Ocupação Jardim União: Na zona sul, uma pequena cidade autônoma

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Fonte: Vai dar pé

Na zona sul de São Paulo, a ocupação Jardim da União reúne mais de 800 famílias, conta com educação própria, reciclagem e pode sofrer reintegração de posse a qualquer momento

Por Henrique Santana

Fotos: André Zuccolo

IMG_4922O Jardim da União está há um ano e meio no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. Com 820 famílias distribuídas em quatro quadras, a ocupação se tornou uma pequena cidade autônoma. Com a falta de políticas do Estado, o número de famílias dobrou no decorrer do último ano. Hoje, conta com educação própria, reciclagem e agricultura.

A caminhada das famílias passou por uma violenta reintegração de posse em uma ocupação localizada no Itajaí, também no Grajaú, em setembro de 2013. Sem teto e sem terra, as cerca de 200 famílias que perderam os barracos – destruídos pela Tropa de Choque – passaram a ocupar o terreno do Varginha e fizeram o batismo: Jardim da União.

Mesmo com a função social que exerce, o Jardim da União pode sofrer reintegração de posse a qualquer momento. O terreno, ironicamente, pertence ao CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), empresa do governo estadual responsável pelo desenvolvimento urbano e de habitações populares para pessoas de baixa renda. As autoridades alegam que a ocupação se localiza em área de manancial e, por isso, deve ser desocupada.

Educação é nóis que faz

A creche “Filhos da Luta” foi a mais recente construção dos moradores, realizada em outubro (12) do ano passado e inaugurada no dia das crianças. A tarefa de cuidar dos mais novos é divida entre quatro mulheres, duas fazem o trabalho no turno da manhã e as outras duas à tarde.

Biblioteca pública do Jardim União. Educando na luta

Biblioteca pública do Jardim União. Educando na luta

Aldenira Amarante é conhecida por sua simpatia, o que lhe rendeu o apelido de Sorriso. Chega à creche no segundo período, já que de manhã vai ao Curso de Educação de Jovens e Adultos (Eja). “A creche foi construída com muita dificuldade. Todos os moradores ajudaram com mutirões. A gente tinha 17 crianças, esse ano diminuiu porque algumas foram chamadas para a escola”, conta a cearense, que tem três filhos cursando a faculdade graças às notas obtidas no Enem.

Sorriso diz que gosta de trabalhar com crianças e que, depois da experiência com a creche, pretende cursar pedagogia. Além de frequentar o Eja, Sorriso também vai às aulas de espanhol da ocupação, ministradas por Samuel, boliviano que também ocupa o terreno do CDHU.

IMG_4734Sandra de Moura, uma das coordenadoras da ocupação, ressalta que os moradores realizam trabalhos deixados ao léu pelo governo, como o coletivo de educação. A iniciativa conta com uma escola de futebol, aulas de capoeira e atende não só crianças da ocupação, como também de bairros vizinhos.

O Jardim da União não para por aí. Aulas de alfabetização, jiu-jitsu, cooperativa de costura e dezenas de hortas comunitárias também compõem o leque de iniciativas promovidas pela ocupação. A ideia é que as pautas se expandam em um projeto de educação popular promovido pelos próprios moradores.

É uma tentativa de educação popular. Educar dentro da luta”, afirmou Carolina Moura, pedagoga e militante da Rede Extremo Sul, um ano atrás, quando a ocupação começava a ganhar seus moldes.

Eco-ocupação

Hortas comunitárias no Jardim União

Hortas comunitárias no Jardim União

Apesar de se localizar em área de mananciais, o Jardim da União está a frente de muitos bairros no quesito reciclagem. Lixo na rua não tem. Quando tem a comunidade cobra. “Tem que recolher isso aí. Se não vai entrar cobra na sua casa”, reclama Aricleiton, também coordenador, ao ver algumas caixas de madeira no meio da rua.

Sete pessoas trabalham na reciclagem, dois homens e cinco mulheres. Entre as tarefas, há o recolhimento do lixo e a divisão de materiais que vão ser reciclados. O resto dos moradores também participam do processo, organizando o despejo para facilitar a coleta. As poucas coisas que não servem para reciclagem são levadas para uma caçamba do lado de fora da ocupação e levados pelo caminhão da prefeitura.

Maria Aparecida é mais conhecida na ocupação como Cida, a “manda chuva” da reciclagem, brinca. “Se não fosse nóis aqui dentro, ia tá cheio de lixo. Porque nóis cata o lixo todinho e traz para cá”, conta.

A coleta se dá a cada dois dias, das 8h até às 12h. O dinheiro da venda dos materiais é dividido. Parte dele fica no caixa da ocupação e o resto é distribuído igualmente entre quem trabalha na reciclagem. Em média, os trabalhos rendem R$ 250 para cada envolvido.

Sorriso esbanjando simpatia na ocupação

Sorriso esbanjando simpatia na ocupação

As mercadorias saem da ocupação no caminhão de Bruno, também morador do Jardim da União. Ele não cobra pelo deslocamento e ajuda na venda de reciclados. “Se for pagar caminhão por fora, nóis não ganha nada. Só o deslocamento do material em um carreto custa R$ 40”, explica a “manda chuva”.

IMG_4557Cida morava antes em casa alugada, saiu porque não tinha condição de pagar, assim como muitos dos que vivem na ocupação. “Eu pagava R$ 450 de aluguel, fora água e luz. Com o salário que eu tinha não dava para se manter. Era eu, meu marido, filho pequeno e meu outro filho rapaz.”

A ocupante conta que atualmente sua situação melhorou. O filho mais novo vai para a creche de manhã enquanto a reciclagem funciona a todo vapor. A creche é a grande paixão de João Victor, atualmente com três anos. Aos sábados e domingos, sem os compromissos escolares, ele “chora e esperneia” e Cida tem que levá-lo até a creche para mostrar que está fechada.

Aqui não tem patrão!

A estrutura do Jardim União se diferencia de muitos movimentos de moradia, buscando quebrar as estruturas de hierarquização na luta. Toda quarta-feira, o salão de assembleias ganha vida. Os moradores se reúnem para discutir questões da ocupação e deliberar decisões em conjunto. Não existe pauta fixa, os próprios ocupantes que decidem o que será discutido.

A atual coordenadora, Sandra, pontua que todas as decisões são tomadas em conjunto. “Então, quando eu saio para trabalhar não faz falta, porque tem outra pessoa que pode tocar as tarefas”, comenta.

A ocupação é uma responsabilidade de todo mundo. Um exercício que coloca dificuldades porque é muito mais fácil chegar alguém dizendo que manda. A gente não quer isso”, explica Guto, que também milita na Rede Extremo Sul. O movimento se divide em grupos de coordenadores rotativos, uma forma de todos participarem e entenderem mais a fundo o funcionamento da ocupação.

Mariano está no terreno desde a chegada dos moradores. No passado, trabalhava na roça e hoje cuida de uma bela horta na ocupação. Com um galo embaixo do braço e um pé de couve na outra mão, desabafa: “Na roça eu trabalhava para patrão e nóis aqui não quer ter patrão”.

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A Emergência Anarquista I

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Fonte: Liga-RJ

A emergência anarquista é uma proposta de estudo aproximativa dos conceitos anarquistas e libertários contemporâneos. Não sendo um estudo conclusivo que se propõe a afirmar conceitos fechados ou uma teoria unitária, traduz nossa leitura do próprio movimento anarquista, assim como do universo libertário, respeitando a multiplicidade, pluralidade e diversidade nos campos organizativos de ações, métodos e ideias. Tampouco é este um estudo que busca resgatar as teorias clássicas do anarquismo, não as desconsiderando ou estando desconectado do processo histórico, mas partindo de uma análise de que as manifestações recentes de novos atores sociais emergentes no campo político e econômico não estão necessariamente conectadas – pelo menos conscientemente – ou endividadas para com os clássicos teóricos do campo de ação anarquista. Obviamente que os conceitos amadurecidos e sistematizados pelos pensadores anarquistas e libertários estão presentes nesta reflexão, mas não como um tema central ou que nos ocupe como objeto de nossa pesquisa. Antes disso, são eles conceitos – como dito anteriormente – sistematizados a partir de uma prática, é esta prática que nos interessa, não diminuindo a importância deste esforço de teorização, mas julgamos que tais teóricos e suas teorias já são devidamente debatidas em outros estudos, não menos importantes e não menos urgentes. 

É saudável pontuar uma separação entre libertários e anarquistas. Entendemos aqui todo anarquista como um libertário, mas o campo libertário é mais amplo que o anarquista, abarcando outras tendências que nem sempre terão as características definidoras de uma prática e um pensamento anarquista. Dada a diversidade do movimento libertário e a consequente confusão de suas zonas de contingência com o movimento anarquista, acreditamos que reforçar a ideia desta sinalização é um ponto importante de partida para as reflexões que seguirão.   

Creio ser necessário, a título de justificativa, deixar clara nossa posição sintetista enquanto anarquistas. Tal posição obviamente guiará as questões que surgirão no decorrer da leitura deste ensaio e o próprio objetivo de aproximação, sem a pretensão de tirarmos daqui conclusões definitivas acerca das práticas e ideias anarquistas correntes. Sintetismo ou sinteticismo, em poucas palavras, pode ser entendido aqui como uma posição anarquista e libertária que respeita e encoraja múltiplas formas de ação no âmbito anarquista, busca uma síntese entre as correntes de pensamento que emergem ou orbitam o universo libertário e o movimento anarquista, rejeita, portanto, os planos fechados, plataformas ou programas que tendem a controlar o comportamento e delegar funções aos corpos que se movem em sentindo libertário, respeita a livre federação e aglutinação coletiva, sem, contudo, se fechar ao diálogo com as correntes de pensamento e organizações anarquistas que tendem ao plataformismo ou ao especifismo. Entendemos, portanto, que a pluralidade e multiplicidade de métodos e ações em diferentes campos e de formas variadas são elementos benéficos à construção de uma sociedade livre.

Faz-se necessária uma reflexão para dentro do próprio movimento anarquista. Esta esbarrará, como previsto, nas zonas de contingência que existem com o universo libertário e a prática autonomista. A emergência de ações coletivas e ainda individuais que se autoidentificam ou são lidas como – e não de forma ilícita – práticas anarquistas, impelem-nos a uma leitura e ao esforço de compreensão das mesmas em uma articulação com a conjuntura atual do movimento como um todo.

O recente e notório descontentamento popular com as estruturas governamentais representativas, as históricas desigualdades econômicas inerentes ao modo de produção capitalista somadas ao seu ciclo de crises estruturais e rupturas que abateram o sistema de forma global nas últimas duas décadas e, em uma perspectiva que nos coloca geográfica, histórica e socialmente inseridos no contexto latino-americano, ao total fracasso das estruturas sindicais em comportar as demandas da classe trabalhadora, geraram uma série de ações espontâneas que apontam para uma tendência autonomista e em alguns casos muito próximas das práticas que nos remetem à tradição anarquista. Seja o fenômeno das assembleias populares ou trabalhadoras que primam por métodos horizontais, sejam os recentes movimentos grevistas puxados pela base em detrimento dos grupos dirigentes de seus respectivos sindicatos e mesmo contra eles em alguns casos, os movimentos que pautam a questão da mobilidade urbana e o direito a cidade, reivindicando uma gestão mais direta do sistema de transportes e organizando-se de forma descentralizada e até federalizada, a tendência a autogestão que é identificada nas ocupações promovidas pelos movimentos pautados na questão da moradia – na verdade a falta dela – e a disseminação e radicalização de tendências libertárias que visibilizam questões como o direito ao corpo e a descriminalização das drogas. Todas estas tendências nos remetem de alguma forma ao universo que orbita ou emerge do conjunto de práticas e métodos anarquistas, autonomistas ou libertários. A presença deles é sentida em todos estes campos, sem que, contudo, estes possam ser classificados como movimentos anarquistas de fato.

Todos estes movimentos que desenvolvem em seu seio tais métodos o fazem por uma simples questão conjuntural, impelidos pelas necessidades organizativas, muito mais do que por tendência ideológica consciente, ainda que agrupamentos atuem no interior de tais movimentos e assim o façam de forma consciente não é possível afirmar que isso vale para o todo. Tal ação não configura o direcionamento da organização subsequente no sentido de controle do movimento por parte destes mesmos grupos atuantes.

Obviamente que as formas de organização assumidas pelos movimentos contemporâneos levaram consequentemente à exposição midiática do anarquismo e subsequentemente a um processo de criminalização da prática anarquista. Tal movimento criminalizante não é exclusividade do Brasil ou da América Latina – apesar dos recentes e alarmantes eventos de perseguição verificados neste continente – é um processo que se desenvolve em âmbito global e de forma articulada.

Tal situação nos leva a algumas questões da qual não podemos e não devemos nos furtar: é possível afirmar que há “O anarquismo” ou os anarquismos? O anarquismo ou os anarquismos constituem uma teoria político-econômica-social, uma ideologia, ou um conjunto de práticas libertárias em que seja mais correto falar em “cultura anarquista”? É desejável uma unidade de luta articulada, ainda que sem unidade teórica ou a potência do movimento anarquista se encontra precisamente em sua atomização e descentralização total, onde – perdoem a metáfora geológica – nos remete a uma configuração insular de arquipélago, encontrando-nos isolados e atuando em frentes desconectadas, desarticuladas e desprovidas de comunicação? Em que ponto os movimentos anarquista e autonomista encontram zonas de contingência e de separação entre si no campo libertário de ação?

Tais questões nos afligem e julgamos merecedoras de reflexão caso desejemos seriamente construir um mundo onde uma sociedade livre seja possível para além da utopia. Não só são questões provocadoras que justificam a reflexão e um amplo debate por uma maior articulação – se esse é nosso desejo enquanto companheiros e companheiras de luta – como são questões urgentes motivadas por uma conjuntura que nos indica uma articulação global de repressão às práticas anarquistas e libertárias. São destas questões que vamos nos ocupar nesta série de estudos que, apesar de constituírem uma ainda tímida provocação aos companheiros e companheiras, temos motivos para crer que são questões solúveis e de tomadas de posições possíveis dentro de nosso campo de atuação em direção a construção de um mundo novo, igualitário e liberto de opressões.

Zona Autônoma Permanente

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Por Hakim Bey

Fonte: Protopia

A teoria da Zona Autônoma Temporária (TAZ) busca tratar de situações existentes ou emergentes, mais que do utopismo puro. Por todo o mundo existem pessoas que estão deixando ou “desaparecendo” da Grade[1] da Alienação e buscando formas de restaurar o contato humano. Um exemplo interessante disto – no nível da “cultura popular urbana” – pode ser encontrado na proliferação de redes e conferências vinculadas a passatempos. Recentemente descobri zines destes grupos, Joias da Coroa das Altas Ondas[2] (dedicado ao colecionismo de isoladores elétricos de cristal) e uma revista sobre cucurbitologia (A Abóbora). Enormes quantidades de criatividade são dedicadas a estas obsessões. Os diversos encontros periódicos de companheiros-maníacos vêm a ser verdadeiros festivais cara-a-cara (não-mediados) de excentricidade. Não é só a “contra-cultura” quem busca suas zonas autônomas temporárias, seus acampamentos nômades e noites de liberação do consenso. Grupos auto-organizados e autônomos estão brotando entre todas as “classes” e “subculturas”. Vastas extensões do Império Babilônico estão agora vazias, povoadas somente pelos agentes secretos dos Meios de Massas e uns poucos policiais psicóticos.

A teoria da zona autônoma temporária dá conta disto que ESTÁ ACONTECENDO – não estamos falando sobre o que “deveria” ou será – estamos falando de um movimento já existente. Nosso uso de uma série de meios reflexivos e experienciáveis – poesia utópica e crítica paranóica (etc.) pretende ajudar a clarificar este movimento complexo ainda em grande medida não documentado, dar-lhe algum foco teórico e consciência de si mesmo, e sugerir táticas baseadas em estratégias integralmente coerentes – atuar como parteira ou panegírico, e não como “vanguarda”!

Então tivemos que considerar o fato de que nem todas as zonas autônomas existentes são “temporárias”. Algumas são (ao menos nas intenções) mais ou menos “permanentes”. Certas rachaduras no Monolito Babilônico parecem tão vazias que grupos inteiros podem se mudar para elas e lá se instalarem. Certas teorias, como a “permacultura”, têm sido desenvolvidas para lidar com esta situação aumentando as possibilidades. “Vilas”, “comunas”, “comunidades”, incluindo aí “arcologias” e “biosferas” (ou outros modelos de cidade-utopia) estão sendo experimentadas e implementadas. Mesmo nesse contexto a teoria da TAZ pode oferecer algumas ferramentas de pensamento, esclarecimentos e úteis reflexões.

E se tratarmos de uma poética (um “modo de fazer”) e de uma política (uma “forma de viver juntos”) para a TAZ “permanente” (ou ZAP)? O que existe na relação atual entre a temporalidade e a permanência? E como pode a ZAP periodicamente renovar-se com o aspecto festivo da TAZ?

A Questão da Publicidade

Os recentes eventos nos Estados Unidos e na Europa mostraram que os grupos auto-organizados/autônomos levam o temor ao coração do Estado. O MOVE[3] na Philadelphia, os Koreshitas de Waco,[4] os Dreadheads,[5] as Tribos do Arco-iris,[6] os piratas informáticos,[7] os okupas[8] (etc.) têm se tornado alvos do extermínio em vários níveis de intensidade . E ainda outros grupos autônomos seguem desapercebidos, ou pelo menos não são perseguidos. O que faz a diferença? Um fator pode ser o efeito maligno da publicidade ou mediação. A Mídia experimenta uma sede vampírica pela sombra-paixão do “Terrorismo”, o ritual público de expiação, o bode expiatório e sangue sacrificial da Babilônia. Uma vez que qualquer grupo autônomo permite que este “olhar” particular caia sobre ele, a merda bate no ventilador – a Mídia tentará organizar um mini-Armagedom para satisfazer sua viciosa ansiedade por espetáculo e morte.

Na atualidade, a ZAP dá um ótimo alvo, fácil para essa bomba inteligente midiática. Assediado dentro de seu “composto”, o grupo auto-organizado só pode sucumbir a algum tipo de martírio barato predeterminado. Seria presumível que este papel atraia somente aos masoquistas neuróticos??? Em todo caso, a maioria dos grupos desejam viver seu período natural ou suas trajetórias em paz e calma. Uma boa tática aqui pode ser evitar a publicidade da Mídia de Massas como se fosse uma praga. Um pouco de paranóia natural pode ser útil, contanto que não se converta em um fim em si mesma. A gente deve ser astuto para evitar ser apanhado. Um toque de camuflagem, uma aptidão para a invisibilidade, um sentido de tato como tática… poderiam ser tão úteis para uma ZAP como o são para uma TAZ. Humildes sugestões: use somente “mídias íntimas” (zines, rodas de telefones, BBSs[9], rádios livres e mini-FM, TV a cabo de acesso público, etc.); evite atitudes confrontacionistas de macho fanfarão – você não precisa de cinco segundos no telejornal diário (“Polícia derruba Seita”) para dar sentido a sua existência. Nosso slogan poderia ser: “Busque a vida, não um estilo de vida”.

Acesso

As pessoas provavelmente deveriam escolher as pessoas com quem querem viver. As comunas de “participação aberta” acabam invariavelmente atoladas com aproveitadores[10] e patéticos abobados sedentos por sexo. As ZAPs devem eleger mutuamente seus próprios membros – isto não tem nada que ver com “elitismo”. A ZAP pode exercer uma função temporalmente aberta – como abrigar festivais ou compartilhar comida gratuita –, mas não precisa estar permanentemente aberta a qualquer autoproclamado simpatizante que apareça.

A Emergência de uma Economia Alternativa Genuína

Uma vez mais, isto já está acontecendo, mas ainda precisa de uma imensa quantidade de trabalho antes de entrar em foco. As sub-economias do “lavoro nero”[11], as transações livres de taxas, o truque, etc., tendem a ser severamente limitadas e localizadas. As BBSs e outros sistemas de redes podem ser usados para colocar em relação estas economias regionais/marginais (”empresas caseiras”) em uma economia alternativa viável de certa magnitude. “P.M.”[12] delineou já há algum tempo alguma coisa semelhante a isto em “bolo’bolo”[13] – de fato já existe um número de possíveis sistemas, ao menos em teoria. O problema é: como construir uma verdadeira economia alternativa, isto é, uma economia completa sem atrair o Imposto de Renda e outros cães de caça capitalistas? Como posso trocar minhas habilidades como, digamos, escavador de poços ou destilador de álcool, pelos alimentos, livros, abrigo e plantas psicoativas que desejo – sem pagar impostos, bem como sem utilizar nenhum dinheiro forjado pelo Estado? Como posso viver uma vida confortável (inclusive luxuosa) livre de toda interação e transação com o Mundo da Mercadoria? Se tomássemos todas as energias que os esquerdistas colocam em suas manifestações inúteis e toda a energia que os ultra-liberais[14] despendem em seus fúteis joguinhos de terceiro partido, e se nós redirecionássemos toda esta potência para a construção de uma verdadeira economia subterrânea, já teríamos alcançado “a Revolução” há muito tempo atrás.

O “Mundo” Chegou ao Seu Fim em 1972

A efígie frívola do Estado absoluto finalmente veio abaixo em “1989”. A última ideologia, o Capitalismo, não é mais que uma doença de pele do Neolítico muito tardio. É uma máquina-de-desejos que segue funcionando vazia. Tenho a esperança de vê-lo desaparecer ainda durante a minha vida, como uma das paisagens mentais de Dali[15]. E quero ter algum lugar para onde “ir” quando a merda toda vier abaixo. É claro que a morte do capitalismo não implica necessariamente na destruição ao estilo Godzilla de toda cultura humana; este cenário é meramente uma imagem de terror propagandeada pelo próprio capitalismo. É claro que o cadáver sonolento terá contrações e espasmos violentos antes que o rigor mortis se estabeleça – e Nova Iorque ou Los Angeles podem não ser os locais mais inteligentes para se esperar pelo fim da tempestade. (E a tempestade pode já ter se iniciado). [Por outro lado Nova Iorque e Los Angeles podem não ser os piores lugares para se criar o Mundo Novo; alguém poderia imaginar bairros inteiros ocupados, gangues transformadas em Milícias Populares, etc.] Agora, o modo de vida cigano-realidade virtual pode ser uma forma de lidar com o atual processo de fundir-se do Capitalismo Muito Tardio – mas no que me consta, preferiria um belo monastério anarquista em algum lugar – um local típico para que os “eruditos” possam suportar a “Idade das Trevas”[16]. Quanto mais nos organizarmos AGORA neste sentido, menos problemas teremos para enfrentarmos no futuro. Não estou falando de “sobreviver” – não estou interessado na mera sobrevivência. Quero florescer. VOLTEMOS A UTOPIA.

Festivais

A ZAP desempenha uma função vital, como um nodo na rede de TAZs, um ponto de encontro para um círculo amplo de amizades e alianças que podem realmente não viver realmente o tempo todo na “fazenda” ou na “aldeia”. As antigas aldeias celebravam feiras que traziam riqueza para a comunidade, proporcionavam mercados para os viajantes e criavam um tempo/espaço festivo para todos os seus participantes. Hoje em dia o festival está emergindo como uma das formas mais importantes para a própria TAZ, mas ele também pode proporcionar renovação e avivamento para a ZAP. Recordo ter lido em algum site que na Idade Média havia cento e onze dias festivos ao ano; deveríamos tomar isto como nosso “mínimo utópico”[17] e nos esforçarmos para conseguir algo ainda maior.

A Terra Vivente

Acredito que há uma abundância de boas razões egoístas para desejar o “orgânico” (é mais sexy), o “natural” (que é mais gostoso), o “verde” (é mais belo) e o Selvagem[18] (é mais excitante). A Communitas[19] (como denominada por Paul Goodman[20]) e a convivialidade (como chamada por Ivan Illich[21]) são mais prazerosas que seus opostos. A terra vivente não tem porque excluir a cidade orgânica – a pequena mas intensa conglomeração de humanidade dedicada às artes e aos prazeres ligeiramente decadentes de uma civilização expurgada de todo seu gigantismo e solidão forçada – no entanto mesmo aqueles de nós que gostamos das cidades podemos ver motivos imediatos e hedonistas para lutar pelo “meio ambiente”. Somos biófilos militantes. Ecologia profunda, ecologia social, permacultura, tecnologia apropriada… não somos exigentes demais com as ideologias. Que brotem mil flores.

Tipologia da ZAP

Uma “religião esquisita” ou um movimento de arte rebelde pode se tornar um tipo de ZAP não-local, algo como uma rede de hobbies muito intensa e abrangente. A Sociedade Secreta (como a Tong chinesa) também proporciona um modelo para uma ZAP sem limites geográficos. Mas o “cenário do tipo ideal” implica num espaço livre que se estende em um tempo igualmente livre. A essência da ZAP deve ser a intensificação prolongada dos prazeres – e riscos– da TAZ. E a intensificação da ZAP será… a Utopia Agora.

Hakim Bey Zona Autônoma Permanente de DreamTime, Agosto de 1993

Referências

  1. A ideia de grade aqui evocada por Bey relaciona-se à cartografia, faz referência às linhas e paralelos dos mapas, coordenadas polares e geodésicas, latitude e longitude. Todos os espaços e alterações mapeados, estão sob o julgo do poder (N. do T.).
  2. No original Crown Jewels Of The High Wire(N. do T.).
  3. MOVE é uma organização formada na Philadelphia, Pennsylvania em 1972 por John Africa (1931 – 1985) e Donald Glassey (1946). Se organiza na forma de uma rede descentralizada de negros (afro-americanos) cujos membros em sua grande maioria adotaram o sobrenome África, defendendo um estilo de vida de “retorno a natureza” sendo em muitos sentidos contrários à tecnologia. Em 1985 o grupo foi alvo de uma operação de ataque do Departamento de Polícia da Filadélfia. Nesta operação foram mortos 7 de seus membros incluindo seu fundador John Africa. Mumia Abu-Jamal é um dos apoiadores mais ativos do MOVE escrevendo em 1998 de dentro da prisão onde se encontra uma longa carta intitulada ‘Longa Vida a John Africa’! (N. do T.)
  4. Nome dado aos seguidores da seita de David Koresh (1959 – 1993), uma facção davidiana. Em 1993 a ATF e o FBI realizaram um cerco ao centro espiritual koreshita, estes por sua vez responderam ao cerco atirando com suas armas, ao final desta operação estavam mortos 82 membros da seita incluindo o próprio David Koresh. Na época do cerco, Koresh encorajava seus seguidores a pensar neles próprios como “estudiosos dos Sete Selos” mas do que “Davidianos”. Outras facções de Davidianos nunca aceitaram sua liderança.
  5. “Dreadheads” foi um dos termos utilizados pela mídia norteamericana para designar os homens e mulheres que se insurgiram contra a polícia e os símbolos do Capital durante as manifestações contra a OMC em Seattle em 1999, já que a maioria destes possuíam cortes de cabelo afro chamados dreads. Especula-se que muitos deles eram adeptos do anarco-primitivismo influenciados principalmente pelas ideias de John Zerzan (N. do T.).
  6. “Rainbow Tribes” é o nome de uma ampla rede anarco-xamânica que tem entre seus adeptos muitos defensores da ecologia profunda. Cada “tribo” no entanto, possui suas particularidades (N. do T.).
  7. Bey refere-se à pirataria politizada de centenas de grupos e indivíduos localizados principalmente nos países da Europa Oriental. Estes piratas têm como principal ação política o crackeamento e a livre disponibilização de uma infinidade de softwares, livros, filmes e álbuns musicais. No Brasil a pirataria politizada ganhou alguma notoriedade nas ações do Coletivo Sabotagem, um grupo de anarquistas que vem já há algum tempo, contrariando as leis de direitos autorais, disponibilizando livros digitalizados através de seu site na Internet (N. do T.).
  8. Okupas (“Squats”em inglês) é uma prática comum na Europa e Estados Unidos que consiste na ocupação e reforma de construções abandonadas por grupos libertários, transformando-as em locais para moradia, centros culturais e pontos de referência e descanso para viajantes anarquistas, além de abrigarem festivais de música e espaços de exposição. Okupa é também a denominação de pertencimento dos habitantes deste tipo de ocupação (N. do T.).
  9. BBS (acrônimo inglês de bulletin board system) é um sistema informático, um software, que permite a ligação (conexão) via telefone a um sistema através do seu computador e interagir com ele, tal como hoje se faz com a internet. Essas redes se tornaram populares nas décadas de 70 e 80 e podem ser consideradas o início da internet. (N. do T.)
  10. O termo utilizado aqui originalmente é “freeloader”, que significa alguém que, se aproveitando de uma relação igualitária comunal, consome excessivamente mais do que o justo compartilhamento dos recursos (N. do T.).
  11. Do italiano, significa “trabalho negro” e é empregado aqui para definir as muitas formas de trabalho sujo, pesado e mal remunerado que na Europa são geralmente efetuadas por imigrantes ilegais (N. do T.).
  12. P.M. é o pseudônimo utilizado por um autor libertário anônimo nascido na Suíça (N. do T.).
  13. Bolo’bolo é o famoso livro anti-capitalista e autonomista escrito por p.m. e publicado em 1983 em Zürich, pela editora Paranoid City (N. do T.).
  14. No original, “libertarian”. Nos EUA o termo significa ultra-liberal ou (polemicamente) anarco-capitalista. Em termos semânticos “libertarian” pouco tem a ver com a ideia por trás do termo “libertário” nos países de língua latina. Os ultra-liberais (libertarians) defendem o fim do Estado, ou pelo menos a minimização deste, por o considerarem demasiadamente intervencionista na “liberdade de Mercado”, que para eles é a única forma de liberdade realmente verdadeira. Durante os anos de 1980 o Partido Libertário alcançou certa relevância nos EUA, chegando a ser o terceiro em votos, ainda que muito abaixo dos democratas e dos republicanos (N. do T.).
  15. Salvador Dalí (1904 – 1989), pintor expoente do surrealismo, nascido na Espanha (N. do T.).
  16. O termo utilizado originalmente no inglês, ”Dark Ages”, é uma das formas como os expoentes da Idade Moderna chamavam pejorativamente a Idade Média. (N. do T.)
  17. Os “Mínimos Utópicos” propostos por Charles Fourier consistiam em mais comida e sexo que a quantidade desfrutada pelo aristocrata mediano do século XVIII; Buckminster Buller propôs o termo “mínimo nú” como um conceito similar (N. do A.).
  18. No original “Wild(er)ness” abrangendo tanto a ideia de “selvagem”, como a ideia de “Natureza Intocada” (N. do T.).
  19. O título de um dos livros escritos por Paul Goodman e seu irmão Percival Goodman, publicado em 1947 (N. do T.).
  20. Paul Goodman (1911 – 1972), anarquista sociólogo, poeta e escritor nascido nos Estados Unidos. Goodman é atualmente lembrado como o autor do livro Absurdo Crescente (Growing up Absurd) e por sua militância pacifista durante os anos de 1960 tornando-se uma fonte de inspiração para a contracultura daquela época (N. do T.).
  21. Ivan Illich (1926 – 2002), filosofo anarquista nascido na Áustria, autor de uma série de críticas muito bem fundamentadas às instituições centrais da cultura ocidental contemporânea tais como a educação, o trabalho e o desenvolvimento econômico. No início de sua vida, Illich foi padre, mas rompeu com a igreja se tornando um de seus maiores críticos (N. do T.).

Syntagma, Syriza: entre a praça e o palácio (entrevista com Stavros Stavrides)

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Stavros Stavrides, foto de Burkhard Lahrmann

 

Como relacionar Syriza e movimentos contra a crise, uma vez que a ocupação de Praça Syntagma em 2011 acabou porpor abaixo e reinventar a política?

Entrevista com Stavros Stavrides, ativista presente na ocupação da praça Syntagma e professor de arquitetura na Universidade Técnica de Atenas.

Fonte: El Diario.Es

Tradução para o Português (Coletivo Anarquia ou Barbárie com Google Tradutor)

Diz-se que a ocupação da Praça Syntagma, em Atenas era um efeito de 15M. Alguém na Puerta del Sol levou um cartaz dizendo: “Silêncio, que vão despertar os gregos” e eles tomaram as ruas. Em 25 de maio de 2011 os gregos levaram o recado a sério e ocuparam a praça Syntagma e centenas de locais em todo o país. 100.000 pessoas cercaram o Parlamento com um grande sinal em espanhol: “Estamos acordados. Que horas são? É hora de sair. ”

Houve movimentos sociais, mas sim (como em 15M) a sociedade em movimento. Stavros Stavrides, ativista e professor de arquitetura em Atenas, estava lá, viveu na experiência de profundidade Syntagma e já havia amplamente pensado nisso . Para ele, a ocupação da praça não era simplesmente uma forma coletiva de protesto ou reclamação, mas também “uma forma de recuperar nossas próprias vidas e de propor uma maneira diferente de compor vida social”. A reinvenção da democracia, espaço público e as relações sociais com base em idéias e igualdade prática, auto-ajuda, co-implicação, nenhuma delegação.

E agora, três anos e meio após, ocorre a vitória do SYRIZA. Como interpretar a partir da perspectiva da Syntagma? Como pode pensar o relacionamento, agora na Grécia, talvez amanhã, em Espanha, entre os movimentos a partir de baixo e os governos que desafiam o neoliberalismo? Nós conversamos sobre isso com Stavros Stavrides. Sua obra teórica centra-se em movimentos urbanos e conflitos. E seu livro Para uma cidade de limiares, que investiga, entre outros, a experiência da ocupação de Praça Syntagma, foi publicado em 2015 na Espanha, a editora Akal.

***

1. Até o momento, o que é a realidade e vitalidade dos processos de auto-organização que eclodiram em 2011? Você ainda está vivo, e como o legado de Praça Syntagma?

Stavros Stavrides. O legado de Syntagma é uma realidade que nem sempre é visível no primeiro plano da vida social e política. Deve ser rastreada em várias iniciativas, de modo coladas às cotidiano das pessoas, tais como cozinhas coletivas em bairros, centros de saúde municipal autónomas ou que atendem quem foi deixado de fora da segurança social, a partilha de práticas, produtos e serviços sem intermediários, os movimentos contra os despejos em massa na Espanha, cooperativas que surgem uma após o outra, etc.

Syntagma tem contribuído para redes de ajuda mútua que sustentam a vida de muitas pessoas na Grécia e também geram novas relações sociais, além do individualismo. Há um legado, uma herança viva de Syntagma, que mudou a mentalidade social em muitas maneiras.

2. Como Syriza foi relacionada ao movimento de Syntagma?

Stavros Stavrides. É importante dizer que Syriza foi o único partido Esquerda que oficialmente não era contra Syntagma, como foi explicitamente KKE (comunistas stalinistas). Não houve uma posição única dentro do partido, mas muitos militantes do Syriza contribuíram para as actividades de Syntagma. Mesmo alguns deputados (não todos) simbolicamente se aproximaram da praça e dizendo “estamos com vocês e não com um parlamento sequestrado e longe da vontade das pessoas”. Syriza não era contra Syntagma, mas sim o contrário, mas também não é um resultado desses movimentos, como o Podemos pode ser capaz.

3. O que você quer dizer?

Stavros Stavrides. Syriza preexistiu ao Syntagma. Está ligado a uma longa tradição de partidos de esquerdas não-soviéticos na Grécia. Ela remonta a 1968, quando o Partido Comunista, ainda ilegal, se partiu em dois: a parte eurocomunista e o partido stalinista. Syriza é a evolução do Partido Comunista eurocomunista e compartilha mais ou menos sua tradição em termos de organização, a visão do Estado, a relação entre o partido e os movimentos, etc.

4. Mas, há alguns anos o seu âmbito eleitoral foi insignificante, 3 ou 4%. Que influência você acha que pode ter tido movimentos Syntagma na recente vitória do SYRIZA?

. Stavros Stavrides Não há uma conexão determinista, causa e efeito, entre os dois momentos, mas eu e um monte de outras pessoas gostamos de pensar que a Syntagma criou uma nova consciência na sociedade e contribuiu decisivamente para neutralizar um pouco do medo que atravessa hoje a Grécia e que aparece quando se questiona a “necessidade” de políticas de austeridade. O movimento na praça Syntagma foi destruída pela força e repressão, mas o espírito de resistência e rebeldia ao destino permaneceram e se espalhou para fora da praça. O SYRIZA não teria vencido a eleição se não tivesse sido esse espírito,se o medo não fosse desafiado.

5. Embora as pessoas na Syntagma não defendessem o voto como um meio de transformação …

Stavros Stavrides. Exato. O espírito da Syntagma foi baseado sobre a idéia de resistência popular e da redescoberta da democracia e democracia direta, com uma coordenação complexa e sem qualquer centralização, prenhe de uma pluralidade de iniciativas coletivas. Foi um movimento contra a democracia representativa.

Mas na ausência de vitória do movimento sobre as políticas de austeridade, Syriza apareceu para a população como a única opção para a mudança. A única organização que não era corrupta, não sujeitos à Troika, o que poderia garantir mudança democrática e medidas que contribuam para conter os fatores que destroem a vida social. O deslocamento de pessoas e o movimento em direção a votação foi uma conjuntura que deixava claras as condições de um deslocamento forçado.

Em qualquer caso, o Syriza não substitui os movimentos. E talvez, com Syriza no governo, seja gerado um ambiente em que os movimentos podem se desenvolver mais e melhor.

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Conversación en Atenas, Enrique Flores (4ojos.com/blog)

6. Que capacidade de afetar as políticas do SYRIZA reter as experiências de mobilização?

Stavros Stavrides. Basta esperar e ver. Ninguém pode ter certeza que vai acontecer. Syriza fez declarações muito positivas sobre algumas demandas importantes dos movimentos nas áreas de educação e saúde, com relação ao salário mínimo, etc. Há uma vontade explícita do SYRIZA para atender a essas demandas. Estas medidas não podem ser tomadas em dois dias, mas SYRIZA também conhecido por não desfrutar de um longo período de tolerância e deve agir imediatamente para mostrar que realmente acredita no que diz. Caso contrário, haverá novas erupções sociais. Mas agora estamos naquele período de esperar para ver.

7. O artigo “Depois Syntagma” , falou sobre isso na esquerda e abaixo, na Grécia teve duas idéias de democracia: uma idéia de democracia participativa (representado por SYRIZA) e uma idéia de democracia direta (representado por Syntagma ). Como você imagina que você pode ser a coexistência entre os dois?

Stavros Stavrides. Coexistência, não. Infelizmente, Syriza tem evoluído nos últimos tempos para um modelo de partido está fechado em torno de uma pequena cúpula. Ele tem sido verticalizado e “presidencializado” muito. É uma crítica feita até mesmo dentro do próprio partido. Eu não acho que SYRIZA pode ser cidadão e um transmissor direto que canalizará a participação das pessoas. Pode, no entanto, representar os eleitores, escolhendo políticas que canalizem demandas da sociedade.

A democracia direta joga em outro nível, redefinir a política como uma atividade não-especializado que atravessa todos os níveis da vida diária. É uma política do cotidiano.

Eu acho que agora nós podemos intervir em dois níveis: empurrar a democracia representativa além dos seus limites, através de formas radicais de democracia direta, mas considerando que a democracia representativa (com um jogo como SYRIZA no poder) pode abrir áreas mais propícias à liberdade e experimentos autônomos que prefiguram uma outra sociedade. Podemos reivindicar, por um lado, as medidas contra a corrupção ou a favor da transparência na gestão e desafiar ao mesmo tempo, os limites da representação, mediante conflitos e contra-exemplos, construindo formas de governo que vão além de autoridade pública. Jogar em ambos os níveis.

8. É o fim da austeridade, como dizem todos os lugares? O que pode um governo contra a lógica neoliberal do capitalismo contemporâneo?

Stavros Stavrides. Um governo que não se apresse procurando o proprietário,a burguesia, vamos ver. Podem haver mudanças sérias e importantes em direção a uma hora de questionamento geral do contexto neoliberal. As lutas de baixo podem influenciar o que faz um Estado. Um governo verdadeiramente progressista pode desempenhar um papel importante para reverter o equilíbrio de forças no seio da UE. Existem vários níveis de desempenho, não necessariamente contraditórios. Quer dizer, a renegociação da dívida é muito importante, mas também é preciso repensar e questionar os modelos dominantes de desenvolvimento e crescimento. De cima você pode influenciar as políticas neoliberais, mas acho que as mudanças necessárias que só podem ser produzidos a partir de baixo para sair do quadro neoliberal são.

9. Depois de três anos de muito fortes lutas sociais na Espanha, jogamos com uma série de limites. Por fora, as políticas de austeridade continuam devastadora. Internamente,, uma certa crise de imaginação política dos movimentos (como e para onde ir). E agora a atenção e desejo parece ter-se deslocado da praça para partir em assalto ao palácio. Você acha que os movimentos autônomos e processos de auto-organização tem limites intrínsecos?

Stavros Stavrides. Eu não estou em posição de oferecer respostas claras. Basta tentar pensar com você, e com colegas de todo o mundo, como podemos superar esta situação.

Eu acho que há as fronteiras que são históricas, não lógicas ou ontológicas. Nós não chegamos a uma espécie de limite absoluto para além do qual você tem que fazer as coisas de acordo com as formas de política tradicional, eu não penso assim. O estado é um elemento específico, historicamente datado, uma forma de organizar as relações sociais. Ele não é eterno, nem a única forma possível de organização social. Podemos ir além do modelo de estado.

Nesse sentido, a criatividade social implantada na Primavera Árabe, praças 15M ou Syntagma deve ser a nossa única guia. Então,por esse jugo, a política deve existir abrindo mais espaço para os processos debaixo. Se estes processos são subordinados à política de cima, então não é profunda e nem produz mudança real possível. Os vestígios deixados pelos movimentos das praças são apenas sementes que necessitam de tempo para germinar e dar frutos plantados. E nós temos que tomar cuidado e garantir o seu crescimento.

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Conversación en Atenas, Enrique Flores (4ojos.com/blog)

10. Diferentes autores, como Alain Badiou ou o Comité Invisible , acho que a única maneira de ir além do pêndulo entre neo-liberalismo e da democracia social é reabrir e reconsiderar a questão revolucionária, o problema da transformação radical da sociedade. O que você acha?

Stavros Stavrides. Eu concordo, mas se repensarmos a revolução fora do imaginário religioso e de vida após a morte, um acontecimento que divide a história da humanidade em um ”antes” em um “depois”. As sociedades não se transformam por um tipo de erupção vulcânica instantânea que consome o passado pra construir o futuro. O tempo para a mudança tem diferentes ritmos, diferentes níveis, nem sempre sincronizados.

Devemos preservar, claro, a ideia de ruptura, as alterações não são fluidas e suaves, mas tenho medo da idéia de mudança como algo extraordinário e estrelado por sujeitos extraordinários. Eu acredito mais na ideia Zapatista: os rebeldes são pessoas comuns. Nem heróis nem pessoas excepcionais, não há um “escolhido”, mas pessoas comuns que precisam se rebelar para uma vida digna.

Se repensarmos a revolução a partir de baixo, acho que a revolução é o já,ela já está e já está mostrando exemplos de que a sociedade desejada pode ser construída. Já é possível: nós sabemos o que a solidariedade e generosidade pode criar. A revolução não é uma mudança total e imediata, mas uma série de experiências em que são produzidas alterações. As erupções repentinas não são mais importantes do que o que acontece todos os dias abaixo do radar da mídia e, finalmente, gera as mudanças decisivas.

11. Um argentino amigo me perguntou se eu acreditava que o movimento de fundo do que aconteceu desde 2011 em Espanha foi o desejo de viver em um “capitalismo pacífica” ou a busca de novas formas de vida. O que você diz, em relação à Grécia?

Stavros Stavrides. Parece que o desejo de inventar novas formas de vida continua a ser um desejo minoritário, mas não tão pequeno como ele costumava ser. E isso não é mais uma questão de ideologia, mas de experiência. Os grupos de bairro reinventaram a solidariedade não porque eles são comunistas ou anarquistas, mas porque é a única maneira de viver com dignidade.

É claro que há muitas pessoas com o desejo de viver com as ilusões de antes (eu digo ilusões, porque o “capitalismo pacífica” nunca foi uma realidade para a maioria), mas também se abre uma oportunidade muito poderosa para influenciar o imaginário social. Porque hoje em dia modos de vida individualistas não podem se realizar, não conseguem se sustentar. As novas formas de vida são construídas lentamente, cheio de contradições e sem pureza, são construídas e influem cada vez mais em cada vez mais consciências.

Alvaro Diego e Pepe me ajudou a pensar sobre as perguntas, muito obrigado! Eugenia Michalopoulou ajudou com a tradução. Enrique Flores facilitou o contato e ilustrações.

Isso se traduziu em entrevista Inglês

Desobediência: A virtude original do homem

FreeHuey[1]

-Oscar Wilde em The Soul of Man Under Socialism, 1891.

Fonte: Aversão ao Estado

Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes – e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola sentimental, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela e agora começam a percebê-lo. Quando ao descontentamento, qualquer homem que não se sentisse descontente com o péssimo ambiente e o baixo nível de vida que lhe são reservados seria realmente muito estúpido.

Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem. O pregresso é uma conseqüência da desobediência e da rebelião. Muitas vezes elogiamos os pobres por serem econômicos. Mas recomendar aos pobres que poupem é algo grotesco e insultante. Seria como aconselhar um homem que está morrendo de fome a comer menos; um trabalhador urbano ou rural que poupasse seria totalmente imoral. Nenhum homem deveria estar sempre pronto a mostrar que consegue viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, roubar ou fazer greve – o que para muitos é uma forma de roubo.

Quanto à mendicância, é muito mais seguro mendigar do que roubar, mas é melhor roubar do que mendigar. Não! Um pobre que é ingrato, descontente, rebelde e que se recusa a poupar terá, provavelmente, uma verdadeira personalidade e uma grande riqueza interior. De qualquer forma, ele representará uma saudável forma de protesto. Quanto aos pobres virtuosos, devemos ter pena deles mas jamais admirá-los. Eles entraram num acordo particular com o inimigo e venderam os seus direitos por um preço muito baixo. Devem ser também extraordinariamente estúpidos. Posso entender que um homem aceite as leis que protegem a propriedade privada e admita que ela seja acumulada enquanto for capaz de realizar alguma forma ed atividade intelectual sob tais condições. Mas não consigo entender como alguém que tem uma vida medonha graças a essas leis possa ainda concorda dar com a sua continuidade.

Entretanto, a explicação não é difícil, pelo contrário. A miséria e a pobreza são de tal modo degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência de seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e mesmo assim muitas vezes não acreditam nelas.

O que os patrões dizem sobre os agitadores é totalmente verdadeiro. Os agitadores são um bando de pessoais intrometidas que se infiltram num determinado segmento da comunidade totalmente satisfeito com a situação em que vive e semeiam o descontentamento nele.

É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles, em nosso estado imperfeito, a civilização não avançaria. A abolição da escravatura nos EUA não foi uma consequência da ação direta dos escravos nem uma expressão do seu desejo de liberdade. A escravidão foi abolida graças à conduta totalmente ilegal de certos agitadores vindos de Boston e de outros lugares,que não eram escravos, não tinham escravos nem qualquer relação direta com o problema.  Foram eles, sem dúvida que começaram tudo. É curioso observar que dos próprios escravos eles só receberam pouquíssima ajuda material e quase nenhuma solidariedade. E quando a guerra terminou e os escravos descobriram que estavam livres, tão livres que podiam até morrer de fome livremente, muitos lamentaram amargamente a nova situação.

Para o pensador, o fato mais trágico na Revolução Francesa não foi que Maria Antonieta tenha sido morta por ser rainha, mas que os camponeses famintos da Vendée tivessem concordado em morrer defendendo a causa do feudalismo.

 

(Nota do Editor: Wilde cometeu um erro comum à sua época ignorando a ação dos próprios escravos como protagonistas de sua libertação. Hoje se sabe na historiografia que houve um feroz protagonismo escravo na obtenção de sua liberdade, atuando desde em  movimentos abolicionistas organizados até promovendo rebeliões e revoltas que constituiam mecanismo de negociação e conflito. Um dos exemplos foram as Ferrovias Subterrâneas, que eram rotas de libertação de escravos que contavam com forte militância de escravos).

Excertos de O Anarquismo frente aos Novos Tempos

Anarquismo-Social-ou-Anarquismo-de-Estilo-De-VidaFonte: Protopia

Por Murray Bookchin

O capitalismo, inevitavelmente por sua própria natureza, utilizará cada progresso técnico com objetivos autoritários e destrutivos.

E quando digo destrutivos, não me refiro só ao destino da humanidade, mas também ao desse mundo natural do qual dependem, para sua sobrevivência, todas as espécies em seu conjunto. Sentido fala-se tanto de bombas ou de antibióticos, de gás venenoso ou de substancias químicas para a agricultura, de radar ou de comunicações telefônicas. As vantagens que a Humanidade pode colher do progresso técnico são tão somente migalhas caídas de um banquete orgiástico de destruição que, só neste século, sacrificou mais vítimas que em qualquer outro período histórico.

Nos parâmetros temporais que definem a unidade de nossa época, o projeto libertador se encontra frente aos problemas típicos de um período de transição: a exigência de trabalhar com estratos sociais em declínio que constituem, todavia, elementos decisivos de mutação social; a exigência de trabalhar com estratos sociais em declínio que constituem, todavia, elementos decisivos de mutação social; a exigência de trabalhar com estratos sociais emergentes que estão convertendo-se em fatores decisivos das mudanças sociais como, por exemplo, os técnicos e profissionais altamente qualificados; a exigência de trabalhar com os oprimidos de sempre, que sempre serão elementos potenciais decisivos de mudança social, como as mulheres e as minorias étnicas; a exigência de trabalhar com os denominados “grupos marginais”, categorias socialmente não bem definidas que podem tornar-se elementos cruciais para a mudança social, como a inteligência radical, que jogou um papel estratégico em todas as situações revolucionárias, e os indivíduos que escolhem estilos e normas de vida cultural e sexual não ortodoxas.

Presumivelmente a tecnologia cibernética, que se encontra apenas em sua infância, converterá em economicamente supérflua a maioria dos norte- americanos que hoje trabalham. Não estou fazendo retórica. Cada década leva em si profundas mudanças técnicas que vão tornando “inúteis” quase todo tipo de trabalho tradicional.

Ainda que alguns milhões de pessoas fiquem de alguma maneira implicadas nestas operações, elas constituirão as “margens” da economia, não o seu núcleo. Devemos enfrentar o fato de que é possível uma tão imponente substituição do trabalho humano, assim como de que é inevitável, se o capitalismo seguir seu curso.

O que significa existencialmente essa ilimitada revolução tecnológica? Significa que o capitalismo deverá enfrentar o problema dos incontáveis milhões de pessoas que, a partir do ponto de vista burguês, não contarão com nenhum posto na sociedade.

Hoje, e nos anos que estão por vir, esse mesmo capitalismo que produziu Hitler é seguramente capaz de produzir instituições que acabem com a população supérflua sem se importar quão numerosa e recalcitrante ela possa ser. Sofreremos qualquer outra estratégia genocida similar a de Hitler? Não excluamos tão facilmente uma “solução” que já tenha sido dada no passado. Os métodos podem ser mais indiretos, como os atuais sistemas chineses de “controle demográfico” ou o escandaloso sistema de esterilização forçada imposto por Indira Gandhi.

A reestruturação do Estado “democrático burguês” esta na ordem do dia em quase todos os paises industrializados do mundo. A única coisa que detém o capitalismo rumo á totalização completa desses países é o enorme peso das tradições que, em todas as partes do ocidente, frustra o poder executivo, e, em particular, a tradição libertária dos Estados Unidos, com sua ênfase sobre os direitos individuais, sobre a autonomia, sobre o controle local, sobre o federalismo.

Na década de 30, era um mundo da extensa família em que várias gerações viviam juntas ou em íntimo contato umas com as outras, preservando a cultura e as tradições de um não-burguês. Era o mundo da “pequena pátria”: a vila, a cidade, o bairro, onde a amizade era íntima e onde existia um espaço público que nutria uma esfera pública e um corpo político que nutria uma esfera pública e um corpo político ativo.

Existiam, no entanto, centros comunitários que contavam com um lugar para a instrução, a conferência, o apoio mútuo, os livros, os períodos, a exposição de “idéias avançadas” e ainda para a ajuda material quando os tempos eram difíceis. Os famosos meetings em uma esquina da rua, onde uma surpreendente variedade de oradores radicais falava a um público cativo,ou no mínimo expectante. Esse fantástico mundo das “caixas de sabão”, era uma fonte de ativo intercambio político, um mundo que habilitava tanto oradores como público na arte da atividade pública. O Estado e sociedade industrial destruíram esse mundo social e político descentralizado. As grandes famílias, ricas em diversidades geracionais e culturais, murcharam para a família nuclear, constituída por dois genitores intercambiáveis e por seus dois ou três filhos intercambiáveis também. Os anciãos foram oportunamente despachados para bairros residenciais, para “cidadãos da terceira idade”, assim como a história e a cultura pré-industrial foram enterradas nos museus, nas academias e nos bancos de dados dos computadores. A venda de alimentos, de artigos domésticos e de vestuário, bem como de diversos instrumentos, que, em um tempo, foi uma atividade muito personalizada, própria de comerciantes locais (muito freqüentemente negócios de gestão familiar) em conexão estreita com os bairros ou com a cidade, é hoje um grande negócio de enormes empresas.

As ruas estão congestionadas de veículos e não de seres humanos e as praças se converteram em estacionamentos e não em lugares aonde as pessoas se reúnam e dialoguem.

As ruas e avenidas dilaceram os centros da cidade e irradiam os bairros com efeitos espantosamente destrutivos para a integridade cultural da comunidade.

O discurso é preferencialmente eletrônico. Debater nas horas mais importantes é reservado a pretensos experts e à estrelas dos meios de comunicação de massa que o fazem com uma passiva insanidade, o que está produzindo uma geração de mudos e de idiotas.

Está surgindo uma geração que não aprecia o pensamento enquanto tal e que tem sido adestrada a não generalizar. A atividade cerebral captura a forma de imagens vulgares idênticas àquelas apresentadas pela televisão e de uma mentalidade (se assim pode-se chamar) reduzida, que “trabalha com freios” antes quantitativos de informação que com conceitos qualitativos. Considero tal desenvolvimento simplesmente aterrador, na medida em que subverte a mente, impedindo a capacidade de imaginar espontaneamente pela alternativa de trabalhar de maneira que contradiga as imagens pré-fabricadas que a indústria publicitária (política e comercial) tende a imprimir no cérebro humano.

As imagens, na realidade, começam a substituir a imaginação, e a figura imposta pelo externo começa a substituir a idéia formada internamente.

Em 1983, quando escrevi Ecologia e Pensamento Revolucionário, recordo que falava do “efeito invernal”, que poderia elevar a temperatura do globo o suficiente para derreter parte das calotas polares em alguns séculos.

Defrontamo-nos não só com uma sociedade moribunda, mas também com um planeta moribundo e ambos sofrem da mesma doença e da mesma causa: nossa mentalidade histórica de domínio, cuja pretensão de “progresso” é hoje em dia uma dramática troça da realidade.

Como podemos, enquanto anarquistas, fazer frente às mudanças radicais no campo técnico, econômico, social e ecológico, das quais falamos até aqui? Quais são as “prioridades programáticas”, qual é a “ordem do dia” do nosso movimento para os anos subseqüentes a que possa compreender nossos esforços a nível internacional, ao lado de nossa oposição ao Estado e ao autoritarismo de todas as formas?

Dos nossos ideais de autogestão, descentralização, federalismo e apoio mútuo têm-se apropriado despudoradamente e sem uma palavra de agradecimento, escritores marxistas.

Nós os anarquistas, tempos sido há muito tempo os progenitores de uma sensibilidade orgânica, naturalista e mutualista da qual se tem apropriado o movimento ecológico, com escassíssimas referências às fontes: o naturalismo de Kropotkin e a ética de Guyau.

Aquilo que unifica o anarquismo do mundo clássico e também do mundo tribal até nossos dias, esta todo nessa idéia: nenhum domínio do homem sobre o homem. Esta postura anti-autoritária é o coração e a alma do anarquismo e sua autodefinição, corpo da idéia e da prática.

Devemos estar prontos para definir as novas questões emergentes, como a ecologia, o feminismo, o racismo, o municipalismo e aqueles movimentos culturais que se ocupam da qualidade de vida no mais amplo sentido do termo, para não falar das tentativas de opor-se à alienação de uma sociedade espiritualmente vazia.

Devemos estar dispostos a sair das velhas trincheiras ideológicas para olhar com honestidade, clareza e inteligência o mundo autoritário que se vai modelando a nossa volta e a tomar nota das tensões que existem entre as tradições utópicas das revoluções democráticas burguesas e a maré ascendente do militarismo e centralismo que ameaça cancelar essas tradições. Podem-se ignorar a política localista, os movimentos democráticos contra as tentativas de incrementar a autoridade do poder executivo? Humanismo anárquico universal.

Palavras como “contracultura”, ou seja, uma reivindicação programática que pode ser orquestrada pela base contra a cúpula, contra o poder estatal centralizado. Não posso chegar aos operários em suas fabricas e sindicatos , porque ambos são escolas de hierarquia e de domínio, mas assim posso chegar a eles – e a muita gente- no meu bairro e ás localidades próximas à minha comunidade. Em Burlington, Vermont, os anarquistas têm sido os primeiros a instituir assembléias de bairro –versão urbana dos meetings citadinos da Nova Inglaterra – que, em essência podem ser instituídas em qualquer parte: Milão, Turim, Veneza, Marselha, Paris, Genebra, Frankfurt, Amsterdã, Londres… O que obstrui seu nascimento não são dificuldades logísticas ou problemas de dimensão demográfica, senão o nível de consciência e não é justamente o problema da consciência – consciência de classe ou consciência libertária – o problema central de todo o projeto libertador?

Dirijo-me a sua fé nos direitos individuais, na descentralização, em uma concepção ativa da cidadania, no apoio mútuo e em sua aversão pela cidadania governamental. Eu não critico em demasia a conjugação liberdade-propriedade.

Lembro-lhe das instituições libertarias típicas de sua tradição revolucionária norte-americana: assembléias de cidadãos, formas associativas confederadas, autonomia municipal, procedimentos democráticos… Meu objetivo é claro: criar, a partir das tradições libertárias norte-americanas, aquelas formas de liberdade que possam opor-se ao crescente poder do Estado e à concentração da autoridade política e econômica. O núcleo central do meu planejamento é tanto municipalista quanto ecológico e contracultural.

Meu programa consiste em criar um poder popular dual, antagônico ao poder estatal que ameaça os resíduos de liberdade do povo um poder popular que reconstitua em forma anárquica, aqueles valores libertários e aqueles elementos utópicos que são o patrimônio mais vital da Revolução Americana.

  • Os excertos acima foram retirados da obra ‘O Anarquismo frente aos Novos Tempos’.

Somos Todos Grupelhos

JL

Felix Guattari

Fonte: Protopia

Militar é agir. Pouco importam as palavras, o que interessa são os atos. É fácil falar, sobretudo em países onde as forças materiais estão cada vez mais na dependência das máquinas técnicas e do desenvolvimento das ciências.


Derrubar o czarismo implicava na ação em massa de dezenas de milhares de explorados e sua mobilização contra a atroz máquina repressiva da sociedade e do Estado russo, era fazer as massas tomarem consciência da sua força irresistível face à fragilidade do inimigo de classe; fragilidade a ser revelada, a ser demonstrada pela prova de forças.


Para nós, nos países “ricos”, as coisas se passam de outro jeito; não é tão óbvio que tenhamos que enfrentar apenas um tigre de papel. O inimigo se infiltrou por toda parte, ele secretou uma imensa interzona pequeno-burguesa para atenuar o quanto for possível os contornos de classe. A própria classe operária está profundamente infiltrada. Não apenas por meio dos sindicatos pelegos, dos partidos traidores, social-democratas ou revisionistas… Mas infiltrada também por sua participação material e inconsciente nos sistemas dominantes do capitalismo monopolista de estado e do socialismo burocrático. Primeiro, participação material em escala planetária: as classes operárias dos países economicamente desenvolvidos estão implicadas objetivamente, mesmo que seja só pela diferença crescente de níveis de vida relativos, na exploração internacional dos antigos países coloniais. Depois, participação inconsciente e de tudo quanto é jeito: os trabalhadores reendossam mais ou menos passivamente os modelos sociais dominantes, as atitudes e os sistemas de valor mistificadores da burguesia – maldição do roubo, da preguiça, da doença, etc. Eles reproduzem, por conta própria, objetos institucionais alienantes, tais como a família conjugal e o que ela implica de repressão intrafamiliar entre os sexos e as faixas etárias, ou então se ligando à pátria com seu gostinho inevitável de racismo (sem falar do regionalismo ou dos particularismos de toda espécie: profissionais, sindicais, esportivos, etc., e de todas as outras barreiras imaginárias que são erguidas artificialmente entre os trabalhadores. Isto fica bastante claro, por exemplo, na organização, em grande escala, do mercado da competição esportiva).


Desde sua mais tenra idade, e mesmo que seja apenas em função daquilo que elas aprendem a ler no rosto de seus pais, as vítimas do capitalismo e do “socialismo” burocrático são corroídas por uma angústia e uma culpabilidade inconscientes que constituem uma das engrenagens essenciais para o bom funcionamento do sistema de auto-sujeição dos indivíduos à produção. O tira e o juiz internos são talvez mais eficazes do que aqueles dos ministérios do Interior e da Justiça. A obtenção deste resultado repousa sobre o desenvolvimento de um antagonismo reforçado entre um ideal imaginário, que inculcamos nos indivíduos por sugestão coletiva, e uma realidade totalmente outra que os espera na esquina. A sugestão audiovisual, os meios de comunicação de massa, fazem milagres! Obtém-se assim uma valorização fervorosa de um mundo imaginário maternal e familiar, entrecortado por valores pretensamente viris, que tendem à negação e ao rebaixamento do sexo feminino, e ainda por cima à promoção de um ideal de amor mítico, uma mágica do conforto e da saúde que mascara urna negação da finitude e da morte. No final das contas, todo um sistema de demanda que perpetua a dependência inconsciente em relação ao sistema de produção; é a técnica do intéressement (2).


O resultado deste trabalho é a produção em série de um indivíduo que será o mais despreparado possível para enfrentar as provas importantes de sua vida. É completamente desarmado que ele enfrentara a realidade, sozinho, sem recursos, emperrado por toda esta moral e este ideal babaca que lhe foi colado e do qual ele é incapaz de se desfazer. Ele foi, de certo modo, fragilizado, vulnerabilizado, ele está prontinho para se agarrar a todas as merdas institucionais organizadas para o acolher: a escola, a hierarquia, o exército, o aprendizado da fidelidade, da submissão, da modéstia, o gosto pelo trabalho, pela família, pela pátria, pelo sindicato, sem falar no resto… Agora, toda a sua vida ficará envenenada em maior ou menor grau pela incerteza de sua condição em relação aos processos de produção, de distribuição e de consumo, pela preocupação com seu lugar na sociedade, e o de seus próximos. Tudo passa a ser motivo de grilo: um novo nascimento, ou então “a criança não vai muito bem na escola”, ou ainda “os mais grandinhos se enchem e aprontam mil loucuras”; as doenças, os casamentos, a casa, as férias, tudo é motivo de aborrecimento…


Assim, tornou-se inevitável um mínimo de ascensão nos escalões da pirâmide das relações de produção. Não precisa nem fazer um desenho ou uma lição. Diferentemente dos jovens trabalhadores, os militantes de origem estudantil que vão trabalhar na fábrica estão seguros de se virar caso sejam despedidos; queiram ou não, eles não podem escapar à potencialidade que os marca de uma inserção hierárquica “que poderia ser bem melhor”. A verdade dos trabalhadores é uma dependência de fato e quase absoluta em relação à máquina de produção; é o esmagamento do desejo, com exceção de suas formas residuais e “normalizadas”, o desejo bem pensante ou bem militante; ou, então, o refúgio numa droga ou em outra, se não for a piração ou o suicídio! Quem estabelecerá a porcentagem de “acidentes de trabalho” que, em realidade, não eram senão suicídios inconscientes?


O capitalismo pode sempre dar um jeito nas coisas, retoca-las aqui e ali, mas no conjunto e no essencial tudo vai cada vez pior. Daqui a 20 anos alguns dentre nós terão 20 anos a mais, mas a humanidade terá quase duplicado. Se os cálculos dos especialistas no assunto se revelam exatos, a Terra atingirá pelo menos 5 bilhões de habitantes em 1990. Isto deveria colocar no decorrer do processo alguns problemas suplementares! E como nada nem ninguém está em condições de prever ou organizar alguma coisa para acolher estes recém-chegados – à parte alguns porra-loucas nos organismos internacionais, que aliás não resolveram um só problema político importante durante os 25 anos em que estiveram aí instalados -, podemos imaginar que seguramente acontecerá muita coisa nos próximos anos. E de tudo quanto é tipo, revoluções, mas também, sem sombra de dúvida. Umas merdas do tipo fascismo e companhia. E dai o que é que se deve fazer? Esperar e deixar andar? Passar à ação? Tudo bem, mas onde, o quê, como? Mergulhar com tudo, no que der e vier. Mas não é tão simples assim, a resposta a muitos golpes está prevista, organizada, calculada pelas máquinas dos poderes de Estado. Estou convencido de que todas as variações possíveis de um outro Maio de 1968 já foram programadas em IBM. Talvez não na França, porque eles estão fodidos, e ao mesmo tempo bem pagos para saber que este tipo de baboseira não constitui garantia alguma e que não se encontrou ainda nada de sério para substituir os exércitos de tiras e de burocratas. Seja o que for, já está mais do que na hora de os revolucionários reexaminarem seus programas, pois há alguns que começam a caducar. Já está mais do que na hora de abandonar todo e qualquer triunfalismo – note-se o falismo – para se dar conta de que não só estamos na merda até o pescoço, mas que a merda penetra em cada um de nós mesmos, em cada uma de nossas “organizações”.


A luta de classes não passa mais simplesmente por um front delimitado entre os proletários e os burgueses, facilmente detectável nas cidades e nos vilarejos; ela está igualmente inscrita através de numerosos estigmas na pele e na vida dos explorado: autoridade, de posição, de nível de vida; é preciso decifrá-la a partir do vocabulário de uns e de outros, seu jeito de falar, a marca de seus carros, a moda de suas roupas, etc. Não tem fim! A luta de classe contaminou, como um vírus, a atitude do professor com seus alunos, a dos pais com suas crianças, a do médico com seus doentes; ela ganhou o interior de cada um de nós com seu eu, com o ideal de status que acreditamos ter de adotar para nós mesmos. Já está mais do que na hora de se organizar em todos os níveis para encarar esta luta de classe generalizada. Já é hora de elaborar uma estratégia para cada um destes níveis, pois eles se condicionam mutuamente. De que serviria, por exemplo, propor às massas um programa de revolucionarização antiautoritária contra os chefinhos e companhia limitada, se os próprios militantes continuam sendo portadores de vírus burocráticos superativos, se eles se comportam com os militantes dos outros grupos, no interior de seu próprio grupo, com seus próximos ou cada um consigo mesmo, como perfeitos canalhas, perfeitos carolas? De que serve afirmar a legitimidade das aspirações das massas se o desejo é negado em todo lugar onde tenta vir à tona na realidade cotidiana? Os fins políticos são pessoas desencarnadas. Eles acham que se pode e se deve poupar as preocupações neste domínio para mobilizar toda a sua energia em objetivos políticos gerais. Estão muito enganados! Pois na ausência de desejo a energia se auto-consome sob a forma de sintoma, de inibição e de angústia. E pelo tempo que já estão nessa, já podiam ter se dado conta destas coisas por si mesmos!


A introdução de uma energia suscetível de modificar as relações de força não cai do céu, ela não nasce espontaneamente do programa justo, ou da pura cientificidade da teoria. Ela é determinada pela transformação de uma energia biológica – a libido – em objetivos de luta social. É fácil reduzir tudo às famosas contradições principais. É demasiadamente abstrato. É até mesmo um meio de defesa, um troço que ajuda a desenvolver phantasias (3) de grupo, estruturas de desconhecimento, um troço de burocratas; se entrincheirar sempre atrás de alguma coisa que está sempre atrás, sempre em outro lugar, sempre mais importante e nunca ao alcance da intervenção imediata dos interessados; é o princípio da “causa justa”, que serve para te obrigar a engolir todas as mesquinharias, as míseras perversões burocráticas, o prazerzinho que se tem em te impor – “pela boa causa” – caras que te enchem o saco, em forçar tua barra para ações puramente sacrificiais e simbólicas, para as quais ninguém está nem aí, a começar pelas próprias massas. Trata-se de uma forma de satisfação sexual desviada de seus objetivos habituais. Este gênero de perversão não teria a menor importância se incidisse em outros objetos que não revolução – e olha que não faltam objetos! O que é chato é que estes monomaníacos da direção revolucionária conseguem, com a cumplicidade inconsciente da “base”, enterrar o investimento militante em impasses particularistas. É meu grupo, é minha tendência, é meu jornal, a gente é quem tem razão, a gente tem a linha da gente, a gente se faz existir se contrapondo às outras linhas, a gente constitui para si uma pequena identidade coletiva encarnada em seu líder local… A gente não se enchia tanto em Maio de 68! Enfim, tudo ocorreu mais ou menos bem até o momento em que os “porta-vozes” disto ou daquilo conseguiram voltar à tona. Como se a voz precisasse de portador. Ela se porta bem sozinha e numa velocidade louca no seio das massas, quando ela é verdadeira. O trabalho dos revolucionários não é ser portador de voz, mandar dizer as coisas, transportar, transferir modelos e imagens; seu trabalho é dizer a verdade lá onde eles estão, nem mais nem menos, sem tirar nem por, sem trapacear. Como reconhecer este trabalho da verdade? É simples, tem um troço infalível: está havendo verdade revolucionária, quando as coisas não te enchem o saco, quando você fica a fim de participar, quando você não tem medo, quando você recupera sua força, quando você se sente disposto a ir fundo, aconteça o que acontecer, correndo até o risco de morte. A verdade, a vimos atuando em Maio de 68; todo mundo a entendia de cara. A verdade não é a teoria nem a organização. É depois dela ter surgido que a teoria e a organização têm de se virar com ela. Elas sempre acabam se situando e recuperando as coisas, mesmo que para isso tenham de deformá-la e mentir. A autocrítica cabe à teoria e à organização e nunca ao desejo.


O que está em questão agora, é o trabalho da verdade e do desejo por toda parte onde pinte encanação, inibição e sufoco. Os grupelhos de fato e de direito, as comunas, os bandos, tudo que pinta no esquerdismo tem de levar um trabalho analítico sobre si mesmo tanto quanto um trabalho político fora. Senão eles correm sempre o risco de sucumbir naquela espécie de mania de hegemonia, mania de grandeza que faz com que alguns sonhem alto e bom som em reconstituir o “partido de Maurice Thorez” ou o de Lenin, de Stalin ou de Trotsky, tão chatos e por fora quanto seus Cristos ou de Gaulles, ou qualquer um desses caras que nunca acabam de morrer.


Cada qual com seu congressinho anual, seu mini-Comitê Central, seu super-birô político, seu secretariado e seu secretário-ge(ne)ral e seus militantes de carreira com seu abono por tempo de serviço, e, na versão trotskista, tudo isso duplicado na escala internacional (congressos mundiais, comitê executivo internacional, seção internacional, etc.).


Por que os grupelhos, ao invés de se comerem entre si, não se multiplicam ao infinito? Cada um com seu grupelho! Em cada fábrica, cada rua, cada escola. Enfim, o reino das comissões de base! Mas grupelhos que aceitassem ser o que são, lá onde são. E, se possível, uma multiplicidade de grupelhos que substituiriam as instituições da burguesia; a família, a escola, o sindicato, o clube esportivo, etc. Grupelhos que não temessem, além de seus objetivos de luta revolucionária, se organizarem para a sobrevivência material e moral de cada um de seus membros e de todos os fodidos que os rodeiam.


Ah, então trata-se de anarquia! Nada de coordenação, nada de centralização, nada de estado-maior… Ao contrário! Tomem o movimento Weathermen nos Estados Unidos: eles estão organizados em tribos, em gangues, etc., mas isto não os impede de se coordenar e muitíssimo bem.


O que é que muda se a questão da coordenação, ao invés de se colocar para indivíduo, se coloca para grupos de base, famílias artificiais, comunas?… O indivíduo tal como foi moldado pela máquina social dominante é demasiado frágil, demasiado exposto às sugestões de toda espécie: droga, medo, família, etc. Num grupo de base, pode-se esperar recuperar um mínimo de identidade coletiva, mas sem megalomania, com um sistema de controle ao alcance da mão; assim, o desejo em questão poderá talvez fazer valer sua palavra, ou estará talvez mais em condições de respeitar seus compromissos militantes. É preciso antes de mais nada acabar com o respeito pela vida privada: é o começo e o fim da alienação social. Um grupo analítico, uma unidade de subversão desejante não tem mais vida privada: ele está ao mesmo tempo voltado para dentro e para fora, para sua contingência, sua finitude e para seus objetivos de luta. O movimento revolucionário deve portanto construir para si uma nova forma de subjetividade que não mais repouse sobre o indivíduo e a família conjugal. A subversão dos modelos abstratos secretados pelo capitalismo, e que continuam caucionados até agora, pela maioria dos teóricos, é um pré-requisito absoluto para o reinvestimento pelas massas de luta revolucionária.


Por enquanto, é de pouca utilidade traçar planos sobre o que deveria ser a sociedade de amanhã, a produção, o Estado ou não, o Partido ou não, a família ou não, quando na verdade não há ninguém para servir de suporte à enunciação de alguma coisa a respeito. Os enunciados continuarão a flutuar no vazio, indecisos, enquanto agentes coletivos de enunciação não forem capazes de explorar as coisas na realidade, enquanto não dispusermos de nenhum meio de recuo em relação à ideologia dominante que nos gruda na pele, que fala de si mesma em nós mesmos, que, apesar da gente, nos leva para as piores besteiras, as piores repetições e tende a fazer com que sejamos sempre derrotados nos mesmos caminhos já trilhados.

[editar]NOTAS

1. No original, groupuscule. Corresponde ao “grupelho” no Brasil, nome dado aos grupos de dissidência do partido comunista, da década de 60 – anarquistas, trotskistas, guevaristas, maoístas -, época da desestalinização que o PCF parece ter ignorado. O termo grupelho traz em si um sentido pejorativo, pois desde a perspectiva do PC, perspectiva adotada na época pelos próprios esquerdistas uns contra os outros, ser minoritário era ser facção insignificante, marginal, acometida pela “doença infantil do comunismo”, justificativa suficiente para sua exclusão, como medida sanitária, visão aliás compartilhada pela direita: em junho de 68, de Gaulle, já no controle da situação, através de seu ministro do Interior, proibiu a existência desses grupelhos, baseando-se numa lei da Frente Popular contra as milícias fascistas armadas e paramilitares.

Ora, o autor retoma aqui a própria idéia de grupelho como afirmação de uma posição política. “Somos todos grupelhos”: a subjetividade é sempre de grupo; é sempre uma multiplicidade singular que fala e age, mesmo que seja numa pessoa só. O que define um grupelho não é ser pequeno ou uma parte, mas sim ser uma dimensão de toda experimentação social, sua singularidade, seu devir. É neste devir que a luta se generaliza. “Saúde infantil” do político, que se contrapõe à tendência a generalizar a luta em torno de uma representação totalizadora, sua “doença senil”. Desta perspectiva, tamanho não é documento, e um pequeno grupo também pode ser acometido de “doença senil”.

A noção de grupelho pode ser associada ao conceito que Guattari forjou na década de 60, de “grupo sujeito”, contraposto a “grupo sujeitado” (cf. nota 7 de “A Transversalidade”), à idéia de “agenciamento coletivo de enunciação” e, na década de 70, ao conceito de “molecular”, contraposto a “molar”. (N. do Trad.).

2. O intéressement, pedra de toque da doutrina social do gaullismo, designa uma modalidade de participação dos operários nos lucros da empresa, através de uma remuneração que se acrescenta ao salário fazendo com que o trabalhador se “interesse” pela produtividade da empresa. Esta doutrina, considerada mistificadora pela esquerda francesa, foi por ela amplamente denunciada. (N. do T.).

3. No original alemão Phantasie, traduzido em francês por fantasme. Na tradução de Freud para o português (edição da Standard), optou-se por “fantasia”, de acordo com as traduções inglesa (fantasy ou phantasy, o primeiro consciente e o segundo inconsciente, segundo proposta de Susan Isaacs) e espanhola (fantasia). Preferimos adotar o termo “phantasia”, sugerido na tradução para o português dos Escritos de Lacan (Perspectiva, SP, 1978), que preserva o arcaísmo do termo francês fantasme (cf. nota 14 dos Escritos). (N. do T.).

Tradução de Suely Rolnik

Fontes: GUATTARI, Félix. Revolução Molecular. São Paulo, Brasiliense, 1987, pp. 13-19.

Predefinição:Origem-sabotagem

Cuidados e segurança: um texto sobre as UPPs

Nós, do Anarquia ou barbárie, somos absolutamente contra essa política de extrema marginalização e de terror contra o povo da favela. E, frente ao último incidente, a morte de um garoto de apenas 10 anos, postamos este texto para mostrar nosso posicionamento e fazer nosso repúdio a tal acontecimento.

Retirado do Boletim eletrônico mensal do Nu-Sol

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No Brasil, certos candidatos às eleições de 2010 lançam mão da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) como “sinônimo de ação que pode dar certo”.

Na América do Norte e na Europa fortalecem-se, desde 2008, as “Unidades Territoriais de Bairro (UTB)”, atualmente denominadas “Brigadas Especializadas de Terreno (BET)”, adaptações francesas da community policing, executadas em Chicago e Londres.

Autoridades governamentais, à direita e à esquerda, proclamam: “queremos uma sociedade respeitosa e não uma sociedade rígida, violenta, brutal e egoísta”!

Reconhecem que o cidadão deixa de ser uma ficção, quando o sujeito de direito caminha para se tornar o “indivíduo portador de direitos de uma igualdade formal, rumo à igualdade real”, ou seja, quando se dispõe a cuidar de si e dos outros.

Este cidadão “evoluiu” no interior das lutas de minorias, e reinscreveu o universal na pluralidade e na multiplicidade das demandasidentitárias, relacionadas umas às outras. Ele reconhece suas vulnerabilidades específicas e a interdependência das necessidades.

A expansão do pluralismo político em cada indivíduo ampliou o leque de escolhas racionais em variadas organizações da sociedade civil, para além das arregimentações partidárias.

É uma realidade neoliberal em função da cooperação e do bem comum, não apenas como sistema de governo de Estado e dos indivíduos. Todos devem cuidar de si e dos demais, porque todos dependem de algo, e para obtê-lo, de modo seguro, devem pautar suas condutas por meio da tolerância e da confiança de uns nos outros pela difusão da transparência.

A educação de cada um como capital humano, apesar da crise que eclodiu no sistema financeiro em 2008, não teve sua racionalidade abalada.

Os chamados países emergentes, como o Brasil, almejam despontar como potências do século XXI. Orientam-se com base na política participativa, na economia sustentável com responsabilidade sócio-ambiental, na variedade de direitos e em segurança modulada por cada cidadão e pelas tecnologias de informação e comunicação.

A expansão do pluralismo político propiciou o pluralismo policial, projetando o sujeito cosmopolita real.

Em poucas palavras: o súdito passou a ser cidadão e este a sujeito portador de direitos; em suma, permanece amando a sua condição e aspirando a uma “evolução” dentro da ordem.

Ele, ou ela, não se rebela contra a sujeição e amplia suas condutas como assujeitado, um amante das melhorias, na sua condição inquestionável de vida. Sobrevive como força reativa, exercitando a apatia ativa e conformando-se como um policial de si e dos outros.

É um zelador, ou melhor, um gestor que aspira conjugar o empreendedorismo de si com o empreendedorismo social, almejando a felicidade.

Chama-se isso de política de pacificação ou polícia da paz!

A UPP funciona como uma modulação da prática ditatorial contra a subversão em nome da profilaxia do meio ambiente.

A UPP incide sobre territórios devastados pela empresa-tráfico que acossa e encarcera a população local ao seu regime de governo.

A UPP combate seu inimigo preferencial e produz, por meio de uma intervenção violenta, o assombro na população acossada.

Esta responde, surpreendentemente, de maneira favorável à ação repressiva como população libertada e disponível à revitalização cuidadosa do seu território.

Agora, uma criança pode ir a uma padaria sem se assustar mais com o policial, e descrer da proteção efêmera proporcionada pelas organizações do tráfico ou das milícias.

Em pouco tempo e de maneira gradual, uma prática de governo ditatorial realiza-se como um programa democrático.

Possibilita a cooperação como restauração do amor à comunidade, fortalece a ação das ONGs, favorece o investimento de empresas e bancos, e reafirma a crença na segurança por meio da polícia do Estado, que permanecerá no local integrada à comunidade emancipada à condição de polícia de si

Quando o sujeito portador de direitos se sentir fortalecido em sua família, apto ao trabalho regulamentado, dependente e solidário aos cuidados, mais uma vez, os lucros econômicos, políticos e policiais serão maiores.

A polícia repressiva transforma-se em fomentadora da polícia comunitária composta pela totalidade dos cidadãos e dos futuros cidadãos.

É essa prática totalitária pelo seu avesso que faz da UPP, não uma metáfora, e sim o programa mais efetivo e eficiente de segurança na atualidade.

A UPP habita desde os territórios devastados até o discurso político partidário, redesenhando as práticas punitivas, a moral do castigo e a sociabilidade autoritária.

Para viver é preciso aderir ao não pode! Eis o cuidado.

Atenção: há outro perigo na esquina; querem nos fazer crer que o manto do cuidado nos protege do potencial perigo que está em cada um de nós.

Nessa sociedade, para haver segurança, todos devem ser monitorados.

Somos todos virtuais terroristas!

Isto não é só neoliberalismo, é a maneira pela qual somos educados para nos governar e governar os outros.

Configura-se uma nova subjetividade do capital humano em que cada um deve se sentir seguro de si, por depender do outro!

          Porque as pessoas não cuidam de si para serem livres?

Fonte: http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=151

 

Será a Guerra – contra a Droga – a Saúde do Estado?

guerra-droga

Bob Black

Fonte: Protopia

Neste momento, nos Estados Unidos da América, 2.700.000 pessoas estão presas (o maior índice per capita do mundo). Todas as semanas são mais 1.600 as pessoas que entram na prisão para além das que saem. Mais de 40% dos presos estão lá por crimes não-violentos relacionados com drogas. Nas políticas da maioria dos governos do mundo o combate à droga assume crescente protagonismo. O seguinte artigo, escrito por Bob Black – anarquista e advogado de profissão –, lança uma visão diferente sobre este fenômeno. Ainda que baseada no contexto norte-americano, com ajustes de pormenor e de escala, a argumentação poderá ser extrapolável a outros países.

Ninguém alguma vez fez observação mais importante em sete palavras do que Randolph Bourne: “A guerra é a saúde do estado” (Resek, 1964 :71). A guerra tem sido o motor principal da extensão do poder estatal na Europa ao longo de 1000 anos, e não só na Europa. A guerra alarga o estado e aumenta a sua riqueza e os seus poderes. Promove obediência e justifica a repressão sobre dissidentes, redefinida como deslealdade. Serena tensões sociais dirigindo-as para fora, para um estado inimigo que simultaneamente faz, claro, exactamente o mesmo com semelhantes consequências. Da perspectiva do estado há só uma coisa errada nas guerras: elas terminam.

Que as guerras terminam é, em última análise, mais importante do que o facto de elas terminarem em vitória ou derrota. Ocasionalmente a derrota tem como consequência a destruição do estado, como aconteceu com os impérios Otomano e Austrohúngaro após a Primeira Guerra Mundial, mas não frequentemente, e mesmo quando isso sucede, esses estados dão origem a outros estados. O sistema estatal não só dura, como prevalece. Normalmente a guerra vale bem o risco — não para os combatentes ou para os civis sofredores, claro, mas para o estado.

A paz é, mais uma vez, um outro assunto. A consequência imediata poderá ser a recessão ou a depressão, como após a Revolução Americana ou a Primeira Guerra Mundial, cujas dificuldades são tão mais humilhantes quando recaem sobre a população que “ganhou” a guerra e que ingenuamente supõe ir partilhar os frutos de uma vitória que pertence ao estado, não ao povo. O regime pode prolongar artificialmente o clima de repressão e sacrifício, como fizeram os Estado Unidos fabricando o Red Scare (Pânico Vermelho) após a Primeira Grande Guerra, mas cedo o povo suplicaria por aquilo que Warren Harding lhe prometera, o regresso à normalidade. Os vencidos, é certo, raramente se saem tão bem como o Japão ou a Alemanha ocupadas se saíram após a Segunda Guerra Mundial, mas mesmos os alemães inicialmente conheceram a fome.

Houve épocas em que alguns estados estavam quase sempre em guerra, como acontecia na Roma republicana, cujas oligarquias, tal como Livy (1960) repetidamente demonstrou, estavam bem conscientes de como a guerra consistia numa válvula de escape para dissipar conflitos de classe. As guerras coloniais servem bem este fim já que são travadas longe de casa e normalmente empreendidas contra antagonistas que, apesar de corajosos, são largamente inferiores em termos militares.

O império britânico nos séculos dezoito e dezanove é um bom exemplo. Congestionados com a riqueza do capitalismo comercial (em breve inimaginavelmente engrandecida pela revolução industrial), seguros pela sua insularidade, escudados pela maior armada do mundo, com uma robusta e desumana classe dirigente, sábia da arte de governar, o estado britânico poderia suportar uma guerra quando dela precisasse. Existiam, no mercado, completos mercenários, tais como os Hessianos. E os inimigos de ontem eram as tropas de hoje. Os irlandeses, repetidamente esmagados no século dezassete, eram uma fonte. Começando em 1746, os ingleses aniquilariam a sociedade e a cultura dos escoceses, recrutando depois regimentos de entre os que sobreviveram. Viriam a repetir estes “métodos económicos” na Índia, em África, em todo o lado. E depois existiam as fontes ingleses de dispensáveis: os camponeses expulsos das terras pelo emparcelamento, e os pobres da cidade. Não deixariam saudades, e havia sempre mais de onde estes vieram.

Mas os tempos mudaram. Alguns estados possivelmente podem continuar, por algum tempo, agindo à moda antiga – talvez a Sérvia, Coreia do Norte, Iraque – mas os Estados Unidos não, no mínimo por duas razões: somos demasiado escrupulosos, e somos demasiado pobres. Demasiado escrupulosos no sentido em que, enquanto Saddam Hussein se vangloriou antes da segunda Guerra do Golfo*, a América é uma sociedade que não consegue tolerar 10.000 mortos. Ele tinha razão, embora isso não lhe tenha valido de nada já que foi incapaz de infligir 10000 ou mesmo 1000 mortos. Granada e Panamá foram um divertimento, mas mesmo guerras de dois tostões como o Líbano e Somália já não o foram, e ninguém tem mais estômago para uma guerra no Haiti ou na Bósnia. Os americanos estão a perder rapidamente o seu gosto por guerras mediáticas, para já não falar das verdadeiras guerras.

E demasiado depauperados para qualquer guerra suficientemente longa para produzir um efeito durável no índice de popularidade de um qualquer presidente. O ataque ao Iraque foi o ponto de viragem. Como habilidosamente a manipulação das massas ocorreu, os americanos somente foram para a frente com a guerra na condição de que os “aliados” pagassem. Mesmo mentes pouco capacitadas estão conscientes que a parte de leão dos seus impostos federais vai para pagar dívidas de guerra e gastos militares dos quais eles nunca colherão quaisquer benefícios. A contrapartida para as vidas numa fotogénica guerra de alta tecnologia é dinheiro. Custa mais, imensamente mais, do que alguma vez a guerra custou. Mas os Estados Unidos não têm mais, imensamente mais riqueza do que alguma vez tiveram. Têm progressivamente menos e menos e menos.

Mesmo com as forças maciças da ABC, NBC, CBS, CNN e todo o resto dos grandes media por detrás (Black, 1992), e apesar de uma esmagadora vitória que deveu tanto à sorte como ao engenho, George Bush tornou-se o primeiro presidente americano a ganhar uma guerra e a perder uma eleição — para um fumador de erva e mulherengo que não cumpriu o serviço militar.

Deste modo o regime é apanhado no que os marxistas costumavam chamar de “contradição”. Precisa de guerra, já que a guerra é a saúde do estado, mas (com efémeras excepções ocasionais) não consegue suportar tanto ganhar como perder guerras. Mas que tipo de guerra é possível travar, com um custo tolerável, que evite esta dupla armadilha — uma guerra que não possa ser ganha ou perdida?

A “Guerra Contra a Droga”. Que não é uma verdadeira guerra, claro, mas apenas aquilo que os alemães chamariam um “sitzkrieg”, uma falsa guerra. Antes venderam-nos a guerra para acabar com todas as guerras. Agora vendem-nos uma guerra interminável.

Tal é a utilidade, para o estado, da Guerra Contra a Droga. Não pode ser perdida, já que não existe um inimigo a derrotar. E por incontáveis razões não pode ser ganha. O governo não consegue interditar mais do que uma fracção da cocaína, heroína, marijuana e outras drogas que, ao ilegalizálas, o governo fez subir o seu preço até ao ponto de valer a pena traficá-las. E alguma droga, tal como a marijuana e o ópio, é facilmente produzida dentro dos Estados Unidos. Dezenas de milhões de americanos já se entregaram ao consumo de drogas ilegais, incluindo o Presidente. Os filhos não vêem qualquer razão para não experimentar aquilo que os pais já consumiram, independentemente daquilo que os pais agora preguem. As crianças tendem a não prestar atenção aos pais quando sabem que estes estão a mentir. Para além disso, há sempre o álcool.

E nos subúrbios, tal como nos guetos, ilegalizar as drogas fez disparar o seu preço até níveis tão altos que prendendo vendedores não tem qualquer efeito no lado da oferta. Tirar um vendedor de droga das ruas apenas abre uma vaga para outro empresário. Na verdade, é prática corrente dos vendedores fazer com que os seus competidores sejam presos, com o fim de ganharem uma parcela adicional de competitividade. Mas não faz mais diferença quem trafica a droga ou quem dirige o estado. De facto, até podem ser as mesmas pessoas! A Guerra Contra a Droga é a saúde do estado.

Porque apenas é uma falsa guerra, a Guerra Contra a Droga é fiscalmente comportável. O governo pode gastar tanto mais ou tanto menos quanto desejar, já que o resultado será sempre o mesmo. Mesmo os custos para o contribuinte são disfarçados, divididos como são por governos federais, regionais e locais, e confundidos com financiamento ao sistema de justiça. A maior despesa individual, as prisões, é aquela que a maior parte das pessoas erradamente interpretam como a melhor coisa que o governo faz por elas. Suportar este erro é um equívoco acerca sobre qual é o produto do sistema de justiça criminal. Não é o controlo do crime, se é que tal pudesse ser medido com alguma exactidão, não há qualquer prova de que a imposição da lei em geral reduza o crime (Jacob, 1984). O produto são índices de criminalidade (Black, 1970), que são uma função, não do nível de criminalidade, mas do nível de imposição da lei. Daí que as autoridades possam fabricar uma “onda de criminalidade” se quiserem mais dinheiro, ou abrandar o controlo se quiserem obter algum crédito por fazerem exactamente o oposto. Tirando eles próprios e os seus superiores hierárquicos, os únicos beneficiários daqueles 100 000 polícias adicionais que o Presidente Clinton quer colocar nas ruas serão os vendedores de donuts.

Para além disto, até um certo ponto a Guerra Contra a Droga paga-se a si mesma. Tal como os exércitos que costumavam subsistir largamente “através do terreno”, pilhando as zonas que atravessavam, também os guerreiros da droga amontoam os seus cofres com o saque de bens confiscados. E isto só a nível formal e legal. À margem da lei, claro que a polícia sempre confiscou muito mais droga do que aquela que chega à sala de provas. É improvável que os vendedores ou os drogados protestem (o cenário clássico: um polícia faz uma busca ilegal na rua. Ele encontra algo. Pergunta, com cortesia, “Isto é seu?” e a resposta é sempre “Não”). Alguma droga a polícia vende por sua conta. Alguma consomem-na eles próprios. E alguma utilizam para “tramar” (colocar drogas na posse de suspeitos vendedores ou adicionar mais droga àquela que foi encontrada para converter um delito menor num crime grave) (Knapp Commission, 1973).

Ainda de uma outra maneira, a Guerra Contra a Droga oferece um dos benefícios de uma verdadeira guerra sem os seus custos e riscos. Toda a verdadeira guerra é um holocausto de liberdades cívicas (Murphy, 73). Mesmo ao nível formal e legal, a segurança nacional — um chamado “interesse obrigatório do estado” — tende a imporse aos direitos fundamentais, pelo menos até que o tiroteio pare. Entretanto vigilantes patrióticos levam a cabo as castrações, os linchamentos, e os incêndios — o trabalho demasiado sujo para o estado fazer mesmo numa suposta emergência de guerra, mas não demasiado sujo para o estado não fazer vista grossa depois. Os Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial e durante o Red Scare é um exemplo; a Itália que os liberais deixaram que os fascistas tomassem, depois de os deixarem, à margem da lei, esmagar socialistas, comunistas e anarquistas, é outro. Mas a paz regressa e o terreno legal perdido é, na sua grande parte, recuperado ou mais terreno ainda é retirado. Uma vez que o estado tenha demolido irreparavelmente a oposição radical, pode muito bem repor direitos constitucionais para os impotentes sobreviventes e gozar o calor da sua própria glória anunciada, desfilando a sua tolerância quando esta já não fizer qualquer diferença.

A falsa guerra é muito mais eficaz. Não pode ser conduzida sem massivas invasões de propriedade e limitações da liberdade. O mais importante direito individual implicado, e ameaçado pela Guerra Contra à Droga é a Quarta Emenda [da Constituição], que proíbe buscas e apreensões injustificadas. Este corpo legal efectivamente começou durante a Proibição e hoje é, como afirma Fred Cohen, “conduzido pelas drogas.” Os direitos de qualquer pessoa são definidos pelos direitos que a Justiça de má vontade concede aos delinquentes de casos de droga.

Outros direitos são, também, reduzidos. Sob a legislação de confisco, propriedade individual é retirada sem um processo ou justa compensação. Aplicada a nativos americanos e outros, a legislação sobre droga interfere com a liberdade de religião; como a prática comum de forçar condutores embriagados a participar em “reabilitações” para os doutrinar com dogmas religiosos dos Alcoólicos Anónimos. Até a campanha contra a posse de armas é uma consequência indirecta da Guerra Contra a Droga. A proibição tornou a droga uma comodidade muito valiosa: no interior das cidades, de longe uma das mais valiosas comodidades. Entretanto, os toxicodependentes roubam para suportar o seu vício. O resultado é uma corrida ao armamento e um clamor pelo controlo das armas. Uma proibição conduz a outra.

Para o criminoso, o último desafio é o crime perfeito. Para o estado é a legislação perfeita. Será a proibição?

Talvez não. A proibição da droga é actualmente muito mais popular do que a proibição do álcool alguma vez o foi, mas dentro da memória viva, a descriminalização foi um séria possibilidade. Poderá tornar-se assim novamente se a histeria anti-droga continuar a crescer até chegar a um ponto impossível de suportar. E provavelmente crescerá, porque a Guerra Contra a Droga foi institucionalizada. Várias agências e organizações têm direitos adquiridos sobre a sua ilimitada expansão, embora isso seja, não só impossível, como destituiria o estado da grande vantagem da Guerra Contra a Droga sobre a verdadeira guerra: a sua previsibilidade e exequibilidade. À medida que alguns órgãos governamentais crescem e crescem, sobra menos e menos para os outros. Já que a vitória, tal como a derrota é impossível, não existirão nunca “dividendos de paz” para repartir. O estado está, provavelmente, já a gastar mais fundos da sociedade civil do que seria consentâneo com os seus interesses a longo prazo. Se mais e mais for tirado, o parasita matará o hospedeiro — ou o hospedeiro matará o parasita.

Eventualmente o estado poderá sucumbir ao seu próprio sucesso. O estado é gigantesco. E é burocrático. Isto significa que está intrinsecamente subdividido por funções (ou por aquilo que era inicialmente considerada uma divisão do operariado por funções: de facto, jurisdição sobreposta e conflituosa é comum e tende a crescer com o tempo). Mesmo quando a mão esquerda sabe o que a mão direita faz, pode não ser capaz de fazer nada acerca disso. A cooperação entre agências torna-se mais difícil quando que se torna mais frequente e mais necessária. “A complexidade da acção em conjunto frusta a acção ou o seu objectivo” (Pressman & Wildausky, 1984).

É muito difícil administrativamente reduzir o orçamento de um gabinete, mas é fácil aumentálo. Os gabinetes resistem ferozmente aos orçamentos “zero-based” — isto é, partindo do zero, tem que haver uma rejustificação anual de cada linha do orçamento apresentado — como se tratasse do reinvento da roda. E é difícil as altas autoridades identificarem áreas para redução de custos, se quiserem apenas, já que a própria raison d’être da organização burocrática é a deferência para com os peritos institucionais. A maneira fácil é tomar o anterior orçamento como o presumível próximo; são apenas desvios do status quo, não o status quo em si, que necessitam de justificação. O gabinete, preenchido com supostos peritos, é ele próprio a fonte usual de justificação para desvios, e os desvios são sempre na direcção de mais dinheiro e mais poder para o gabinete. O que vai para cada gabinete vai para todos. Daí o governo cresce.

Referindo a forma como a competição entre trabalhadores faz descer os salários para todos eles, Fredy Perlman (1969) observou: “A prática diária de todos anula os objectivos de cada um.” Tal como acontece com a competição entre agências pelo dinheiro dos impostos. As implicações a longo termo da Guerra Contra a Droga são, para o estado, ameaçadoras. Quanto mais o estado estende o seu controlo sobre a sociedade, menos controlo ele tem sobre si mesmo, quanto mais o estado absorve a sociedade, mais fraco como entidade responsável por uma colectividade ele se torna. Ele desintegrase num pluralismo autoritário reminescente do feudalismo, ainda que carecendo do seu charme romântico. Algumas agências engordam à custa da Guerra Contra a Droga, mas muitas não. As que engordam são as primeiras a seguirem os seus próprios caminhos. A procuradora-geral Janet Reno não teve controlo sobre o Bureau of Alcohol, Tobacco and Firearms quando este exterminou os Branch Davidians para ganhar o que equivalia a nada mais do que um guerra de “gangs”: mas ela tomou a responsabilidade. A Drug Enforcement Administration é igualmente tão independente como o FBI de Hoover e a CIA de qualquer um.

Para o estado, outra consequência adversa inevitável da Guerra Contra a Droga é a corrupção (Sisk, 1982). Não que a corrupção seja necessariamente uma coisa má para o estado. Até certo ponto, as extorsões policiais a vendedores de droga, chulos e outros empresários extra-legais beneficiam o estado de diversas formas. Quanto mais os polícias recolherem em privilégios e confiscos, menos têm que ser pagos em salário. Os polícias cujos superiores sabem que eles estão envolvidos em extorsão (como decerto sabem já que eles próprios a isso se dedicam também) (Chambliss, 1988) fazem vista grossa a não ser que, por alguma razão, tenham necessidade de se livrar de um polícia em particular. A corrupção é, pois, uma ferramenta de gestão.

Mas alguns polícias tornam-se demasiado gananciosos e vão longe de mais. A maioria são “comedores de erva” (subornados) que aceitam aquilo que lhes aparecer, mas alguns são “comedores de carne” (extorsionários) — corrupção activa — que activamente buscam ou montam oportunidades de corrupção, como os detectives da Special Investigative Unit retratados no filme Serpico (Daley, 1978; Knapp Commission, 1973). Os comedores de erva dão cobertura aos comedores de carne (o “código de silêncio”) já que todos têm algo a esconder. Até recentemente, os administradores de polícia e os seus aliados académicos julgaram poder manter a corrupção sob controlo através de várias reformas institucionais, a maioria das quais foram inicialmente propostas pela Comissão Knapp (Sherman, 1978). Talvez as reformas resultassem, excepto numa coisa: na Guerra Contra a Droga. A corrupção está de regresso, mesmo na NYPD* reformada por Knapp (Dombrink, 1988). Já que as penalizações são mais severas e os lucros do tráfico de droga são mais altos, a protecção que a polícia vende dita um preço maior (Sisk, 1982). A corrupção motivada pela droga é o sector em maior crescimento nos abusos de conduta da polícia (Carter, 1990).

Para o estado, o problema da corrupção descontrolada é que ela não pode ser confinada ao espaço onde os benefícios excedem os custos. O estado necessita da polícia para um bocadinho de imposição selectiva da lei e, mais importante que isso, para controlo social — logo que a situação exija furar uma greve, evacuar squatters, suprimir tumultos, reprimir dissidentes e manter o tráfego a circular. Mesmo nestes tempos sofisticados, em que a manipulação é a estratégia de controlo mais em voga, frequentemente não há substituto para a arma e o cassetete.

Mas os polícias que impõem leis contra a droga ficam indisponíveis para impor outras leis. Tem havido um expansão tremenda no trabalho de polícias à paisana nos anos recentes (Marx, 1988), inevitavelmente acompanhada de mais corrupção (Girodo, 1991). Os polícias, como trabalhadores, são particularmente difíceis de gerir pois estão normalmente sós, não controlados. Os detectives, especialmente, estão numa posição de poderem ser reservados acerca das suas actividades (Skolnick, 1975; Daley, 1978), e mais controlo do tráfico de droga significa mais trabalho à paisana e de detective. Estes polícias estabelecem a sua própria agenda.

Os escândalos de corrupção desmoralizam a polícia a ilegitimam o estado. A maioria das pessoas obedece à lei na maior parte do tempo, não porque receiem ser punidas se não o fizerem, mas porque acreditam no sistema. Assim que deixem de acreditar, deixarão de obedecer — não só às leis que não importam (como “não consuma drogas”) como também àquelas que importam (como “pague os seus impostos”). E, ironicamente, operações anti-corrupção comprometem a eficácia policial em outras áreas (Kornblum, 1976).

O estado adquiriu um peso tão grande que esse peso começa a quebrar as suas fundações. Não é o tipo de elefantismo que pode ser aliviado através da privatização. Não importa quem recolhe o lixo. O que importa é quem tem as armas. A essência da soberania — os meios para impor a ordem — está deteriorada. O cancro é inoperável. Os estado pode bem morrer de uma overdose.

ReferênciasEditar

  • Black, Bob (1992) Friendly Fire. Brooklyn, NY: Autonomedia

  • Black, Donald (1970) “Production of Crime rates.” American Sociological Review 35: 733-748

  • Carter, David L. (1990) “Drug-Related Corruption of Police Officers: A Contemporary Typology.” Journal of Criminal Justice 18: 85-98

  • Chambliss, William J. (1988) On The Take: From Petty Crooks to Presidents. 2nd ed. Bloomington & Indianapolis, IN: Indiana University *Press

  • Daley, Robert (1978) Prince of the City: The True Story of a Cop Who Knew Too Much. Boston, MA: Houghton Mifflin Company

  • Dombrink, John (1988) “The Touchables: Vice and Police Corruption in the 1980’s.” Law and Contemporary Problems 51: 201-232

  • Girodo, Micahel (1991) “Drug Corruption in Undercover Work: Measuring the Risk.” Behavioral Science and the Law 9: 361370

  • Jacob, Herbert (1984) The Frustration of Policy: Responses to Crime by American Cities. Boston, MA: Little, Brown and Company

  • Knapp Commission (1973) The Knapp Commission Report on Police Corruption. NY: George Braziller

  • Kornblum, Allan M. (1976) The Moral Hazards: Police Strategies for Honesty and Ethical Behavior. Lexington, MA: Lexington Books

  • Livy (1960) The Early History of Rome. Translated by Aubrey de Sélincourt. Baltimore, MD: Penguin Books

  • Marx, Gary T. (1988) Undercover: Police Surveillance in America. Berkeley, CA: University of California Press

  • Murphy, Paul L. (1972) The Constitution in Crisis Times, 1918-1969. NY: Harper Torchbooks

  • Perlman, Fredy (1969) The Reproduction of Everyday Life. Detroit, MI: Black & Red

  • Pressman, Jeffrey L., and Aaron Wildavsky (1984) Implementation. 3rd ed., expanded. Berkeley, CA: University of California Press

  • Resek, Carl, ed. (1964) War and the Intellectuals: Essays by Randolph S. Bourne, 1915-1919. NY: Harper Torchbooks

  • Sherman, Lawrence M. (1978) Scandal and Reform: Controlling Police Corruption. Berkeley, CA: Univ. of California Press

  • Sisk, David E. (1982) “Police Corruption and Criminal Monopoly: Victimless Crimes.” Journal of Legal Studies 11: 395-403

  • Skolnick, Jerome H. (1975) Justice Without Trial: Law Enforcement in a Democratic Society. 2nd ed. NY: John H. Wiley & Sons

  • Tilly, Charles (1992) Coercion, Capital and European States, AD 900-1992. Rev. Paperback ed. Cambridge, MA: Blackwell.


 

Reforma política é segunda demão no estado

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Por Gilson Moura Henrique Junior

O uso pelos partidos da ordem e pela esquerda partidária da reforma política como panaceia para a solução dos problemas do país esconde uma preguiça intelectual fortemente aliada ao oportunismo eleitoreiro.

O primeiro problema das propostas de reforma política que ela não é política em seu inteiro teor, ela é uma reforma eleitoral, e tímida. Enquanto reforma não abrange sequer outras formas de políticas fora do eixo eleitoral, mas ainda dentro da institucionalidade, como a expansão dos comitês e conselhos que já existem na esfera municipal, para além de conselhos consultivos ou expansão para as esferas estaduais e federais com ganho de poderes e capilaridade. Enquanto política as propostas de reforma sequer tangenciam uma discussão sobre o caráter democrático do estado e a necessária repactuação deste para que o exercício do poder não seja platônico, onde uma elite dirigente quase intocável conduz a população conforme foi eleita para fazer, nas palavras de Eduardo cunha, presidente da câmara.

E isso ainda sendo discutida a reforma política nos parâmetros reformistas do estado conforme se propõe a esquerda partidária e os partidos da ordem, sequer comecei a debater o problema sob a luz da superação do sistema e do estado, coisa que pelo menos superficialmente os partidos da oposição de esquerda se dizem desejosos.

Sob o ponto de vista para além do estado é preciso dizer que o que se deveria exigir é mais que reforma do estado, que nada mais é que uma segunda demão na pintura exterior do aparato estatal ampliando direitos e deveres sob o ponto de vista eleitoral reduzindo pontual e mediocremente a questão política à financiamento público de campanha, recall e plebiscito.

Até por exigência ecológica é preciso que se exija uma descentralização absoluta do processo decisório sobre economia, energia e gestão a ponto de obrigar a um repensar de produção e consumo a níveis radicais, não por uma preferência ideológica descolada da realidade, mas por absoluta necessidade de manutenção da vida na terra.

Enquanto a economia não for lógica ou ecológica, enquanto a gestão de recursos entendê-los ainda como infinitos e ignorar resíduos, ignorar a ruptura metabólica causada pela extração de recursos e pela geração de resíduos, em escala geométrica e reproduzida de forma praticamente infinitesimal, enquanto a compreensão da casa (oykos+logos) for secundarizada pela administração da casa (oykos+nomos), correremos o risco da casa cair.

E é esse o eixo que grita a necessidade de ir além da reforma da casa, ou de parte dela ou de parte superficial de parte dela, é fundamental que se grite a obrigatoriedade da exposição á população do risco do modelo em curso de gestão da vida das pessoas e recursos para a vida no planeta, para a existência das civilizações e a partir disto é fundamental horizontalizar os processos decisórios, torná-los comunais, organizados de rua a rua, bairro a bairro, vila a vila, cidade a cidade, estado a estado, para que cada ponto onde a ação econômica atinge e afeta, produzindo danos ambientais, sociais, comunitários,etc, tenha poder para decidir sobre seus rumos, para decidir sobre como é afetado, para além da decisão distante de gestores que sequer sabem da existência dos pontos atingidos por suas ações.

Se nem como reforma isso é posto em perspectiva, diante da absoluta necessidade de por em prática uma gestão democrática radical da produção de alimentos, da produção industrial, de energia, e do consumo disso tudo, inclusive sob o ponto de vista da saúde, se isto não é visto como política e parte do que se propõe como reforma para a política, que reforma e que política é essa?

Que política e essa onde diante da absoluta necessidade de, por exemplo, discutirmos a produção de alimentos centralizada e cujo resultado dela percorre milhares de quilômetros para chegar às mesas dos consumidores, recebendo para isso uma carga absoluta de produtos químicos para sua conservação até lá e com eles afetando a saúde dos consumidores, o que ocorre é a omissão, o silêncio e a troca disso por plebiscitos aqui e ali e um recall ou outro?

Que política é essa onde transgênicos e agrotóxicos são naturalizados e entendidos como algo externo à população que no máximo que se terá de acesso á decisão é se um dia vier, no fantástico mundo da institucionalidade, a plebiscito? E como viria? Por que o inteiro teor das leis não pode ser discutido por quem sofre com elas?

Cadê a política dessas reformas?

A grande reforma que daria solução para os problemas do país, dos países, com a democracia só pode ser a reforma definitiva do estado, que é sua superação e substituição por processos horizontais de decisão, organizados em confederações de conselhos organizadas em cantões, pela descentralização da própria ideia artificial de nação, de Brasil, França ou seja lá o que os estados nacionais tomam pra si como se fossem proprietários da população que reside entre as cercas embandeiradas que separam quintais. População esta forçada a se entender como parte de uma ficção, por vezes na base da porrada, que não tem nenhuma raiz na constituição coletiva além de elementos políticos externos à ela, construído nos altos fornos das elites políticas.

Pra que perder tempo com reformas desta ficção? Não é melhor criar uma outra estória, um outro riso, uma outra peça, um outro poema, uma outra canção?