Viver a Utopia / Vivir la utopía (1997)

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https://www.youtube.com/watch?v=9BzUjEXj2C4

Programa e Objetivo da Organização Secreta Revolucionária Irmandade Internacional

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Mikhail Bakunin

Fonte: Protopia.


*Programa elaborado clandestinamente por Mickail Bakunin em outono de 1868. Tradução de Zilá Bernd.


A Associação Irmandade Internacional quer a revolução universal, social, filosófica, econômica e política ao mesmo tempo, para que da ordem atual das coisas, fundada sobre a propriedade, a dominação e o princípio de autoridade quer religiosa, quer metafísica e burguesamente doutrinária, quer até mesmo jacobinamente revolucionária, não sobre em toda Europa num primeiro momento, e depois no resto do mundo, pedra sobre pedra. Ao grito de paz aos trabalhadores, liberdade a todos os oprimidos e morte aos dominadores, exploradores e tutores de qualquer espécie, queremos destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas as suas instituições e suas leis religiosas, políticas, jurídicas, financeira, policiais, universitárias, econômicas e sociais para que todos estes milhões de pobres seres humanos escravizados, atormentados, explorados, libertos de todos os diretores e benfeitores oficiais e oficiosos, associações e indivíduos, respirem enfim em completa liberdade.


Convencidos de que o mal individual e social reside muito menos nos indivíduos do que na organização das coisas e nas posições sociais, nós seremos humanos tanto por sentimento de justiça quanto por cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas a fim de poder, sem nenhum perigo para a revolução, poupar os homens. Negamos o livre-arbítrio e o pretenso direito da sociedade de punir. A própria justiça tomada no seu sentido mais humano e mais amplo, é apenas uma idéia, por assim dizer, negativa e de transição; ela coloca o problemas social mas não o resolve, indicando apenas o único caminho possível para a emancipação, isto é, de humanização da sociedade pela liberdade na igualdade; a posição positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da sociedade. Esta solução tão desejada, ideal de todos nós, é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos, a fraternidade humana.


Todo o indivíduo humano é o produto involuntário de um meio natural e social no seio do qual nasceu, desenvolveu-se e do qual continua a sofrer influência. As três causas de toda a imoralidade humana são: a desigualdade tanto política quanto econômica e social; a ignorância que é seu resultado natural e sua conseqüência necessária: a escravidão.


A organização da sociedade sendo sempre e em todos os lugares a única causa dos crimes cometidos pelos homens, há hipocrisia ou absurdo evidente da parte da sociedade em punir os criminosos, um vez que toda a punição supõe a culpa e os criminosos não são nunca culpados. A teoria da culpa e da punição surge da teologia, isto é, do casamento de absurdo com a hipocrisia religiosa. O único objetivo que se pode reconhecer à sociedade, em seu estado atual de transição, é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma no interesse de sua própria defesa e não a de julgá-los e condená-los. Este não será propriamente um direito, na acepção estrita do termo, será antes um fato natural, aflitivo mas inevitável, signo e produto da impotência e da estupidez da sociedade atual: e quanto mais a sociedade souber evitar de utilizá-lo, mais ela estará próxima de sua real emancipação. Todos os revolucionários, os oprimidos, os sofredores, vítimas da atual organização da sociedade e cujos corações estão naturalmente cheios de vingança e de ódio, devem lembrar-se de que os reis, os opressores, os exploradores de toda espécie são tão culpados quanto os criminosos saídos da massa popular: eles são malfeitores mas não culpados, pois são, como os criminosos comuns, produtos involuntários da atual organização da sociedade. Não devemos nos espantar se no primeiro momento, o povo rebelado mate muito. Será talvez um infelicidade inevitável, tão fútil quanto os estragos causados por uma tempestade.


Mas este fato natural não será nem moral, nem mesmo útil. A este respeito, a história está cheia de ensinamentos: a terrível guilhotina de 1793 que não pode ser acusada nem de preguiça, nem de lentidão, não chegou a destruir a classe nobre da França. A aristocracia foi se não completamente destruída ao menos profundamente abalada, não pela guilhotina, mas pelo confisco e venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que a carnificina política nunca matou os partidos; mostram-se sobretudo impotentes contra as classes privilegiadas, porque a força reside menos nos homens da que nas posições ocupadas pelos homens privilegiados na organização das coisas, isto é, a instituição do Estado e sua conseqüência assim como sua base natural, a propriedade individual.


Para fazer um revolução radical é preciso, pois, atacar as posições e as coisas, destruir a propriedade e o Estado, assim não se terá a necessidade de destruir os homens, e de condenar-se à reação infalível e inevitável que o massacre dos homens nunca deixou e não deixará nunca de produzir em cada sociedade.


Mas para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para a revolução, será preciso ser impiedoso para com as posições e as coisas: será preciso destruir tudo e, principalmente e antes de tudo, a propriedade e seu corolário inevitável: o Estado. Este é o segredo da revolução.


Não é preciso espantar-se se os jacobinos e os blanquistas que se tornaram socialistas antes por necessidade que por convicção, e para quem o socialismo é um meio, não o objetivo da Revolução. Pois eles querem a ditadura, quer dizer, a centralização do Estado e que o Estado os leve por necessidade lógica e inevitável à reconstituição da propriedade, é natural, dizemos nós, que não querendo fazer uma revolução radical contra as coisas, sonhem com uma revolução sanguinária contra os homens. Mas esta revolução sanguinária baseada na construção de um Estado revolucionário, fortemente centralizado, teria como resultado inevitável, como provaremos mais tarde, a ditadura militar com um novo senhor. Logo, o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas seria a morte da Revolução.


Somos inimigos naturais destes revolucionários, futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revolução, que, antes mesmo que os estados monárquicos, aristocráticos e burgueses atuais sejam destruídos, sonham com a criação de novos Estados revolucionários, tão centralizados e mais despóticos do que os Estados que existem hoje, que possuem uma vocação tão grande para ordem criada por uma autoridade qualquer e um horror tão grande pelo que lhes parece desordem e que nada mais é do que a franca e natural expressão da vida popular, que, antes mesmo que uma boa e saudável desordem se produza pela revolução, sonham já com o fim e o cerceamento pela ação de um autoridade qualquer que só terá o nome da revolução, mas que efetivamente nada mais será do que uma nova reação pois será uma outra condenação das massas populares, governadas por decretos, à obediência, à imobilidade, à morte, isto é, à escravidão e à exploração por uma nova aristocracia pouco revolucionária.


Compreendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que se chama hoje de más paixões e da destruição do que da mesma língua se chama “ordem pública”.


Não tememos, invocamos a anarquia, convencido de que esta anarquia, ou melhor, da manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a ordem nova, e a própria força da revolução contra a reação. Esta vida nova, a revolução popular, não tardará sem duvida a organizar-se, mas criará sua organização revolucionária de baixo para cima e da circunferência para o centro, conforme o princípio de liberdade, e não de cima para baixo nem do centro para a circunferência conforme a moda da autoridade, pois pouco importa se esta autoridade se chama Igreja, Monarquia, Estado Constitucional, República burguesa ou até mesmo Ditadura revolucionária. Detestamos e rejeitamos todos da mesma forma como fontes infalíveis de exploração e de despotismo.


A revolução tal como a entendemos deverá, desde o primeiro dia destruir radical e completamente o Estado. As conseqüências naturais desta destruição serão:

  • A bancarrota do Estado;

  • A cessação do pagamento das dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada devedor o direito de pagar as suas, se quiser;

  • A cessação dos pagamentos de qualquer imposto e do adiantamento de todas as contribuições, sejam diretas ou indiretas;

  • A dissolução do exército, da magistratura, da burocracia, da polícia e do clero;

  • A abolição da justiça oficial, a suspensão de tudo o que juridicamente se chamava direito, e o exercício desses direitos;

  • Por conseqüência, a abolição do auto-de-fé de todos os títulos de propriedade, formais de herança, de venda, de doação, de todos os processos, de toda a papelada jurídica e civil, em uma palavra. Em todo o lugar e em todas as coisas o fato revolucionário, em vez do direito criado e garantido pelo Estado;

  • O confisco de todos os capitais produtivos e instrumentos de trabalho em proveito da associação de trabalhadores que deverão produzi-los coletivamente;

  • O confisco de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como dos metais preciosos dos indivíduos em benefício da Aliança Federativa de todas as associações operárias, Aliança que constituirá a comuna. Em troca dos bens confiscados, a Comuna dará o estritamente necessário à todos os indivíduos que foram despojados, que poderão mais tarde, com seu próprio trabalho ganhar mais se puderem e se quiserem.


Para a organização da Comuna: a federação das barricadas permanentes e a função de um conselho revolucionário da Comuna pela delegação de uma ou duas pessoas de cada barricada, uma por rua ou por bairro, delegados investidos de mandatos imperativos, sempre responsáveis e sempre revogáveis. O Conselho comunal assim organizado poderá escolher, entre os seus, comitês executivos separados por cada ramo da administração revolucionária da Comuna.


Declaração da capital insurgida e organizada em Comuna que, depois de ter destruído o Estado autoritário e tutelar, o que ela tinha o direito de fazer porque era escrava como todas as outras localidades, renuncia a seu direito, ou melhor, a qualquer pretensão de governar, de impor-se às províncias.


Chamado a todas as províncias, comunas e associações, convidando a todos a seguirem o exemplo dado pela capital, de organizar-se primeiro revolucionariamente e, após, delegar, em um local convencionado de reunião, seus delegados, todos investidos de mandatos imperativos, responsáveis e revogáveis, para constituir a federação das associações, comunas e províncias insurgidas em nome dos mesmos princípios, e para organizar uma força revolucionária capaz de triunfar sobre a reação. Envio não de comissários revolucionários oficiais com faixas distintivas, mas de propagadores revolucionários em todas as províncias e comunas, sobretudo entre os camponeses que não poderão revoltar-se nem por princípios, nem pelos decretos de uma ditadura qualquer, mas somente pelo próprio fato revolucionário, quer dizer, pelas conseqüências que produzirá infalivelmente em todas as comunas a cessação completa da vida jurídica, oficial do Estado.


Abolição do Estado nacional ainda no sentido de todo o país estrangeiro, província, comuna, associação ou até indivíduos isolados, que se revoltaram em nome do mesmo princípio, sejam recebidos na federação revolucionária independente das fronteiras atuais dos Estados, embora pertencendo a sistemas políticos ou nacionais diferentes, e que as próprias províncias, comunas, associações, indivíduos que tomarem partido da reação estarão excluídos. É, pois pelo próprio fato da eclosão e da organização da revolução com vistas à defesa mútua dos países insurgidos que a universalidade da revolução, baseada na abolição das fronteiras e na ruína dos Estados, triunfará.


Não pode haver revolução política triunfante, a menos que a revolução política se transforme em revolução social, que a revolução nacional precisamente por seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado se transforme em revolução universal.


A revolução devendo fazer-se, em toda a parte, pelo povo, e a suprema direção devendo estar sempre no povo organizado em federação livre de associações agrícolas e industriais, organizando-se de baixo para cima por meio da delegação revolucionária abrangendo todos os países insurrectos em nome dos mesmos princípios independentemente das velhas fronteiras e das diferenças de nacionalidade, terá por objetivo a administração dos serviços públicos e não o governo dos povos. A aliança da revolução universal contra a aliança de todas as reações será a nova pátria.


Esta organização exclui qualquer idéia de ditadura e de poder dirigente tutelar. Mas, para o próprio estabelecimento desta aliança revolucionária, e para o triunfo da revolução contra a reação, é necessário que em meio à anarquia popular que constituirá a própria vida e toda a energia da revolução, a unidade de pensamento e de ação revolucionária encontre um órgão. Este órgão deve ser a Associação Secreta e Universal Irmandade Internacional.


Esta associação parte da convicção de que as revoluções nunca são feitas nem pelos indivíduos nem mesmo pelas sociedades secretas. Elas se fazem por si próprias, produzidas pela força das coisas, pelo movimento dos acontecimentos e dos fatos. Elas se preparam durante muito tempo na profundeza da consciência instintiva das massas populares, depois explodem, suscitadas aparentemente por causas fúteis. Tudo o que um sociedade organizada pode fazer é, primeiramente, ajudar o nascimento de uma revolução difundindo entre as massas idéias correspondentes aos instintos das massas de organizar, não o exército da revolução – o exército deve ser sempre o povo – mas uma espécie estado-maior revolucionário composto de indivíduos dedicados, enérgicos, inteligentes e, sobretudo, amigos sinceros, e não ambiciosos nem vaidosos, do povo, capaz de servir de intermediário entre a idéia revolucionária e os instintos populares.


O números destes indivíduos não deve, portanto, ser enorme. Para a organização internacional em toda a Europa, cem revolucionários forte e seriamente aliados, bastam. Duas ou três centenas de revolucionários bastarão para a organização do maior país.


Mickail Bakunin, outono de 1868

Este texto foi originalmente publicado por Biblioteca Virtual Revolucionária.


Temos que arder sim!

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Em apoio à resistência negra e às suas chamas nos Estados Unidos da América hoje, um poema do poeta e ativista pela libertação de Moçambique, José Craveirinha:

Temos que arder sim!

Grito negro

Eu sou carvão!

E tu arrancas-me brutalmente do chão

e fazes-me tua mina, patrão.

 

Eu sou carvão!

E tu acendes-me, patrão,

para te servir eternamente como força

motriz

mas eternamente não, patrão.

 

Eu sou carvão

e tenho que arder sim;

queimar tudo com a força da minha

combustão.

 

Eu sou carvão;

tenho que arder na exploração

arder até às cinzas da maldição

arder vivo como alcatrão, meu irmão,

até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão.

 

Tenho que arder

Queimar tudo com o fogo da minha

combustão.

 

Sim!

Eu serei o teu carvão, patrão.

José Craveirinha

(28 de Maio de 1922 – 6 de Fevereiro de 2003)

Arte e Resistência: Cildo Meireles nos anos 70

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Cildo Meireles é um artista visual brasileiro (1948) de forte importância na cena de arte nacional e internacional. Suas obras são conhecidas por contestarem a ditadura militar, o consumo, a dependência brasileira da economia global e afins.

E, para falar um pouco sobre a arte de Cildo, foi separado um trecho da tese de doutorado de Ana Lúcia Mandelli de Marsillac (Aberturas Utópicas : Singularidade da Arte Política nos Anos 70, tese disponível completa aqui ou trecho completo aqui) cujo fim é abordar a obra “O Sermão da Montanha: Fiat Lux”, projetado em 1973, exposto em 1979.

O trecho começa com aspas de Meireles, e segue com texto de Ana Lúcia:

Quem começou a fazer arte a partir de 1964 teve apenas duas opções: ou ia fazer um trabalho ligado à realidade e com uma visão critica dela, correndo o risco de ser taxado de subversivo, ou então aceitava as regras impostas. O companheiro mais constante da gente tem sido o medo de vários tons e sabores, este medo que se cristaliza no Esquadrão da Morte, por exemplo. Hoje, quando certos fatos deste período começam a vir à tona, a indignação aparece. Minha proposta é um momento de reflexão sobre o espaço da repressão e da força. O espelho é o próprio ato de refletir, e ele indica que a sua omissão volta a você como repressão.” (MEIRELES, 1979, In: MEIRELES, 2009, p. 75)

Neste depoimento, Cildo refere-se, em especial à sua obra: “O Sermão da Montanha: Fiat Lux” (Imagem abaixo), projetado em 1973 e exposto em 1979, no Centro Cultural Cândido Menezes, no Rio de Janeiro. Tratava-se de um grande bloco, composto por 126.000 caixas de fósforo da marca Fiat Lux, que tinham como logotipo o desenho de um olho. Cercado por atores, disfarçados de seguranças com óculos escuros, que tinham por função, com atitudes intimidadoras, proteger o bloco eminentemente explosivo. A sala, com cerca de 60m² era rodeada por 8 espelhos e por frases retiradas do Sermão da Montanha: capítulo 5, do evangelho de São Matheus, versículos 3 a 12. O chão, forrado por lixas, através de uma interferência sonora, amplificava o som dos passos no chão, conferindo maior tensão ao espaço. Exposição fugaz que durou apenas 24 horas.

cildo meireles - sermão

Cildo Meireles, O Sermão da Montanha: Fiat Lux, 1979. 126.000 caixas de Fósforos Fiat Lux, 8 espelhos, lixa preta, 8 bem aventuranças do Sermão da Montanha (Mateus V, 3-10), 5 atores, duração de 24 horas. Dimensão aprox.: 64m².

Felizes os pobres de espírito, porque é deles o reino dos Céus; felizes os mansos, porque herdarão a terra; felizes os aflitos, porque serão consolados; felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados; […] felizes os que promovem a paz, porque serão chamados de filhos de Deus; felizes os que são perseguidos, por causa da justiça, porque é deles o reino dos céus.” Sermão da Montanha

Cildo resgata as tranquilizadoras frases do evangelho, tão presentes no imaginário popular, contrastando-as com a “bomba”, que havia ao centro da sala de exposição. Os espelhos; bem como a logo-marca das caixas de fósforo: OLHO¹, que se repetiam por etiquetarem os fardos de fósforos no bloco central; jogavam com a condição especular, de ser visto, olhando; de ser questionado, por aquilo que se olha. “Sua omissão, volta a você como repressão.” Frente a uma explosão possível, o que se faz? O ato de Cildo parece questionar a um só tempo a força da repressão, mas também o campo das artes, que tendia a produzir obras para serem apenas contempladas. O som das lixas e os seguranças², embaralham posições e insinuam que o espectador pode ser o agente da explosão. Fiat Lux, expressão em latim, que segundo a Bíblia (Gênesis 1-3), foi utilizada por Deus na criação do mundo: faça-se a luz!

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Cildo Meireles, O Sermão da Montanha: Fiat Lux, 1979.

O Sermão da Montanha: Fiat Lux, una de las obras más brillantes, audaces y perspicaces de la época, y de épocas posteriores, que se hayan hecho en cualquier país.” (BRETT, In: MEIRELES, 2009a, p. 87)

Esta obra surge de uma situação cotidiana vivida pelo artista, ao se deparar com uma venda no interior da Bahia, que não tinha quase nada, a não ser fósforos e querosene. Cildo Meireles se deu conta de que o ato de comprar uma caixa de fósforo não era visto como subversivo, nem perigoso. Joga então com isso, criando uma obra composta por 126 mil caixas. “Era a criação de uma situação de perigo através de um procedimento legal. Portanto, você não está cometendo nenhum crime, mas exercendo um direito de consumidor.” (MEIRELES, 2009, p. 269)

A união faz a força”. Esta era a frase contida no convite da exposição, na qual Cildo valeu-se de uma das imagens da sua obra: “Estojo de Geometria”, na qual prende 400 lâminas de barbear, com dois parafusos, formando um bloco. Esta ação relativiza a mensagem de que a união faz a força; pelo contrario, a união pode anestesiar. Isso se tornava claro, em alusão ao fascismo, ou mesmo, à ditadura que assolava o Brasil, nesta época. União cega pelo poder. Entretanto, parece que Cildo não deixa clara esta questão, há uma condição paradoxal das coisas e dos conceitos em sua trajetória artística, suas escolhas são precisas e extremamente significantes. Enquanto as lâminas são fortes em sua individualidade e fracas, “alienadas”, na sua união; os frágeis palitos de fósforo, individualmente não oferecem maior risco, mas quanto maior for o seu número, maior o seu potencial de explosão. Parece que o artista deixa esta pergunta: qual união faz a força?

Cildo Meireles, Estojo de Geometria (neutralização por Oposição e/ou Adição), 1977-79. Caixa de madeira, dois cutelos, dois pregos, 400 lâminas de barbear, c. 50 x 30 x 5 cm.

Cildo Meireles, Estojo de Geometria (neutralização por Oposição e/ou Adição), 1977-79. Caixa de madeira, dois cutelos, dois pregos, 400 lâminas de barbear, c. 50 x 30 x 5 cm.


(Trecho retirado da tese de doutorado de Ana Lúcia Mandelli de Marsillac, link de acesso na introdução)

Notas de rodapé:

1 – Atualmente, a logo marca deste fósforo não é mais o desenho de um olho.
2 – Os homens de óculos escuros fazem uma menção aos agentes à paisana que controlavam a tudo e a todos na época ditatorial. 

OBS.: Mudanças foram feitas apenas na disposição de imagens nas notas de rodapé.

E, para finalizar, a quem não conheceu a caixa de Fósforos OLHO da Fiat Lux, aqui abaixo está a imagem:

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