çınar Salih primeiramente nos deram uma contextualização do pensamento de Rojava sobre Estado e Democracia. Então, eles explicaram a estrutura da democracia auto-governada – as comunas e o sistema de conselhos – e ouviram nossas perguntas. Falando por meio de tradutores, Salih foi quem mais falou.

Nós construímos nossa democracia para que pessoas de várias nacionalidades vivam juntas. Nós somos novos, e cometemos erros, e nós estamos tentando impedir o Daesh [i.e Estado Islâmico]de entrar em Rojava. Outras delegações vieram aqui, mas nos agrada receber vocês aqui. Seu projeto está nos dando esperanças. Ainda não conquistamos a liberdade, mas aprendemos a lutar.

O sistema que estamos vivendo existe há cinco mil anos. Diferentes estágios da história têm dado-o diferentes nomes, mas em seu núcleo tem se mantido o mesmo, e seu pilar principal é o Estado. Isto precisa ser bem compreendido. Nos últimos cem anos as pessoas têm lutado contra o Estado, e elas conseguiram atingir independência historicamente, mas elas não atingiram a liberdade, porque elas não se emanciparam do Estado. Seu conceito de liberdade se encontra dentro dos limites do Estado.

O atual sistema de Estados-Nacionais abriu os portões para a grande crise que estamos vendo. Os Curdos também tiveram um papel nessa região – como nossos amigos arqueólogos descobriram, eles deixaram uma marca na história e na cultura. Nós entendemos enquanto Curdos que nossos problemas não serão resolvidos criando num novo Estado-Nacional. Como podemos superar esse caos com o mínimo de derramamento de sangue possível? Como arrumar uma solução apesar da existência das fronteiras de Estado?

Ao invés de independência de Estado, nós preferimos autonomia. A solução tem de ser mais profunda. O sistema de Estados Nacionais criou grandes prejuízos, então, as pessoas pensam que Árabes, Curdos e Turcos não se dão bem. Esta ideia tem sido reforçada pelo sistema de Estados Nacionais. Foi fixado nos cérebros das pessoas, com péssimas consequências. Isto excluiu condições de coexistência e cooperação entre os povos. Nós estamos lutando para nos livrar desses prejuízos e criar condições para a vida em comum.

Nós acreditamos que o sistema equivale à destruição sistemática das mulheres, e que a autonomia democrática equivale à liberação das mulheres. Por isto nossa revolução de Rojava é uma revolução das mulheres. Em Rojava não existe nenhum lugar na vida no qual as mulheres não tomem papel ativo. Uma das nossas maiores conquistas tem sido quebrar esse dogma predominante no Oriente Médio de que as mulheres são fracas e dependentes [lacking, usado como adjetivo no original], como é expressado de maneiras diferentes como nas leis da Sharia. Mas este é apenas um dos resultados da nossa revolução. Nós acreditamos que uma revolução que não abre caminhos para a libertação das mulheres não é uma revolução. Houveram revoluções na Líbia, Egito e Tunísia – houveram novos governos –, mas o mesmo status para as mulheres persistiu.

Nosso sistema se baseia nas Comunas, constituídas por vizinhanças de 300 pessoas. As Comunas têm co-presidentes, e há co-presidentes em todos os níveis, da Comuna à Administração do Canton*. Em cada Comuna há cinco ou seis comitês. As Comunas trabalham em duas funções. Primeira, elas resolvem problemas rápido e com antecedência – por exemplo, um problema técnico ou um problema social. Alguns trabalhos podem ser feitos em cinco minutos, mas você o banda para o Estado, e fica preso na burocracia. Assim, nós conseguimos resolver problemas rápido. A segunda função é política. Se nós falamos democracia verdadeira, decisões não podem ser tomadas de cima para baixo, elas tem que ser tomadas na base e então subirem os degraus. Há também Conselhos de Distrito [District Councils] e Conselhos Municipais [City Councils], até o Canton. O princípio é “poucos problemas, muitas soluções”.

Então, para que o governo não fique pairando no ar, nós tentamos preencher sua base. Existem perguntas sobre como esse sistema realmente se organiza. Então, vocês podem fazer perguntas.

Q: É um conceito muito interessante, e provavelmente existem tensões e desafios dentro desse sistema. Um é a tensão entre decisões de baixo e necessidades imediatas em nível de todo Canton. Por exemplo, provavelmente vocês têm de decidir de maneira centralizada que vocês precisam construir um moinho para fazer farinha. Ou vocês precisam decidir construir uma refinaria. Estrategicamente, estas coisas altamente importantes. Por outro lado, vocês têm este sistema de baixo para cima vindo das Comunas. Não é útil estabelecer infraestruturas semelhantes e muitas Comunas ou muitas Cidades. Então, vocês precisam de algum tipo de coordenação entre as Comunas e os Conselhos Municipais. Quem os coordena?

Nós também estamos discutindo estes problemas – não existe uma fórmula pronta para aplicar. Falando em números pode ajudar. Qamişlo possui seis distritos diferentes. Cada distrito tem 18 Comunas, e cada Comuna é composta por 300 pessoas.

Agora, cada Comuna possui 2 co-presidentes. E cada Comuna possuem comitês diferentes. Os dois co-presidentes eleitos de cada Comuna se juntam para constituir o Conselho Popular daquele Distrito.

Então, cada um desses Conselhos Populares do Distrito elegem dois co-presidentes. Então, dos 6 distritos de Qamişlo, 12 pessoas constituem o Conselho Popular Municipal. Mas apenas 12 pessoas não podem constituir o conselho – ele deveria ter 200. Então, somado a estas 12 pessoas, as outras são diretamente eleitas. Mesmo que você não esteja num comitê, ou tenha sido eleito numa Comuna, você pode colocar seu nome e potencialmente ser eleito.

O Canto de Cizîre consiste em 12 cidades. Delegados do Conselho Popular do Canton são alocados de acordo com a população. Qamişlo é a maior cidade, então possui mais delegados que outras – possui 20. Eles determinam isso pelo número da população. Os co-presidentes já fazem parte deste grande Conselho; então Qamişlo possui mais 18. Cada Conselho Popular Municipal elege quem irá para o Conselho Popular do Canton. No final você possui um Conselho Popular em nível de todo o Canton. É como um parlamento, mas os laços entre Comunas e Conselhos não cortados.

Q: Cada Comuna vota em delegados que vão para os níveis superiores?

Sim.

Q: Qamişlo possui mais delegados – Quem decide quantos delegados cada cidade possui?

É baseado na população.

Q: De acordo com qual censo?

O que estiver em vigor. Agora, o Conselho Popular do Canton não existe ainda. O censo está sendo feito agora. Mas todas as Comunas nas cidades estão trabalhando nele. Este conselho nem possui um nome ainda – pode ser chamado de parlamento.

Cada Comuna possui comitês, como, digamos, um comitê de saúde, e há comitês similares em níveis acima. Assim é que asseguram que o comitê de saúde da administração do canton tenha conexão direta com as necessidades da Comuna.

Q: Qual é o papel do Tev-Dem?

Tev-Dem coordena e mobiliza pessoas na base e carrega a conexão para o parlamento. Isto garante a conexão da democracia direta ao governo. Ele mobiliza e coordena, mas também senta no parlamento, onde representa os interesses do povo. É uma dupla identidade.

Q: Os Conselhos das Mulheres existem paralemamente aos Conselhos Populares, nos quais as mulheres possuem 40% de representação. Isto existe em todos os níveis, e em todos existe o poder de veto sobre questões das mulheres?

Sim. Os Conselhos das Mulheres existem em todos os níveis, a Comuna, o Distrito, a Cidade e o Canton. Os Conselhos das Mulheres não decidem sobre assuntos gerais – é para isto que existem os Conselhos Populares. Eles discutem questões que são especificamente sobre as mulheres. Se há disputa social, como conflitos interpessoais. Um comitê tenta resolver um problema entre pessoas. O Conselho das Mulheres também possui um comitê como esse. Então, se elas verem neste comitê um problema que importe às mulheres, como uma disputa sobre violência doméstica, e elas discordem do Conselho Popular, e dizem não, o não do Conselho das Mulheres será aceito. Elas têm poder de veto sobre questões referentes às mulheres.

Q: É sempre claro o que são questões das mulheres?

Nós seguimos uma base de caso a caso. Não há fórmula pronta. Sempre que o Conselho das Mulheres veta alguma coisa, esse veto é aceito. Se um problema não pode ser resolvido nos baixos níveis, esses problemas são levados à corte. Mas essas questões, como todas as questões em Rojava, são resolvidas localmente se possível.

*A tradutora referiu utilizar o termo original em inglês da unidade territorial para antecipar possível confusões, mas por analogia com o sistema político brasileiro, o Canton parece equivaler a um Estado Federativo.

Tradução: Mariana Miotto

Fonte: http://kurdishquestion.com/index.php/kurdistan/west-kurdistan/rojava-s-communes-and-councils.html

O ir e vir, a esquerda, os partidos, o governo, Kobane e a Grécia

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por Gilson Moura Henrique Junior

Em pleno janeiro de 2015 e temos um cadinho de movimentação política pela esquerda mundial que causa terremotos interpretativos nas mentes socialistas e anarquistas, especialmente depois da comoção brasileira em torno da “Dilmãe de coração valente” que atingiu até a dita esquerda radical partidária e até anarquistas nas eleições de 2014.

Logo neste início de ano temos o burburinho das manifestações contra a tarifa, que se movimentam para também se tornarem protestos contra todas as tarifas e não só as de transporte, e o eco feliz da esquerda partidária à vitória do Syriza na Grécia.

Além disso, há o escândalo socialista e anarquista diante do governo da “Dilmãe” que se apresenta um governo muito mais parecido com o que seria o de Aécio Satã do que com a propaganda que petistas e abestados seguidores “responsáveis” da súbita transformação do governo pragmático de Dilma num governo “de esquerda” gostariam de admitir.

Aliás, salta aos olhos a desilusão de uma esquerda madura o suficiente pra tomar decisões “responsáveis” com um governo que guina à direita, cada vez mais, desde 2002, em um segundo turno de 2014, como se morasse em Marte e não tivesse noção da perseguição que o governo federal moveu contra anarquistas e autonomistas junto a governos estaduais como os do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo; como se não soubesse dos ataques a indígenas e quilombolas e como se os recuos na demarcação de terras,etc fossem ilusões; como se fossem lenda a franca postura homofóbica do governo incluindo omissões que permitiram Feliciano na comissão de DH da Câmara federal e os recuos nas políticas de Gênero e como se as indicações de abraço neoliberal na política econômica não fossem dadas desde 2013.

Essa esquerda talvez tenha sofrido um surto súbito de Alzheimer temporário ou sucumbiu à lógica oportunista eleitoral imediata e mal tentou fingir que não. Diante da dúvida entre a responsabilidade concreta com movimentos e mudanças e o medo de desagradar eleitores escolheu a segunda opção, abraçou Dilmãe e agora faz a egípcia com o resultado das opções.

Agora em janeiro de 2015 essa mesma esquerda “responsável”, além de se chocar com um governo Dilmãe que nomeia Katia Abreu ministra da Agricultura e o negacionista Aldo Rebelo para ministro da ciência e tecnologia, se põe calada diante da covardia de suas figuras públicas no apoio aos 23 presos políticos perseguidos pelo estado do Rio de Janeiro, se omite diante das manifestações contra aumento das passagens e tarifas em geral, ignora a crise hídrica como parte da crise ecológica e climática que jamais confrontou concretamente em seus programas e ainda tem o disparate de dizer que quer ser o PODEMOS brasileiro.

Não sei como se quer ser um movimento que buscou ser horizontal e discutir amplamente desde o cancelamento da dívida pública à mobilidade urbana, ecossocialismo, fim do uso dos combustíveis fósseis,etc de forma aberta sem que se consiga sequer discutir mobilidade de forma franca, ser solidário com perseguidos políticos além do Rafael Braga ou ao menos tentar dialogar com o movimento contra mudanças climáticas. Talvez se esteja dizendo que será o PODEMOS brasileiro no que tange aos defeitos do PODEMOS, e aí concordo, já que está até à frente do PODEMOS na cooptação pelo estado.

No Rio essa esquerda que quer ser PODEMOS foi brilhantemente ativa na negação de prestar solidariedade aos 23 presos políticos julgados pelo estado por supostamente estarem organizando ataques no dia da final da copa, presos que inclusive foram indiciados junto com Bakunin (sim o anarquista russo morto em 1876 em Berna na Suíça), em uma manifestação contra o aumento das passagens que desde o inicio indicava que iria até o Tribunal de Justiça prestar solidariedade, mas cuja “responsabilidade” da esquerda a fez negar o trajeto e optar por ficar ao redor da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia, local que frequenta alegre com seus mandatos e que talvez seja uma espécie de centro nervoso de sua existência e que por isso não pode se afastar muito deste totem geográfico.

Em SP a esquerda que quer ser PODEMOS faz uma atuação comovente em ser secundária diante do MPL e parece participar dos atos apenas como coadjuvante envergonhado que precisa ir para não parecer negar aquele movimento e necessidade dele.

Enquanto isso, a esquerda que quer ser PODEMOS prega com voracidade a reforma política, uma reforma política que tem de passar pelo congresso, uma reforma política que precisa estar vinculada à institucionalidade, uma reforma política que quer fazer uma mudança no estado por dentro do estado e que mobiliza ou tenta mobilizar os movimentos sociais para sustentarem essa lógica surreal em pleno auge da crise hídrica.

Ou seja, enquanto a crise ecológica atinge o auge de seus efeitos visíveis nas principais cidades do país, enquanto os governos cagam solenemente pra necessidade dos mais pobres e aumentam as tarifas de transporte; enquanto o governo federal que recebeu apoio “responsável” desta esquerda que quer ser PODEMOS ataca direitos trabalhistas e retira acesso a seguro desemprego e seguro-defeso; enquanto os governos, todos, em plena crise hídrica mentem pra população e a sacrificam com racionamento assumido ou não e permitem que indústria, agronegócio, termelétricas e mineração continuem desperdiçando água e usando-a de forma predatória, a esquerda que quer ser PODEMOS faz movimentinho para uma reforma política que deve passar pelo congresso mais conservador de todos os tempos e sequer, repito, SEQUER, se posiciona a partir de seus mandatos, setoriais,etc para uma política CON-CRE-TA de ataque às mudanças climáticas, uso de combustíveis fósseis,etc, nenhuma defesa concreta de mudanças na mobilidade urbana, nenhum debate, nada, apenas o velho e modorrento movimento para fortalecimento de figuras públicas.

Enquanto isso a esquerda que quer ser PODEMOS louva a vitória do Syriza na Grécia, e sonha em fazer igual aqui. Talvez por usarem táticas semelhantes ao que o Syriza fez com Tsipras e o PODEMOS faz com Iglesias, movimentos de reforço e anabolização de figuras públicas com objetivos eleitorais que eclipsam o surgimento de organizações mais horizontais, democráticas e anti hierárquicas, essa esquerda que quer ser PODEMOS vê no Syriza o surgimento de uma terra sem males na Grécia e em breve em toda a Europa.

Se a vitória do Syriza é um alento no sentido de interromper a sanha da Troika e o avanço das políticas de austeridade, impondo um novo programa para a Grécia e a Europa, atrapalhando o avanço da extrema-direita, ela também é um sinal de problemas quando a esquerda auto-proclamada radical já desde cedo sacrifica parte de seu programa, como a defesa do casamento civil igualitário, para permitir coalizões com partidos de direita que a permitam governar.

A coalização com os gregos independentes inclusive traz em seu bojo a entrega do ministério da defesa a um xenófobo homofóbico e racista que já adianta que trará políticas anti imigração e já ressuscita questões de soberania que cria litígios com a Turquia. Tudo isso é preocupante demais e soa mais preocupante quando parte da esquerda mundial opta por ignorar essas manobras para atacar o KKE, partido stalinista grego que anunciou por motivos que vão de sectários a lógicos que não se aliaria ao Syriza, enquanto faz a egípcia com movimentos do próprio Syriza.

Se o KKE é sectário, e é, o Syriza manifesta preocupantes movimentos de adequação à lógica do capitalismo promovendo menos uma guinada radical anti austeridade e mais um movimento de renegociação agressiva da dívida pública sem romper com o euro, a zona do euro e a lógica econômica do Banco Central Europeu.

Se o Syriza tensiona o mercado ao negociar com os credores sem passar pelo BCE e FMI, ele deveria tensionar a esquerda pela indicação de pouco rompimento e muita adequação à lógica do estado, promovendo uma ação deveras similar à assimilação que a social-democracia europeia fez nos anos 1950, só que pintada com tintas radicais.

A esquerda deveria ser mais crítica com o Syriza, mesmo considerando o simbólico de sua vitória, para evitar danos graves no futuro a partir de sua assimilação pelo estado e capital. Se o Syriza na Grécia, em uma situação de concreta força política para implementação de medidas radicais de transformação do estado através de plataformas reformistas radicais, já dá pinta de assimilação, isso simboliza uma paulada na cabeça de qualquer sonho de reforma radical na Europa e no mundo. E ao silenciar sobre isso a esquerda que quer ser PODEMOS é cúmplice de uma tática que já vimos no Brasil a partir da eleição do PT.

Aliás, a similaridade entre PT e Syriza, no todo da história, deveria saltar aos olhos brasileiros e fazê-los ajudar observadores europeus a entenderem os limites das ações deste no cenário político europeu.

O Syriza assim como o PT não é um partido nos moldes clássicos europeus, é uma força política complexa, mais similar a uma frente de correntes e vertentes da política partidária de esquerda e que contempla setores mais ou menos pragmáticos que se entendem socialistas e que vão além de elementos marxistas-leninistas. Ambos os partidos rompem com a social-democracia clássica e também com os PCs e ambos os partidos contemplam reformismos diversos, de tonalidades diversas, mais ou menos pragmáticos, mais ou menos marxistas, mais ou menos libertários. Ambos os partidos promoveram mudanças radicias no quadro político da esquerda local e mundial, apresentam lideranças carismáticas e programas radicais de reforma do estado com foco na eliminação da pobreza.

O Syriza chega no poder, no entanto, em uma situação mais parecida com o PT na eleição de 1989, com um quadro econômico parecido com a chegada do PT ao poder em 2002. O quadro do Syriza é, portanto, um quadro que lhe permite mais autonomia e legitimidade nas decisões, possui quadros e políticas mais radicais em um cenário de terra arrasada parecido com o brasileiro em 2002.

A questão é que mesmo com mais força política que a obtida por qualquer partido da esquerda mundial nos últimos trinta anos, o Syriza faz movimentos confusos, contraditórios e que não nos deixam exatamente alheios à sua similaridade com a história de assimilação ao estado e ao capitalismo que faz quase parte do DNA político da esquerda partidária.

E isso nos leva às contradições inerentes entre PODEMOS, Syriza, PSOL e suas “responsabilidades” diante dos cenários políticos dos quais fazem parte e a enigmática parte de um DNA organizado em partidos que centralizam, hierarquizam, diferenciam-se das ruas em nome da conquista do estado para supostamente através dele promover reformas que ajudem na revolução e que paulatinamente acaba fazendo parte deste estado, parte daquele aparato que deveria combater e agora ajuda a sustentar.

Sacaram a contradição?

O PODEMOS ao focar no Iglesias, e o Syriza ao focar no Tsipras, já amplificam a lógica hierárquica, criando a figura de uma liderança centralizadora que recebe a energia de milhares de partidários, o foco da esperança,etc, com o fim de ser ungido como capitão das massas em processos eleitorais.

A questão piora quando a partir dos processos eleitorais feitos para que a burguesia seja sempre eleita, construído com regras da burguesia, organizado para a vitória do capital, se busca organizar um processo de mudanças políticas estruturais, de transformação do estado. Pior mais ainda quando estas forças se afastam da construção de processos de mudança cotidiana por fora da institucionalidade.

E isso se repete no PSOL ao se elegerem figuras públicas que absorvem a força militante em sua defesa, como Marcelo Freixo e Luciana Genro, sem a força construída nas ruas pelo Syriza e PODEMOS. E por isso talvez vemos no Brasil o distanciamento destes elementos das movimentações das ruas, dos movimentos independentes como o MPL, de organizações como FIP, de coletivos anarquistas e um afastamento que grita alto na rua para tentar se desvincular de pessoas presas por se colocarem como lideranças alternativas aos partidos na construção de lutas cotidianas.

Em plena crise hídrica, em plena contestação da taxação do direito de ir e vir e temos distanciamento dos partidos das luta cotidianas, desvinculação dos partidos das lutas das periferias, omissão na defesa e solidariedade com lutadores presos e nenhum partido brasileiro fortalecendo lutas que juntam milhares e podem juntar milhões na defesa do básico, do direito de ter água e de não pagar passagem para ir e vir.

A lógica parece de disputa por espaço, como se a eleição dependesse do enfraquecimento de movimentos independentes que fujam ao controle dos partidos.

Enquanto se luta contra as tarifas, os partidos fazem campanha para Presidência da Câmara, elogiam o Syriza de forma acrítica, querem ser PODEMOS, faltam ao depoimento que poderia ajudar presos políticos que estão sendo presos de forma absolutamente autoritária e ainda querem ser representantes da mudança nas próximas eleições.

E é sintomático que, em todo este período, a Grécia e a Europa tenham sido o foco central dos partidos, invejando o PODEMOS e seus milhões nas ruas, invejando Tsipras sendo eleito, mas silenciando tanto pra o debate sobre tarifa zero, um debate concreto que abranja toda a sociedade e que mire em políticas públicas concretas, quanto para um movimento revolucionário em curso em Rojava, no Curdistão Sírio e que recentemente ganhou atenção só após a libertação de Kobane do assédio do Estado Islâmico.

Mesmo com fome de ocupar o estado, pouco se discute nos partidos sobre políticas concretas a respeito de mobilidade urbana, de uso de combustíveis fósseis, sobre a gestão de recursos hídricos, sobre a economia a partir do decrescimento e sobre a própria gestão do estado, discutindo democracia direta concreta e não um referendismo mal formulado e que não propõe nenhuma democracia direta concreta.

Diante de um quadro mundial que pouco oferece ventos de mudança fora da institucionalidade, a esquerda partidária despreza fortemente tudo o que envolve a experiência curda de confederalismo libertário, com construção de conselhos feministas, de jovens, administração comunal da economia,etc. E isso em um quadro geopolítico ímpar que é o oriente médio.

Estes elementos são sinais fortes que medem a vontade partidária de construir concretamente mudança para além do estado, de sair do estado, de mudar o estado e não de apenas subir no trono do estado para reformas leves que não alterem a dinâmica das relações humanas e a dinâmica hierárquica da própria constituição partidária.

A ausência de discussão veemente sobre mudanças na estrutura de poder e gerência do estado e fora dele são sintomas de uma negativa de tentar construir um mundo pós-estado, ou seja, a negativa de discutir a construção de poder exercido pela sociedade é um sintoma que a defesa do comunismo e de uma sociedade socialista e pós-socialista vai até a página dois, dado que se a manutenção da institucionalidade sem questionamento da hierarquização dela e da presença do estado é a norma, que sociedade livre é essa que se constrói mantendo o estado, e não a sociedade, no controle das necessidades da vida cotidiana?

Essa negativa de debater sobre democracia direta concreta é parte do problema que coloca a esquerda partidária como produtivista e que pensa o estado na gerência da economia, dá pouca abertura pra uma discussão sobre crescimento econômico, alimentação, descentralização energética,etc e que por isso é avessa ao debate ecológico. Essa esquerda, por isso, jamais entende o que rola no Curdistão Livre.

Rojava pra essa esquerda é um reino encantado.

Em um cenário de avanço da extrema-direita mundial e no Brasil a esquerda partidária assume apenas parte da responsabilidade na construção do contraponto e nega-se a qualquer diálogo que fuja da relação pela institucionalidade.

E diante da omissão diante dos 23 presos podemos até ir além e achar que a esquerda partidária não só se nega a pensar pra fora do estado como se nega sequer a pensar pra fora de qualquer coisa que cause risco leve em suas eleições.

Por isso o mais avançado partido da esquerda mundial, o Syriza, não teve escrúpulos em mandar às favas os escrúpulos de consciência e rifar direitos LGBT, em por em risco a vida de imigrantes, em nome do que considera maior e prioritário: o combate à Troika.

Por isso o partido que se proclama PODEMOS do Brasil se nega a qualquer solidariedade com quem é perseguido político do estado, evitando assim correr risco na eleição de sua maior figura pública para prefeito do Rio: Marcelo Freixo.

Da mesma forma que o PODEMOS na Espanha se nega a ser solidário com os anarquistas presos pela operação Pandora, o PSOL no Rio tem coisas mais importantes do que manifestar solidariedade com autonomistas presos de forma absolutamente canalha.

E a nave da cooptação, da assimilação pelo estado, vai, segue adiante enquanto anarquistas são presos no Chile, no Brasil, na Espanha e enquanto a esquerda partidária se anima com a conquista do governo por um co-irmão, fazendo aquecer corações carentes de postos administrativos no estado pularem de felicidade mundo afora.

E a água acaba, e o clima pira, mas tá tudo bem, o Syriza chegou ao poder.

(UMA VISÃO ANARQUISTA) COMO ORGANIZAR OS ORGANISMOS DE TRANSPORTE NA REVOLUÇÃO SOCIAL

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Fonte: Coletivo Libertário Évora

Para ler o documento clique aqui

Os sistemas de transporte são essenciais em qualquer sociedade e, muitas vezes, discute-se qual deverá ser o estatuto dessas empresas, dada a sua enorme função social. Há quem defenda a sua nacionalização e estatização, uma vez que são essenciais para a organização social. Este debate tem vindo ultimamente, também, a acontecer em Portugal devido à ameaça da privatização da TAP. Ainda há dias um grupo de libertários divulgou um comunicado em que se refere que os anarquistas não consideram que a privatização seja uma solução, mas também criticam a gestão estatal, entregue aos partidos políticos e à sua casta de boys e girls. Defendemos, por isso, a socialização – e não a estatização – deste tipo de grandes empresas”.

Há cerca de oito décadas já esta questão se colocava aos anarquistas e anarco-sindicalistas de então. Na altura as grandes empresas de transportes cingiam-se ao caminho de ferro e às ligações marítimas, uma vez que a aviação comercial ainda estava nos seus primórdios. No entanto, a questão colocava-se do mesmo modo (ainda, talvez, sem a complexidade actual, em que se movimentam mercadoria e pessoas ininterruptamente de todos os pontos do mundo) que hoje se coloca: que alternativa ao Estado e aos privados? Mário Castelhano, ferroviário e coordenador da CGT (que posteriormente viria a morrer no Tarrafal) escreveu um pequeno opúsculo sobre este tema intitulado: “Os organismos de Transporte na Revolução Social”, que aborda estas questões sempre no prisma da revolução social libertadora e libertária e cuja leitura (saliente-se o fervor transformador e revolucionário deste texto) ainda hoje dá resposta a várias questões sobre a organização social numa futura sociedade liberta dos grilhões do capitalismo (de Estado incluído).

Ler:  http://issuu.com/a.directa/docs/os_organismos_de_transporte_na_revo/1

 

“Não. Isto é uma verdadeira revolução” Entrevista com David Graeber sobre Rojava

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Fonte: Jornal MAPA

traduzido a partir de ZNET (entrevista originalmente publicada pelo diário Evrensel na Turkia)


O anarquista e professor de Antropologia (London School of economics), David Graeber, escreveu em Outubro passado um artigo para o Guardian, durante a primeira semana dos ataques do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) a Kobane (norte da Síria), onde perguntava porque é que o mundo estava a ignorar os Kurdos Sírios revolucionários.

Mencionando o seu pai, que se voluntariou para lutar nas Brigadas Internacionais na república espanhola em 1937, perguntou:

“ Se existe hoje um paralelo com os assassinos falangistas, superficialmente devotos de Franco, quem será senão o ISIS? Se existe hoje um paralelo com as Mujeres Libres de Espanha, quem será senão as corajosas mulheres que defendem as barricadas de Kobane? Vai o mundo – e desta vez mais escandalosamente, a esquerda internacional- ser condescendente em deixar que a história se repita?

De acordo com Graeber, a região autónoma de Rojava declarada com um “contracto social” em 2011, como três cantões anti-estado, anti-capitalistas, foi também uma notável experiência democrática desta área.

No início de Dezembro, com um grupo de 8 pessoas, estudantes, activistas e académicos de diferentes partes da Europa e dos EUA, passou 10 dias em Cizire – um dos cantões de Rojava. Tiveram a hipótese de observar a prática da “democracia autónoma” no local e colocar várias questões.

Graeber descreve agora a sua impressão desta viagem com questões maiores e explica por que é que esta “experiência” dos curdos sírios está a ser ignorada pelo mundo inteiro.

No artigo para o Guardian perguntaste por que é que o mundo ignora a “experiencia democrática” dos curdos sírios. Depois da experiência de 10 dias, tens uma nova questão ou talvez uma resposta para isso?

Bem, se alguém tinha dúvidas se isto era uma verdadeira revolução, ou só alguma “sombra”, diria que esta visita tira todas as dúvidas. Ainda existem pessoas a dizer: “Isto é só uma frente do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), na verdade são só uma organização autoritária estalinista, que apenas finge ter adoptado uma democracia radical”. Não. Isto é mesmo a sério. É uma revolução genuína. Mas de certa maneira, é exactamente esse o problema. Os grandes poderes têm-se entregado a uma ideologia que diz que as verdadeiras revoluções já não podem acontecer. Entretanto, muita da esquerda, mesmo a radical, parece tacticamente ter adoptado a política que assume o mesmo, apesar de parecerem superficialmente revolucionários. Assumem um tipo de “anti-imperialismo” puritano que assume que os únicos jogadores importantes são os governos e capitalistas, e que esse é o único jogo que vale a pena discutir. O jogo onde se batalha, se criam vilões míticos, se agarra petróleo e outros recursos, montam-se redes de patrocínios; é o único jogo da cidade. O povo de Rojava diz: “Nós não queremos jogar esse jogo. Queremos criar um novo”. Muita gente acha isto confuso e perturbador, então escolhem acreditar que não está a acontecer, ou que essas pessoas estão iludidas, são desonestas ou ingénuas.

Desde Outubro que vemos uma crescente solidariedade vinda de vários movimentos políticos de todo o mundo. Houve uma grande e deveras entusiástica cobertura da resistência em Kobane pelos média mainstream internacionais. A posição política perante Rojava mudou no Ocidente, de certa forma. Existem sinais significativos mas estar-se-á a discutir suficientemente a autonomia democrática e as experiências nos cantões de Rojava? Que parte de “algumas pessoas corajosas a lutar contra o grande mal desta era, o ISIS” não estará a dominar esta aprovação e este fascínio? Acho que é notável que tanta gente no Ocidente olhe para estes quadros de feministas armadas, por exemplo, e nem sequer pense nas ideias por trás delas. Apenas se apercebem que assim aconteceu, por algum motivo. “Penso que é uma tradição curda”. De certo modo, claro que se trata de orientalismo, ou simplesmente racismo. Nunca lhe ocorreu que as pessoas no Curdistão possam estar também a ler Judith Butler. Na melhor das hipóteses pensam: “Oh, estão a tentar alcançar os padrões ocidentais da democracia e dos direitos das mulheres. Será que é a sério ou será só para os estrangeiros verem”. Não lhes ocorre que eles podem estar a levar as coisas bem mais longe que os “padrões ocidentais” alguma vez levaram; que acreditam genuinamente nos princípios que os Estados ocidentais apenas professam.

Mencionaste a aproximação da esquerda sobre Rojava. Como é isso recebido nas comunidades anarquistas internacionais?

A reacção da comunidade anarquista internacional tem sido decididamente diversa. De certa maneira, acho difícil de entender. Existe um grupo substancial de anarquistas – normalmente os elementos mais sectários – que insiste que o PKK ainda é um grupo nacionalista autoritário estalinista, que adoptou Bookchin, e outros partidários da esquerda libertária, para cortejar a esquerda anti autoritária na Europa e América. Parece-me uma das ideias mais parvas e narcisistas que já ouvi. Mesmo que a premissa estivesse correcta, e que um grupo Marxista-Leninista decidisse fingir uma ideologia para obter apoio estrangeiro, por que raio é que iriam escolher ideias anarquistas desenvolvidas por Murray Bookchin? Isso seria a jogada mais estúpida de sempre. Obviamente fingiriam ser islamitas ou liberais, já que são esses que conseguem armas e apoio material. De qualquer maneira, penso que muita gente na esquerda internacional, incluindo a esquerda anarquista, não quer basicamente ganhar. Não conseguem imaginar que uma revolução realmente acontecesse, e, secretamente, nem sequer a querem, uma vez que isso significaria partilhar o seu clube “fixe” com pessoas comuns; já não seriam especiais. Assim, até é útil para separar os verdadeiros revolucionários dos “poseurs”. Mas os verdadeiros revolucionários têm-se mantido firmes.

Qual foi a coisa mais impressionante que testemunhaste em Rojava nos termos práticos desta autonomia democrática?

Existem tantas coisas impressionantes. Acho que nunca ouvi falar de nenhum outro lado do mundo onde tenha existido uma situação de dualidade de poder, onde as mesmas forças políticas criaram ambos os lados. Existe a “auto-administração democrática”, onde existem todas as formas e armadilhas de um Estado – Parlamento, ministros, e por aí – mas foi criada para ser cuidadosamente separada dos meios do poder coercivo. Depois há o TEV-DEM (o Movimento da Sociedade Democrática) dirigido de raiz instituições de democracia directa. No final – e isto é fulcral – as forças de segurança respondem perante as estruturas que seguem uma abordagem de cima para baixo, e não de baixo para cima. Um dos primeiros locais que visitámos foi a academia de polícia (Asayis). Todos tiveram que frequentar cursos de resolução de conflitos não violenta e de teoria feminista antes de serem autorizados a pegar numa arma. Os co-directores explicaram-nos que o seu objectivo final é dar seis semanas de treino policial a toda a gente no país, para que em última análise se possa eliminar a polícia.

O que responderias às várias críticas em torno de Rojava? Por exemplo: “Eles nunca fariam isto em tempos de paz. É por causa do estado de guerra”

Bem, penso que a maioria dos movimentos, perante as condições horrendas da guerra, não iria no entanto abolir imediatamente a pena capital, dissolver a polícia secreta e democratizar o exército. As unidades militares, por exemplo, elegem os seus oficiais.

E existe outra crítica, bastante popular nos círculos pro-governo aqui na Turquia: “O modelo que os Curdos – na linha do PKK e PYD (o Partido Curto de União Democrática) – estão a tentar promover não é na verdade seguido por todas as pessoas que lá vivem. Essa multi-… estrutura existe apenas à superfície, nos símbolos”

Bem, o presidente do cantão de Cizire é árabe, é de facto o chefe da maior tribo local. Suponho que se possa dizer que ele é só uma figura. No sentido que todo o governo o é. Mas ao olhando para as estruturas organizadas de baixo para cima, é certo que não são só os curdos que estão a participar. Disseram-me que o único problema a sério é com algumas aldeias do “cinto árabe”, pessoas trazidas de outras partes da Síria pelos Baathistas nos anos 50 e 60, como parte de uma política de marginalização e assimilação dos curdos. Algumas dessas comunidades afirmaram-se bastante hostis à revolução. Mas os árabes cujas famílias já lá estão há várias gerações, ou os assírios, quirguizes, arménios, chechenos, mostram-se entusiasmados. Os assírios com quem falámos disseram que, após uma longa e difícil relação com o regime, sentiram que finalmente lhes era permitida autonomia cultural e religiosa. Provavelmente, o maior problema pode ser o da libertação das mulheres. O PYD e o TEV-DEM vêem-no como absolutamente central na sua ideia de revolução, mas também enfrentam o problema de lidar com alianças maiores com comunidades árabes que sentem que isto viola princípios religiosos básicos. Por exemplo, enquanto aqueles que falam siríaco têm a sua própria união de mulheres, os árabes não, e as raparigas árabes interessadas em organizar-se em torno de questões de género ou até assistir a seminários feministas têm de se juntar com os assírios ou mesmo com os curdos.

Não é necessário estar preso no “quadro anti-imperialista puritano” que mencionaste antes, mas o que dirias em relação ao comentário que o Ocidente/imperialismo irá um dia exigir aos curdos sírios um pagamento pelo seu apoio? O que é que o Ocidente pensa exactamente sobre este modelo anti-estado e anti-capitalista? É apenas uma experiência que pode ser ignorada durante um estado de guerra, enquanto os curdos se aceitam voluntariamente combater um inimigo criado pelo Ocidente?

É absolutamente verdade que os EUA e a Europa irão fazer o que poderem para subverter a revolução. Nem é preciso dizer nada. As pessoas com quem falei estão bem cientes disso. Mas não fazem grande diferenciação entre a liderança de poderes regionais como na Turquia, Irão ou Arábia Saudita, e poderes Euro-americanos como por exemplo França ou EUA. Assumem que são todos capitalistas e estadistas e portanto anti-revolucionários, que podem no melhor dos casos ser convencidos a apoiarem-nos mas que, em última análise, não estão do seu lado. Depois existem questões ainda mais complicadas da estrutura da chamada comunidade internacional, o sistema global de instituições como a ONU ou FMI, corporações, ONG’s, organizações humanitárias, em que todas presumem uma organização estadista, um governo que pode passar leis e detém o monopólio da aplicação coerciva dessas leis. Só existe um aeroporto em Cizire e está sobre o controlo do governo Sírio. Podem tomá-lo a qualquer altura, dizem. E há uma razão para não o fazerem: como iria um não-Estado dirigir um aeroporto? Tudo o que se faz num aeroporto é sujeito a regulamentos internacionais, o que presume um Estado.

Tens uma resposta para o porquê da obsessão do ISIS com Kobane?

Bem, eles não podem ser vistos a perder. Toda a sua estratégia de recrutamento é baseada na ideia que eles são imparáveis, e que a sua contínua vitória é a prova que representam a vontade de Deus. Serem derrotados por um monte de feministas seria a humilhação final. Enquanto estiverem a lutar em Kobane, podem dizer que os média mentem e que estão a avançar verdadeiramente. Quem pode provar o contrário? Se recuassem seria admitir a derrota.

Tens resposta para o que Tayyip Erdogan e o seu partido estão a tentar a fazer na Síria e o Médio Oriente em geral?

Posso apenas imaginar. Parece que Erdogan passou de uma política anti-Assad e anti-curda para uma estratégia quase puramente anti-curda. Repetidamente tem mostrado vontade de se aliar com fascistas pseudo-religiosos para atacar qualquer experiência de democracia radical inspirada no PKK. Ele vê claramente, como o próprio Daesh (ISIS), que o que está a ser feito é uma ameaça ideológica, talvez a única alternativa ideológica viável face ao islamismo de direita que se avizinha, e tudo fará para a eliminar.

De um lado existem os curdos iraquianos com uma ideologia bem diferente em termos de capitalismo e noção de independência. Por outro lado, existe este exemplo alternativo em Rojava. E existem os curdos da Turquia que tentam manter um processo de paz com o governo… Pessoalmente, como vês o futuro do Curdistão a curto e a longo prazo?

Quem pode dizer? Neste momento as coisas parecem surpreendentemente boas para as forças revolucionárias. O KDG até desistiu da enorme vala que estava a construir através da fronteira de Rojava, após o PKK intervir e salvar Erbil e outras cidades dos avanços ISIS, em Agosto. Um elemento do KNK disse-me que isso teve um grande impacto na consciência popular; que um mês criou tanta consciência como 20 anos. Os jovens estavam particularmente impressionados pelo facto de os seus próprios Peshmerga abandonarem o campo de batalha mas as mulheres do PKK não. Mas é difícil de imaginar como é que o território de KRG será contudo revolucionado num futuro próximo. Nem o poder internacional o permitiria.

Apesar de a autonomia democrática não parecer estar em cima da mesa de negociações na Turquia, o Movimento Político Cudo tem estado a trabalhar nisso, especialmente ao nível social. Tentam encontrar soluções em termos legais e económicos para possíveis modelos. Quando comparamos, digamos, a estrutura de classes e o nível de capitalismo no Curdistão Ocidental (Rojava) e no Norte (Turquia), o que pensas sobre as diferenças destas duas lutas para uma sociedade anti-capitalista – ou para um capitalismo minimizado, como o descrevem?

Penso que a luta curda é explicitamente anti-capitalista em ambos os países. É o seu ponto de partida. Conseguiram uma espécie de fórmula: não eliminar o capitalismo sem eliminar o Estado, e não podemos eliminar o Estado sem eliminar o patriarcado. No entanto, o povo de Rojava tem a questão simplificada em termos de classes porque a verdadeira burguesia, tal como existia numa região maioritariamente agrícola, desapareceu com o colapso do regime de Baath. Enfrentarão um problema a longo prazo se não trabalharem no sistema educativo, para assegurar que um estrato tecnocrata de desenvolvimento não tente eventualmente tomar poder, mas entretanto, é compreensível que se foquem de imediato nas questões de género. Na Turquia não sei tanto, mas tenho a sensação que as coisas são muito mais complicadas.

Durante os dias em que as pessoas do mundo não podiam respirar por razões óbvias, a tua viagem a Rojava inspirou-te sobre o futuro? Qual achas que é o “remédio” para as pessoas respirarem?

Foi extraordinário. Passei a minha vida a pensar em como poderíamos fazer coisas como estas num futuro remoto e a maioria das pessoas pensa que sou louco por imaginar que isto alguma vez vai acontecer. Estas pessoas estão a fazê-lo agora. Se eles provarem que pode ser feito, que uma sociedade genuinamente igualitária e democrática é possível, isto irá transformar completamente a noção de possibilidades humanas. Pessoalmente, sinto-me dez anos mais novo só de ter lá passado dez dias.

Com que cena te irás recordar da tua viajem a Cizire?

Existem tantas imagens impressionantes, tantas ideias. Gostei da disparidade entre o aspecto das pessoas e as coisas que diziam. Conhece-se alguém, um médico, que parece um militar sírio, vagamente assustador, de casaco de cabedal e expressão austera. Depois fala-se com ele e ele explica: “Bem, sentimos que a melhor abordagem à saúde pública é a prevenção, a maioria das doenças ocorre devido ao stress. Sentimos que se reduzirmos o stress, os níveis de doenças de coração, diabetes, e mesmo o cancro irão diminuir. Assim, o nosso plano final é reorganizar as cidades para terem 70% de espaços verdes…” Existem todos estes planos loucos e brilhantes. Mas depois vai-se ao médico ao lado e explica-nos que, graças ao embargo turco, não conseguem sequer obter equipamento ou medicamentos básicos, que todos os pacientes para diálise que não foram levados dali morreram… Esta disjunção entre as ambições e as incríveis e difíceis circunstâncias. E… A mulher que era efectivamente a nossa guia era uma vice-chanceler chamada Amina. A certa altura, pedimos desculpa por não termos trazido presentes melhores e ajudado a população de Rojava, a sofrer sob o embargo. E ela disse: “No final, isso pouco importa. Temos a única coisa que ninguém nos pode dar. Temos a nossa liberdade. Vocês não. Quem me dera que houvesse uma maneira de vos poder dá-la”.

És por vezes criticado por seres demasiado optimista e entusiasta sobre o que está a acontecer em Rojava. Achas que és? Ou há alguma coisa que não entendem?

Sou optimista de temperamento, procuro situações que carreguem alguma promessa. Não acho que existam garantias que isto resultará no final, que não será esmagado, mas certamente que não será se toda a gente decidir que nenhuma revolução é possível e se recusar a dar-lhe apoio activamente, ou até dedicar esforços a atacá-la ou aumentar o seu isolamento, como muitos fazem. Se existem alguma coisa da qual tenho consciência e os outros não, talvez seja o facto de a história não estar terminada. Os capitalistas têm feito um esforço enorme nos últimos 30 ou 40 anos em convencer as pessoas que os actuais acordos económicos – nem sequer o capitalismo, mas a forma de capitalismo semi-feudal, financializada, peculiar que temos hoje em dia – são o único sistema económico possível. Puserem mais esforços nisto do que em criar um sistema capitalista global viável. Como resultado, o sistema está a despedaçar-se à nossa volta no preciso momento em que toda a gente perdeu a capacidade de imaginar outra coisa. Bem, é bastante óbvio que em 50 anos, o capitalismo sob qualquer forma que conheçamos, e provavelmente sob qualquer outra forma, já não existirá. Terá sido substituído por outra coisa. Essa coisa pode não ser melhor. Pode até ser pior. Por esse mesmo motivo, parece-me que é nossa responsabilidade, enquanto intelectuais, ou simplesmente seres humanos pensantes, de pelo menos pensar como será uma coisa melhor. E se existem pessoas que estão verdadeiramente a tentar criar essa coisa melhor, é nossa responsabilidade ajudá-las.

 

PARIS, 1968 – MURRAY BOOKCHIN

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Fonte: Contr’un

Por Murray Bookchin

(Em O Anarquismo pós-escassez, 1974)

A Qualidade da vida cotidiana


A rebelião de maio-junho de 1968 foi um dos mais importantes acon­tecimentos que ocorreram na França desde a Comuna de Paris em 1871. Ela não só sacudiu as bases da sociedade burguesa na França, como levan­tou problemas e apresentou soluções de uma importância sem preceden­tes para a sociedade industrial moderna, merecendo ser estudada e discu­tida em profundidade pêlos revolucionários de todo o mundo.

A rebelião de maio-junho aconteceu num país industrializado e orientado para o consumo — menos desenvolvido que os Estados Unidos, mas pertencendo basicamente à mesma categoria econômica. A revolta destruiu o mito de que a riqueza e os recursos da moderna sociedade industrial podem ser usados para neutralizar todas as formas de oposição revolucionária. Os acontecimentos de maio-junho demonstraram que as con­tradições e antagonismos do capitalismo não são eliminados pela estratificação e por formas avançadas de industrialismo, mas apenas transformados em forma e caráter.

O fato de que a revolta pegou a todos de surpresa, mesmo os mais sofisticados teóricos dos movimentos marxistas, situacionistas e anarquistas, ressalta a importância dos acontecimentos de maio-junho e suscita a necessidade de examinar as origens da inquietação revolucionária da sociedade moderna.

As inscrições que podiam ser lidas nos muros de Paris – “Poder para a imaginação”, “É proibido proibir”. “A vida sem tempos mortos”, “Trabalho, nunca”—representam uma análise mais profunda dessas origens do que todos os volumes cheios de teorias herdadas do passado. A revolução revelou que chegamos ao fim de uma era e ao início de novos tempos. As forças que hoje motivam a revolução — pelo menos no mundo industrializado — já não são simplesmente a escassez e a necessidade material, mas também a qualidade da vida cotidiana, a necessidade de liberação da experiência e a tentativa de controlar o próprio destino.

Não importa que as inscrições dos muros de Paris tivessem sido feitas, no início, por uma pequena minoria. Por tudo o que vi até agora, parece claro que os graffiti (que hoje enchem vários volumes) incendiaram a imaginação de muitos milhares em Paris. Eles conseguiram expor a coragem/nervo revolucionário da cidade

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Um movimento majoritário espontâneo

A revolta foi um movimento majoritário no sentido de que fez um corte longitudinal por todas as camadas da sociedade francesa, envolvendo não apenas estudantes e operários, mas técnicos, engenheiros e funcionários em quase todos os níveis da burocracia estatal, industrial e comercial. Atingiu profissionais liberais e trabalhadores, intelectuais e jogadores de futebol, artistas de televisão e operários do metro. Chegou a penetrar na força policial da cidade e é quase certo que afetou também a grande massa de soldados alistados no exército francês.
A rebelião foi iniciada basicamente pêlos jovens. Ela começou entre os estudantes universitários e depois foi apoiada pêlos jovens operários industriais, pêlos jovens desempregados e pêlos “jaquetas de couro” — a assim chamada delinqüência juvenil das cidades. Deve-se salientar especialmente a participação dos estudantes de segundo grau e dos adolescentes que frequentemente demonstraram mais coragem e determinação do que os seus colegas universitários. Mas a revolta afetou os mais velhos também: funcionários burocráticos, trabalhadores braçais, técnicos e profissionais. Embora tivesse sido catalizada pêlos revolucionários conscientes, especialmente por grupos de afinidade anarquista, de cuja existência ninguém suspeitava nem mesmo vagamente, o fluxo, o movimento de rebelião foi espontâneo.

Ninguém incitou à revolta, ninguém chegou a organizá-la e também ninguém conseguiu controlá-la.
Durante a maior parte daqueles dias de maio e junho, houve uma atmosfera de festa, um despertar da solidariedade, um desejo de ajudar-se mutuamente, de expressar a própria individualidade, algo que não era visto em Paris desde os dias da Comuna. As pessoas estavam literalmente redescobrirido — ou talvez reconstruindo — a si próprias e aos outros. Em muitas cidades industriais, os operários entupiam as praças, hasteavam bandeiras vermelhas, liam avidamente e discutiam cada panfleto que lhes caísse nas mãos.

Milhares de pessoas foram atacadas por uma febre de viver, um renascer de sentimentos que nem sonhavam possuir, de uma alegria e um entusiasmo que nunca pensaram poder sentir. As línguas ficaram mais soltas, os ouvidos e os olhos adquiriram mais acuidade. Cantava-se e muitas das velhas canções ganharam novas letras, mais irreverentes. Os pátios das fábricas se transformavam em salões de baile.

As inibições sexuais que paralisavam a vida de tantos jovens franceses foram destruídas em poucos dias. Esta não era uma revolta solene, um golpe de estado burocraticamente planejado e manipulado por um “partido de vanguarda”, mas algo espirituoso, satírico, criativo — e justa­mente aí estava a sua força, a sua capacidade de mobilizar e contagiar as pessoas.
Muitos conseguiram transcender as estreitas limitações que obstruíam sua visão social. Para milhares de estudantes, a revolução veio desmistificar o pretensioso sentimento de classe, como se os estudantes constituíssem uma casta privilegiada, o que na América é expresso pêlos exames classificatórios e pelo empolado sociologês dos documentos analíticos. Cada operário que se integrava aos comitês de ação em Censier deixava de ser um operário, como tal, para tornar-se um revolucionário. E era precisamente com base nessa nova identidade que pessoas que tinham passado a vida em universidades, fábricas e escritórios podiam encontrar-se livremente, trocar experiências e engajar-se em ações comuns sem preconceitos contra seu meio social ou suas origens.
A revolta tinha criado o ponto de partida de sua própria sociedade, sem classes nem hierarquia. Sua tarefa básica era estender os seus domínios a todo o país, a cada recanto da sociedade francesa e só conseguiria fazê-lo se o princípio de auto-determinação pudesse ser aplicado em todas as suas formas — as assembléias gerais e seus modelos administrativos, os comitês de greve nas fábricas — a todas as áreas da economia e da própria vida. Quem melhor parece ter entendido esta necessidade não foram os operários das indústrias mais tradicionais, onde as CGTs controladas pêlos comunistas exerciam sua poderosa influência, mas os das indústrias modernas, de tecnologia mais avançada, como a eletrônica.(Desejo salientar que esta é uma conclusão puramente especulativa a que chegamos depois de ouvir uma série de episódios esparsos, mas bastante significativos, relatados por jovens militantes dos comitês de ação integrados por estudantes e operários.)

Autoridade e hierarquia:

Um dos aspectos mais importantes da revolta de maio-junho foi a luz que ela lançou sobre a questão da autoridade e da hierarquia.

A este respeito, ela representou um desafio não só aos processos conscientes dos indivíduos mas aos seus mais arraigados hábitos inconscientes e aos condicionamentos impostos pela sociedade. Não creio que seja pre­ciso discutir aqui que tais hábitos são instilados no indivíduo desde os primeiros anos de vida — no ambiente familiar, na educação recebida no lar e na escola, na organização do trabalho, do lazer e da vida cotidiana. Esta amoldagem da estrutura do caráter, segundo normas criadas a partir de arquétipos de obediência e comando, constituem a própria essência daquilo a que chamamos de socialização da juventude.

A mística da organização burocrática, de hierarquias e estruturas impostas e formais, impregna os movimentos mais radicais em períodos não-revolucionários. A extraordinária suscetibilidade da esquerda aos impulsos autoritários e hierárquicos revela que o movimento radical está profundamente enraizado naquela mesma sociedade que aparentemente deseja destruir. Sob este aspecto, quase todas as organizações revolucionárias são uma fonte potencial de contra-revolução e este potencial só pode ser reduzido se a organização revolucionária for estruturada de tal modo que seu modelo espelhe as formas diretas e descentralizadas de liberdade pregadas pela revolução, e se a organização revolucionária promover a adoção de uma personalidade e um modo de vida realmente livres. Só assim o movimento revolucionário será capaz de integrar-se na revolução, sendo absorvido pelo novo modelo social democrático assim como a linha cirúrgica acaba desaparecendo, absorvida pela fenda que cicatriza.

A ação revolucionária destrói todos os laços que mantêm autoridade e hierarquia unidas na ordem social existente. A participação direta do po­vo na arena social é a própria essência da revolução, forma mais avançada de ação social, assim como a ação direta em épocas “normais” é uma preparação indispensável para a ação revolucionária. Em ambos os casos, o que ocorre é uma substituição da ação social, a partir das camadas mais baixas, pela ação política dentro da estrutura hierárquica já estabelecida. Em ambos os casos, há uma transformação molecular de “massas”, classes e níveis sociais, que passam a ser apenas indivíduos revolucionários. É necessário que esta nova condição se torne permanente para que a revolução possa ser bem sucedida — do contrário ela se transformará apenas numa contra-revolução mascarada de ideologia revolucionária. Cada fórmula, cada organização, cada programa “testado e aprovado” deve dar lugar às exigências da revolução. Não há nenhuma teoria, programa ou partido que possa valer mais do que a própria revolução. Entre os mais sérios obstáculos ao sucesso da revolta de maio-junho estavam não apenas De Gaulle e a polícia mas as rígidas organizações de esquerda — o Partido Comunista, que sufocou qualquer espécie de iniciativa em muitas fábricas e os grupos trotskystas que conseguiram criar um péssimo clima durante a assembléia geral na Sorbonne. Não me refiro aqui aos inúmeros indivíduos que se identificavam romanticamente com Che, Mao, Lênin ou Trotsky (e muitas vezes com todos eles a um só tempo), mas daqueles que perdiam totalmente a identidade, a iniciativa e a vontade própria, entregando-se a organizações hierárquicas submetidas a uma rigorosa disciplina. Por mais bem intencionadas que fossem essas pessoas, sua tarefa era “disciplinar” a revolta, ou mais precisamente, retirar dela seus aspectos revolucionários, introduzindo hábitos de obediência e autoridade que suas organizações haviam assimilado da ordem estabelecida. Estes hábitos, estimulados pela participação em organizações muito bem estruturadas — organizações modeladas, na verdade, naquela mesma sociedade que os revolucionários afirmam querer destruir — levavam ao aparecimento de estratégias parlamentares, “panelinhas” secretas, e tentativas de controlar as formas revolucionárias de liberdade criadas pela revolução.

Isto tudo fez com que surgisse, durante a assembléia da Sorbonne, um sonho venenoso de manipulação. Muitos dos estudantes com que falei estavam absolutamente convencidos de que estes grupos estariam dispostos a destruir a assembléia se não pudessem “controlá-la”. Estes grupos não estavam preocupados com a vitalidade das novas formas criadas pela revolução mas apenas com o crescimento de suas próprias organizações. Tendo criado formas autênticas de liberdade nas quais todos podiam expressar livremente os seus pontos de vista, a assembléia estaria plenamente justificada se tivesse decidido banir do seu meio todos os grupos organizados de forma burocrática.
Um dos grandes feitos do Movimento 22 de Março é o fato de que conseguiu integrar-se de tal forma às assembléias revolucionárias que acabou por desaparecer quase totalmente como organização independente, conservando apenas o nome. Nas suas próprias assembléias, os integrantes do 22 de Março baseavam todas as suas decisões no consenso unânime, que permitia a livre expressão de todas as tendências que o movimento abrigava, para testar na prática a sua validade.

Tal tolerância não prejudicou em nada a sua “eficácia”; este movimento anárquico fez mais para catalizar a revolta do que qualquer outro grupo, segundo observações feitas por quase todos os que observaram a sua atuação. O que distingue o Movimento 22 de Março e outros grupos, tais como os anarquistas e os situacionistas, de todos os outros grupos é o fato de que eles não trabalhavam para tomar o poder mas sim para destruí-lo.

A Dialética da Revolução Moderna

Os acontecimento de maio e junho na França revelam de maneira viva e dramática a extraordinária dialética da revolução. A miséria cotidiana de uma sociedade é acentuada pela possibilidade de obtenção da liberdade. E quanto maior for esta possibilidade, mais intolerável se tornará a miséria cotidiana. Por esta razão, o fato de que a sociedade francesa seja hoje mais afluente do que em qualquer outra época de sua história não é muito importante pois afluência, em sua forma burguesa extremamente distorcida, indica simplesmente que já há condições materiais para a liberdade e que as possibilidades técnicas para uma nova vida, mais livre, atingiram a plena maturidade.
E evidente que estas possibilidades vinham rondando já há muito tempo a sociedade francesa, ainda que não fossem percebidas pela maioria das pessoas.

Os gráficos que revelam o crescimento brutal do consumo são um indício da tensão existente entre a realidade medíocre da sociedade francesa e as possibilidades liberadoras de uma revolução, do mesmo modo que uma dieta demasiado farta e uma obesidade excessiva revelam a tensão que existe dentro de um indivíduo. Chega finalmente um momento em que a dieta, por melhor que seja, perde todo o encanto, um momento em que a obesidade social se torna intolerável. Ninguém pode prever o exato momento em que isto acontece. No caso da França, este momento chegou com as barricadas do dia 10 de maio, um dia que sacudiu a consciência de todo o país e fez com que os operários se perguntassem: “Mas afinal, se os estudantes, aqueles ‘filhos da burguesia’, podem fazer isso, por que nós não podemos?”.

A França passava por um processo molecular, completamente invisível mesmo para os revolucionários mais conscientes, um processo que culminou numa ação revolucionária precipitada pelas barricadas. Depois do dia 10 de maio, a tensão entre a mediocridade da vida cotidiana e o potencial de uma sociedade liberada explodiu, provocando a maior greve geral da história.
A extensão da greve demonstra que quase todas as camadas da sociedade francesa estavam profundamente descontentes e que a revolução não era apoiada apenas por uma determinada classe mas por todos aqueles que se sentiam esbulhados, repudiados e logrados no seu direito a uma vida melhor. O impulso revolucionário partiu de uma classe que, mais do que qualquer outra, deveria ter se adaptado à ordem estabelecida — os jovens. Pois eram justamente os jovens que tinham sido alimentados com a papa da “civilização” gaullista, que não tinham sentido na pele o contraste entre as características relativamente atraentes da civilização anterior à guerra e a mediocridade da nova civilização. Mas a papa não funcionou. Sua capacidade para cooptar e atrair é, na verdade, bem menor do que suspeitava a maioria dos críticos da sociedade francesa. A sociedade alimentada com tal papa não teve condições de opor-se ao impulso para a vida que surgiu, especialmente entre os jovens.

Não menos importante, a vida dos jovens na França, tal como ocorrera na América, não tinha sofrido os percalços dos anos de depressão econômica nem da busca de segurança material que moldara a vida dos mais velhos. Os jovens viam a realidade da vida francesa tal como ela era — mesquinha, feia, egoísta, hipócrita e espiritualmente aniquiladora. Este único fato — a revolta dos jovens — é a mais terrível prova da incapacidade do sistema para manter-se em seus próprios termos.

A espantosa decadência interna da sociedade gaullista, uma decadência muito anterior à revolta, assumiu formas que não se ajustam a nenhuma das fórmulas tradicionais de “revolução”, sempre voltadas para os aspectos econômicos da questão. Muita coisa já foi escrita sobre o “consumismo” da sociedade francesa, no sentido de que ele seria uma forma poluidora de mobilização social. O fato de que objetos, mercadorias, estivessem tomando o lugar das lealdades tradicionais, favorecidas pela Igreja, escola, família e pêlos meios de comunicação deveria ser visto como uma prova de que a desintegração social era muito maior do que se sus­peitava. O fato de que a tradicional consciência de classe do operariado estivesse enfraquecendo deveria ser uma prova de que se estavam criando condições propícias para uma grande revolução social e não uma simples revolução entre classes minoritárias. O fato de que os valores lumpen viessem sendo adorados pela juventude francesa na maneira de vestir, na música, na arte e no estilo de vida deveria ser um indício de que, por trás da fachada de protesto político convencional, amadurecia o potencial para a “desordem” e a ação direta.

Por um extraordinário giro de ironia dialética, o processo de “desaburguesamento” acontecia exatamente no momento em que a França tinha atingido níveis nunca antes registrados de afluência material. Fosse qual fosse a popularidade pessoal de De Gaulle, ocorria na França um processo de “desinstitucionalização” precisamente quando o capitalismo estatal parecia mais entrincheirado na estrutura social do que em qualquer outra época recente. A tensão resultante do confronto entre a realidade mesquinha e as possibilidades de libertação aumentava no momento em que a sociedade francesa parecia mais inerte do que em qualquer outro período desde a década de 20. O processo de alienação acontecia no exato instante em que as verdades da sociedade burguesa pareciam mais seguras do que em qualquer outro momento na história da república.

O que importa é que as questões que contribuíam para a ocorrência de inquietações sociais tinham mudado qualitativamente. Os problemas já não estavam ligados à sobrevivência, à penúria e à renúncia, mas à vida, à abundância e ao desejo. Tal como acontecera ao “sonho americano”, o “sonho francês” ruía e se desmistificava. A sociedade burguesa tinha dado tudo o que era capaz de dar nos únicos termos em que poderia “dar” alguma coisa — uma quantidade excessiva de bens materiais de valor discutível, adquiridos graças a um trabalho embotante e sem sentido. Foi a própria experiência e não os “partidos de vanguarda” ou os “programas testados e aprovados” que se transformou no agente mobilizador e na fonte de criatividade da rebelião de maio-junho. E é assim que deveria ser. Não só é natural que uma rebelião aconteça espontaneamente — esta é uma característica comum a todas as grandes revoluções da história — como é também natural que ela se desenvolva espontaneamente.

Isto não significa que os grupos revolucionários devam permanecer silenciosos diante dos acontecimentos. Se tiveram idéias ou sugestões, sua responsabilidade será apresentá-las. Mas utilizar os modelos sociais criados pela revolução com o objetivo de manipular os fatos, agir secretamente pelas costas da revolução, não confiar nela e tentar substituí-la pelo “glorioso partido” é uma irresponsabilidade criminosa e imperdoável. Ou a revolução consegue, eventualmente, absorver todas as organizações políticas ou os organismos políticos se tornam fins em si mesmos — origens inevitáveis da burocracia, da hierarquia e da servidão humana.
Diminuir a espontaneidade de uma revolução, interromper o movimento contínuo entre a mobilização e a emancipação de cada indivíduo isolado, remover os indivíduos do processo para interpor entre eles organizações e instituições políticas emprestadas do passado é o mesmo que corromper os objetivos liberalizantes da revolução. Se a revolução não começa por baixo, se não aumenta a “base” da sociedade até se transformar na própria sociedade, então ela não passa de um mero coup d’état. Se não produz uma sociedade em que cada indivíduo é capaz de controlar a sua própria rotina, em vez da rotina controlar cada indivíduo, então é uma contra-revolução. A liberação social só pode ocorrer quando ocorre simultaneamente uma liberação do indivíduo — se o movimento de “massa” é também um movimento individual que envolve um alto grau de individualização e de auto-conhecimento.

No movimento molecular vindo de baixo, que prepara as condições para que a revolução possa ocorrer; na mobilização de cada indivíduo que coloca a revolução em marcha; na atmosfera de alegria que consolida a revolução — em todas estas etapas sucessivas, há sempre um processo contínuo de individualização, um processo durante o qual o poder se acaba, ocorre a expansão da experiência pessoal e uma liberdade quase esteticamente em harmonia com as possibilidades do nosso tempo. Perceber este processo e articulá-lo, catalizá-lo e determinar as próximas tarefas práticas, manejar com firmeza os movimentos ideológicos que procuram “controlar” o processo revolucionário — estas são, como bem mostraram os acontecimentos na França — as responsabilidades básicas de um revolucionário nos dias de hoje.

Declaração dos direitos da mulher e a cidadania, 1791 – Olympe de Gouges

olympe

Fonte: Patagônia Libertária

Tradução: José roberto Luna – Coletivo Anarquia ou Barbárie

A luta de Olympe de Gouges, autora da ‘Declaração de direitos da Mulher e a Cidadã’ em 1791, é importante para entender a origem do feminismo moderno. Gouges nasceu em Montauban, uma localidade do sudoeste da França, no dia 7 de maio de 1748 e morreu na guilhotina no dia 3 de novembro de 1793. Em 1791, escreve sua ‘Declaração de Direitos da Mulher e a Cidadã’ e consegue que a igualdade se discuta n’Assembleia, embora suas propostas não sejam reconhecidas. É um escrito praticamente contemporâneo da ‘Reivindicação dos direitos da mulher’, da inglesa Mary Wollstonecraft. Durante toda a sua vida, teve que aguentar todo tipo de ataques misóginos, inclusive dentro dos girondinos (seu próprio partido) e, após a subida ao poder em 1793 da ala radical dos revolucionários, os jacobinos fecharam os clubes femininos e Olympe foi perseguida, encarcerada e executada.

Para ler a Declaração de Direitos da Mulher e Cidadã:

Declaração dos direitos da Mulher e Cidadania, 1791

Olympe Rouges

I – A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos. As distinções sociais só podem estar fundamentadas na utilidade comum.

II – O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis da Mulher e do Homem; estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.

III – O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação que não é mais que a reunião da Mulher e o Homem: nenhum corpo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não emane deles.

IV – A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence aos outros; assim, o exercício dos direitos naturais da mulher só tem por limites a tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser corrigidos pelas leis da natureza e da razão.

V – As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações prejudiciais para a Sociedade: tudo o que não esteja proibido por estas leis, prudentes e divinas, não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que elas não ordenam.

VI – A lei deve ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem participar em sua formação pessoalmente ou por meio de seus representantes. Deve ser a mesma para todos; todas as cidadãs e todos os cidadãos, por serem iguais a seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas os cargos honoríficos, postos e

empregos públicos, conforme suas capacidades e sem mais distinção que a de suas virtudes e seus talentos.

VII – Nenhuma mulher se encontra isenta de ser acusada, detida e encarcerada nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem como os homens a esta Lei rigorosa.

VIII – A Lei só deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado mais que em virtude de uma Lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres.

IX – Sobre toda mulher que haja sido declarada culpada cairá todo o rigor da Lei.

X – Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões inclusive fundamentais; se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também igualmente o de subir à Tribuna contanto que suas manifestações não alterem a ordem pública estabelecida pela Lei.

XII – A garantia dos direitos da mulher e da cidadã implica uma utilidade maior; esta garantia deve ser instituída para a vantagem de todos e não para utilidade particular daquelas às quais é confiada.

XIII – Para o mantimento da força pública e para os gastos da administração, as contribuições da mulher e do homem são as mesmas; ela participa em todas as prestações pessoais, em todas as tarefas penosas, portanto, deve participar na distribuição dos postos, empregos, cargos honoríficos, e outras atividades.

XIV – As Cidadãs e Cidadãos têm o direito de comprovar, por si mesmos ou por meio de seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As Cidadãs apenas podem aprová-la se se admite uma repartição igual, não só na fortuna mas também na administração pública, e se determinam a cota, a base tributária, a arrecadação e a duração do imposto.

XV – A massa das mulheres, agrupada com a dos homens para a contribuição, tem o direito de pedir contas de sua administração a todo agente público.

XVI – Toda sociedade na que a garantia dos direitos não estiver assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição; a constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a Nação não cooperou em sua redação.

Domingos Passos: O “Bakunin Brasileiro”

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(Federação Anarquista do Rio de Janeiro-FARJ)

Fonte: FARJ

“Eram 5 horas quando me levantei. O Passos, acordado não sei desde que horas, estava sentado na cama, lendo o “Determinismo e Responsabilidade”, de Hamon. Tomei a toalha e desci, para banhar o rosto. Quando voltava do pateo, enxugando-me, vi dois individuos, que logo tomei pelo que realmente eram, de revolver em punho, dirigirem-se para mim, perguntando asperamente.

 – Onde está o Domingos Passos?

Prevendo uma dessas violencias de que o nosso querido companheiro tem sido tantas vezes victima, senti forte desejo de escondel-o e neguei sua presença, dizendo:

– Domingos Passos não mora aqui!”

Esse pequeno trecho do depoimento do operário Orlando Simoneck ao jornal A Pátria[1], tomado em 16 de março de 1923, expressa claramente alguns aspectos da situação então vivida por aquele rapaz mestiço, neto de avós índios[2], carpinteiro de profissão, anarquista e ativo sindicalista do ramo da construção civil: o “camarada Passos” era, já naquele ano, o alvo preferido da Polícia carioca e, se não o mais, um dos mais queridos e respeitados militantes operários do então Districto Federal. Outra característica notável de Domingos Passos, destacada no depoimento de Simoneck, era seu incansável autodidatismo, sua sede pela instrução e pela cultura, que o fazia varar as madrugadas devorando os livros da pequena biblioteca de Florentino de Carvalho, que morava naquela mesma casa da Rua Barão de São Félix, muito próxima da sede do seu sindicato.

Domingos Passos era natural do Rio de Janeiro, tendo nascido, provavelmente, na última década do século XIX[3]. Sua trajetória militante está em grande parte ligada à sua organização de classe, a União dos Operários em Construcção Civil (UOCC), fundada como União Geral da Construcção Civil (UGCC) em abril de 1917 (a UGCC havia sido, na verdade fundada em 1915, mas teve existência breve). Apenas 2 meses após a sua fundação, a UGCC já com mais de 500 filiados, conseguiu mobilizar mais de 20.000 trabalhadores para o sepultamento dos 13 operários mortos no desabamento do New York Hotel, que se transformou em uma grande manifestação contra a ganância patronal.

No rastro da greve geral iniciada em São Paulo após o assassinato do jovem sapateiro Martinez, a UGCC e outras associações de resistência declararam, em 22 de julho de 1917, a extensão do movimento para o Rio de Janeiro, tendo como conseqüência imediata o fechamento de várias sedes sindicais pela Polícia até o início de setembro e a prisão de vários militantes[4]. Outra conseqüência nefasta para a luta dos trabalhadores, foi o banimento da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), que só veio a ser substituída em 18 de janeiro de 1918 pela União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Em 26 de junho de 1918, a UGCC mudou sua denominação para UOCC. Em outubro desse ano, a epidemia de gripe espanhola causou a morte de mais de 12.000 pessoas no Rio de Janeiro e a fome assolou a população trabalhadora, principalmente nos cortiços do Centro e nos subúrbios. Criou-se então, a partir da UOCC, o Comitê de Combate a Fome, que a despeito de sua intenção e da tragédia vigente, teve várias de suas reuniões interrompidas pela polícia e quase todos os seus integrantes presos[5].

Em 18 de novembro de 1918, a UOCC participou ativamente da tentativa de greve insurrecional, tendo sua sede novamente fechada durante a onda repressiva que se seguiu, desta vez por mais de 70 dias. Centenas de operários foram encarcerados e a UGT, com apenas 9 meses de vida, foi fechada por decreto federal.

Em abril de 1919, após um ano e meio de disputas internas entre os sindicalista revolucionários (anarquistas) e a “facção conservadora” da UOCC[6], os primeiros elegeram uma nova comissão executiva e conseguiram que a organização voltasse a ser regida pelas Bases de Acordo originais (em dezembro de 1917, um manobra dos conservadores havia “legalizado” um estatuto que previa os cargos de presidente e vice, e que nunca havia sido reconhecido pelos libertários).

Em maio de 1919, a UOCC conquistou finalmente às 8 horas de trabalho diário para a categoria e, em julho, vários de seus membros participaram da fundação do novo organismo federativo, a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (FTRJ).

Nos meses de setembro e outubro de 1919, uma feroz repressão foi desencadeada contra as associações de resistência do Rio de Janeiro. No dia 10 de setembro, a sede da UOCC e de várias outras entidades de classe foram atacadas pela Polícia, tendo sido efetuadas dezenas de prisões. No dia seguinte, a FTRJ convocou uma manifestação de protesto contra a violência policial, que degenerou em um conflito com a Força Pública, resultando feridos em ambos os lados.

Foi durante esse duro período que registramos a primeira aparição “oficial” de Domingos Passos, quando este foi eleito, em 16 de outubro de 1919, o 2o Secretário da UOCC e, em dezembro desse mesmo ano, 1o Secretário para o período de janeiro a julho de 1920[7]. Destacamos, no entanto, que o fato de Domingos Passos ter passado a ocupar tais cargos na organização em um momento tão difícil, indica que sua trajetória na UOCC vinha, no mínimo, de alguns meses antes.

Domingos Passos foi indicado, junto com José Teixeira[8], delegado da UOCC no 30 Congresso Operário Brasileiro (1920), quando foi eleito Secretário Excursionista da Confederação Operária Brasileira (COB)[9]. Ao ser escolhido para tal cargo, Passos certamente já se destacava no campo do proletariado organizado por sua inteligência e oratória, cultivada no cotidiano de lutas de sua categoria. Segundo Pedro Catallo[10], Passos era “dono de uma oratória suave, envolvente e agressiva o mesmo tempo, multiplicava a afluência aos comícios, desejosa de ouvi-lo falar. Depois, raramente chegava ao seu domicílio porque a polícia cercava-o no caminho e levava-o para o xadrez, onde repousava de quinze a trinta dias por vez”.

A repressão durante todo o governo Epitácio Pessoa foi brutal, com um sem número de deportações de militantes anarquistas, prisões, torturas e assassinatos, fechamentos de sindicatos e empastelamentos de jornais operários. Em outubro de 1920, a polícia dissolveu à bala uma passeata de trabalhadores na Avenida Rio Branco e, não satisfeita, novamente assaltou a sede da UOCC, ferindo 5 trabalhadores, prendendo 28 e, posteriormente, deportando 8 destes[11].

O movimento operário sentiu os golpes, e declinou a partir de 1921. Os sindicatos “amarelos” e “cooperativistas” se fortaleceram rapidamente, e passaram a disputar a hegemonia de diversas categorias com os sindicatos revolucionários. Entre os anarquistas, desmoronaram as esperanças na Revolução Russa, com a chegada das notícias sobre a repressão bolchevique, notadamente o massacre de Kronstadt, em março de 1921.

Em 16 março de 1922, nove dias antes da fundação do Partido Comunista, a UOCC publicou o documento Refutando as afirmações mentirozas do Grupo Comunista, declarando sua incompatibilidade com os “comunistas de estado”[12]. Este importante manifesto certamente teve a participação de Domingos Passos. Este, como outros militantes da Construção Civil foram, por toda a década de 1920, os oponentes mais ferrenhos e intransigentes da doutrina bolchevista, encarnando a consciência crítica e, em determinados aspectos, punitiva, dos quadros comunistas.

“Na Rússia, onde alguns membros do partido Communista, entronizados no poder, exercem a ditadura em nome do proletariado, estão sendo perseguidos, encarcerados e mortos todos os revolucionários da esquerda, mormente os combatentes anarquistas. Se é a obra de tal partido que os do Grupo Communista propagam e pretendem realizar, outra não pode ser a atitude da Construcção Civil, senão a de opozição à ditadura, e aos seus ditadores”.[13]

Em julho de 1922, no rastro do esmagamento da revolta dos tenentes do Forte Copacabana, a repressão fechou o jornal O Trabalho, órgão da UOCC, do qual Passos foi assíduo colaborador. Um novo bastião dos anarquistas na imprensa ficou a cargo de outro militante da Construção Civil, o carpinteiro e jornalista português José Marques da Costa, redator da Secção Trabalhista do jornal A Pátria.

Em 1923, continuamente perseguido pela polícia, Domingos Passos afastou-se da Comissão Executiva da UOCC e passou a se dedicar à propaganda e à organização federativa, tendo viajado duas vezes ao Estado do Paraná[14] para colaborar com sindicatos de resistência locais. Durante todo o primeiro semestre deste ano foi um dos principais articuladores da refundação da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), já que a FTRJ, sob o controle dos bolchevistas, agonizava e, cada vez mais, aproximava-se taticamente da Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira (CSCB), entidade que congregava desde sindicatos colaboracionistas até instituições reacionárias como a Liga de Defesa Nacional e o Centro Industrial do Brasil[15]. Quando a FORJ reapareceu, em 19 de agosto de 1923, Passos foi eleito para o Comitê Federal[16].

Assim como José Oiticica, Carlos Dias e Fábio Luz, Domingos Passos era freqüentemente convidado para conferências nas sedes sindicais. Também participava ativamente dos festivais operários, atuando nas peças teatrais organizadas pelo Grupo Renovação, declamando e palestrando sobre temas sociais. Certamente, foram esses festivais alguns dos poucos momentos de lazer que Passos usufruiu em sua vida de rapaz trabalhador e ativista sindical.

A FORJ, refundada por seis associações de classe (Construção Civil, Sapateiros, Tanoeiros, Carpinteiros Navais, Gastronômicos e o Sindicato de Ofícios Vários de Marechal Hermes), até meados de 1924 teve a adesão de mais cinco categorias importantes: Fundidores, Ladrilheiros, Ferradores, Metalúrgicos e Operários em Pedreiras. O sindicalismo revolucionário, a despeito da repressão estatal e das manobras bolchevistas, se fortalecia sob a orientação da FORJ, que organizava uma conferência intersindical e planejava para aquele ano o 4o Congresso Operário Brasileiro.

E é por isso, simplesmente por isso que dia a dia os trabalhadores vão abandonando os embusteiros, enveredando pelo caminho da organização operaria, não para fortalecer nenhum partido “socialista” ou burguez, e sim para fortalecerem a si mesmos, nos seus organismos de resistencia e de combate as explorações da sociedade actual.

Quando a organização operaria tiver attingido ao apogeu almejado, uma das suas principaes preocupações é a de atirar por terra não só o partido “socialista” (dito Communista) como todos os partidos.

Não é de partidos que precizamos. Os partidos são cacos e os cacos só tem uma utilidade: a de encher as “garys” e ir aterrar a Sapucaia[17].

Precizamos é de “inteiros” e estes só se conseguem com a “organização syndicalista revolucionaria”, que une, que eleva, que constroe.”[18]

Em julho de 1924, todo esse afã organizacional foi ceifado pela repressão que se seguiu à nova revolta dos tenentes, agora em São Paulo. As sedes sindicais foram invadidas e fechadas, centenas de anarquistas encarcerados e muitos deles deportados, entre estes Marques da Costa e Antônio Vaz. Domingos Passos foi um dos primeiros a serem presos e, após 20 dias de sofrimentos na Polícia Central[19], foi recolhido ao navio-prisão Campos, fundeado na Baía de Guanabara. Sua permanência por 3 meses na embarcação caracterizou-se por momentos de profunda privação e constrangimento. Transferido para o navio Comandante Vasconcellos[20], enfrentou mais 22 dias de suplícios junto a outras centenas de cativos (anarquistas, soldados e sub-oficiais sediciosos, ladrões, malandros, cáftens, imigrantes pobres e mendigos), inaugurando em dezembro de 1924[21] a fase prisional da Colônia Agrícola de Clevelândia, o “Inferno Verde” do Oiapoque, no atual Estado do Amapá.

Após alguns meses nessa “Sibéria Tropical”, onde os maus tratos e as doenças dizimaram centenas de homens, Domingos Passos conseguiu fugir para Saint George, na Guiana Francesa. Entretanto, as febres adquiridas na selva o obrigaram à buscar medicamentos em Caiena, tendo sido acolhido fraternalmente por um créole, que o ajudou a recuperar as forças[22]. Da Guiana, seguiu para Belém do Pará, onde permaneceu por algum tempo amparado pela solidariedade ativa do proletariado organizado daquela capital.

Domingos Passos estava entre os que retornaram ao Distrito Federal após o estado de sítio imposto por quase todos os quatro anos do governo de Arthur Bernardes (1923/1926). Ao chegar ao Rio de Janeiro, no início de 1927, retornou ao ativismo sindical, mesmo sofrendo das seqüelas do impaludismo, contraído no Oiapoque. Nesse mesmo ano, mudou-se para São Paulo, onde atuou na reorganização da Federação Operária local (FOSP) e na articulação do Comitê de Agitação Pró-Liberdade de Sacco e Vanzetti[23] ,criado no início de 1926, tendo ainda participado do 4o Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado em Porto Alegre.

Em agosto de 1927 foi preso durante um meeting pró-Sacco e Vanzetti no Largo do Brás, e levado à temida “Bastilha do Cambucí”, onde permaneceu por 40 dias sujeito à toda sorte de maus tratos. Solto, saiu de São Paulo em direção ao Sul do país, perseguido em todos os cantos, conseguindo chegar a Pelotas, onde foi preso e embarcado à força em um navio para Santos[24]. Ao chegar nessa cidade, conseguiu fugir e voltar a São Paulo, vivendo oculto por algum tempo até que, em fevereiro de 1928, foi preso juntamente com o operário sapateiro Affonso Festa[25].

Segundo Pedro Catallo[26], por ordem do delegado Hibraim Nobre, Passos foi deixado incomunicável por mais de três meses em um cubículo de 2 m2 da “Bastilha do Cambuci”, escuro e sem janelas, recebendo alimentação apenas uma vez por dia. Ao ser retirado da cela imunda, tinha o corpo coberto de feridas e vestia apenas trapos. Foi embarcado em um trem e enviado para morrer nas matas da região de Sengés, no interior ainda selvagem do Estado do Paraná. Algum tempo depois, conseguiu abrigo neste povoado e pôde escrever para os camaradas de São Paulo solicitando dinheiro, que foi-lhe levado em mãos por um emissário.

Aí terminou a trajetória conhecida deste que foi um dos mais influentes e respeitados ativistas do anarquismo e do sindicalismo revolucionário de seu tempo. Nunca mais se teve qualquer notícia dele, apenas boatos esporádicos e nunca confirmados.

Não foi à toa que Domingos Passos ganhou de seus contemporâneos a alcunha de “Bakunin Brasileiro”. Poucos como ele se entregaram de tal forma ao Ideal e sofreram tanto as conseqüências dessa dedicação à luta pela emancipação dos homens e mulheres. Durante apenas uma década, em grande parte passada nas prisões e nas selvas tropicais, Passos tornou-se a grande referência de militância libertária e social de seu tempo…e do nosso também!

Nossos passos seguirão os seus, Passos!

Referências

1 A Pátria, Secção Trabalhista, 16/03/1923 (Seção de Periódicos, Biblioteca Nacional).

2 “Memórias” manuscritas de Pedro Catallo in Edgar Rodrigues. Os Companheiros 2. VJR Editores Associados Ltda. Rio de Janeiro, 1995.

3 Ibidem.

4 Leal, Juvenal. Histórico da União dos Operários em Construcção Civil (18 de março de 1917 a 31 de dezembro de 1919). Edição da União dos Operários em Construcção Civil, 1920. pgs. 10-12 (Acervo da Biblioteca Social Fábio Luz, também disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

5 Ibidem. pg.. 16

6 Ibidem. pg. 24.

7 Ibidem. pg. 28.

8 Rodrigues, Edgar. Nacionalismo & Cultura Social (1913-1922). Laemmert, 1972, p.307.

9 Ibidem. p. 314.

10 Rodrigues, Edgar. Os Companheiros 2, p. 26.

11 Rodrigues, Edgar. Nacionalismo & Cultura Social (1913-1922). p. 335-336.

12 UOCC .Refutando as afirmações mentirozas do Grupo Comunista. Edição da União dos Operários em Construcção Civil, 1922. (disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

13 Ibidem.

14 A Pátria, Secção Trabalhista, 08/07/1923.

15 Castro Gomes, Ângela. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988, p. 160.

16 A Pátria, Secção Trabalhista, 18/10/1923.

17 A Sapucaia era o depósito de lixo da cidade, situado no bairro do Caju, às margens da Baía de Guanabara, hoje cortado pela Linha Vermelha.

18 Passos, Domingos. Em frente – Ao Partido Communista. A Pátria, Secção Trabalhista, 04/05/1924. (disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

19 A Plebe, 26/02/1927.

20 Samis, Alexandre. Clevelândia: Anarquismo, Sindicalismo e Repressão Política no Brasil. São Paulo: Ed. Imaginário; Rio de Janeiro: Achiamé, 2002, p. 194.

21 A Plebe, 12/03/1927.

22 A Plebe, 26/02/1927.

23 Rodrigues, Edgar. Novos Rumos (História do Movimento Operário e das Lutas Sociais no Brasil, 1922-1946). Rio de Janeiro, Edições Mundo Livre, 1978.

24 Panfleto “Trabalhadores Conscientes, Procurae saber o paradeiro de Domingos Passos” (1928). Arquivo Biblioteca Social Fábio Luz.

25 Rodrigues, Edgar. Novos Rumos. op. cit. p. 278.

26 Ibidem, p. 279.

“Construiremos um Curdistão livre, sob a liderança das mulheres”

kobane

Fontehttp://newrozeuskalkurduelkartea.wordpress.com/2014/11/26/construiremos-un-kurdistan-libre-bajo-el-liderazgo-de-las-mujeres/

Tradução livre por Talita Rauber e revisão por Arthur Dantas

“Construiremos um Curdistão livre, sob a liderança das mulheres”

       Dirigindo-se a milhares de mulheres que marcharam de Dewser até o povoado de Mehsar (província de Urfa), na fronteira com Kobanê, para comemorar o 25 de novembro, Dia da Eliminação da Violência contra as Mulheres, a co-presidente da PYD (Partido da União Democrática), Asya Abdullah disse que elas, como mulheres curdas, davam as boas-vindas mais calorosas a todas as mulheres que haviam se reunido na fronteira em solidariedade com as combatentes das YPJ¹.

A. Abdullah também disse que “sempre se lembrariam de todas aquelas que haviam caído em batalha, salientando que as mulheres curdas, herdeiras de seu exemplo, estavam realizando uma revolução histórica em Rojava. Milhares de mulheres caíram na luta pela liberdade, centenas delas em Sinjar e Kobanê. A revolução das mulheres continua”.
Prosseguiu afirmando que a história está sendo reescrita em Kobanê, e que a resistência das YPJ tem sido a resposta à dominação machista e ao feminicídio, insistindo que a revolução em Rojava é uma chamada a todas as mulheres do mundo.
A co-presidente continuou dizendo que “a resistência em Kobanê segue muito firme, graças ao trabalho das mulheres, não esquecendo da resistência das mulheres em Sinjar. “As mulheres seguem combatendo em todas frentes de batalha, apesar de todos os ataques que têm que enfrentar. Enquanto ainda lutam na linha de frente, por outro lado, contribuem para a construção de uma vida democrática em toda a região do Oriente Médio, dominado pelo machismo. Nenhum ataque pode intimidar as mulheres que estão liderando a marcha para a liberdade nas quatro partes do Curdistão”.
Ela concluiu dizendo o seguinte: “Construiremos um Curdistão livre, sob a liderança das mulheres.”
Fonte ANF.

Nota de tradução:
¹ – YPJ: Unidades de Proteção das Mulheres; em curdo, Yekîneyên Parastina Jinê;