[CHILE] Por que, Como Anarquistas, Apoiamos A Luta Autônoma do Povo Mapuche

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O conflito entre o Estado chileno e o Povo Mapuche nasce com a própria formação e imposição do Estado. E se agudiza com o estabelecimento de assentamentos fortemente militarizados no território do Povo Mapuche: o Wallmapu. Estes assentamentos trouxeram consigo a imposição da cultura ocidental através de sangue e fogo, exterminando os habitantes autóctones da zona.

Desde os anos 90 à atualidade, a luta do Povo Mapuche têm buscado diversas formas de combater o Estado e o capitalismo. A miséria, a fome, a injustiça e a desigualdade econômica nas zonas ao sul do Chile têm demonstrado que o inimigo não é só o Estado/nação, senão que também é o sistema capitalista no qual habitamos. São justamente, estes pontos os que iremos desenvolvendo ao longo deste texto, com o fim de responder a nossa inquietude: Como anarquistas apoiamos a luta do Povo Mapuche?

Nós afirmamos que sim, apoiamos esta luta. Em primeiro lugar, devido a que nossos inimigos são os mesmos. Na atualidade, várias comunidades mapuches têm identificado como seu principal inimigo o capitalismo e suas instituições, esclarecendo como suas lógicas levam o mundo ao colapso. Embora nós não possuímos a mesma cultura nem cosmovisão e temos certas apreensões com suas formas organizativas, compartilhamos a mesma necessidade de soberania e autodeterminação. Por isso que, nos identificamos com a busca do controle tanto de nossas vidas como de nossos territórios.

Para sermos mais claros, o Povo Mapuche tem notado, da mesma forma que o pensamento ácrata, a relação direta que tem para a implantação do capitalismo, o surgimento do Estado moderno. Não há que esquecer que a consolidação dos Estado/nação latino-americanos esteve nas mãos de sangrentas guerras contra os territórios indígenas que conseguiram manter autonomia no período colonial, como por exemplo o Wallmapu.

A estratégia mapuche tem direta relação com a autodefesa – ou resistência -, uma luta por recuperar e defender suas terras, terras que pertenceram a seu povo ancestralmente. O ataque às empresas florestais na Araucanía tem que ver diretamente com o rechaço à exploração brutal da terra por parte do empresário. Esta exploração se consuma na introdução de espécies estranhas, como o Eucalipto e o Pinho¹ e o mono-cultivo após sua plantação, o qual traz consigo nefastas consequências para o ecossistema do Wallmapu. Por sua vez, o Estado chileno subvenciona as empresas florestais pela plantação destas árvores, confundindo a restauração de bosque nativo com a exploração da terra². Em efeito, a indústria florestal é uma das indústrias mais importantes dentro da zona, no entanto, é uma das mais daninhas no Wallmapu. Por trás disto se encontram as causas da marginalização e pobreza do povo mapuche, que por culpa destas empresas se viram deslocados de suas terras ancestrais e obrigados a situarem-se em outros setores menos produtivos.

Por outro lado, o lugar que toma o Estado dentro deste conflito, tem diretamente que ver com sua própria natureza. O Estado busca o controle e a administração de nossas vidas, para proporcionar-nos uma “liberdade” de submissão e obediência³, estabelecendo um marco jurídico-legal que delimita um território no qual reclama ter o monopólio da violência. Ou seja, qualquer indivíduo, coletivo e/ou comunidade que resista a sua ordem se transforma em um/a inimigx e o Estado buscará anulá-lo por meio de repressão e sua legalidade irracional. O Povo Mapuche se tem dado conta que o capitalismo – e seu Estado-nação – impõe um sistema que os marginaliza e impõe as lógicas mercantis, rompendo com suas tradições ancestrais – e o que é mais grave ainda, sua própria autonomia.

Enfim, nós como anarquistas, apoiamos a luta do Povo Mapuche, porque nossos inimigos são os mesmos. E aí estaremos, sempre que nos necessitem: com nossa presença, com a difusão de propagandas e comunicados e com tudo o que seja necessário para prejudicar a nossos inimigos e resistir a seus ataques. Por nossa liberdade e autonomia. Como companheirxs, não como guias nem especialistas. As receitas não as temos. Apostamos que a solidariedade é necessária para a luta contra a totalidade que é o capitalismo mundial. A diversidade de lutas em convergência é uma força inesgotável, que não poderão parar. Os processos já foram iniciados e é responsabilidade nossa fazer desta, nossa história.

Nossa convergência e união é: nossa resistência e nosso ataque.

Colectivo La Peste

lapeste.org

Notas:

[1] Estas árvores requerem um grande consumo de água, secando rios. Por sua vez, que o monocultivo e o uso indiscriminado do solo (sem dar-lhe descanso) gera erosão e contaminação da água, tornando improdutiva a terra para tarefas agrícolas.

[2] “O Decreto de Lei 701 estabeleceu um subsídio de 75% do investido em plantações florestais, abriram-se créditos especiais e isenções tributárias (liberação de impostos), grande quantidade de solo passou a ser decretado de uso preferencialmente florestal, vendo-se seus donos obrigados a plantar e reflorestar, mais ainda se estabeleceu sanção a quem investir estes dinheiros em agricultura ou pecuária. A atividade florestal passou a ser considerada uma atividade social muito lucrativa.” Em: http://www.resumen.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=5805:ley-de-fomento-forestal-ano-decisivo-para-la-agricultura-chilena&catid=16:ecologia&Itemid=60

[3] Weber indica que o Estado é uma relação de dominação de homens sobre homens por meio de uma violência legitimada socialmente. O político e o científico. Alianza Editorial, 2003. p. 84

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Na noite sem lua
o mar todo negro
se oferece em espuma

Eugénia Tabosa

Pontes entre O Anarquismo e O Confederalismo Democrático

daf

Fonte: Kurdish Question, em 19 de Fevereiro de 2015
Tradução do Coletivo Anarquia ou Barbárie

Texto original por Bruno Lima Rocha

Introdução: discutindo o modelo de partido e sua missão   

Desde o início do cerco a Kobane pelo Daesh (ISIS), a esquerda curda, e, especificamente, o modelo de organização social em Rojava tem sido estudado e seguido por várias organizações, ativistas, redes e estudiosos comprometidos. Decidi colaborar com KurdishQuestion.com para produzir uma série de artigos curtos para expor (e provar) as semelhanças entre a tradição ocidental (e não ocidental também) anarquista e o Confederalismo democrático. Enquanto uma das minhas áreas centrais de estudo é a teoria política (e teoria política radical), decidi ajudar na elaboração dos paralelos entre os dois caminhos e familiarizando-os um ao outro. Espero que isso ajude e todas as críticas são bem vindas. 

Apresentação

O modelo de partido anarquista apresentado nesta série não é uma inovação em si mesmo para a teoria política e teoria política radical, e nem mesmo para a tradição de esquerda. Se os estudos sobre o tema são bastante desconhecidos (ou parecem ser novos ou inexistente), se este formato de organização política não se tornou um objeto de estudo (ou reconhecido como o modelo de partido para a auto-gestão e de democracia direta), isto ocorre devido à correlação de forças dentro do mainstream acadêmico, às derrotas sofridas pelos anarquistas classistas desde 1939 e também por causa da ausência de debates no seio da comunidade de esquerda, o espectro acadêmico e da mídia mainstream. Este modelo aproxima os militantes dentro de uma organização política especifica que adere a um corpo ideológico-doutrinário (também conhecido como partido de quadros). Porque não é uma proposta de massa, que tem o formato de ter a associação composta por quadros políticos, sem filiação aberta e cujo grau de compromisso aumenta à medida que eles entram mais para os círculos concêntricos (ver Bakunin). Tal modalidade adquiriu definições na história, tais como: organicismo, plataformismo, especifismo; todos estes são sinônimo da definição do partido anarquista (federação específica).

Introdução ao Papel do Partido

O modelo da matriz de esquerda libertária e a perspectiva apresentada nesta série, representa uma possível aplicação de um campo de intenções, motivações normativas e interesses estratégicos na América Latina em geral, e no Brasil, em particular. Mas, presumimos, que, desde que nos conhecermos melhor, as possibilidades de desenvolvimento político será reforçada a partir da experiência real na região oeste do Curdistão e o debate interno sobre o pensamento no contexto do PKK. É muito interessante entender que a missão desse partido não é ser parte de um poder institucional do Estado-Nação, mas ajudar na construção de uma sociedade baseada em legítimos direitos (individuais e coletivos), a auto-gestão, e da democracia direta e radical, e o mais longe possível do industrialismo e de uma economia centrada no mercado. A hipótese formulada dentro da perspectiva de uma verdadeira democracia social é a ação da minoria política como uma unidade para acumulação de força e radicalização democrática a longo prazo. Se nós compararmos este simples pressuposto e definição, podemos observar muitas semelhanças entre essa perspectiva e um escrito do companheiro Abdullah Ocallan em 2011:

“Enquanto isso, os Estados-nação se tornaram sérios obstáculos para qualquer desenvolvimento social. Confederalismo Democrático é o paradigma contrastante das pessoas oprimidas. Confederalismo Democrática é um paradigma social não-estatal. Ele não é controlado por um Estado. ” (Do website PKK em Inglês)

É óbvio que ninguém deve criticar este modelo de partido para não competir por posições institucionais dentro de um modelo de Estado-nação, quando sua missão está longe disso. Parto do princípio que determinadas condições prévias estão sempre presentes. Todo “modelo de partido” inclui em sua formatação de condições e regras pelo qual este partido/organização política vai seguir e o caminho que esta instituição (legal ou ilegal) está disposta a tomar de acordo com seus objetivos de médio e longo prazo. A fim de ser teoricamente coerente, é necessário apresentar modelos que podem ser testados, mas, acima de tudo, modelos que possam ser aplicáveis de acordo com as hipóteses sugeridas.

Eu discuto a organização política militante específica que adere a um corpo ideológico e doutrinário. Por outro lado, porque não é uma organização de massas que se estrutura dentro de quadros, sem filiação aberta e cujo nível de comprometimento ocorre dentro de círculos concêntricos, aumentando o nível de compromisso de acordo com o poder de votar e ser votado para os papéis principais atribuídos na estrutura interna. Essa concepção não pode ser mal compreendida ou interpretada equivocadamente. Ou, ninguém deve entender isso como uma espécie de “partido único de boas intenções”, mas como uma concepção estratégica que garanta que os quadros e estruturas partidárias serão colocados a serviço e dever de ajudar a construir novas instituições políticas com base em uma sociedade horizontal e igualitária. O fracasso do modelo de partido na URSS ou outras variações com base na liderança autoritária, centrada no Estado e no industrialismo provam que todo o pensamento de esquerda deve fazer uma grande autocrítica e reconhecer que as condições materiais devem amadurecer juntamente com as condições morais, ecológicas e fraternais. Apenas uma estrutura partidária dedicada a esta causa pode manter uma luta de longo prazo, alimentando projetos sociais, como o fez nas lutas de massa sindicais da América Latina no início do século 20, e como é hoje em dia com a União das Comunidades do Curdistão ( KCK) ou TeV-DEM especificamente em Rojava.

Denominações desta tradição dentro do anarquismo

Vou terminar este primeiro artigo curto lembrando a definição do modelo de partido anarquista. Apesar de não ser exclusivo, este tipo de organização é geralmente considerado como típico da ideologia anarquista: um modelo federal e não-massivo. Ao menos que ele não seja um modelo de partido de vanguarda como os partidos leninistas clássicos, os quadros do partido devem ser aqueles que reforçam a luta de massas e que serão tomadas por todas as comunidades, permitindo que elas tomem o seu próprio destino por e através de assembleias populares. Esta filiação partidária ocorre por meio de círculos concêntricos e com a preparação de militantes que possuem várias funções. Este tipo de modelo adquiriu definições ao longo de sua história, e todos eles também podem ser identificados com a definição do modelo de partido anarquista. Este modelo adquiriu definições específicas ao longo de sua história, como organicismo, plataformismo, especifismo.

Fui muito feliz em descobrir que estas duas tradições aparentemente distantes estão realmente tão próximas umas das outras. Essa proximidade pode ser facilmente detectada em uma simples leitura dos documentos, tanto do PKK quanto destas tradições anarquistas. A tradição e as experiências no Curdistão lideradas pelo PKK podem alimentar as tradições anarquistas de todo o mundo e vice-versa. Esta perspectiva é animadora e é a principal motivação por trás da razão para esta série de artigos curtos.

Bruno Lima Rocha é Doutor e Mestre em Ciência Política e professor de Estudos e Geopolítica Internacional em 3 universidades no Sul do Brasil.

site: www.estrategiaeanalise.com.br
e-mail: strategicanalysis@riseup.net
facebook: blimarocha@gmail.com

O ir e vir, a esquerda, os partidos, o governo, Kobane e a Grécia

fonte: coletivo Krisis: http://3.bp.blogspot.com/-DNZ08pG_syg/T2v3OSuWhPI/AAAAAAAAAWw/nvZmhNZixNc/s1600/CIMG0333.JPG

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por Gilson Moura Henrique Junior

Em pleno janeiro de 2015 e temos um cadinho de movimentação política pela esquerda mundial que causa terremotos interpretativos nas mentes socialistas e anarquistas, especialmente depois da comoção brasileira em torno da “Dilmãe de coração valente” que atingiu até a dita esquerda radical partidária e até anarquistas nas eleições de 2014.

Logo neste início de ano temos o burburinho das manifestações contra a tarifa, que se movimentam para também se tornarem protestos contra todas as tarifas e não só as de transporte, e o eco feliz da esquerda partidária à vitória do Syriza na Grécia.

Além disso, há o escândalo socialista e anarquista diante do governo da “Dilmãe” que se apresenta um governo muito mais parecido com o que seria o de Aécio Satã do que com a propaganda que petistas e abestados seguidores “responsáveis” da súbita transformação do governo pragmático de Dilma num governo “de esquerda” gostariam de admitir.

Aliás, salta aos olhos a desilusão de uma esquerda madura o suficiente pra tomar decisões “responsáveis” com um governo que guina à direita, cada vez mais, desde 2002, em um segundo turno de 2014, como se morasse em Marte e não tivesse noção da perseguição que o governo federal moveu contra anarquistas e autonomistas junto a governos estaduais como os do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo; como se não soubesse dos ataques a indígenas e quilombolas e como se os recuos na demarcação de terras,etc fossem ilusões; como se fossem lenda a franca postura homofóbica do governo incluindo omissões que permitiram Feliciano na comissão de DH da Câmara federal e os recuos nas políticas de Gênero e como se as indicações de abraço neoliberal na política econômica não fossem dadas desde 2013.

Essa esquerda talvez tenha sofrido um surto súbito de Alzheimer temporário ou sucumbiu à lógica oportunista eleitoral imediata e mal tentou fingir que não. Diante da dúvida entre a responsabilidade concreta com movimentos e mudanças e o medo de desagradar eleitores escolheu a segunda opção, abraçou Dilmãe e agora faz a egípcia com o resultado das opções.

Agora em janeiro de 2015 essa mesma esquerda “responsável”, além de se chocar com um governo Dilmãe que nomeia Katia Abreu ministra da Agricultura e o negacionista Aldo Rebelo para ministro da ciência e tecnologia, se põe calada diante da covardia de suas figuras públicas no apoio aos 23 presos políticos perseguidos pelo estado do Rio de Janeiro, se omite diante das manifestações contra aumento das passagens e tarifas em geral, ignora a crise hídrica como parte da crise ecológica e climática que jamais confrontou concretamente em seus programas e ainda tem o disparate de dizer que quer ser o PODEMOS brasileiro.

Não sei como se quer ser um movimento que buscou ser horizontal e discutir amplamente desde o cancelamento da dívida pública à mobilidade urbana, ecossocialismo, fim do uso dos combustíveis fósseis,etc de forma aberta sem que se consiga sequer discutir mobilidade de forma franca, ser solidário com perseguidos políticos além do Rafael Braga ou ao menos tentar dialogar com o movimento contra mudanças climáticas. Talvez se esteja dizendo que será o PODEMOS brasileiro no que tange aos defeitos do PODEMOS, e aí concordo, já que está até à frente do PODEMOS na cooptação pelo estado.

No Rio essa esquerda que quer ser PODEMOS foi brilhantemente ativa na negação de prestar solidariedade aos 23 presos políticos julgados pelo estado por supostamente estarem organizando ataques no dia da final da copa, presos que inclusive foram indiciados junto com Bakunin (sim o anarquista russo morto em 1876 em Berna na Suíça), em uma manifestação contra o aumento das passagens que desde o inicio indicava que iria até o Tribunal de Justiça prestar solidariedade, mas cuja “responsabilidade” da esquerda a fez negar o trajeto e optar por ficar ao redor da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia, local que frequenta alegre com seus mandatos e que talvez seja uma espécie de centro nervoso de sua existência e que por isso não pode se afastar muito deste totem geográfico.

Em SP a esquerda que quer ser PODEMOS faz uma atuação comovente em ser secundária diante do MPL e parece participar dos atos apenas como coadjuvante envergonhado que precisa ir para não parecer negar aquele movimento e necessidade dele.

Enquanto isso, a esquerda que quer ser PODEMOS prega com voracidade a reforma política, uma reforma política que tem de passar pelo congresso, uma reforma política que precisa estar vinculada à institucionalidade, uma reforma política que quer fazer uma mudança no estado por dentro do estado e que mobiliza ou tenta mobilizar os movimentos sociais para sustentarem essa lógica surreal em pleno auge da crise hídrica.

Ou seja, enquanto a crise ecológica atinge o auge de seus efeitos visíveis nas principais cidades do país, enquanto os governos cagam solenemente pra necessidade dos mais pobres e aumentam as tarifas de transporte; enquanto o governo federal que recebeu apoio “responsável” desta esquerda que quer ser PODEMOS ataca direitos trabalhistas e retira acesso a seguro desemprego e seguro-defeso; enquanto os governos, todos, em plena crise hídrica mentem pra população e a sacrificam com racionamento assumido ou não e permitem que indústria, agronegócio, termelétricas e mineração continuem desperdiçando água e usando-a de forma predatória, a esquerda que quer ser PODEMOS faz movimentinho para uma reforma política que deve passar pelo congresso mais conservador de todos os tempos e sequer, repito, SEQUER, se posiciona a partir de seus mandatos, setoriais,etc para uma política CON-CRE-TA de ataque às mudanças climáticas, uso de combustíveis fósseis,etc, nenhuma defesa concreta de mudanças na mobilidade urbana, nenhum debate, nada, apenas o velho e modorrento movimento para fortalecimento de figuras públicas.

Enquanto isso a esquerda que quer ser PODEMOS louva a vitória do Syriza na Grécia, e sonha em fazer igual aqui. Talvez por usarem táticas semelhantes ao que o Syriza fez com Tsipras e o PODEMOS faz com Iglesias, movimentos de reforço e anabolização de figuras públicas com objetivos eleitorais que eclipsam o surgimento de organizações mais horizontais, democráticas e anti hierárquicas, essa esquerda que quer ser PODEMOS vê no Syriza o surgimento de uma terra sem males na Grécia e em breve em toda a Europa.

Se a vitória do Syriza é um alento no sentido de interromper a sanha da Troika e o avanço das políticas de austeridade, impondo um novo programa para a Grécia e a Europa, atrapalhando o avanço da extrema-direita, ela também é um sinal de problemas quando a esquerda auto-proclamada radical já desde cedo sacrifica parte de seu programa, como a defesa do casamento civil igualitário, para permitir coalizões com partidos de direita que a permitam governar.

A coalização com os gregos independentes inclusive traz em seu bojo a entrega do ministério da defesa a um xenófobo homofóbico e racista que já adianta que trará políticas anti imigração e já ressuscita questões de soberania que cria litígios com a Turquia. Tudo isso é preocupante demais e soa mais preocupante quando parte da esquerda mundial opta por ignorar essas manobras para atacar o KKE, partido stalinista grego que anunciou por motivos que vão de sectários a lógicos que não se aliaria ao Syriza, enquanto faz a egípcia com movimentos do próprio Syriza.

Se o KKE é sectário, e é, o Syriza manifesta preocupantes movimentos de adequação à lógica do capitalismo promovendo menos uma guinada radical anti austeridade e mais um movimento de renegociação agressiva da dívida pública sem romper com o euro, a zona do euro e a lógica econômica do Banco Central Europeu.

Se o Syriza tensiona o mercado ao negociar com os credores sem passar pelo BCE e FMI, ele deveria tensionar a esquerda pela indicação de pouco rompimento e muita adequação à lógica do estado, promovendo uma ação deveras similar à assimilação que a social-democracia europeia fez nos anos 1950, só que pintada com tintas radicais.

A esquerda deveria ser mais crítica com o Syriza, mesmo considerando o simbólico de sua vitória, para evitar danos graves no futuro a partir de sua assimilação pelo estado e capital. Se o Syriza na Grécia, em uma situação de concreta força política para implementação de medidas radicais de transformação do estado através de plataformas reformistas radicais, já dá pinta de assimilação, isso simboliza uma paulada na cabeça de qualquer sonho de reforma radical na Europa e no mundo. E ao silenciar sobre isso a esquerda que quer ser PODEMOS é cúmplice de uma tática que já vimos no Brasil a partir da eleição do PT.

Aliás, a similaridade entre PT e Syriza, no todo da história, deveria saltar aos olhos brasileiros e fazê-los ajudar observadores europeus a entenderem os limites das ações deste no cenário político europeu.

O Syriza assim como o PT não é um partido nos moldes clássicos europeus, é uma força política complexa, mais similar a uma frente de correntes e vertentes da política partidária de esquerda e que contempla setores mais ou menos pragmáticos que se entendem socialistas e que vão além de elementos marxistas-leninistas. Ambos os partidos rompem com a social-democracia clássica e também com os PCs e ambos os partidos contemplam reformismos diversos, de tonalidades diversas, mais ou menos pragmáticos, mais ou menos marxistas, mais ou menos libertários. Ambos os partidos promoveram mudanças radicias no quadro político da esquerda local e mundial, apresentam lideranças carismáticas e programas radicais de reforma do estado com foco na eliminação da pobreza.

O Syriza chega no poder, no entanto, em uma situação mais parecida com o PT na eleição de 1989, com um quadro econômico parecido com a chegada do PT ao poder em 2002. O quadro do Syriza é, portanto, um quadro que lhe permite mais autonomia e legitimidade nas decisões, possui quadros e políticas mais radicais em um cenário de terra arrasada parecido com o brasileiro em 2002.

A questão é que mesmo com mais força política que a obtida por qualquer partido da esquerda mundial nos últimos trinta anos, o Syriza faz movimentos confusos, contraditórios e que não nos deixam exatamente alheios à sua similaridade com a história de assimilação ao estado e ao capitalismo que faz quase parte do DNA político da esquerda partidária.

E isso nos leva às contradições inerentes entre PODEMOS, Syriza, PSOL e suas “responsabilidades” diante dos cenários políticos dos quais fazem parte e a enigmática parte de um DNA organizado em partidos que centralizam, hierarquizam, diferenciam-se das ruas em nome da conquista do estado para supostamente através dele promover reformas que ajudem na revolução e que paulatinamente acaba fazendo parte deste estado, parte daquele aparato que deveria combater e agora ajuda a sustentar.

Sacaram a contradição?

O PODEMOS ao focar no Iglesias, e o Syriza ao focar no Tsipras, já amplificam a lógica hierárquica, criando a figura de uma liderança centralizadora que recebe a energia de milhares de partidários, o foco da esperança,etc, com o fim de ser ungido como capitão das massas em processos eleitorais.

A questão piora quando a partir dos processos eleitorais feitos para que a burguesia seja sempre eleita, construído com regras da burguesia, organizado para a vitória do capital, se busca organizar um processo de mudanças políticas estruturais, de transformação do estado. Pior mais ainda quando estas forças se afastam da construção de processos de mudança cotidiana por fora da institucionalidade.

E isso se repete no PSOL ao se elegerem figuras públicas que absorvem a força militante em sua defesa, como Marcelo Freixo e Luciana Genro, sem a força construída nas ruas pelo Syriza e PODEMOS. E por isso talvez vemos no Brasil o distanciamento destes elementos das movimentações das ruas, dos movimentos independentes como o MPL, de organizações como FIP, de coletivos anarquistas e um afastamento que grita alto na rua para tentar se desvincular de pessoas presas por se colocarem como lideranças alternativas aos partidos na construção de lutas cotidianas.

Em plena crise hídrica, em plena contestação da taxação do direito de ir e vir e temos distanciamento dos partidos das luta cotidianas, desvinculação dos partidos das lutas das periferias, omissão na defesa e solidariedade com lutadores presos e nenhum partido brasileiro fortalecendo lutas que juntam milhares e podem juntar milhões na defesa do básico, do direito de ter água e de não pagar passagem para ir e vir.

A lógica parece de disputa por espaço, como se a eleição dependesse do enfraquecimento de movimentos independentes que fujam ao controle dos partidos.

Enquanto se luta contra as tarifas, os partidos fazem campanha para Presidência da Câmara, elogiam o Syriza de forma acrítica, querem ser PODEMOS, faltam ao depoimento que poderia ajudar presos políticos que estão sendo presos de forma absolutamente autoritária e ainda querem ser representantes da mudança nas próximas eleições.

E é sintomático que, em todo este período, a Grécia e a Europa tenham sido o foco central dos partidos, invejando o PODEMOS e seus milhões nas ruas, invejando Tsipras sendo eleito, mas silenciando tanto pra o debate sobre tarifa zero, um debate concreto que abranja toda a sociedade e que mire em políticas públicas concretas, quanto para um movimento revolucionário em curso em Rojava, no Curdistão Sírio e que recentemente ganhou atenção só após a libertação de Kobane do assédio do Estado Islâmico.

Mesmo com fome de ocupar o estado, pouco se discute nos partidos sobre políticas concretas a respeito de mobilidade urbana, de uso de combustíveis fósseis, sobre a gestão de recursos hídricos, sobre a economia a partir do decrescimento e sobre a própria gestão do estado, discutindo democracia direta concreta e não um referendismo mal formulado e que não propõe nenhuma democracia direta concreta.

Diante de um quadro mundial que pouco oferece ventos de mudança fora da institucionalidade, a esquerda partidária despreza fortemente tudo o que envolve a experiência curda de confederalismo libertário, com construção de conselhos feministas, de jovens, administração comunal da economia,etc. E isso em um quadro geopolítico ímpar que é o oriente médio.

Estes elementos são sinais fortes que medem a vontade partidária de construir concretamente mudança para além do estado, de sair do estado, de mudar o estado e não de apenas subir no trono do estado para reformas leves que não alterem a dinâmica das relações humanas e a dinâmica hierárquica da própria constituição partidária.

A ausência de discussão veemente sobre mudanças na estrutura de poder e gerência do estado e fora dele são sintomas de uma negativa de tentar construir um mundo pós-estado, ou seja, a negativa de discutir a construção de poder exercido pela sociedade é um sintoma que a defesa do comunismo e de uma sociedade socialista e pós-socialista vai até a página dois, dado que se a manutenção da institucionalidade sem questionamento da hierarquização dela e da presença do estado é a norma, que sociedade livre é essa que se constrói mantendo o estado, e não a sociedade, no controle das necessidades da vida cotidiana?

Essa negativa de debater sobre democracia direta concreta é parte do problema que coloca a esquerda partidária como produtivista e que pensa o estado na gerência da economia, dá pouca abertura pra uma discussão sobre crescimento econômico, alimentação, descentralização energética,etc e que por isso é avessa ao debate ecológico. Essa esquerda, por isso, jamais entende o que rola no Curdistão Livre.

Rojava pra essa esquerda é um reino encantado.

Em um cenário de avanço da extrema-direita mundial e no Brasil a esquerda partidária assume apenas parte da responsabilidade na construção do contraponto e nega-se a qualquer diálogo que fuja da relação pela institucionalidade.

E diante da omissão diante dos 23 presos podemos até ir além e achar que a esquerda partidária não só se nega a pensar pra fora do estado como se nega sequer a pensar pra fora de qualquer coisa que cause risco leve em suas eleições.

Por isso o mais avançado partido da esquerda mundial, o Syriza, não teve escrúpulos em mandar às favas os escrúpulos de consciência e rifar direitos LGBT, em por em risco a vida de imigrantes, em nome do que considera maior e prioritário: o combate à Troika.

Por isso o partido que se proclama PODEMOS do Brasil se nega a qualquer solidariedade com quem é perseguido político do estado, evitando assim correr risco na eleição de sua maior figura pública para prefeito do Rio: Marcelo Freixo.

Da mesma forma que o PODEMOS na Espanha se nega a ser solidário com os anarquistas presos pela operação Pandora, o PSOL no Rio tem coisas mais importantes do que manifestar solidariedade com autonomistas presos de forma absolutamente canalha.

E a nave da cooptação, da assimilação pelo estado, vai, segue adiante enquanto anarquistas são presos no Chile, no Brasil, na Espanha e enquanto a esquerda partidária se anima com a conquista do governo por um co-irmão, fazendo aquecer corações carentes de postos administrativos no estado pularem de felicidade mundo afora.

E a água acaba, e o clima pira, mas tá tudo bem, o Syriza chegou ao poder.

(UMA VISÃO ANARQUISTA) COMO ORGANIZAR OS ORGANISMOS DE TRANSPORTE NA REVOLUÇÃO SOCIAL

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Fonte: Coletivo Libertário Évora

Para ler o documento clique aqui

Os sistemas de transporte são essenciais em qualquer sociedade e, muitas vezes, discute-se qual deverá ser o estatuto dessas empresas, dada a sua enorme função social. Há quem defenda a sua nacionalização e estatização, uma vez que são essenciais para a organização social. Este debate tem vindo ultimamente, também, a acontecer em Portugal devido à ameaça da privatização da TAP. Ainda há dias um grupo de libertários divulgou um comunicado em que se refere que os anarquistas não consideram que a privatização seja uma solução, mas também criticam a gestão estatal, entregue aos partidos políticos e à sua casta de boys e girls. Defendemos, por isso, a socialização – e não a estatização – deste tipo de grandes empresas”.

Há cerca de oito décadas já esta questão se colocava aos anarquistas e anarco-sindicalistas de então. Na altura as grandes empresas de transportes cingiam-se ao caminho de ferro e às ligações marítimas, uma vez que a aviação comercial ainda estava nos seus primórdios. No entanto, a questão colocava-se do mesmo modo (ainda, talvez, sem a complexidade actual, em que se movimentam mercadoria e pessoas ininterruptamente de todos os pontos do mundo) que hoje se coloca: que alternativa ao Estado e aos privados? Mário Castelhano, ferroviário e coordenador da CGT (que posteriormente viria a morrer no Tarrafal) escreveu um pequeno opúsculo sobre este tema intitulado: “Os organismos de Transporte na Revolução Social”, que aborda estas questões sempre no prisma da revolução social libertadora e libertária e cuja leitura (saliente-se o fervor transformador e revolucionário deste texto) ainda hoje dá resposta a várias questões sobre a organização social numa futura sociedade liberta dos grilhões do capitalismo (de Estado incluído).

Ler:  http://issuu.com/a.directa/docs/os_organismos_de_transporte_na_revo/1

 

Vídeo: Isto é Atenas

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“Este vídeo mostra a visão pessoal do autor em sua visita a Atenas, Grécia. A intenção inicial era realizar uma reportagem sobre as assembleias nos bairros anarquistas. Esta tarefa foi mais complicada do que o realizador esperava, já que poucas pessoas nas assembleias de bairro aceitaram ser filmados ou fotografadas, com receio de represálias da polícia, de seus empregadores ou dos grupos fascistas. O documentário retrata também o problema dos imigrantes e das pessoas que se solidarizam com eles ao enfrentar o auge dos movimentos neo nazis como o “Aurora Dourada”, assim como o papel da polícia em oprimir as lutas sociais. Este vídeo é apenas um pequeno fragmento da complexa situação de um país em um estado de “guerra civil” e de como os anarquistas reagem a isto.” (Descrição do vídeo no youtube, postado por bibliotecaterralivre )

Produzido por Submedia.tv
http://www.submedia.tv/stimulator/201…

(Chile) Propaganda pela solidariedade internacional anti-autoritária com os compas presos na Espanha.

HH

Fonte: ContraInformate

SOLIDARIEDADE REBELDE COM OS ANARQUISTAS PRESOS NA ESPANHA

NENHUMA AGRESSÃO SEM RESPOSTA!!!

Frente à nova operação repressiva que no dia 16 de dezembro deixou uma dezena de espaços anarquistas invadidos pela polícia e 7 companheiros anarquistas prisioneiros no Estado espanhol acusados de terrorismo, nossa resposta não pode ser outra que não a multiforme solidariedade anárquica internacional em ofensiva permanente contra todas as formas do domínio.

Que nossos companheiros sintam o calor da solidariedade e nosso inimigo arda no fogo da luta anti-autoritária pela liberdade.

NEM CULPADOS NEM INOCENTES, SIMPLESMENTE INIMIGOS DO PODER E DE TODA AUTORIDADE!

MÓNICA CABALLERO, FRANCISCO SOLAR, GABRIEL POMBO DA SILVA E TODOS OS COMPANHEIROS PRESOS NA ESPANHA E NO MUNDO, VAMOS PRA RUA!!!!

Grécia – Manifestações Massivas de Solidariedade com o Anarquista Nikós Romanós, em Greve de Fome Há Mais de Três Semanas

Postado em 4 de Dezembro de 2014 no Portal Anarquista, Ex-Colectivo Libertário de Évora.
Fonte: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2014/12/04/grecia-manifestacoes-massivas-de-solidariedade-com-o-anarquista-nikos-romanos-em-greve-de-fome-ha-mais-de-3-semanas/

Milhares de pessoas encheram as ruas de Atenas na terça-feira à tarde (2 de dezembro) numa onda de protestos. Aproximadamente 10.000 pessoas participaram na manifestação de solidariedade com a luta do grevista de fome Nikos Romanós. Nikos está há 23 dias (hoje há 25 dias) em greve de fome, exigindo o seu direito de saída da prisão por razões educativas, conforme previsto na legislação relativa às permissões de saídas dos presos que são estudantes. Este direito é negado pelo regime Democrático, que não tem o menor escrúpulo em violar as suas próprias leis.

Em solidariedade com a sua luta estão em greve de fome três outros presos: Giannis Mijailidis há 15 dias, e André-Demetrio Burzukos e Demetrio Politis há dois dias. Em 28 de novembro, Heracles Kostaris, o outro preso-estudante a quem o Regime nega o direito de obter permissão de saída por razões educativas, terminou a sua greve de fome de 22 dias.

Esta foi uma das manifestações mais massivas de solidariedade na história do movimento contestatário no território do Estado grego. De acordo com as nossas estimativas e as de outros companheiros e mídias contrainformativos, o número de participantes na marcha oscilou entre 9.000 e 10.000. A faixa da cabeça da marcha dizia: “Grande força (alento) até à morte do Estado e do Capital”. A marcha esteve protegida em todo o percurso por grupos de manifestantes, a fim de evitar provocações por parte de policias uniformizados ou à paisana.

Os manifestantes reuniram-se na praça de Monastiraki, perto do bairro turístico de Atenas, onde várias faixa foram desfraldadas, entre elas uma que dizia: “A nossa revolta derrotará o medo”. A seguir os manifestantes marcharam até a praça principal de Sintagma (Constituição), onde está localizado o Parlamento, e depois para o Propileos da velha Universidade. Alguns manifestantes foram para a antiga Escola Politécnica, no bairro vizinho de Exarchia.

Quando a marcha entrou no bairro de Exarchia, dirigindo-se para a Escola Politécnica, eclodiram confrontos entre manifestantes e policiais. Estes grupos de manifestantes quebraram alguns multibancos, queimaram contentores de lixo e um conjunto de carros. Quase ao mesmo tempo foram erguidas barricadas e incendiados carros  e um autocarro fora do recinto da Escola Politécnica, onde haviam chegado vários dos manifestantes da marcha que ainda não tinha terminado.

De imediato começaram novos confrontos junto à Escola Politécnica. A Polícia não hesitou em atirar granadas para aturdir e gás lacrimogéneo no interior do recinto da Escola Politécnica, onde se refugiaram alguns dos manifestantes.

Manifestações de solidariedade com a luta de Nikos Romanós também foram realizadas nas cidades de Tessalônica, Patras, Canea, Heraclión, Rethimno, Agrinio, Mitilini, Esparta, Nauplia e Lixuri. Em todas as cidades as manifestações foram massivas, ainda que algumas delas se tenham realizado debaixo de chuva.

Adaptado daqui: http://verba-volant.info/pt/milhares-de-manifestantes-encheram-as-ruas-de-atenas-em-solidariedade-com-a-luta-do-grevista-de-fome-nikos-romanos

 

 

Rádios livres e a emergência de uma sensibilidade pós-mediática

3a

Por Franco Berardi

Fonte: Protopia


A comunicação independente que, nas últimas décadas, se manifesta nas rádios livres, o mediativismo, as tvs de rua, a subversão, etc .podem ser considerados como expressão e a prefiguração do que felix guatarri chavama “civilização pós mediática”. A independência da comunicação é um desafio frente (contra?) ao poder. Para compreender o sentido, é útil partir da noção guattariana de agenciamento coletivo e refletir sobre a diferença entre o conceito de automatismo e aquele de dispositivo técnico.

Nos anos 70 teve lugar um processo de comunicação independente que podemos considerar como antecipando aquilo que se tornou hábito chamar de mediativismo no movimento global que surgiu em Seattle. Nesse processo de comunicação independente havia qualquer coisa a mais que uma reivindicação democrática da comunicação: um princípio de auto-organização do trabalho cognitivo, a procura de linhas de fuga do sistema de poder mediático que se estavam já constituídas sob diversas formas, sejam públicas, sejam privadas nesse período de modernidade tardia.

Félix Guattari participou com entusiamo, que o caracterizava, desse movimento e com inteligência capaz de ultrapassar as contingências políticas do momento, e de prever a formação de uma sociedade pós-mediática. No texto “Milhões e milhões de Alices de potência”[1] de 77 como prefácio a Rádio Alice, Rádio Livre, Guattari escrevia:

«…a polícia liquidou Rádio Alice, (purchassés) condenou os programadores, seus locais foram pilhados, mas seu trabalho revolucionário de desterritorialização persiste (persegue?) (inlassablement) até as fibras nervosas de seus persecutores.»

Félix não fala da rádio alice como uma ferramenta de comunicação, mas como um dispositivo capaz de provocar ou acelerar um processo de desestruturação do sistema mediático, resultando desse movimento de reapropriação da palavra que se exprime nos anos 60 e 70, e não somente na Itália. Aquilo que interessava, sobretudo, era um começo de um processo de proliferação dos agentes de enunciação destinados a fazer explodir o modelo de mass-media. Uma empresa de desestruração do sistema nervoso do poder teria assim começado, e esse processo se seguiria desde então sob milhares de formas, abrindo vias (liberatrices), mas podendo assim conduzir à catástrofe e ao pânico.

Quando Félix morreu no começo dos anos 90, a febre da world wide web começava a expandir, e, nos anos seguintes, essa febre transformou o sistema de comunicação global com a introdução do princípio de tipo rizomático que recolocava em questão o modelo centralizador das medias. O que nos interessa hoje no movimento de rádios que começou nos anos 70, é a antecipação de uma tendência pós mediática que se vislumbra no horizonte. Uma socialidade na qual os fluxos de comunicação não são mais dirigidos do alto para um público passivo, mas funcionando como uma malha bem fechada de trocas rizomáticas entre emissores que se encontram sobre o mesmo plano.

Félix sempre se situou do ponto de vista da rede, mesmo quando a palavra não tinha o sentido que tem hoje para nós, mesmo quando a world wide web não existia.O conceito de rizoma antecipava a realidade tecno-nomádica da rede. “O caos democrático (recèle) uma multitude de vetores de ressingularização, de atratores de criatividade social em via de atualização” Podemos considerar a aparição das rádios livres como uma repetição geral da emergência desses vetores de ressingularização, desses atratores da criatividade social. A expressão “vetor de ressingularização” indica precisamente um efeito de des-mediação.

O meio (medium) é um instrumento capaz de potencializar uma faculdade humana, capaz de funcionar como extensão do corpo e de sua potência. Contudo, as massmedia modernas potencializaram a inteligência humana para obter o efeito paradoxal de despossuir inteligência, elas potencializaram a imaginação para (en tarir) a imaginação concreta. Elas submeteram a potência ao poder, e a exploração da potência mental pelo poder se manifesta hoje em uma demência de massa, por uma psicopatologia difusa, pela depressão, pânico.

As rádios permitem uma extensão universal da potência da voz, mas dentro de uma história concreta do século XX o meio radiofônico se tornou amplificação da voz do poder e tem ao mesmo tempo empobrecido, minimizado, aniquilado a voz da sociedade real. Basta pensar na maneira como a Alemanha nazista utilizou o rádio, fornecendo um aparelho receptor a cada cidadão para que a voz do ódio preenchesse as orelhas de cada um. E basta pensar como David Sarnoff, chefe da RCA, submeteu o meio radiofônico aos interesses das empresas.

Até aqui o problema que se coloca à prática de comunicação independente foi de descolar a riqueza das mídias tecnológicas do funcionamento social que sua subserviência ao poder tomou lugar. Mas uma tal (détricolage) é possível? Podemos pensar que o agenciamento maquínico constituído por um médium possa funcionar segundo uma finalidade e uma modalidade semióticas diferentes daquelas que foram incorporadas ao curso de sua história social?

É necessário refletir aqui sobre o conceito de dispositivo, para distinguir os dispositivos dos automatismos. As medias são dispositivos que tendem a modelar os agenciamentos comunicacionais e os efeitos sociais, imaginários e culturais que esses agenciamentos podem produzir. *”[A] mensagem de um medium ou de uma tecnologia se encontra na mutação das proporções e dos ritmos e dos esquemas que ele introduz nas relações humanas” *diz Mac Luhan. Nós devemos tomar em consideração não o conteúdo, mas o meio ele mesmo e a matriz cultural na qual ele age, assim como os efeitos psíquicos e sociais das medias?.

Há implicitamente nessa afirmação uma perspectiva determinista que apaga toda possibilidade de independência da comunicação. Mas um dispositivo não pode ser considerado como um automatismo. Os automatismos são de sequências técnicas estruturadas de maneira rígida segundo um modelo algorítmico do qual é impossível se distanciar, porque as implicações técnicas e semióticas não são senão um efeito historica e culturalmente possíveis, mas que não está inscrito na estrutura mesma do agenciamento técnico.

Sabemos que o uso e a função de uma tecnologia em geral, e de um meio de comunicação em particular, são ligados à estrutura do meio (medium). Mas trata-se de uma predisposição, não de um implicação automática. Graças a essa distinção entre dispositivo e automatismo que uma prática de comunicação independente se torna possível, enquanto ela seria impensável se os agenciamentos técno-mediáticos funcionassem inexoravelmente como automatismos. Politicamente, a comunicação independente se propõe justamente a utilizar de maneira ativa essas tecnologias (como rádio, tv, ou mesmo propaganda) cuja função estrutural é de induzir a passividade do usuário. Aquilo que chamamos media-ativismo, após alguns anos, nasce precisamente dessa intenção de liberar o meio dos efeitos de semiotização produzidos por sua utilização social. *A visée do mediativismo constitui um desafio ao determinismo*.

O mediativismo não propõe um uso alternativo das medias no sentido do conteúdo: trata-se antes de curta-circuitar o meio no nivel de sua estrutura, dentro de seu sistema de funcionamento linguístico, tecnológico, de se atacar aos agenciamentos, às interfaces, de reagenciar e de refinalizar o dispositivo, e não somente o conteúdo que ele produz. Mas essa (gagueure) não tem sentido se o meio (qualquer que seja, não somente rádio) pode ser considerado como um dispositivo. É impossível, ao contrário, se estima-se que o meio é um automatismo, uma sequência necessária em suas implicações técnicas, estruturais, linguísticas e funcionais.*

A maneira de operar o mediativismo pode ser considerada como uma primeira manifestação do processo de reagenciamento cognitivo. Com o mediativismo emerge a consciência da ductibilidade da relação entre uso da estrutura e funções de uma tecnologia de agenciamentos como tecnologia eletrônica. O info-trabalho tem a possibilidade de reagenciar os elementos constitutivos do processo de produção, enquanto o trabalho mecânico e industrial não o têm. Essa é a diferença fundamental entre as tecnologias industriais e as tecnologias digitais.

Se pensamos na cadeia de montagem da indústria mecânica, podemos ver bem que não há nenhuma possibilidade de reconfigurar esse agenciamento. Ele é produzido para submeter o tempo do operário ao ritmo da exploração. Não há nenhuma possibilidade de nele introduzir a mutação, podemos somente sabotá-lo,*le ralentir, l’endommager*, destruí-lo. Se pensamos ao contrário sobre o ciclo do trabalho digital, vemos que a questão é muito mais complexa e que cada sequência produtiva apresenta bifurcações, aberturas, possibilidades de finalização alternativa. O trabalho cognitivo é convocado dentro da sequência produtiva e pode intervir conscientemente, modificando a estrutura mesma do ciclo e reagenciando-a para finalidades independentes. O trabalho cognitivo tem a possibilidade de reagenciar, quer dizer, de modificar os agenciamentos tecno-semânticos do dispositivo e então refinalizá-los.

Se pensamos na enorme desproporção entre a força econômica que dispõe o poder e aquele que dispõe a sociedade, nós nos perguntamos: como podemos modificar o funcionamento de um meio, quebrar a dominação sobre a comunicação e criar agenciamentos autônomos?

Rádio Alice foi uma tentativa de responder a essa questão, assim como as experiências recentes dos militantes do mediativismo subversivo. E a resposta vai nessa direção: não se trata de reagir à força do poder opondo a ele uma força igual, conteúdos contra conteúdos. Trata-se ao contrário de introduzir nos interstícios da comunicação social os fatores de desvio, de ironia e *décloisonnement*, trata-se de encontrar as linhas de fuga capazes de fazer “delirar” o fluxo dominante e de fazer emergir o obsceno, o que resta fora da cena.

“Não há nada tão grande, ou revolucionário, quanto o menor” escrevem os autores de Kafka, para uma literatura menor. É precisamente lá que nós estamos. O menor não é minoritário, porque ele se põe em um certo ponto a proliferar. O menor pode revelar uma linha de fuga, um princípio de reagenciamento do quadro todo. E essa linha de fuga pode se difundir, pode permitir a milhões de moléculas sociais (milhões de alices em potência) e de deslocar segundo uma lógica comunicacional que não é compatível com a reprodução do poder.

O meio televisivo é estruturalmente construído para transformar a gente em espectadores, em receptores passivos de um fluxo que tem características hipnóticas e subliminares. Está claro que esse agenciamento comunicacional e tecnológico do tubo catódico e da tela, do éter e do satélite, está construído para que possamos assistir, sentados e mudos. E não se trata somente dos conteúdos discursivos, ideológicos ou publicitários que veiculam o meio. Trata-se de uma modelização da relação social, do comportamento e da linguagem.

O fluxo, a imagem, o barulho, a solicitação de um sistema muscular,do sistema nervoso e da vida agem como dispositivos do conhecimento da relação social. E, contudo, mesmo o meio televisivo pode ser atravessado pelo fluxo de comunicação independente, pode funcionar como fator de reagenciamento ativo. A experiência recente das tvs de rua italianas (david garcia e cia) vai justamente nesse sentido. As tvs de rua fazem surgir uma linha de fuga sobre o plano do agenciamento técnico: o micro transmissor televisivo funciona em um espaço geográfico muito limitado, um espaço de poucas centenas de metros, invadindo o éter nos espaços sombra, frequências que não são utilizadas nem oficialmente atribuídas.

As tvs de rua entram em uma relação de troca e colaboração sobre a rede telemática, enviando seus produtos a um servidor comum, e *en puisant *no mesmo servidor suas transmissões. Em suma, o meio televisivo se encontra assim transformado em rede de proxi-visão. O meio publicitário, que é um dispositivo, pode mesmo ser reestruturado e reagenciado em função das intenções completamente diferentes daquelas da empresa, da propaganda, se a linguagem do mercado se encontra desviada para mostrar a miséria e loucura que a dominação do mercado difundem sobre o estado mental coletivo.

Graças a uma ação de redefinição do contexto e a uma mutação do imaginário, as rádio livres puderam (PODEM!) agir enquanto um reagenciamento proliferando de um dispositivo que vinha funcionado até então como dispositivo centralizador, e modificar a relação entre emissor e receptor e os agenciamentos internos ao funcionamento das transmissões. A utilização do telefone ao vivo foi um elemento de reagenciamento que quebrou o caráter centralizador do sistema de rádio e abriu a via aos agenciamentos experimentais de diversos tipos.

Nos anos 70, o telefone ao vivo a possibilidade de inserir nos fluxos radiofônicos a voz da audiência era um escândalo do ponto de vista do sistema mediático. Não tanto porque os conteúdos levados pela voz da rua seriam intolerados pelo poder, mas porque isso destruia o filtro entre emissor e receptor sobre o qual se fundava à época a sacralidade do meio e sua funcionalidade para o poder. Isso não significa que o “ao vivo” na rádio seja em si e para si uma coisa a mais banal e mesmo o vetor da estupidez social dominante.

Mas nos anos 70 o ao vivo introduz um princípio reticular e proliferando dentro do funcionamento estruturado do meio. É por isso que podemos considerar essa experiência como uma antecipação da rede, representando uma incarnação daquilo que Félix chamava *socialidade pós-mediática*. Naturalmente a Internet não é também um automatismo, mas um dispositivo, e por isso suas supostas vias libertadoras não são um programa inscrito necessariamente nessa estrutura, mas uma disposição, uma possibilidade, uma potência que se atualiza somente em certas condições sociais e imaginárias.

Referências

  1.  Des millions et des millions d’ Alice en puissance », Préface de Félix Guattari à Radio Alice, Radio libre, par le Collectif A Traverso, Laboratoire de sociologie de la connaissance. Éditions Jean-Pierre Delarge ( Juin 1977)

Tradução e Revisão:9s