Rádios livres e a emergência de uma sensibilidade pós-mediática

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Por Franco Berardi

Fonte: Protopia


A comunicação independente que, nas últimas décadas, se manifesta nas rádios livres, o mediativismo, as tvs de rua, a subversão, etc .podem ser considerados como expressão e a prefiguração do que felix guatarri chavama “civilização pós mediática”. A independência da comunicação é um desafio frente (contra?) ao poder. Para compreender o sentido, é útil partir da noção guattariana de agenciamento coletivo e refletir sobre a diferença entre o conceito de automatismo e aquele de dispositivo técnico.

Nos anos 70 teve lugar um processo de comunicação independente que podemos considerar como antecipando aquilo que se tornou hábito chamar de mediativismo no movimento global que surgiu em Seattle. Nesse processo de comunicação independente havia qualquer coisa a mais que uma reivindicação democrática da comunicação: um princípio de auto-organização do trabalho cognitivo, a procura de linhas de fuga do sistema de poder mediático que se estavam já constituídas sob diversas formas, sejam públicas, sejam privadas nesse período de modernidade tardia.

Félix Guattari participou com entusiamo, que o caracterizava, desse movimento e com inteligência capaz de ultrapassar as contingências políticas do momento, e de prever a formação de uma sociedade pós-mediática. No texto “Milhões e milhões de Alices de potência”[1] de 77 como prefácio a Rádio Alice, Rádio Livre, Guattari escrevia:

«…a polícia liquidou Rádio Alice, (purchassés) condenou os programadores, seus locais foram pilhados, mas seu trabalho revolucionário de desterritorialização persiste (persegue?) (inlassablement) até as fibras nervosas de seus persecutores.»

Félix não fala da rádio alice como uma ferramenta de comunicação, mas como um dispositivo capaz de provocar ou acelerar um processo de desestruturação do sistema mediático, resultando desse movimento de reapropriação da palavra que se exprime nos anos 60 e 70, e não somente na Itália. Aquilo que interessava, sobretudo, era um começo de um processo de proliferação dos agentes de enunciação destinados a fazer explodir o modelo de mass-media. Uma empresa de desestruração do sistema nervoso do poder teria assim começado, e esse processo se seguiria desde então sob milhares de formas, abrindo vias (liberatrices), mas podendo assim conduzir à catástrofe e ao pânico.

Quando Félix morreu no começo dos anos 90, a febre da world wide web começava a expandir, e, nos anos seguintes, essa febre transformou o sistema de comunicação global com a introdução do princípio de tipo rizomático que recolocava em questão o modelo centralizador das medias. O que nos interessa hoje no movimento de rádios que começou nos anos 70, é a antecipação de uma tendência pós mediática que se vislumbra no horizonte. Uma socialidade na qual os fluxos de comunicação não são mais dirigidos do alto para um público passivo, mas funcionando como uma malha bem fechada de trocas rizomáticas entre emissores que se encontram sobre o mesmo plano.

Félix sempre se situou do ponto de vista da rede, mesmo quando a palavra não tinha o sentido que tem hoje para nós, mesmo quando a world wide web não existia.O conceito de rizoma antecipava a realidade tecno-nomádica da rede. “O caos democrático (recèle) uma multitude de vetores de ressingularização, de atratores de criatividade social em via de atualização” Podemos considerar a aparição das rádios livres como uma repetição geral da emergência desses vetores de ressingularização, desses atratores da criatividade social. A expressão “vetor de ressingularização” indica precisamente um efeito de des-mediação.

O meio (medium) é um instrumento capaz de potencializar uma faculdade humana, capaz de funcionar como extensão do corpo e de sua potência. Contudo, as massmedia modernas potencializaram a inteligência humana para obter o efeito paradoxal de despossuir inteligência, elas potencializaram a imaginação para (en tarir) a imaginação concreta. Elas submeteram a potência ao poder, e a exploração da potência mental pelo poder se manifesta hoje em uma demência de massa, por uma psicopatologia difusa, pela depressão, pânico.

As rádios permitem uma extensão universal da potência da voz, mas dentro de uma história concreta do século XX o meio radiofônico se tornou amplificação da voz do poder e tem ao mesmo tempo empobrecido, minimizado, aniquilado a voz da sociedade real. Basta pensar na maneira como a Alemanha nazista utilizou o rádio, fornecendo um aparelho receptor a cada cidadão para que a voz do ódio preenchesse as orelhas de cada um. E basta pensar como David Sarnoff, chefe da RCA, submeteu o meio radiofônico aos interesses das empresas.

Até aqui o problema que se coloca à prática de comunicação independente foi de descolar a riqueza das mídias tecnológicas do funcionamento social que sua subserviência ao poder tomou lugar. Mas uma tal (détricolage) é possível? Podemos pensar que o agenciamento maquínico constituído por um médium possa funcionar segundo uma finalidade e uma modalidade semióticas diferentes daquelas que foram incorporadas ao curso de sua história social?

É necessário refletir aqui sobre o conceito de dispositivo, para distinguir os dispositivos dos automatismos. As medias são dispositivos que tendem a modelar os agenciamentos comunicacionais e os efeitos sociais, imaginários e culturais que esses agenciamentos podem produzir. *”[A] mensagem de um medium ou de uma tecnologia se encontra na mutação das proporções e dos ritmos e dos esquemas que ele introduz nas relações humanas” *diz Mac Luhan. Nós devemos tomar em consideração não o conteúdo, mas o meio ele mesmo e a matriz cultural na qual ele age, assim como os efeitos psíquicos e sociais das medias?.

Há implicitamente nessa afirmação uma perspectiva determinista que apaga toda possibilidade de independência da comunicação. Mas um dispositivo não pode ser considerado como um automatismo. Os automatismos são de sequências técnicas estruturadas de maneira rígida segundo um modelo algorítmico do qual é impossível se distanciar, porque as implicações técnicas e semióticas não são senão um efeito historica e culturalmente possíveis, mas que não está inscrito na estrutura mesma do agenciamento técnico.

Sabemos que o uso e a função de uma tecnologia em geral, e de um meio de comunicação em particular, são ligados à estrutura do meio (medium). Mas trata-se de uma predisposição, não de um implicação automática. Graças a essa distinção entre dispositivo e automatismo que uma prática de comunicação independente se torna possível, enquanto ela seria impensável se os agenciamentos técno-mediáticos funcionassem inexoravelmente como automatismos. Politicamente, a comunicação independente se propõe justamente a utilizar de maneira ativa essas tecnologias (como rádio, tv, ou mesmo propaganda) cuja função estrutural é de induzir a passividade do usuário. Aquilo que chamamos media-ativismo, após alguns anos, nasce precisamente dessa intenção de liberar o meio dos efeitos de semiotização produzidos por sua utilização social. *A visée do mediativismo constitui um desafio ao determinismo*.

O mediativismo não propõe um uso alternativo das medias no sentido do conteúdo: trata-se antes de curta-circuitar o meio no nivel de sua estrutura, dentro de seu sistema de funcionamento linguístico, tecnológico, de se atacar aos agenciamentos, às interfaces, de reagenciar e de refinalizar o dispositivo, e não somente o conteúdo que ele produz. Mas essa (gagueure) não tem sentido se o meio (qualquer que seja, não somente rádio) pode ser considerado como um dispositivo. É impossível, ao contrário, se estima-se que o meio é um automatismo, uma sequência necessária em suas implicações técnicas, estruturais, linguísticas e funcionais.*

A maneira de operar o mediativismo pode ser considerada como uma primeira manifestação do processo de reagenciamento cognitivo. Com o mediativismo emerge a consciência da ductibilidade da relação entre uso da estrutura e funções de uma tecnologia de agenciamentos como tecnologia eletrônica. O info-trabalho tem a possibilidade de reagenciar os elementos constitutivos do processo de produção, enquanto o trabalho mecânico e industrial não o têm. Essa é a diferença fundamental entre as tecnologias industriais e as tecnologias digitais.

Se pensamos na cadeia de montagem da indústria mecânica, podemos ver bem que não há nenhuma possibilidade de reconfigurar esse agenciamento. Ele é produzido para submeter o tempo do operário ao ritmo da exploração. Não há nenhuma possibilidade de nele introduzir a mutação, podemos somente sabotá-lo,*le ralentir, l’endommager*, destruí-lo. Se pensamos ao contrário sobre o ciclo do trabalho digital, vemos que a questão é muito mais complexa e que cada sequência produtiva apresenta bifurcações, aberturas, possibilidades de finalização alternativa. O trabalho cognitivo é convocado dentro da sequência produtiva e pode intervir conscientemente, modificando a estrutura mesma do ciclo e reagenciando-a para finalidades independentes. O trabalho cognitivo tem a possibilidade de reagenciar, quer dizer, de modificar os agenciamentos tecno-semânticos do dispositivo e então refinalizá-los.

Se pensamos na enorme desproporção entre a força econômica que dispõe o poder e aquele que dispõe a sociedade, nós nos perguntamos: como podemos modificar o funcionamento de um meio, quebrar a dominação sobre a comunicação e criar agenciamentos autônomos?

Rádio Alice foi uma tentativa de responder a essa questão, assim como as experiências recentes dos militantes do mediativismo subversivo. E a resposta vai nessa direção: não se trata de reagir à força do poder opondo a ele uma força igual, conteúdos contra conteúdos. Trata-se ao contrário de introduzir nos interstícios da comunicação social os fatores de desvio, de ironia e *décloisonnement*, trata-se de encontrar as linhas de fuga capazes de fazer “delirar” o fluxo dominante e de fazer emergir o obsceno, o que resta fora da cena.

“Não há nada tão grande, ou revolucionário, quanto o menor” escrevem os autores de Kafka, para uma literatura menor. É precisamente lá que nós estamos. O menor não é minoritário, porque ele se põe em um certo ponto a proliferar. O menor pode revelar uma linha de fuga, um princípio de reagenciamento do quadro todo. E essa linha de fuga pode se difundir, pode permitir a milhões de moléculas sociais (milhões de alices em potência) e de deslocar segundo uma lógica comunicacional que não é compatível com a reprodução do poder.

O meio televisivo é estruturalmente construído para transformar a gente em espectadores, em receptores passivos de um fluxo que tem características hipnóticas e subliminares. Está claro que esse agenciamento comunicacional e tecnológico do tubo catódico e da tela, do éter e do satélite, está construído para que possamos assistir, sentados e mudos. E não se trata somente dos conteúdos discursivos, ideológicos ou publicitários que veiculam o meio. Trata-se de uma modelização da relação social, do comportamento e da linguagem.

O fluxo, a imagem, o barulho, a solicitação de um sistema muscular,do sistema nervoso e da vida agem como dispositivos do conhecimento da relação social. E, contudo, mesmo o meio televisivo pode ser atravessado pelo fluxo de comunicação independente, pode funcionar como fator de reagenciamento ativo. A experiência recente das tvs de rua italianas (david garcia e cia) vai justamente nesse sentido. As tvs de rua fazem surgir uma linha de fuga sobre o plano do agenciamento técnico: o micro transmissor televisivo funciona em um espaço geográfico muito limitado, um espaço de poucas centenas de metros, invadindo o éter nos espaços sombra, frequências que não são utilizadas nem oficialmente atribuídas.

As tvs de rua entram em uma relação de troca e colaboração sobre a rede telemática, enviando seus produtos a um servidor comum, e *en puisant *no mesmo servidor suas transmissões. Em suma, o meio televisivo se encontra assim transformado em rede de proxi-visão. O meio publicitário, que é um dispositivo, pode mesmo ser reestruturado e reagenciado em função das intenções completamente diferentes daquelas da empresa, da propaganda, se a linguagem do mercado se encontra desviada para mostrar a miséria e loucura que a dominação do mercado difundem sobre o estado mental coletivo.

Graças a uma ação de redefinição do contexto e a uma mutação do imaginário, as rádio livres puderam (PODEM!) agir enquanto um reagenciamento proliferando de um dispositivo que vinha funcionado até então como dispositivo centralizador, e modificar a relação entre emissor e receptor e os agenciamentos internos ao funcionamento das transmissões. A utilização do telefone ao vivo foi um elemento de reagenciamento que quebrou o caráter centralizador do sistema de rádio e abriu a via aos agenciamentos experimentais de diversos tipos.

Nos anos 70, o telefone ao vivo a possibilidade de inserir nos fluxos radiofônicos a voz da audiência era um escândalo do ponto de vista do sistema mediático. Não tanto porque os conteúdos levados pela voz da rua seriam intolerados pelo poder, mas porque isso destruia o filtro entre emissor e receptor sobre o qual se fundava à época a sacralidade do meio e sua funcionalidade para o poder. Isso não significa que o “ao vivo” na rádio seja em si e para si uma coisa a mais banal e mesmo o vetor da estupidez social dominante.

Mas nos anos 70 o ao vivo introduz um princípio reticular e proliferando dentro do funcionamento estruturado do meio. É por isso que podemos considerar essa experiência como uma antecipação da rede, representando uma incarnação daquilo que Félix chamava *socialidade pós-mediática*. Naturalmente a Internet não é também um automatismo, mas um dispositivo, e por isso suas supostas vias libertadoras não são um programa inscrito necessariamente nessa estrutura, mas uma disposição, uma possibilidade, uma potência que se atualiza somente em certas condições sociais e imaginárias.

Referências

  1.  Des millions et des millions d’ Alice en puissance », Préface de Félix Guattari à Radio Alice, Radio libre, par le Collectif A Traverso, Laboratoire de sociologie de la connaissance. Éditions Jean-Pierre Delarge ( Juin 1977)

Tradução e Revisão:9s

A Era da Angústia

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Por John Zerzan

Fonte: Anarco-Primitivismo

Envolve-nos um sentimento difundido de perda e mal-estar, uma tristeza cultural que somente pode ser comparada ao indivíduo que sofre uma perda pessoal.

Um capitalismo hiper-tecnológico está a fazer desaparecer a textura viva da existência, enquanto a maior mortandade em massa do mundo, em 50 milhões de anos, continua em ritmo acelerado: 50 mil espécies de plantas e animais desaparecem a cada ano (WWF – Fundo Mundial pela Vida Selvagem, 1996).

A nossa angústia toma a forma de uma exaustão pós-moderna, com a sua dieta desgastante de um relativismo ansioso e constante, e o apego a um superficial que teme em ligar-se ao facto de uma perda assombrosa. O vazio fatal do consumismo ironizado é marcado pela perda de energia, dificuldade de concentração, sentimentos de apatia, isolamento social; exactamente aqueles citados na literatura psicológica sobre a lamentação.

A falsidade do pós-modernismo consiste na negação da perda, a recusa da lamentação. Desprovido de esperança ou uma visão do futuro, o “zeitgeist” (de origem alemã, significa um ambiente geral ou uma qualidade de um período particular da História, mostrado por ideias, crenças, etc comuns no tempo) reinante também reduz explicitamente, uma compreensão do que aconteceu e o por quê. Há uma proibição sobre pensar nas origens, que é acompanhada de uma insistência no superficial, no momentâneo, no infundado.

Paralelos entre a angústia individual e uma esfera em comum desolada e aflita estão enraizadas. Considere o seguinte enunciado do terapeuta Kenneth Doka (1989): “A angústia ‘deslegitimada’ pode ser definida como a angústia que as pessoas vivem quando sofrem uma perda que não é ou não pode ser completamente admitida, publicamente lamentada, ou socialmente apoiada”. A negação de um nível individual fornece uma metáfora inescapável; a negação pessoal, tão frequentemente e exaustivamente compreendido, introduz a questão da recusa para se entender profundamente a crise que ocorre a cada nível.

Introduzido no milénio estão vozes dos quais a marca é a oposição da própria narrativa, escapando de qualquer tipo de conclusão. O projecto modernista ao menos fez sala para o apocalíptico; agora somos separados a pairar para sempre num mundo de aparências e simulações que asseguram a ”rasura” do mundo real e a separação do eu e do social. Baudrillard é obviamente emblemático sobre o “fim do fim”, baseado no seu prognóstico “extermínio do significado”.

Devemos direccionar-nos novamente para a literatura psicológica para uma descrição apropriada. Deutsch (1937) examinou a ausência de expressão de angústia que ocorre após alguma perda e considerou isto uma tentativa de defesa do ego de se preservar a si mesmo face a uma ansiedade esmagadora. Fenichel (1945) observou que a angustia é primeiramente experimentada em doses muito pequenas; se fosse liberada  totalmente, o sujeito poderia sentir um desespero esmagador. Similarmente, Grimspoon (1964) notou que “as pessoas não podem arriscar sendo esmagadas pela ansiedade, o que força acompanhadamente uma compreensão cognitiva e afectiva total da situação actual do mundo e das suas implicações para o futuro”.

Com estes conselhos e cuidados em mente, é óbvio portanto que a perda deve ser encarada. Tudo o mais, portanto, no reino da existência social, onde em distinção de, digamos, a morte de um ente querido, uma crise de proporções monumentais deve ser direccionada para uma solução transformadora, e não mais negada.
A repressão, mais claramente e presentemente experimentada via fragmentação e superficialização pós-moderna, não extingue o problema. “O reprimido”, de acordo com Bollas (1995) “significa o preservado: escondido na tensão organizada do inconsciente, os desejos e as suas memórias estão constantemente lutando para achar algum modo de satisfação no presente – o desejo refuta a aniquilação.”

A angustia é a contradição e destruição do desejo e assemelha-se muito a depressão; de facto, muitas depressões são precipitadas por perdas (Klerman, 1981). Ambos, angustia e depressão devem ter a fúria nas suas raízes; considere por exemplo a associação cultural da cor preta com a angustia, com o luto e com a fúria.

Tradicionalmente, a angustia tem sido vista como causadora do cancro. Uma variação contemporânea sobre esta tese é a noção de Norman Mailer de que o cancro é a insalubridade de uma sociedade demente tornada intima, estendendo-se nas esferas públicas e pessoais. Novamente, uma plausível conexão entre angustia, depressão, e fúria – e a evidência, penso eu, de uma repressão em massa. Os sinais são abundantes a respeito do enfraquecimento das defesas imunes; juntamente com o crescimento dos materiais tóxicos, parece existir uma elevação do nível de angustia e das suas concomitantes. Quando o significado e o desejo são tão dolorosos, tão desesperado para admitir ou prosseguir, os resultados acumulados apenas somam na catástrofe agora em expansão.

Olhar para o narcisismo, o modelo guia actual de carácter, é olhar o sofrimento como um conjunto de mais e mais aspectos próximos relacionados. Lasch (1979) escreveu sobre tais características peculiares da personalidade narcisista numa inabilidade de sentir, superficialidade ou pouca profundidade procectora, uma hostilidade repressora crescente, e um senso de irrealidade e vazio. Desta forma, o narcisismo também poderia ser agrupado sob o titulo da angustia, e uma ampla sugestão surge com possível grande força: Existe algo profundamente errado, algo no coração de toda esta tristeza, porém, muito disto é comummente rotulado sob varias categorias separadas.

Numa exploração de 1917, “Luto e melancolia”, um perplexo Freud questionou o porquê da memória de “cada único individuo sobre as memórias e esperanças” que são conectadas com a perda de um amado “devem ser tão extraordinariamente dolorosas”. Porém, lágrimas de angustia, é dito, são basicamente lágrimas para si mesmo. A intensa tristeza numa perda de uma pessoa, trágica e difícil como certamente é, deve ser de alguma maneira também uma vulnerabilidade para a tristeza sobre uma mais ampla e geralperda (que não abarca apenas a nossa espécie).

Waslter Benjamim escreveu Theses on History (“Teses sobre a Historia”) alguns meses antes da sua morte prematura em 1940, numa fronteira fechada que evitava a fugas dos Nazis. Quebrando os confinamentos do marxismo e da literatura, Benjamim alcançou um ponto alto do pensamento crítico. Ele viu que a civilização, a partir da sua origem, é a tempestade que esvaziou o Éden, viu o progresso como uma única e continua catástrofe.

A alienação e a angustia foram altamente, senão inteiramente, desconhecidas. Hoje o índice de depressão profunda, por exemplo, dobra a cada dez anos nos países desenvolvidos (Wright, 1995).

Como Peter Homans (1984) colocou habilmente, “o pesar não destrói o passado – reabre as relações com o passado e com as comunidades do passado”. Uma mágoa autêntica coloca a oportunidade de entender o que tem sido perdido e o porquê, e também requer a recuperação de um estado de ser inocente, no qual a perda desnecessária é banida.

Viver a Utopia / Vivir la utopía (1997)

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Para obter legenda em Português clique no símbolo retangular na parte inferior direita do vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=9BzUjEXj2C4

Programa e Objetivo da Organização Secreta Revolucionária Irmandade Internacional

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Mikhail Bakunin

Fonte: Protopia.


*Programa elaborado clandestinamente por Mickail Bakunin em outono de 1868. Tradução de Zilá Bernd.


A Associação Irmandade Internacional quer a revolução universal, social, filosófica, econômica e política ao mesmo tempo, para que da ordem atual das coisas, fundada sobre a propriedade, a dominação e o princípio de autoridade quer religiosa, quer metafísica e burguesamente doutrinária, quer até mesmo jacobinamente revolucionária, não sobre em toda Europa num primeiro momento, e depois no resto do mundo, pedra sobre pedra. Ao grito de paz aos trabalhadores, liberdade a todos os oprimidos e morte aos dominadores, exploradores e tutores de qualquer espécie, queremos destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas as suas instituições e suas leis religiosas, políticas, jurídicas, financeira, policiais, universitárias, econômicas e sociais para que todos estes milhões de pobres seres humanos escravizados, atormentados, explorados, libertos de todos os diretores e benfeitores oficiais e oficiosos, associações e indivíduos, respirem enfim em completa liberdade.


Convencidos de que o mal individual e social reside muito menos nos indivíduos do que na organização das coisas e nas posições sociais, nós seremos humanos tanto por sentimento de justiça quanto por cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas a fim de poder, sem nenhum perigo para a revolução, poupar os homens. Negamos o livre-arbítrio e o pretenso direito da sociedade de punir. A própria justiça tomada no seu sentido mais humano e mais amplo, é apenas uma idéia, por assim dizer, negativa e de transição; ela coloca o problemas social mas não o resolve, indicando apenas o único caminho possível para a emancipação, isto é, de humanização da sociedade pela liberdade na igualdade; a posição positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da sociedade. Esta solução tão desejada, ideal de todos nós, é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos, a fraternidade humana.


Todo o indivíduo humano é o produto involuntário de um meio natural e social no seio do qual nasceu, desenvolveu-se e do qual continua a sofrer influência. As três causas de toda a imoralidade humana são: a desigualdade tanto política quanto econômica e social; a ignorância que é seu resultado natural e sua conseqüência necessária: a escravidão.


A organização da sociedade sendo sempre e em todos os lugares a única causa dos crimes cometidos pelos homens, há hipocrisia ou absurdo evidente da parte da sociedade em punir os criminosos, um vez que toda a punição supõe a culpa e os criminosos não são nunca culpados. A teoria da culpa e da punição surge da teologia, isto é, do casamento de absurdo com a hipocrisia religiosa. O único objetivo que se pode reconhecer à sociedade, em seu estado atual de transição, é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma no interesse de sua própria defesa e não a de julgá-los e condená-los. Este não será propriamente um direito, na acepção estrita do termo, será antes um fato natural, aflitivo mas inevitável, signo e produto da impotência e da estupidez da sociedade atual: e quanto mais a sociedade souber evitar de utilizá-lo, mais ela estará próxima de sua real emancipação. Todos os revolucionários, os oprimidos, os sofredores, vítimas da atual organização da sociedade e cujos corações estão naturalmente cheios de vingança e de ódio, devem lembrar-se de que os reis, os opressores, os exploradores de toda espécie são tão culpados quanto os criminosos saídos da massa popular: eles são malfeitores mas não culpados, pois são, como os criminosos comuns, produtos involuntários da atual organização da sociedade. Não devemos nos espantar se no primeiro momento, o povo rebelado mate muito. Será talvez um infelicidade inevitável, tão fútil quanto os estragos causados por uma tempestade.


Mas este fato natural não será nem moral, nem mesmo útil. A este respeito, a história está cheia de ensinamentos: a terrível guilhotina de 1793 que não pode ser acusada nem de preguiça, nem de lentidão, não chegou a destruir a classe nobre da França. A aristocracia foi se não completamente destruída ao menos profundamente abalada, não pela guilhotina, mas pelo confisco e venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que a carnificina política nunca matou os partidos; mostram-se sobretudo impotentes contra as classes privilegiadas, porque a força reside menos nos homens da que nas posições ocupadas pelos homens privilegiados na organização das coisas, isto é, a instituição do Estado e sua conseqüência assim como sua base natural, a propriedade individual.


Para fazer um revolução radical é preciso, pois, atacar as posições e as coisas, destruir a propriedade e o Estado, assim não se terá a necessidade de destruir os homens, e de condenar-se à reação infalível e inevitável que o massacre dos homens nunca deixou e não deixará nunca de produzir em cada sociedade.


Mas para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para a revolução, será preciso ser impiedoso para com as posições e as coisas: será preciso destruir tudo e, principalmente e antes de tudo, a propriedade e seu corolário inevitável: o Estado. Este é o segredo da revolução.


Não é preciso espantar-se se os jacobinos e os blanquistas que se tornaram socialistas antes por necessidade que por convicção, e para quem o socialismo é um meio, não o objetivo da Revolução. Pois eles querem a ditadura, quer dizer, a centralização do Estado e que o Estado os leve por necessidade lógica e inevitável à reconstituição da propriedade, é natural, dizemos nós, que não querendo fazer uma revolução radical contra as coisas, sonhem com uma revolução sanguinária contra os homens. Mas esta revolução sanguinária baseada na construção de um Estado revolucionário, fortemente centralizado, teria como resultado inevitável, como provaremos mais tarde, a ditadura militar com um novo senhor. Logo, o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas seria a morte da Revolução.


Somos inimigos naturais destes revolucionários, futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revolução, que, antes mesmo que os estados monárquicos, aristocráticos e burgueses atuais sejam destruídos, sonham com a criação de novos Estados revolucionários, tão centralizados e mais despóticos do que os Estados que existem hoje, que possuem uma vocação tão grande para ordem criada por uma autoridade qualquer e um horror tão grande pelo que lhes parece desordem e que nada mais é do que a franca e natural expressão da vida popular, que, antes mesmo que uma boa e saudável desordem se produza pela revolução, sonham já com o fim e o cerceamento pela ação de um autoridade qualquer que só terá o nome da revolução, mas que efetivamente nada mais será do que uma nova reação pois será uma outra condenação das massas populares, governadas por decretos, à obediência, à imobilidade, à morte, isto é, à escravidão e à exploração por uma nova aristocracia pouco revolucionária.


Compreendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que se chama hoje de más paixões e da destruição do que da mesma língua se chama “ordem pública”.


Não tememos, invocamos a anarquia, convencido de que esta anarquia, ou melhor, da manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a ordem nova, e a própria força da revolução contra a reação. Esta vida nova, a revolução popular, não tardará sem duvida a organizar-se, mas criará sua organização revolucionária de baixo para cima e da circunferência para o centro, conforme o princípio de liberdade, e não de cima para baixo nem do centro para a circunferência conforme a moda da autoridade, pois pouco importa se esta autoridade se chama Igreja, Monarquia, Estado Constitucional, República burguesa ou até mesmo Ditadura revolucionária. Detestamos e rejeitamos todos da mesma forma como fontes infalíveis de exploração e de despotismo.


A revolução tal como a entendemos deverá, desde o primeiro dia destruir radical e completamente o Estado. As conseqüências naturais desta destruição serão:

  • A bancarrota do Estado;

  • A cessação do pagamento das dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada devedor o direito de pagar as suas, se quiser;

  • A cessação dos pagamentos de qualquer imposto e do adiantamento de todas as contribuições, sejam diretas ou indiretas;

  • A dissolução do exército, da magistratura, da burocracia, da polícia e do clero;

  • A abolição da justiça oficial, a suspensão de tudo o que juridicamente se chamava direito, e o exercício desses direitos;

  • Por conseqüência, a abolição do auto-de-fé de todos os títulos de propriedade, formais de herança, de venda, de doação, de todos os processos, de toda a papelada jurídica e civil, em uma palavra. Em todo o lugar e em todas as coisas o fato revolucionário, em vez do direito criado e garantido pelo Estado;

  • O confisco de todos os capitais produtivos e instrumentos de trabalho em proveito da associação de trabalhadores que deverão produzi-los coletivamente;

  • O confisco de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como dos metais preciosos dos indivíduos em benefício da Aliança Federativa de todas as associações operárias, Aliança que constituirá a comuna. Em troca dos bens confiscados, a Comuna dará o estritamente necessário à todos os indivíduos que foram despojados, que poderão mais tarde, com seu próprio trabalho ganhar mais se puderem e se quiserem.


Para a organização da Comuna: a federação das barricadas permanentes e a função de um conselho revolucionário da Comuna pela delegação de uma ou duas pessoas de cada barricada, uma por rua ou por bairro, delegados investidos de mandatos imperativos, sempre responsáveis e sempre revogáveis. O Conselho comunal assim organizado poderá escolher, entre os seus, comitês executivos separados por cada ramo da administração revolucionária da Comuna.


Declaração da capital insurgida e organizada em Comuna que, depois de ter destruído o Estado autoritário e tutelar, o que ela tinha o direito de fazer porque era escrava como todas as outras localidades, renuncia a seu direito, ou melhor, a qualquer pretensão de governar, de impor-se às províncias.


Chamado a todas as províncias, comunas e associações, convidando a todos a seguirem o exemplo dado pela capital, de organizar-se primeiro revolucionariamente e, após, delegar, em um local convencionado de reunião, seus delegados, todos investidos de mandatos imperativos, responsáveis e revogáveis, para constituir a federação das associações, comunas e províncias insurgidas em nome dos mesmos princípios, e para organizar uma força revolucionária capaz de triunfar sobre a reação. Envio não de comissários revolucionários oficiais com faixas distintivas, mas de propagadores revolucionários em todas as províncias e comunas, sobretudo entre os camponeses que não poderão revoltar-se nem por princípios, nem pelos decretos de uma ditadura qualquer, mas somente pelo próprio fato revolucionário, quer dizer, pelas conseqüências que produzirá infalivelmente em todas as comunas a cessação completa da vida jurídica, oficial do Estado.


Abolição do Estado nacional ainda no sentido de todo o país estrangeiro, província, comuna, associação ou até indivíduos isolados, que se revoltaram em nome do mesmo princípio, sejam recebidos na federação revolucionária independente das fronteiras atuais dos Estados, embora pertencendo a sistemas políticos ou nacionais diferentes, e que as próprias províncias, comunas, associações, indivíduos que tomarem partido da reação estarão excluídos. É, pois pelo próprio fato da eclosão e da organização da revolução com vistas à defesa mútua dos países insurgidos que a universalidade da revolução, baseada na abolição das fronteiras e na ruína dos Estados, triunfará.


Não pode haver revolução política triunfante, a menos que a revolução política se transforme em revolução social, que a revolução nacional precisamente por seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado se transforme em revolução universal.


A revolução devendo fazer-se, em toda a parte, pelo povo, e a suprema direção devendo estar sempre no povo organizado em federação livre de associações agrícolas e industriais, organizando-se de baixo para cima por meio da delegação revolucionária abrangendo todos os países insurrectos em nome dos mesmos princípios independentemente das velhas fronteiras e das diferenças de nacionalidade, terá por objetivo a administração dos serviços públicos e não o governo dos povos. A aliança da revolução universal contra a aliança de todas as reações será a nova pátria.


Esta organização exclui qualquer idéia de ditadura e de poder dirigente tutelar. Mas, para o próprio estabelecimento desta aliança revolucionária, e para o triunfo da revolução contra a reação, é necessário que em meio à anarquia popular que constituirá a própria vida e toda a energia da revolução, a unidade de pensamento e de ação revolucionária encontre um órgão. Este órgão deve ser a Associação Secreta e Universal Irmandade Internacional.


Esta associação parte da convicção de que as revoluções nunca são feitas nem pelos indivíduos nem mesmo pelas sociedades secretas. Elas se fazem por si próprias, produzidas pela força das coisas, pelo movimento dos acontecimentos e dos fatos. Elas se preparam durante muito tempo na profundeza da consciência instintiva das massas populares, depois explodem, suscitadas aparentemente por causas fúteis. Tudo o que um sociedade organizada pode fazer é, primeiramente, ajudar o nascimento de uma revolução difundindo entre as massas idéias correspondentes aos instintos das massas de organizar, não o exército da revolução – o exército deve ser sempre o povo – mas uma espécie estado-maior revolucionário composto de indivíduos dedicados, enérgicos, inteligentes e, sobretudo, amigos sinceros, e não ambiciosos nem vaidosos, do povo, capaz de servir de intermediário entre a idéia revolucionária e os instintos populares.


O números destes indivíduos não deve, portanto, ser enorme. Para a organização internacional em toda a Europa, cem revolucionários forte e seriamente aliados, bastam. Duas ou três centenas de revolucionários bastarão para a organização do maior país.


Mickail Bakunin, outono de 1868

Este texto foi originalmente publicado por Biblioteca Virtual Revolucionária.


Temos que arder sim!

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Em apoio à resistência negra e às suas chamas nos Estados Unidos da América hoje, um poema do poeta e ativista pela libertação de Moçambique, José Craveirinha:

Temos que arder sim!

Grito negro

Eu sou carvão!

E tu arrancas-me brutalmente do chão

e fazes-me tua mina, patrão.

 

Eu sou carvão!

E tu acendes-me, patrão,

para te servir eternamente como força

motriz

mas eternamente não, patrão.

 

Eu sou carvão

e tenho que arder sim;

queimar tudo com a força da minha

combustão.

 

Eu sou carvão;

tenho que arder na exploração

arder até às cinzas da maldição

arder vivo como alcatrão, meu irmão,

até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão.

 

Tenho que arder

Queimar tudo com o fogo da minha

combustão.

 

Sim!

Eu serei o teu carvão, patrão.

José Craveirinha

(28 de Maio de 1922 – 6 de Fevereiro de 2003)

Quando o estandarte do sanatório geral vai passar?

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Por Gilson Moura Henrique Junior

A construção de um novo mundo é top 10 dos discursos de toda a esquerda e pós-esquerda (como alguns anarquistas se reivindicam). A questão é que o processo de transformação do mundo exige mais que discurso, exige postura, práxis, ação cotidiana.

Discursos radicais ou aparentemente radicais lançam perdigotos cotidianos nos rostos de interlocutores, disputando quem tem a maior quantidade de leitura possível pra bancar o argumento de autoridade mais poderoso sobre o outro. Enquanto isso o planeta, as mulheres, as pessoas trans, os negros, os índios, estes comem o pão que o diabo cuspiu depois de amassar, alienados que são dos sonhos de consumo revolucionários.

Neste processo lemos, vemos, ouvimos que o meio ambiente não faz parte da luta de classes, que os índios que se proletarizem para serem atores visíveis no processo revolucionário digno de nota pros meninos levados do processo revolucionário da emancipação do proletariado, que as mulheres precisam dosar sua independência para que não retirem dos homens o protagonismo produzido por Deus e bonito por natureza sobre todas as lutas.

Tudo isso porque a revolução é aguardada como um grande evento escatológico, um carnaval fora de época, e a população reagirá a ela, como quem e pega de surpresa por um processo onde é alheia, que só observa, ela, como muares absortos em um cotidiano que não pertence a nós, revolucionários iluminados.

Tá tudo muito bom e tudo muito bem, mas o que isso diz sobre os processos de transformação necessários para a emancipação da vida na terra e mesmo sua manutenção? Diz e grita eloquentemente que estamos fodidos.

Estamos fodidos porque os lutadores buscam revolucionar um mundo do qual evitam participar, dialogar, discutir e enfrentar. Preferem criar condições objetivas para que a população desperte, como que movida pela palavra mágica da ideologia de plantão e não pelo trabalho de base de convencimento cotidiano sobre a necessária libertação de todos nós.

“Revolucionários” que não se revolucionam, é isso o que a maior parte da esquerda é.

Sabe por que criam uma revolução como evento e esperam e duvidam como a população reagirá a ela? Por que querem ser reis de uma revolução sobre um povo imbecil que nada sabe. Nós, os intelectuais iluministas do milênio fodão é que sabemos tudo. Nós despertamos para “A Verdade” e vemos o futuro com clareza, coisa que o reles populacho jamais verá. E como o povo é burro e jamais verá, só a revolução caindo na cabeça deles é que perceberão o futuro, a verdade, a vida.

Sabe por que se índios não se proletarizarem e negros e mulheres não souberem seus lugares a revolução não virá? Sabe por que eles “dividem a luta”? Porque o sacrossanto saco escrotal da ideologia quer revolucionar até a página dois, porque revolução, no sentido crasso da palavra que mesmo sendo iluministas nem todos conhecem, é mudança demais.

Como um índio em sua silvícola sacação das paradas sabe mais que eu, sacrossanto moleque que leu meia página de um fragmento de texto de Lênin ou Bakunin enquanto tomava meu Toddynho? Jamé. Eu sei de tudo, eu que milito no sindicato pagando de über operário qualificado que li tudo e sei citar versículo a versículo de Malatesta, sei de tudo e mais um pouco, mesmo que ache a luta ambiental secundária porque meio ambiente é árvore e bicho, e a tal crise hídrica é invenção da burguesia.

Enquanto isso marxistas e anarquistas de galinheiro esperam a revolução chegar, e enquanto eles esperam o capital avança sobre corpos, mentes, peles, pretas, amarelas, brancas e vermelhas, a crise climática, ecológica, hídrica, etc, ataca de frente a população mundial, extingue a população animal e vegetal e aponta pro cadafalso do fim da existência de vida como a conhecemos na face da Terra.

Mas tá tudo bem, a revolução como evento escatológico e teleológico virá, impávida que nem Muhamad Ali! Vira que eles viram!

Enquanto isso tentar discutir com seriedade e sem uma tipo de concurso de tamanho peniano teórico sobre como mudar o quadro ecológico, político, étnico, de gênero e transgênero, de respeito à orientações sexuais e de processo civilizatório, se transforma num trabalho extremamente árduo, e um trabalho onde a quantidade de inimigos de classe vive também na aldeia gaulesa que se busca independente e que quer superar o império romano.

Enquanto se espera que o estandarte do sanatório geral passe, se discute muito, se tergiversa muito, mas se faz pouco pra construir um processo revolucionário ecológico, feminista, trans feminista, antirracista e classista, palavra essa que deveria conter tudo o anteriormente citado sem precisar de legenda.

A questão é que a revolução pode não vir.

Odeio dar más notícias, mas a crise ecológica não só já veio como aponta um limite pra ficarmos esquecendo todas as derrubadas de hierarquia necessárias para que a revolução ocorra. É um limite de tempo e um limite de tempo que não nos dá muito mais que setenta anos pra que a vida na terra não seja muito diferente da da lagosta prestes a ser comida.

A crise ecológica é parte da luta de classes, quem não vê, não vê por que não quer. A questão racial, de gênero, transgênero, de respeito e relação com outras culturas, também. Quem não vê, não vê porque não quer, e é parte do problema e não da solução.

Quando o estandarte do sanatório geral vai passar? Está passando, e somos nós.