Yasuní: A Luta Pela Defesa Da Vida

Originalmente publicado por Mª Cruz Tornay, em 18 de fevereiro de 2015, no site Revista Pueblos

As políticas do governo do Equador incorporam como ponto transversal a mudança da matriz produtiva e a transição energética para uma economia pós-petroleira que permita à nação alcançar os princípios do “bom viver” ou ‘sumak kawsay’. Entretanto, o estado pretende conseguir o bem-estar da população através dos recursos obtidos pela exploração petroleira da Amazônia, uma decisão que põe em risco a sobrevivência das populações indígenas e que levou as mulheres amazônicas a protagonizarem a luta pela defesa da vida e do território.

Emma Gascó.

O Parque Nacional do Yasuní se localiza na Amazônia ocidental equatoriana e é um dos ecossistemas com maior bio-diversidade do planeta. Encontra-se situado em um território ancestral do povo waorani e conta com a presença de povos em isolamento voluntário que habitam uma área declarada zona intangível.

Os efeitos que a atividade petroleira havia causado em outros territórios da zona levaram à mobilização a inícios dos anos 90 e, mais adiante, à criação de propostas que protegessem as zonas mais sensíveis da Amazônia, como o Parque Nacional do Yasuní. A denominada Iniciativa Yasuní ITT foi a alternativa idealizada pelas organizações ecologistas para manter sob terra o petróleo cru dos campos petroleiros de Ishpingo, Tambococha e Tiputini (ITT), e desta maneira apostar numa etapa de transição pós-petroleira.

Em sua chegada ao governo, em 2007, o presidente Rafael Correa assumiu de forma oficial a iniciativa ITT e a proposta foi apresentada publicamente à comunidade internacional. O estado equatoriano se comprometia a manter inexploradas de forma indefinida as reservas dos denominado Bloque 43 em troca de receber as doações equivalentes à metade dos lucros que teria recebido o estado pela exploração. Assim se manteriam intactos os mais de oitocentos milhões de barris de petróleo cru estimados da reserva e se evitaria a emissão de quatrocentos e dez milhões de toneladas de CO2.

A proposta defendida pelo governo equatoriano gerou uma grande expectativa a nível internacional, já que de forma inovadora implicava diferentes autores internacionais, públicos e privados, na busca de alternativas ao desenvolvimento extrativista dos combustíveis fósseis e na transição para um novo modelo energético que seja respeitoso com o meio ambiente. Entretanto, enquanto se realizavam campanhas de adesão à iniciativa ITT, o governo trabalhava em um “plano B” que contemplava a exploração do recurso petroleiro em caso de que a comunidade internacional não respondesse ao chamado.

Em agosto de 2013, o presidente da república deu por finalizado o prazo de espera para a captação das doações que confirmassem a viabilidade do “plano A” e anunciou a exploração feita pela empresa estatal Petroamazonas de um milésimo do Parque Nacional do Yasuní. Em seis anos só se tinha conseguido coletar 0,37 por cento dos 3.600 milhões de dólares que teriam evitado a exploração. Rafael Correa qualificou a decisão como a mais difícil de seu mandato, mas como a única via de lucros necessários para acabar com a pobreza do país.

Violência sobre o território e os corpos

Patrícia Gualinga luta há anos pela defesa dos territórios que constituem a Amazônia. Em 2002 era líder da Mulher e a Família do povo sarayaku. Junto a outros membros de sua comunidade, viajou para Costa Rica para processar ao estado equatoriano ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por permitir e amparar a entrada de empresas petroleiras em seu território. Apesar de que a Corte foi favorável ao povo sarayaku e que o estado teve que pedir perdão, os territórios da Amazônia e a vida das comunidades que a habitam e seguem ameaçadas por projetos extrativos como o do Yasuní.

Depois de anos observando de perto a presença das empresas multinacionais, Patricia tem uma opinião muito clara sobre as consequências do “plano B” do governo: “A vida é incompatível com a extração de petróleo. Os povos em isolamento estão condenados à extinção”. A líder sarayaku se refere às comunidade dos tagaeiri, taromenane e oñamenane que habitam o sul do parque Yasuní que decidiram seu isolamento voluntário; uma situação que as faz vulneráveis em relação às decisões que se tomam no exterior: “Os povos que estão em isolamento não têm voz própria para falar. Sua voz é uma voz silenciosa que está pedindo que os deixem em paz e o governo deveria escutá-la ou se cometeria um etnocídio terrível”.

Patrícia é uma das muitas mulheres amazônicas que assumiram a luta pela defesa do território ao que estão unidas vital e espiritualmente. As mulheres dos povos afetados decidiram sair para apoiar os líderes que estavam sendo ignorado pelo governo e dizer que elas tampouco queriam a presença das multinacionais em seu território.

Se, como afirma patrícia, a vida é incompatível com a extração do petróleo, ainda o é mais para as mulheres que perdem sua autonomia pelo deslocamento das formas de vida tradicionais. Quarenta anos de exploração dos recursos da Amazônia é tempo suficiente para saber o que vem após a chegada das empresas: a militarização do território, a contaminação da água e do ar, o alcoolismo, a violência, a aparição de prostíbulos…

A presença de empresas extrativas implica a masculinização de um território no que se estabelecem relações assimétricas de poder, que começam pela presença das forças de repressão do estado com o fim de proteger o funcionamento da atividade petroleira. A entrada dos rapazes em postos da empresa provoca a perda dos ofícios tradicionais, o reforço das funções de gênero e o incremento das desigualdades entre os homens que recebem um salário e as mulheres que veem aumentada a dependência e as relações de subordinação em relação a seus maridos.

Embora cada projeto de exploração garantiu o uso da última tecnologia, não existem experiências nas que o território não tenha sido afetado de alguma maneira. Só neste ano, a empresa estatal petroamazonas é responsável de 19 vazamentos. A contaminação da água e do ar termina afetando a saúde dos membros da comunidade, que são atendidos pelas mulheres de acordo com as funções de gênero. E também são as mulheres as que devem buscar alimentos quando a chácara fica contaminada pelas águas tóxicas.

Mobilizações contra a extração

O presidente Correa chamou a Cadeia Nacional[1] para comunicar aos cidadãos a decisão tomada acerca do futuro de um dos ecossistemas mais diversos do mundo. As reações contra o “plano B” do governo e em defesa da Amazônia geraram um movimento cidadão que se lançou às ruas sob o nome de Yasunidos e que se transformou em alvo corriqueiro nas sabatinas do presidente.

Gabriela Ruales militava há muito tempo no ativismo ecologista e acabou participando dentro da organização do movimento cidadão Yasunidos. Gaby lembra como as marchas aconteciam cotidianamente, não só em quito, mas também em todas as províncias do país. Manter o nível de mobilização de pessoas que historicamente não tinham estado vinculadas no ativismo se transformou em um desafio que se soube canalizar com a campanha de coleta de assinaturas pela celebração de uma consulta popular que permitisse à população decidir sobre o futuro do Bloque 43.

Depois de seis meses de presença nas ruas, os yasunidos conseguiram recolher 750.000 assinaturas, cifra que superava amplamente as requeridas por lei para ser feita a consulta; mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) terminou reconhecendo só 350.000 rubricas em um processo que Gabriela não tem dúvidas de que foi fraudulento por causa do uso de um sistema de verificação não confiável e por causa dos contínuos episódios de abuso de poder para o coletivo cidadão.

O governo lançou duras críticas contra um movimento ecologista que a burocracia considerava alheio à realidade cotidiana que vivem os povos em uma das regiões mais deficientes em serviços básicos. Em todo este processo de desqualificações, as mulheres amazônicas também se organizaram em uma marcha de seus territórios até a capital do país para dar visibilidade a seu repúdio aos ataques aos Yasuní, embora o projeto se justifique pela obtenção de lucros econômicos para acabar com a “miséria” da zona, nas palavras do presidente.

O discurso da pobreza e o bem-estar

Uma vez que fica desestimado um plano que foi qualificado de “ingênuo” pelo presidente, o executivo apresenta o projeto de extração do bloco ITT como a única alternativa viável de lucros para reduzir a desigualdade social e aumentar a infraestrutura das cidades do oriente do país. Concretamente, se anuncia a obtenção de 18 milhões de dólares: os governos locais da Amazônia receberão 2,14 milhões, enquanto que 1,568 milhões se destinarão aos governos autônomos.

Com estes recursos fica garantida a construção, entre outras infraestruturas, das denominadas Escolas do Milênio, criadas para ampliar a cobertura e o acesso à educação e nas que estudam e residem os jovens que não tinham a possibilidade de continuar com seus estudos nas comunidades. Para o governo, projetos como este são parte da construção do sumak kawsay, o bom viver do cosmo-visão andina que está na constituição de 2008.

Mas não todas as comunidades estão de acordo com esta interpretação do pensamento indígena. Para Patricia Gualinga, é uma contradição que se utilize a exploração da natureza como meio para alcançar o sumak kawsay. “Se vê o bem viver no plano material, de forma desconectada do bem viver espiritual e de estar em harmonia com a Mãe Natureza”. Para esta líder sarayaku, a harmonia é impossível desde o momento no qual se fala de exploração petroleira e mineira porque “o sumak kawsay não existe se não se respeita a natureza”.

Patricia sustenta que o discurso sobre a pobreza das comunidades indígenas é uma “teoria racista” de quem chega a seus territórios para lhes dizer o que têm que fazer e decidir o que é o melhor para eles, sem se importar com seu contexto territorial e formas de vida. Como mulher líder de seu povo, sabe que existem carências e que são necessárias algumas infra-estrutura, mas isso não significa que sejam pobres: “o empobrecimento das comunidades chega quando temos que comprar água e comida porque as nossas estão contaminadas”.

Está justificado, então,”sacrificar” uma parte do território para que o resto da população consiga um maior bem-estar? Para as organizações ecologistas, a cifra de um milésimo dada pelo Governo sobre a afetação do parque é enganosa, já que só contempla o desmatamento necessário para levantar a infra-estrutura que exige a exploração do petróleo, mas não leva em consideração o impacto sobre o resto do ecossistema e nem o futuro das comunidades.

O movimento conservacionista se mantém na defesa da Iniciativa Yasuní ITT como meio de obtenção de recursos que permitam o desenvolvimento de fontes de energia renováveis, além do aumento de impostos aos lucros do capital e a economia de gastos governamentais que consideram prescindíveis.

Os povos indígenas contrários à exploração se opõem a um modelo de desenvolvimento extrativista que veem condenado ao fracasso. O povo sarayaku defende o conceito do kawsak sacha, selva viva, uma nova categoria que seja patrimônio da humanidade e que reconheça não só os direitos da natureza, como estabelece a constituição, senão a todos os seres protetores que nela moram, e na que fique excluída a perpetuidade da exploração do petróleo cru.

Para os povos dos territórios afetados, a defesa da vida na Amazônia deve transcender a luta dos povos indígenas e se converter em uma ação coletiva que ponha fim às relações de poder sobre o território e a vida.

NOTAS:

1. No Equador, comunicado oficial de retransmissão obrigatória e imediata para os meios de comunicação.

[CHILE] Por que, Como Anarquistas, Apoiamos A Luta Autônoma do Povo Mapuche

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O conflito entre o Estado chileno e o Povo Mapuche nasce com a própria formação e imposição do Estado. E se agudiza com o estabelecimento de assentamentos fortemente militarizados no território do Povo Mapuche: o Wallmapu. Estes assentamentos trouxeram consigo a imposição da cultura ocidental através de sangue e fogo, exterminando os habitantes autóctones da zona.

Desde os anos 90 à atualidade, a luta do Povo Mapuche têm buscado diversas formas de combater o Estado e o capitalismo. A miséria, a fome, a injustiça e a desigualdade econômica nas zonas ao sul do Chile têm demonstrado que o inimigo não é só o Estado/nação, senão que também é o sistema capitalista no qual habitamos. São justamente, estes pontos os que iremos desenvolvendo ao longo deste texto, com o fim de responder a nossa inquietude: Como anarquistas apoiamos a luta do Povo Mapuche?

Nós afirmamos que sim, apoiamos esta luta. Em primeiro lugar, devido a que nossos inimigos são os mesmos. Na atualidade, várias comunidades mapuches têm identificado como seu principal inimigo o capitalismo e suas instituições, esclarecendo como suas lógicas levam o mundo ao colapso. Embora nós não possuímos a mesma cultura nem cosmovisão e temos certas apreensões com suas formas organizativas, compartilhamos a mesma necessidade de soberania e autodeterminação. Por isso que, nos identificamos com a busca do controle tanto de nossas vidas como de nossos territórios.

Para sermos mais claros, o Povo Mapuche tem notado, da mesma forma que o pensamento ácrata, a relação direta que tem para a implantação do capitalismo, o surgimento do Estado moderno. Não há que esquecer que a consolidação dos Estado/nação latino-americanos esteve nas mãos de sangrentas guerras contra os territórios indígenas que conseguiram manter autonomia no período colonial, como por exemplo o Wallmapu.

A estratégia mapuche tem direta relação com a autodefesa – ou resistência -, uma luta por recuperar e defender suas terras, terras que pertenceram a seu povo ancestralmente. O ataque às empresas florestais na Araucanía tem que ver diretamente com o rechaço à exploração brutal da terra por parte do empresário. Esta exploração se consuma na introdução de espécies estranhas, como o Eucalipto e o Pinho¹ e o mono-cultivo após sua plantação, o qual traz consigo nefastas consequências para o ecossistema do Wallmapu. Por sua vez, o Estado chileno subvenciona as empresas florestais pela plantação destas árvores, confundindo a restauração de bosque nativo com a exploração da terra². Em efeito, a indústria florestal é uma das indústrias mais importantes dentro da zona, no entanto, é uma das mais daninhas no Wallmapu. Por trás disto se encontram as causas da marginalização e pobreza do povo mapuche, que por culpa destas empresas se viram deslocados de suas terras ancestrais e obrigados a situarem-se em outros setores menos produtivos.

Por outro lado, o lugar que toma o Estado dentro deste conflito, tem diretamente que ver com sua própria natureza. O Estado busca o controle e a administração de nossas vidas, para proporcionar-nos uma “liberdade” de submissão e obediência³, estabelecendo um marco jurídico-legal que delimita um território no qual reclama ter o monopólio da violência. Ou seja, qualquer indivíduo, coletivo e/ou comunidade que resista a sua ordem se transforma em um/a inimigx e o Estado buscará anulá-lo por meio de repressão e sua legalidade irracional. O Povo Mapuche se tem dado conta que o capitalismo – e seu Estado-nação – impõe um sistema que os marginaliza e impõe as lógicas mercantis, rompendo com suas tradições ancestrais – e o que é mais grave ainda, sua própria autonomia.

Enfim, nós como anarquistas, apoiamos a luta do Povo Mapuche, porque nossos inimigos são os mesmos. E aí estaremos, sempre que nos necessitem: com nossa presença, com a difusão de propagandas e comunicados e com tudo o que seja necessário para prejudicar a nossos inimigos e resistir a seus ataques. Por nossa liberdade e autonomia. Como companheirxs, não como guias nem especialistas. As receitas não as temos. Apostamos que a solidariedade é necessária para a luta contra a totalidade que é o capitalismo mundial. A diversidade de lutas em convergência é uma força inesgotável, que não poderão parar. Os processos já foram iniciados e é responsabilidade nossa fazer desta, nossa história.

Nossa convergência e união é: nossa resistência e nosso ataque.

Colectivo La Peste

lapeste.org

Notas:

[1] Estas árvores requerem um grande consumo de água, secando rios. Por sua vez, que o monocultivo e o uso indiscriminado do solo (sem dar-lhe descanso) gera erosão e contaminação da água, tornando improdutiva a terra para tarefas agrícolas.

[2] “O Decreto de Lei 701 estabeleceu um subsídio de 75% do investido em plantações florestais, abriram-se créditos especiais e isenções tributárias (liberação de impostos), grande quantidade de solo passou a ser decretado de uso preferencialmente florestal, vendo-se seus donos obrigados a plantar e reflorestar, mais ainda se estabeleceu sanção a quem investir estes dinheiros em agricultura ou pecuária. A atividade florestal passou a ser considerada uma atividade social muito lucrativa.” Em: http://www.resumen.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=5805:ley-de-fomento-forestal-ano-decisivo-para-la-agricultura-chilena&catid=16:ecologia&Itemid=60

[3] Weber indica que o Estado é uma relação de dominação de homens sobre homens por meio de uma violência legitimada socialmente. O político e o científico. Alianza Editorial, 2003. p. 84

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Na noite sem lua
o mar todo negro
se oferece em espuma

Eugénia Tabosa

Pontes entre O Anarquismo e O Confederalismo Democrático

daf

Fonte: Kurdish Question, em 19 de Fevereiro de 2015
Tradução do Coletivo Anarquia ou Barbárie

Texto original por Bruno Lima Rocha

Introdução: discutindo o modelo de partido e sua missão   

Desde o início do cerco a Kobane pelo Daesh (ISIS), a esquerda curda, e, especificamente, o modelo de organização social em Rojava tem sido estudado e seguido por várias organizações, ativistas, redes e estudiosos comprometidos. Decidi colaborar com KurdishQuestion.com para produzir uma série de artigos curtos para expor (e provar) as semelhanças entre a tradição ocidental (e não ocidental também) anarquista e o Confederalismo democrático. Enquanto uma das minhas áreas centrais de estudo é a teoria política (e teoria política radical), decidi ajudar na elaboração dos paralelos entre os dois caminhos e familiarizando-os um ao outro. Espero que isso ajude e todas as críticas são bem vindas. 

Apresentação

O modelo de partido anarquista apresentado nesta série não é uma inovação em si mesmo para a teoria política e teoria política radical, e nem mesmo para a tradição de esquerda. Se os estudos sobre o tema são bastante desconhecidos (ou parecem ser novos ou inexistente), se este formato de organização política não se tornou um objeto de estudo (ou reconhecido como o modelo de partido para a auto-gestão e de democracia direta), isto ocorre devido à correlação de forças dentro do mainstream acadêmico, às derrotas sofridas pelos anarquistas classistas desde 1939 e também por causa da ausência de debates no seio da comunidade de esquerda, o espectro acadêmico e da mídia mainstream. Este modelo aproxima os militantes dentro de uma organização política especifica que adere a um corpo ideológico-doutrinário (também conhecido como partido de quadros). Porque não é uma proposta de massa, que tem o formato de ter a associação composta por quadros políticos, sem filiação aberta e cujo grau de compromisso aumenta à medida que eles entram mais para os círculos concêntricos (ver Bakunin). Tal modalidade adquiriu definições na história, tais como: organicismo, plataformismo, especifismo; todos estes são sinônimo da definição do partido anarquista (federação específica).

Introdução ao Papel do Partido

O modelo da matriz de esquerda libertária e a perspectiva apresentada nesta série, representa uma possível aplicação de um campo de intenções, motivações normativas e interesses estratégicos na América Latina em geral, e no Brasil, em particular. Mas, presumimos, que, desde que nos conhecermos melhor, as possibilidades de desenvolvimento político será reforçada a partir da experiência real na região oeste do Curdistão e o debate interno sobre o pensamento no contexto do PKK. É muito interessante entender que a missão desse partido não é ser parte de um poder institucional do Estado-Nação, mas ajudar na construção de uma sociedade baseada em legítimos direitos (individuais e coletivos), a auto-gestão, e da democracia direta e radical, e o mais longe possível do industrialismo e de uma economia centrada no mercado. A hipótese formulada dentro da perspectiva de uma verdadeira democracia social é a ação da minoria política como uma unidade para acumulação de força e radicalização democrática a longo prazo. Se nós compararmos este simples pressuposto e definição, podemos observar muitas semelhanças entre essa perspectiva e um escrito do companheiro Abdullah Ocallan em 2011:

“Enquanto isso, os Estados-nação se tornaram sérios obstáculos para qualquer desenvolvimento social. Confederalismo Democrático é o paradigma contrastante das pessoas oprimidas. Confederalismo Democrática é um paradigma social não-estatal. Ele não é controlado por um Estado. ” (Do website PKK em Inglês)

É óbvio que ninguém deve criticar este modelo de partido para não competir por posições institucionais dentro de um modelo de Estado-nação, quando sua missão está longe disso. Parto do princípio que determinadas condições prévias estão sempre presentes. Todo “modelo de partido” inclui em sua formatação de condições e regras pelo qual este partido/organização política vai seguir e o caminho que esta instituição (legal ou ilegal) está disposta a tomar de acordo com seus objetivos de médio e longo prazo. A fim de ser teoricamente coerente, é necessário apresentar modelos que podem ser testados, mas, acima de tudo, modelos que possam ser aplicáveis de acordo com as hipóteses sugeridas.

Eu discuto a organização política militante específica que adere a um corpo ideológico e doutrinário. Por outro lado, porque não é uma organização de massas que se estrutura dentro de quadros, sem filiação aberta e cujo nível de comprometimento ocorre dentro de círculos concêntricos, aumentando o nível de compromisso de acordo com o poder de votar e ser votado para os papéis principais atribuídos na estrutura interna. Essa concepção não pode ser mal compreendida ou interpretada equivocadamente. Ou, ninguém deve entender isso como uma espécie de “partido único de boas intenções”, mas como uma concepção estratégica que garanta que os quadros e estruturas partidárias serão colocados a serviço e dever de ajudar a construir novas instituições políticas com base em uma sociedade horizontal e igualitária. O fracasso do modelo de partido na URSS ou outras variações com base na liderança autoritária, centrada no Estado e no industrialismo provam que todo o pensamento de esquerda deve fazer uma grande autocrítica e reconhecer que as condições materiais devem amadurecer juntamente com as condições morais, ecológicas e fraternais. Apenas uma estrutura partidária dedicada a esta causa pode manter uma luta de longo prazo, alimentando projetos sociais, como o fez nas lutas de massa sindicais da América Latina no início do século 20, e como é hoje em dia com a União das Comunidades do Curdistão ( KCK) ou TeV-DEM especificamente em Rojava.

Denominações desta tradição dentro do anarquismo

Vou terminar este primeiro artigo curto lembrando a definição do modelo de partido anarquista. Apesar de não ser exclusivo, este tipo de organização é geralmente considerado como típico da ideologia anarquista: um modelo federal e não-massivo. Ao menos que ele não seja um modelo de partido de vanguarda como os partidos leninistas clássicos, os quadros do partido devem ser aqueles que reforçam a luta de massas e que serão tomadas por todas as comunidades, permitindo que elas tomem o seu próprio destino por e através de assembleias populares. Esta filiação partidária ocorre por meio de círculos concêntricos e com a preparação de militantes que possuem várias funções. Este tipo de modelo adquiriu definições ao longo de sua história, e todos eles também podem ser identificados com a definição do modelo de partido anarquista. Este modelo adquiriu definições específicas ao longo de sua história, como organicismo, plataformismo, especifismo.

Fui muito feliz em descobrir que estas duas tradições aparentemente distantes estão realmente tão próximas umas das outras. Essa proximidade pode ser facilmente detectada em uma simples leitura dos documentos, tanto do PKK quanto destas tradições anarquistas. A tradição e as experiências no Curdistão lideradas pelo PKK podem alimentar as tradições anarquistas de todo o mundo e vice-versa. Esta perspectiva é animadora e é a principal motivação por trás da razão para esta série de artigos curtos.

Bruno Lima Rocha é Doutor e Mestre em Ciência Política e professor de Estudos e Geopolítica Internacional em 3 universidades no Sul do Brasil.

site: www.estrategiaeanalise.com.br
e-mail: strategicanalysis@riseup.net
facebook: blimarocha@gmail.com

A esquerda refém da institucionalidade aprisiona a revolução

ethos

Por Gilson Moura Henrique Júnior

O advento do governo do Syriza na Grécia expõe dois caminhos que são exemplares demonstrações das contradições da esquerda partidária.

Um deles é o do salutar ânimo com a vitória de um programa avançado em relação ao de uma direita liberal e até de algo bem pior, o programa nazifascista de grupos como Aurora Dourada. Outro é o aprisionamento da conquista do governo como elemento de avanço social coletivo rumo a uma revolução, numa reedição do etapismo stalinista com a roupagem da limitação da utopia como horizonte.

Essa contradição é filha de um processo histórico que ameniza, adestra, amacia a esquerda revolucionária, tornando-a geradora de alternativas transformadoras para a institucionalidade sem mudança concreta de sistema.

Esse processo histórico começa na assimilação das sociais democracias europeias pelo capitalismo a partir dos primeiros anos do século XX; passa pela política dos Partidos Comunistas (PCs) de convivência pacífica com o capitalismo a partir de uma mistura de etapismo e aliança com as burguesias nacionais em nome da produção de “libertações nacionais diante do imperialismo”, obedecendo às ordens do Politburo1 de Krushev e seus sucessores; o processo avança com o surgimento de uma esquerda pós-PCs que organiza diversos grupamentos de origem múltipla entre marxistas-leninistas, trotskistas, esquerda cristã, etc e que vê nos avanços da institucionalidade e na redução da miséria um norte que em paralelo à organização dos movimentos sociais pode trazer um processo revolucionário, mas que ao fim e ao cabo só constrói e fortalece no programa democrático popular e suas variantes a vertente de reforço à ocupação do estado e humanização do capitalismo que acaba tendo o mesmo efeito da assimilação da social-democracia pelo capital no início do século XX e termina num mundo onde a cada possibilidade de ampliação da organização popular nas ruas se constrói um contraponto com discurso radical e que mira a ocupação da institucionalidade e não a transformação do sistema.

Todo esse processo não tem explicação fácil e precisa de uma ampla investigação inclusive entre marxistas para compreender que parte do processo organizativo da esquerda partidária acaba por produzir a partir dela apenas elementos de renovação do sistema capitalista com produção de avanços concretos, mas limitados, para a vida da população, sem produzir a ruptura que garanta que esses avanços sejam pontos de partida para avanços maiores.

Não podemos cair também em simplificações de demonização pura e simples do poder e construção de fraseologia que produz comparações amalucadas entre o anarquista e o autonomista e o militante da esquerda partidária como se ler Bakunin trouxesse naturalmente superioridade moral, ética e política ao leitor em relação ao trotskista.

A questão é muito mais ampla e exige uma investigação baseada no método, que investigue a forma organizativa, etc. O primeiro ponto a meu ver é investigar o motivo da insistência na priorização da ocupação de governos, por maiores avanços que produzam, sabendo que isso gera uma paulatina cooptação que, via de regra, torna partidos radicais em simulacros discursivos cujo objetivo final é manter o sistema. O caso do PT, por exemplo, não é exceção, é regra.

Outro elemento sintomático é uma recusa a assimilar processos revolucionários com desconstrução do estado, como o processo revolucionário Curdo no norte da Síria, como parte do horizonte utópico da esquerda como um todo enquanto se abraça com tesão redobrado processos como o do Syriza, o do PODEMOS, o do PSOL, com falhas gritantes e elementos extremamente preocupantes que deixam sinais bem nítidos de cooptação pelo estado e pela institucionalidade sem nenhuma proposta mais radical de transformação deste com o fim de produção de uma sociedade mais igualitária.

Enquanto no Curdistão Sírio se produz uma política, uma economia e uma justiça radicalmente horizontais, comunitárias, comunistas, libertárias, com interseccionalidade e cuja forma revolucionária se torna mais eloquente quando entendemos que isso ocorre no coração do majoritariamente conservador Oriente Médio, na Grécia, Espanha e Brasil se produzem processos de ocupação do estado a partir de bandeiras mais ou menos radicais sem nenhuma proposta de fundo de reforma que vá além de avanços pontuais.

É positivo que se audite a dívida pública? Opa, é claro! Mas quando isso se torna o ponto máximo de radicalidade na luta contra o sistema financeiro e seu domínio das populações a partir do controle dos estados, a coisa toda complica. Nenhuma proposta mesmo de controle popular do sistema financeiro. Popular e não estatal, é preciso enfatizar. Sério que não rola nem isso como horizonte utópico? E por que não rola?

É positivo que se lute pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo? Muito, enormemente, mas e ai? Esse é o horizonte máximo? Que tal um processo de discussão horizontal, em fóruns amplos, da demolição da homofobia, machismo e misoginia a partir da escola com um debate em cada comunidade, com intervenção dos coletivos de militantes homoafetivos, de mulheres, etc, para que a partir da escola se transforme a divisão social com discriminação por gênero, orientação sexual ou identidade de gênero? Que tal propor mais que algo que se precise ter o controle estatal, partidário? A perda do controle é uma ameaça? Não pode haver revolução sem a gestão dela a partir de dirigentes partidários?

Esses são apenas alguns pontos onde se vê muitos ecos de formas de organização que ao fim e ao cabo cerceiam, freiam, processos de desconstrução do estado e da hierarquização por ter a ocupação da institucionalidade como norte máximo.

Como ampliar o programa e avançar na luta pela hegemonia do pensamento coletivo rumo a uma revolução, se com medo de perder votos se opta conscientemente por calar temas indigestos ao eleitorado?

Imaginam-se processos de ampla libertação feminista como no Curdistão Sírio onde as mulheres são e foram centrais inclusive na reorganização dos grupos de defesa social, que chamamos aqui de “tropas de resistência do exército curdo” ainda viciados na retórica com jargões estatais e estatistas, em países como Espanha, Grécia e Brasil? Em partidos como PODEMOS, Syriza e PSOL? Não, e exatamente porque a ideia da hierarquia compõe o processo de divisão social machista e que ainda se mantém nestes e na maioria dos partidos.

Isso também ocorre em coletivos anarquistas e autonomistas? Claro, mas o exemplo do Curdistão Sírio aí é mais fundador e fala mais alto do que o exemplo das experiências partidárias, e é nítido, eloquente, tá claro pra esses coletivos, foi gritado por eles em cada site, jornal, etc que possuem. Para os partidos não, a assimilação do processo levou meses, anos, para se tornar assunto nos meios de comunicação partidários e mesmo assim é tratado de forma secundária diante da vitória do Syriza na Grécia e possibilidade de vitória do PODEMOS na Espanha.

É preocupante que esse tipo de sinal exista vindo de quem sai às ruas disputando-as com quem produz coletivos horizontais de auto-organização popular, postulando ocupar a gerência da revolução ao mesmo tempo que a divide com o desejo de ocupar a gerência do estado. Onde foi parar a ideia de transformar o estado, demolir o estado, tornar o estado um processo comunal?

Não é preciso dizer do quanto é fundamental rediscutir a descentralização da produção de alimentos, da produção de energia, da gerência de energia e discussão sobre matrizes energéticas a partir de processos descentralizados, ainda mais diante da necessidade de redução radical de emissões de carbono, fim do uso de combustíveis fósseis e de tudo o que amplia a crise climática e com ela a crise hídrica, e a crise maior, a crise ecológica, mas como fazer isso se em toda a esquerda que se põe como esperança da população o que se vê é uma recusa a repensar o papel decisório da população em relação ao estado? Como fazer isso se parte de toda a militância que se diz revolucionária se nega a discutir processos de democracia direta concretos que vão além, muito além de plebiscitos pontuais aqui e ali pra fingir que o povo controla o estado e o gere?

Como a gente combate a centralização decisória, política, policial, os aparatos de reprodução ideológica amarrados e sustentados por esta centralização, os aparatos de dominação econômica e os processos de gestão ecológica centralizada e centralizadora, se temos como ferramentas para tal, ferramentas auto proclamadas, quem se põe a favor da manutenção desta centralização a partir de propostas de gerência do estado com tintas “progressistas” e nenhuma ação concreta de desierarquização do processo decisório, de descentralização decisória?

Como a gente pensa ecologicamente, algo que demanda pensar de forma descentralizada e decentralizante, se a proposta central da maior parte dos partidos é manter o estado e reformar o método de gerenciamento dele a partir de parâmetros socialmente avançados, mas ainda dentro da institucionalidade centralizadora e hierarquizante?

Difícil, né?

Enquanto isso, os processos revolucionários como os do Curdistão Sírio são secundarizados pela esquerda partidária e processos de conquista institucional são louvados como panaceia. Ao fim e ao cabo isso diz muito.

Por isso que enquanto permanecer tendo o estado como horizonte, a esquerda é refém da institucionalidade, e enquanto a esquerda manter-se refém da institucionalidade, ela aprisiona a revolução. E aprisiona a revolução pois reforça o papel do estado como gestor da vida comunitária e da população, sem construir parâmetros de descentralização e comunitarização dos processos decisórios.

Enquanto a comunidade não decidir sobre seus rumos e for refém do estado, não há revolução, e enquanto a esquerda se manter como refém da institucionalidade e sonhando com a ocupação do estado, ela serve como impeditivo para que a comunidade decida sobre seus rumos.

1Polítiburo era o nome dado ao comitê central do Partido Comunista da União Soviética e que também funcionava como uma espécie de comitê central internacional dos partidos comunistas.

[Curdistão] Surge uma Guerrilha Anarquista em Rojava

Postado em Jornal Bandeira Preta, Contrainformação Anarquista
Por JBP, em 06 de fevereiro de 2015
Fonte original: SOSYAL SAVAŞ

(Bandeira anarco-ecologista)

(Bandeira anarco-ecologista)

Recentemente um grupo de anarco-ecologistas da Turquia e outro da Espanha, assim como anarco-ecologistas de vários lugares do mundo, conjuntamente, somaram-se as Forças Unidas de Libertação (BOG), ”Birleşik Özgürlük Güçleri”, de Kobane (Rojava), formando uma frente internacionalista de combatentes anarquistas e comunistas.

Eles fizeram um chamado não só para anarquistas de varias tendências de todo o mundo, mas também a libertários, ecologistas e anti-capitalistas, a se somarem à luta e ao apoio desta revolução social. Cada um com sua língua e cor, através da auto-organização e solidariedade, mobilizando-se em rebeldia.

A guerrilha anarquista se comprometeu em continuar apoiando a defesa de Kobane e Rojava como um todo, assim como ajudar na reconstrução da vida comunal no local recém liberado.

O teórico que deu origem ao “Confederalismo Democrático”, a proposta revolucionária sendo atualmente implantada em Rojava, foi Murray Bookchin, um famoso ambientalista bem próximo dos ideais anarquistas, que escreveu sobre o “Municipalismo Libertário”.

(A cidade de Kobane, destruída após a batalha contra o “Estado Islâmico”)

(A cidade de Kobane, destruída após a batalha contra o “Estado Islâmico”)

(Anarquistas e comunistas somando forças para uma frente internacionalista em Rojava)

(Anarquistas e comunistas somando forças para uma frente internacionalista em Rojava)

‘Está em curso a mais grave ofensiva aos povos indígenas pós-democratização’, diz ex-presidente da Funai

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Indígenas Munduruku ocupam canteiro de obras da usina de Belo Monte em maio de 2013

Matéria de Ana Aranha | Agência Pública | São Paulo – 28/01/2015

Fonte: Opera Mundi

Maria Augusta Assirati, que deixou o cargo em outubro de 2014, comenta interferência política no órgão: ‘tivemos que descumprir compromisso com os Munduruku porque governo deu prioridade a usina de São Luiz do Tapajós’

Maria Augusta Assirati foi presidente interina da Fundação Nacional do Índio (Funai) por um 1 ano e 4 meses, tempo em que ela diz ter vivido com “grande descontentamento e constrangimento”. Na gestão que menos demarcou terras desde José Sarney, ela aponta a interferência política do governo Dilma Rousseff como a maior responsável pela paralisação do trabalho técnico do órgão indigenista. “A orientação é no sentido de que nenhum processo de demarcação em nenhum estágio, delimitação, declaração, ou homologação, tramite sem a avaliação do Ministério da Justiça e da Casa Civil”.

Na primeira entrevista desde que saiu, em outubro de 2014, ela fala sobre o estopim para o seu pedido de exoneração: uma manobra para licenciar a usina de São Luiz do Tapajós, que pode alagar terra Munduruku. Depois de analisar o caso e se comprometer com os indígenas a publicar o relatório que delimita a terra, Assirati diz que foi obrigada a voltar atrás. “Nós tivemos que descumprir esse compromisso em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento. Isso é grave”.

A ex-presidente da Funai fala sobre como tentou apresentar uma alternativa, propondo que se selecionasse outro local para a obra. Mas o governo não teria considerado a solução satisfatória, pois o setor elétrico indicava que o leilão precisava ser lançado ainda em 2014.

De fato, em setembro, o Ministério de Minas e Energia anunciou o leilão da usina de São Luiz do Tapajós. Mas dias depois teve que adiar para uma data não definida, pois o licenciamento da hidrelétrica ainda não estava concluído. A “culpa” do atraso não foi da Funai ou do Ibama. Faltava a conclusão do Estudo de Componente Indígena, avaliação de impactos que é feita pelo grupo de empresas interessadas em construir a hidrelétrica: Eletrobras, Eletronorte, GDF SUEZ, EDF, Neoenergia, Camargo Corrêa, Endesa Brasil, Cemig e Copel.

Hoje com 38 anos, Assirati é formada em direito e trabalhou em gestões municipais do PT em São Paulo. Foi para Brasília em 2007 para integrar a mesa de negociações com servidores públicos do Ministério do Planejamento. Desde então passou pelo Ministério da Saúde, Justiça e Secretaria-Geral da Presidência, sempre em áreas ligadas à interlocução com movimentos sociais.

Deixou a Funai em 1º de outubro de 2014, nove dias depois de uma tensa reunião com lideranças Munduruku sobre a terra indígena que pode ser alagada pela usina de São Luiz do Tapajós. Nesse encontro, ela disse aos indígenas que não poderia encaminhar a demarcação porque a hidrelétrica é prioridade de outros setores do governo. Hoje vive em Portugal, onde faz um curso de doutorado em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI.

Em setembro, o Ministério de Minas e Energia anunciou o leilão de São Luiz do Tapajós antes que a Funai pudesse dar seu parecer sobre a usina. Como interpretou esse ato?

Como uma completa desconsideração da presença dos indígenas na área de influência do empreendimento e dos seus respectivos direitos, além de uma desconsideração com o trabalho do órgão indigenista.

A Funai fez um parecer técnico apontando a usina como inconstitucional. Por que esse parecer ainda não entrou como documentação do processo de licenciamento?

A Funai não chegou a emitir o parecer sobre a licença previa de Tapajós, mas houve esse documento da equipe técnica. Assim que concluído o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), expusemos nossa posição institucional, que corrobora esse parecer da equipe técnica. O EIA aponta que um dos impactos é a supressão por alagamento de áreas dentro da terra indígena. Como o alagamento foi identificado, o empreendimento dependeria de remoção da comunidade indígena, o que é proibido pela Constituição Federal. No entanto, o Ministério do Planejamento e o Ministério de Minas e Energia alegam que não há terra indígena ali.

Por que o relatório de delimitação da Sawré Muybu, a terra que seria alagada pela usina, nunca foi publicado pela Funai?

O processo foi levado à consideração do Ministério da Justiça e Casa Civil, que, em virtude da usina, acreditam que a demarcação tem que ser discutida mais profundamente e com outros órgãos de governo.

21ª reunião ordinária do Conselho Nacional de Política Indigenista

Cacique Marcos Xucurú, membro do Conselho Nacional de Política Indigenista, José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Assirati durante reunião em outubro de 2013

Em reunião com os munduruku, a senhora revelou que a usina impedia a demarcação e disse que só permanecia no cargo porque acreditava em uma solução para o caso. Mas, nove dias depois, deixou a presidência da Funai. O que esse caso significou para a senhora? Foi o estopim para a sua saída?

Essa reunião foi um momento muito duro para todos nós: para os indígenas, para nós da Funai, e para mim, pessoalmente. Nós, como Funai, havíamos assumido um compromisso com os Munduruku no sentido da publicação do relatório [de delimitação da Sawré Muybu]. E nós tivemos que descumprir esse compromisso em razão da prioridade que o governo deu ao empreendimento. Isso é grave. Uma situação como essa fragiliza a confiança que deve pautar as relações com os indígenas. Eles já foram muito enganados, por mais de 500 anos. Uma relação de confiança não se constrói só com palavras, exige compromisso e coerência. Por isso procurei explicar a eles o que estava acontecendo, dizer como estávamos buscando solucionar essas questões e quais seriam os próximos passos. Mas a solução que, do ponto de vista da Funai, garante o respeito à legislação brasileira e os direitos indígenas daquele povo foi descartada pelo governo naquele momento. Espero que ela possa ser reconsiderada nesse segundo governo Dilma.

Qual foi a solução apresentada pela Funai?

Solicitei que fossem apresentadas alternativas locacionais para a barragem, que o setor elétrico indicasse outros locais possíveis para a construção, onde a comunidade não fosse afetada dessa forma. A aldeia é uma área de habitação permanente daquela comunidade munduruku. Além do grave impacto que isso geraria aos indígenas, há também um entrave jurídico. Adverti sempre que a remoção daquele local é uma situação que o nosso ordenamento jurídico proíbe.

Como a proposta de mudar o lugar da barragem foi recebida?

Não foi considerada como uma solução satisfatória tendo em vista que, segundo o setor elétrico, havia necessidade de realizar o leilão em 2014.

Quem são os representantes do governo federal que defendem o projeto da usina mesmo com o alagamento de uma terra indígena?

É um projeto prioritário do PAC, essas prioridades são definidas junto ao Palácio. Além do setor elétrico, há uma dedicação especial do Ministério do Planejamento. Como é um projeto caro à própria presidenta, vira um projeto prioritário para todo o centro de governo.

Como o governo federal pretende driblar a Constituição?

Como presidenta da Funai quando no governo e como ex-presidenta e cidadã hoje, eu não acho que a Constituição tem que ser driblada. Acho que tem que ser respeitada, e o parágrafo 5º do artigo 231 diz: “É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, garantido o retorno imediato logo que cesse o risco”. Essa proibição foi expressamente colocada na Constituição para evitar que qualquer interesse se sobreponha ao direito dos indígenas de viverem em suas terras e impedir que fossem removidos sob quaisquer pretextos, como era permitido antes de 88. Hoje uma remoção forçada é mais difícil, justamente porque há uma proteção normativa.

Como o governo planeja viabilizar a usina apesar desse impedimento constitucional?

O parágrafo 3º do artigo 231 diz que o aproveitamento dos recursos hídricos em terras indígenas só pode ser efetivado com “autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados”. Como não há lei regulamentando isso, há quem ache fundamental a proposição de um projeto de lei dizendo como se dará a exploração desses recursos dentro de terra indígena.

Eu acho que isso vai ser muito prejudicial nesse contexto político em que está em curso a mais grave ofensiva aos povos indígenas pós-democratização. Regulamentar nesse momento é afirmar que os recursos naturais são mais importantes que os próprios indígenas. E pergunto: os povos indígenas serão consultados sobre isso? Terão participação nesse debate? Depois, mesmo que regulamentado esse parágrafo, a vedação do parágrafo 5º continuará existindo e, portanto, proibindo que os Munduruku sejam removidos.

Essa tentativa de mudança é um caso isolado? Como ela se assemelha ao PLP 227 (projeto que regulamenta situações em que não-índios podem explorar terras indígenas)?

Tudo isso vem no bojo dessa ofensiva anti-indígena: PEC 215 [pretendia transferir ao Legislativo a decisão final sobre a demarcação], regulamentação de artigos da Constituição, mudanças no procedimento de demarcação. Quando estava na Funai apresentamos uma nota técnica manifestando nossa posição contrária a esse projeto e as razões. Esse PLP cria situações que reduzem as possibilidades de demarcação de terras. Só por isso já é impróprio.

Há ainda a portaria 303 da Advocacia Geral da União (estende para todas as demarcações as condicionantes criadas em Raposa Serra do Sol, como por exemplo proibir a extensão de terras já demarcadas). Qual o contexto político em que essa norma foi aprovada?

Um dia cheguei para trabalhar e essa portaria estava publicada no Diário Oficial. Não tive acesso a nenhuma informação prévia à aprovação, pois sequer sabia que a AGU tomaria uma medida como essa. Não sei se foi discutida com alguém ou com algum órgão de governo antes da publicação. Ela afeta muito negativamente os direitos territoriais indígenas. Inclusive diz que haveria revisão de processos de demarcação já concluídos. Isso é um absurdo político e jurídico.

O governo Dilma foi o que menos demarcou terras desde José Sarney. Como a senhora viveu isso na presidência da Funai?

Com grande descontentamento e constrangimento. Acho esse número lastimável para um governo que se diz democrático e que teve um importante apoio de setores populares.

Caiu também o número de delimitações de terras indígenas, processo que depende apenas da Funai. Há orientação para que o órgão segure esses processos?

A orientação é no sentido de que nenhum processo de demarcação em nenhum estágio, delimitação, declaração, ou homologação, tramite sem a avaliação do Ministério da Justiça e da Casa Civil. Isso é, nada mais, nesse momento, “depende apenas da Funai”.

O governo Dilma está operando um processo de desconstrução da Funai?

O que sei é que a Funai está sendo desvalorizada e sua autonomia totalmente desconsiderada. Ela precisa ser fortalecida, e ter o mínimo de condições para sua sobrevivência e bom funcionamento. Não tem recebido a atenção que merece do ponto de vista administrativo e político. Não foi realizado ou sequer aprovado um concurso público, o orçamento é insuficiente. Sob o aspecto político-institucional, esse apoio também não vem. A Fundação segue com um dirigente interino enquanto ruralistas afirmam publicamente que os processos da Funai são fraudulentos, o que é uma grande calúnia, e não há defesa por parte de setores importantes do governo.

Em 2013, a então ministra-chefe da Casa Civil Gleisi Hoffmann pediu a suspensão de demarcações com base em estudo da Embrapa. Logo depois o governo anunciou que demarcações seriam submetidas a outros órgãos. O que essa mudança significa?

A Funai já tem a prerrogativa de consultar outros órgãos e já faz isso sempre que necessário. Isso não sou eu que digo, basta olhar os processos: consulta-se o Incra, a Fundação Palmares, o ICMBio, o Ibama, o Iphan. Mas não vejo como a imposição da obrigatoriedade de consultar outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, a Embrapa e o Planejamento pode contribuir para concluir um estudo de identificação de terra indígena. Que elementos técnicos imprescindíveis esses órgãos podem produzir acerca da identificação de um território tradicional ou de sua delimitação? Sua participação, em meu entender, seria de ordem política, com vistas à defesa de interesses que estão fora do âmbito dos direitos constitucionalmente garantidos aos povos indígenas.

Como a Constituição mudou os processos de demarcação?

Antes das atuais garantias constitucionais, a Funai fazia o estudo de identificação com base em elementos técnicos, apresentava uma delimitação e esse trabalho era submetido a uma apreciação de um colegiado, que ficou conhecido como “grupão”. Em Brasília, o “grupão” definia, segundo critérios políticos, qual seria o limite da terra indígena. Mas, com os parâmetros estabelecidos a partir de 88, isso é impensável.

Como é hoje?

A partir da Constituição de 88 e da atual legislação, os processos se aperfeiçoaram e se sofisticaram. As esquipes se especializam continuamente, há profissionais competentes nessa área. Claro que se pode colocar em análise algum aspecto jurídico, para isso há análise pela AGU e Ministério da Justiça. A legislação também prevê um prazo para que qualquer interessado conteste, apresente novos elementos e questione aspectos técnicos e jurídicos. Ao fim, quem decide sobre a declaração da área como terra indígena é o Ministro da Justiça. Caso precise de novos elementos, ele ainda pode solicitar a realização de diligências. E, depois disso tudo, ainda há uma análise da Casa Civil. Portanto, a legislação atual já traz instrumentos suficientes para a efetivação segura de um processo de demarcação.

Qual será o impacto dessa série de mudanças propostas pelo governo?

Uma efetiva política indigenista pública precisa de um órgão plenamente capaz de coordená-la e implementá-la. Hoje, a ação indigenista ainda não faz parte da preocupação e atuação de um grande número de órgãos públicos, federais, estaduais e municipais. Isso significa que, em certos casos, se a ação da Funai não chegar aos indígenas, nenhuma outra ação pública vai chegar a eles. Por isso, o desempenho da Funai é fundamental para a sobrevivência de muitos indígenas. Um funcionamento inadequado pode significar perdas irreparáveis. A desconsideração de comunidades indígenas por parte do Estado pode permitir ou acarretar a perda de vidas indígenas, ou até o desaparecimento de todo um povo indígena, o que equivale a um genocídio.

A Secretaria-Geral da Presidência coordena o processo de consulta aos Munduruku sobre as usinas no rio Tapajós. As demandas dos indígenas estão sendo ouvidas?

Não dá para fazer consulta como se ela fosse mera etapa burocrática ou obrigação processual apenas. O que está em questão são vidas que serão modificadas para sempre em função dessa intervenção [usinas]. Não dá para encarar como se os indígenas fossem um empecilho ou um fator de atraso no cronograma de um empreendimento. A intervenção é que interrompe, dificulta ou impede as práticas das comunidades indígenas. A demanda dos munduruku é, primeiro, entender o que se passa. Querem um diálogo respeitoso, esclarecedor e num tempo que permita verdadeiramente isso. Os momentos de diálogo que ocorreram durante o período em que eu estive na Funai não foram suficientes para esclarecer as questões que o povo munduruku tem sobre o assunto.

O governo trata a consulta como “mera etapa burocrática”?

A meu ver, parte do governo, em especial a parte que considera apenas a importância de empreendimentos de infraestrutura, trata assim. Mas há uma parte que não trata. A Ministra Tereza Campello fez questão que o Ministério de Desenvolvimento Social realizasse uma consulta prévia à realização de uma pesquisa em comunidades indígenas.

Em entrevista ao El País, a procuradora Thais Santi denunciou o não cumprimento das condicionantes em Belo Monte, o que provocou impactos profundos e irreversíveis entre os indígenas. Por que a Funai não exigiu que a Norte Energia cumprisse o plano?

A Funai cobrou inúmeras vezes o cumprimento das condicionantes. Eu mesma assinei muitos documentos nesse sentido. Mas exigir é uma medida que está bastante distante das possibilidades da Funai. Lembrando, inclusive, que o órgão licenciador é o Ibama, que também já recebeu muitos ofícios da Funai nesse sentido.

A procuradora descreve os impactos de Belo Monte como etnocídio e aponta a senhora, quando presidente da Funai, como uma das responsáveis. Como responde a essa acusação?

Reconheço e respeito a importância do trabalho do Ministério Publico. Mas estar na posição de presidente da Funai é bem diferente, bem mais difícil. Primeiro porque não compete à Funai conceder, negar ou suspender licenças de empreendimentos. Isso é competência do Ibama. Se o Ibama não considera o descumprimento de certas condicionantes apontadas pela Funai (e pelo MPF) como razão para rediscutir a licença de um empreendimento, não é a Funai quem vai reverter administrativamente essa situação. O que compete à Funai é cobrar do empreendedor e do Ibama. E isso nós fizemos sempre, inclusive em Belo Monte. Mas, se nem o próprio judiciário solucionou a questão nos mais de dez processos judiciais a que esse empreendimento foi submetido, parece que nada é tão simples como na compreensão da Dra. Thais. Não se resolve apenas a partir de aspectos administrativos e jurídicos.

A Funai ainda é capaz de desempenhar seu papel de defesa dos direitos indígenas no Brasil?

A Funai é, sem dúvida, a instituição pública comprometida com a defesa dos direitos indígenas no Brasil. Essa é a sua missão institucional, mas tem sido cada vez mais difícil desempenhar esse papel com a qualidade e especificidade que os povos indígenas demandam e merecem. A Funai precisa ser fortalecida. O movimento indígena e outros segmentos da sociedade civil têm tido um papel importante, é fundamental que continue a mobilização social em favor dos direitos indígenas. Mas não dá para desconsiderar que garantir a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas no Brasil é uma obrigação inequívoca do Estado. Ou o governo olha com respeito para a Funai e para a importância de sua missão, ou deixará claro que não se importa nem se responsabiliza pelo futuro dos povos indígenas no Brasil.

Entrevista originalmente publicada no site da Agência Pública.

 

Nós os Ecologistas, nós os Anarquistas

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Fonte: Protopia

Murray Bookchin

Hoje em dia, nossa relação com o mundo natural está atravessando uma fase crítica que não tem precedente na história da espécie humana. Estudos recentes sobre o “efeito invernal” (esfriamento global?) conduzidos nos Estados Unidos, demonstram que temos que encontrar desde agora a maneira de fazer diminuir a porcentagem de monóxido de carbono presente na atmosfera na qual vivemos. Caso contrário, não somente ocorrerão graves mutações químicas, como também a própria sobrevivência da espécie humana estará em grave perigo.

Não se trata nada mais do que de um problema de contaminação pelos venenos com os quais nos alimentamos. A alteração dos grandes ciclos geoquímicos poderia por fim à vida humana sobre este planeta. De minha parte estou consciente da necessidade de reagir imediatamente para neutralizar os processos que estão deteriorando a Terra. Sou totalmente solidário à muitos grupos ambientalistas, e nos últimos 30 anos tenho estado envolvido cotidianamente em atividades para a defesa do ambiente: contra usinas nucleares, contra a construção de novas estradas, contra a destruição do solo e o uso descontrolado de pesticidas e de biocidas, e pela promoção da reciclagem e de um crescimento qualitativo, não só quantitativo.

Estes problemas ambientais têm me preocupado por anos e décadas, tanto quanto atualmente continuam me preocupando. Estou de acordo com vocês sobre a necessidade de bloquear os reatores nucleares e de por fim à contaminação da atmosfera, das terras agrícolas e dos cultivos, ou seja, de libertarmo-nos dos venenos que se estão difundindo por todo o planeta e que põem em perigo a nossa espécie e toda a vida. Compartilho com vocês tudo isso, mas gostaria de ir um pouquinho mais além com nossos Plateamentos.

De fato penso que é essencial o empurrar sempre mais além o nosso questionamento, porque não podemos seguir pondo mais remendos (parches) aqui e ali que não resolvam os verdadeiros problemas. Possivelmente conseguimos um dia fechar uma fábrica que polui (inquina) a atmosfera. Mas no fim, o que conseguimos? Uma nova usina nuclear. Vivemos em um mundo baseado em intercâbios e contrapartidas, e seguimos nos comportando de acordo com essas leis. Definitivamente, passando de um mal maior a um mal menor, e de um mal a outro mal, seguimos piorando a situação geral. Não se trata só de uma questão de usinas para a produção de energia – por mais importante que elas sejam -, nem tampouco o problema dos gases poluentes, nos danos que causamos à agricultura, ou o congestionamento e poluição dos centros urbanos.

O problema é outro mais grave: estamos simplificando o planeta. Estamos dissolvendo os ecossistemas que se formaram em milhares de anos. Estamos destruindo as cadeias alimentares. Estamos rompendo as ligações naturais e levando o relógio evolutivo a um atraso de milhões de anos no tempo. Para a época em que o mundo era muito mais simples e não se encontrava a possibilidade de sustentar a vida humana.

Uma Visão Do Mundo Mais Coerente

Não se trata de nada mais do que a tecnologia, mesmo que o controle tecnológico seja muito importante. É claro que necessitamos de uma tecnologia baseada na energia solar e na eólica, e necessitamos novas formas de agricultura. Sobre isso não há dúvidas, estamos todos de acordo. Mas existem problemas de fundo, muito mais graves que aqueles criados pela tecnologia e pelo desenvolvimento moderno. Temos que buscá-los nas próprias raízes do desenvolvimento. E, antes de tudo, temos que buscá-los nas origens de uma economia baseada no conceito de “crescimento”: a economia de mercado; uma economia que promove a competição e não a colaboração, que se baseia na exploração e não na harmonia. E, quando digo viver em harmonia, entendo não somente o fazê-lo com a natureza, senão com as próprias pessoas.

Temos que empurrar até a construção de uma sociedade ecológica que mude completamente, que transforme radicalmente, nossas relações básicas. Enquanto vivermos numa sociedade que marcha em busca de conquista e poder, fundada na hierarquia e na dominação, não faremos nada mais do que piorar o problema ecológico, independentemente das concessões e pequenas vitórias que conseguirmos ganhar. Por exemplo, na Califórnia, doaram-nos alguns hectares de árvores, e logo derrubaram (talado) bosques completos. Na Europa estão fazendo a mesma coisa.

Prometem acabar com as chuvas ácidas, e as chuvas ácidas seguem caindo. Decidem por no mercado alimentos naturais, não contaminados por pesticidas e, efetivamente, a porcentagem de veneno diminui, mas o pouco que resta está constituído pelos venenos mais perigosos para o organismo.

Nosso problema não é só melhorar o ambiente, ou parar as usinas nucleares, bloquear a construção de novas estradas, ou a construção, expansão e superpopulação das cidades, a contaminação do ar, da água e dos alimentos. A questão que temos que enfrentar é muito mais profunda.

Temos que chegar a uma visão de mundo muito mais coerente. Não temos que nos por a proteger os pássaros esquecendo-nos das usinas nucleares, e tampouco lutar contra as usinas nucleares esquecendo dos pássaros e da agricultura. Temos que chegar a compreender os mecanismo sociais e fazê-lo de uma maneira coerente.

Temos que focá-los numa visão coerente, uma lógica que prevê a longo prazo uma transformação radical da sociedade e da nossa própria sensibilidade. Até que essa transformação radical comece, conseguiremos pequenas coisas, de pouca importância. Venceremos algumas batalhas, mas perderemos a guerra, melhoraremos algo, mas não obteremos nenhuma vitória. Hoje em dia, vivemos em um momento culminante de crise ambiental que ameaça a nossa própria sobrevivência, temos de avançar até uma transformação radical, baseada em uma visão coerente que englobe todos os problemas. As causas da crise têm de aparecer, claras e lógicas, de maneira que todos nós, juntos, possamos entendê-las. Em outras palavras, todos os problemas ecológicos e ambientais são problemas sociais, que tem a ver fundamentalmente com uma mentalidade e um sistema de relações sociais baseadas na dominação e nas hierarquias. Estes são os problemas que nos oferecem, atualmente, a grande difusão da cultura tecnológica.

Nenhum Presente Da Parte Do Estado

O que então têm que fazer os Verdes? Antes de tudo, temos que clarear as idéias. Temos de evidenciar as relações existentes entre os problemas ecológicos e os problemas sociais.

Temos de demonstrar que uma sociedade baseada na economia de mercado, na exploração da natureza e na competição acabará por destruir ao planeta. Temos de fazer o possível para entendermos que se queremos resolver de uma vez por todas nossos problemas com a natureza, temos de nos preocupar com as relações sociais. O povo tem de entender que tudo precisa unificar-se em uma visão de mundo coerente, em uma visão baseada em análise, em uma crítica e em soluções de nível político, pessoal e histórico.

Isso significa dar outra a força ao povo. Temos de criar uma cultura política com uma visão libertária não limitada a um projeto que o estado execute. Temos de criar uma literatura política, uma cultura política que leve pessoas à participação, libertando-se, autonomamente, deste tipo de economia, de sociedade e de sensibilidade.

No movimento feminista, começa-se a discutir o tema da dominação do homem sobre a mulher, principiando na própria da família. Nos movimentos comunitários, se fala de necessidades na “escala humana” e de dar força aos bairros, às comunidades, s regiões.

Estes são os argumentos importantes que se discutem nos Estados Unidos. Em relação à tecnologia, não temos de nos preocupar somente com que esta seja mais eficiente e renovável, temos de inventar uma tecnologia criativa, que não só leve consigo um trabalho mais criativo, mas que contribua para melhorar o mundo natural, ao mesmo tempo que melhore o modo e a qualidade de nossas vidas.

Porém, tudo isso não nos será alcançado desde cima. Não pode ser um presente que o Estado nos faça. Não pode traduzir-se em uma lei salpicada por um Parlamento. Tem de ser fruto de uma cultura popular, de uma cultura política e ecológica difundida pelo povo. Então não teremos mais de elaborar estratégias libertárias que conduzam as pessoas, o povo, a participar do processo de transformação social, porque se não são as pessoas a querer mudar a sociedade, então não se efetuará nenhuma mudança real ou radical. Quando falamos de Ecologia, falamos de participação no mundo natural. Dizemos que nós, como seres humanos, compartilhamos a esfera da vida juntos, com todos os demais seres vivos, e com eles buscamos aplicar um sistema de relações que nos faça partícipes do eco-sistema.

Mas eu lhes pergunto, queridos amigos, se queremos ser Verdes, se queremos “reverdecer” o planeta: Como podemos fazê-lo sem reverdecer a sociedade mesma? E se queremos reverdecer a sociedade: Como podemos pensar em uma participação do mundo natural a qual tome em consideração a participação popular na vida social?! Se, antes de tudo, queremos conquistar o poder para mudar a sociedade, lhes garanto que vamos perder. E não só porque alguns de nós, com toda a força de boa fé, se encontraram no Parlamento buscando fazer coalizões, fazer alianças, e usar o poder desde cima. De alguma maneira, eles também tornaram-se líderes espirituais aspirantes ao poder. Agora, raciocinam em termos de “males menores”, de um mal “sempre menor” que, no final, nos levará ao pior de todos os males. Isto é o que a história sempre nos ensinou.

Ecologia Profunda

Já é tempo de nós, os Verdes, propormos uma visão libertária, uma visão anarquista que leve as pessoas até um movimento Verde, que possa ser um movimento Verde no sentido mais profundo do termo. Um movimento Verde no qual não nos limitemos a levar adiante um projeto coerente e que unifique todos os problemas em um programa de análise comum, se não em um movimento no qual as pessoas sejam as primeiras protagonistas de sua história. Temos de apoiar a criação de uma sociedade libertária: ecolibertária. Isso é o que nos ensinaram as experiências alemãs e do Estados Unidos, alguns movimentos buscaram perseguir objetivos Verdes atuando “desde cima” através das leis, e sempre teve de ceder. Abandonar uma posição atrás de outra.

Com isso não quero dizer que não temos de nos empenhar em levar a cabo mudanças que possam atrasar ou bloquear a desagregação da sociedade atual e do mundo natural. Já sei que não temos muito tempo à nossa disposição. Os problemas são reais e envolvem também as duas gerações seguintes, e talvez nem sequer as duas gerações seguintes sejam decisivas pelo que diz respeito à sobrevivência de nosso planeta. De todas as formas, se não podemos dar às pessoas uma imagem unitária, uma visão prática e ética ao mesmo tempo, e que questionem as suas sensibilidades, então, vocês sabem quem vai tomar o poder neste caos?: a direita, os reacionários.

Hoje na América, a direita qualifica-se a si mesma como “a maioria moral”, e diz: – “Devolvamos seu significado à vida. Devolvamos seu significado às relações humanas.” E, por má sorte, o que sobrou da esquerda americana não faz outra coisa a não ser falar de “progresso”, de “centralizar” e de todas as mesmas coisas que o socialismo repete já faz 150 anos.

Primeiro temos que recuperar aquele campo sobre o qual as pessoas, o povo, está buscando a verdade, e não apenas a sobrevivência: uma maneira de viver que fale de qualidade e não só de quantidade. Temos de difundir uma mensagem coerente para todos, uma mensagem que seja para a base da sociedade, que a faça participante, que ensine o que significa ser cidadão e decidir autonomamente. Em outras palavras, temos que elaborar uma nova política, uma política Verde que desloque e substitua (reemplace) a velha política autoritária e centralista, baseada nas estruturas dos partidos e na burocracia. Isso é o mais importante que temos de aprender. Se não o conseguirmos, os movimentos verdes serão absorvidos pouco a pouco pelos movimentos tradicionais. O objetivo principal se dissolverá frente aos pequenos objetivos a curto prazo, de término rápido.

Os compromissos sobre “males menores” nos levará sempre a males piores. As pessoas dirão: O que é isso!? A mesma política de sempre! A mesma burocracia de sempre? O mesmo parlamentarismo que sempre tivemos? Porque eu deveria votar no verde? Porque deveria dar força aos verdes? Porque não deveria seguir apoiando a democracia cristã, ou o partido comunista, ou qualquer outro partido que garanta resultados imediatos, e satisfações imediatas? Nossa responsabilidade de Verdes da Europa – como na América – na Alemanha, como em tantas partes do mundo, e, sobretudo na Itália, já que vocês estão apenas começando agora, é de aprender o que está ocorrendo nos movimentos verdes já faz entre 5 e 10 anos.

Temos de nos dar conta que há que se substituir a velha política tradicional dos partidos, com uma política verde. Que há que se por energia em nível de base nas comunidades, que há que se elaborar análises que possam ir mais além do puro ambientalismo e dos outros problemas importantes aos quais nos dedicamos cotidianamente (pesticidas, energia nuclear, Chernobyl).

Temos de nos dar conta que esta sociedade não é somente dura e insensível, mas que suas próprias leis preveem a sua própria destruição, a destruição do planeta e das bases de sobrevivência humana. Temos de propor novas alternativas, novas instituições fundadas em uma democracia local, na participação local, que possa constituir um novo poder contra o Estado centralizado, que possa constituir um novo sistema de relações sociais, no qual um número cada vez maior de pessoas tome parte ativa em uma política realmente libertária. Esta é nossa única alternativa para evitar cair em uma mesma política de partido, corrupta e baixa, que torna as pessoas cínicas, indiferentes, sempre mais encerradas em suas próprias esferas privadas.

Um Momento De Transição

Deixem-me concluir com uma última consideração importante. Não só estamos para melhorar nossas relações humanas. Como o sistema de mercado, também o sistema capitalista segue simplificando não só a obra complexa de milhões de anos, mas também o espírito humano. Se está simplificando o espírito da própria humanidade, está se tirando a complexidade e a plenitude que contribuem para formar pessoas criativas. Então, nossa nova política não deve ter como único objetivo o de salvar o planeta e criar uma sociedade verde, ecológica, de caráter libertário, e uma alternativa política em nível de base. Há também que se ver além disso: se não se puser um fim à simplificação do planeta, da comunidade e da sociedade, conseguirão simplificar o espírito humano a tal ponto ( e com lixo do tipo de Dallas e de Dinasty”: e outros programas televisivos) que se acabará até mesmo com o espírito de rebeldia, o único capaz de promover uma mudança social e um reverdecimento real do planeta.

Hoje vivemos em um momento de transição, não só de uma sociedade para outra, mas também de uma personalidade à outra nova. Muito obrigado!!!

Tomás Ibáñez: “Nunca se toma o poder, é sempre o poder que nos toma” (entrevista)

 

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Fonte: Coletivo Libertário Évora

Tomáz Ibáñez (Zaragoza, 1944) vive com os ideais libertários como guia. Filho do exílio em França, começou as suas andanças políticas nos grupos juvenis anarquistas franceses e de jovens exilados espanhóis. Desde o início dos anos 60 até inícios dos anos 80 centrou as suas energias na construção de organizações libertárias, na luta antifranquista e na reconstrução da CNT em 1976. Autor de numerosos ensaios sobre a dissidência, o anarquismo e a luta contra a dominação, publicou recentemente “Anarquismo é movimento” (Virus, 2014), no qual analisa a vigência dos ideais e postulados anarquistas na actualidade. Ibáñez analisa o ressurgimento do anarquismo no século XXI e como este impregnou as lutas dos movimentos sociais, desde o 15 M (assembleias de rua, ndt) à expansão dos centros sociais autogestionados, as cooperativas de consumo e as redes de economia alternativa. Alerta para os perigos com que estes movimentos se vão confrontar se adoptarem a luta por via eleitoral que alguns já estão a preparar.

 “Os cantos de sereia que anunciam amanheceres radiosos extinguiram-se”, diz no livro. Já não é possível esperar a libertação, ‘anarquia’ como estado das coisas, como postulava o anarquismo?

Esses cantos de sereia situavam num futuro mais ou menos longínquo a recompensa que receberiam as lutas emancipadoras, e essa recompensa era tão fabulosa que servia para avaliar as lutas em função daquilo que nos aproximavam da meta desejada. Já não é possível manter esse tipo de discurso de raiz claramente religiosa, hoje aprendemos que o valor das lutas não depende das promessas que encerram, mas sim do seu próprio acontecer, das suas características substantivas e naquilo que permitem criar no presente. A extinção desses cantos diminui o fascínio pela terra prometida e a subordinação do caminho ao seu destino, mas nada nos diz sobre a possibilidade ou não de algum dia alcançarmos uma sociedade de tipo anarquista. Independentemente de isto acontecer ou não, a anarquia não radica no futuro mas sim no presente, em cada luta, em cada conquista que esteja conforme os seus princípios. Com o fim dos cantos de sereia também se derruba a crença no advento brusco de uma sociedade que caminha para a anarquia sobre as ruínas ainda fumegantes do actual sistema. A grande e fulgurante explosão revolucionária que traria a libertação definitiva é apenas um mito, como também é um mito uma sociedade livre de conflitos, tensões e lutas. Não há nenhum amanhecer radioso no fim do caminho, simplesmente porque o caminho não tem final, cada amanhecer deve ser conquistado dia a dia, uma e outra vez. Mas isto não significa que não se deva cultivar a utopia, mas sabendo que ela só representa um guia para actuarmos no presente e não a prefiguração da meta que se vai alcançar algum dia.

Defende que “o anarquismo ressurge no século XXI, reinventa-se”. Que características deixa para trás e que outras aparecem?

Na medida em que o anarquismo se forja no seio das lutas contra a dominação é lógico que mude quando estas se modificam, de forma a continuar a fazer frente à emergência dos novos dispositivos do poder. Ou seja, quando aquilo que o anarquismo combate muda isso fá-lo mudar também. O que o anarquismo contemporâneo deixa para trás é, entre outras coisas, um conjunto de ideias influenciadas pela Modernidade, tais como a fé inquebrantável no progresso, o enaltecimento acrítico da Razão, uma concepção demasiado simplificadora do poder, uma prática de acordo com o que foi a centralidade do trabalho e deixa também um imaginário revolucionário construído em torno da grande insurreição do proletariado. Configura-se hoje um anarquismo mais táctico que estratégico, mais virado para o presente do que o utópico, em que o que importa é a subversão pontual, local, limitada, mas radical, dos dispositivos de dominação e a criação aqui e agora de práticas e de espaços que afirmem a revolução no presente, transformando radicalmente as subjectividades de quem nelas se envolve. O que também caracteriza o anarquismo contemporâneo é um menor fechamento em si mesmo, uma maior abertura para construir em conjunto com outras tradições não especificamente anarquistas uma série de projectos e de lutas em comum.

Assinala que o anarquismo “é uma coisa de hoje, aqui e agora”. Em que é que isso se concretiza actualmente nos nossos bairros?

O anarquismo envolveu-se na tentativa de construir uma realidade de proximidade (de vizinhança, ndt) feita de realizações concretas, como são as cooperativas de consumo, de produção, de educação, os CSOA (Centros Sociais Ocupados e Autogestionados, ndt), as livrarias, as redes de economia alternativa. Não se deve esquecer que a progressiva destruição das relações de vizinhança foi um dos factores que tirou força ao anarquismo, uma vez que é precisamente nos bairros que se podem tecer relações transversais que questionem distintos dispositivos de dominação e não apenas os que se situam no âmbito laboral.

Faz também referência aos “guardiães do templo”, que pretendem um “anarquismo embalsamado”, como uma ameaça para a sobrevivência do anarquismo. Quem são os “guardiães do templo”? Que anarquismo pretendem preservar contra a força das mudanças?

Digo no livro que estive a combater durante algum tempo contra os “guardiães do templo” e, com efeito, durante os anos da minha militância anarquista mais intensa, desde princípios dos anos sessenta até aos oitenta, estes constituíam um problema sério no seio dos movimentos libertários de França, Itália ou Espanha para citar apenas os que conheço melhor. A sua vontade de preservar a pureza do anarquismo herdado, de evitar qualquer contaminação por ideias ou por práticas surgidas fora das suas fronteiras, a sua fé, quase religiosa, na superioridade inquestionável do anarquismo, e a sua dedicação na tarefa de velarem pela imutabilidade da sua essência, fechava-os num dogmatismo e num sectarismo impróprios de qualquer sensibilidade minimamente anarquista. As expulsões, as desqualificações, as cisões, não eram, naquela altura, nada raras. Hoje a própria força das mudanças esvaziou de energia as tendências sectárias e os “guardiães do templo” já não representam nenhum problema, ainda que não seja de mais permanecermos atentos a eventuais ressurgimentos de atitudes fundamentalistas.

O que é que o anarquismo pode aportar aos movimentos sociais actuais?

Muito. O anarquismo pode fazê-los beneficiar da larga experiência que acumulou relativamente aos modos de funcionamento que estes movimentos estão a reinventar na actualidade, mas que ele vem a praticar desde há muito tempo: modos de debater, de decidir, de actuar baseados na democracia directa, na horizontalidade, no respeito pelas minorias, na não delegação permanente, na acção directa, etc. Também pode fortalecer-lhes a apreensão que já manifestam face ao exercício do poder, o na sua desconfiança perante a figura política da “representação”. Vale a pena aqui recordar a maneira como Michel Foucault denunciava a “indignidade de falar em nome dos outros”. Na medida em que a memória histórica de inumeráveis lutas surgidas “desde baixo” sedimentou-se no seio do anarquismo e na medida em que as experiências e os saberes históricos ajudam a entender melhor o presente, é óbvio que o anarquismo pode ser de grande utilidade para os movimentos emergentes. Por fim, o anarquismo pode também revelar-se útil pondo a claro, de forma crítica, os erros que cometeram debaixo das dobras da sua própria bandeira.

E que práticas dos movimentos sociais actuais se podem inscrever nos princípios do anarquismo?

A horizontalidade, o modo de conduzir os debates, de elaborar as propostas e de tomar as decisões, o acento posto no carácter “prefigurativo” que deve impregnar os conteúdos e as formas das lutas, ou seja, a necessidade de que as práticas que se desenvolvem não contradigam os fins que se perseguem. Cabe aqui também mencionar a prática da acção directa e do cepticismo frente às mediações, a crítica da delegação e da representação, ou a recusa do centralismo e do vanguardismo, sem esquecer a aversão face a qualquer forma de dominação, etc.

Houve anarquismo na eclosão do 15M (assembleias de rua no Estado Espanhol, ndt)?

Claro que houve. Subscrevo completamente as palavras de Rafael Cid quando se refere a ele como uma “inesperada primavera libertária”. A partir do momento em que o único sujeito político legítimo foram as próprias pessoas que estavam presentes nas praças e que estava implicada na luta, à margem de qualquer instância que lhes fosse exterior, já estávamos em pleno coração dos princípios anarquistas. Se juntarmos a isto, a apreensão face à representação que se manifestava com uma força impressionante, ainda ressaltam com maior nitidez os traços libertários que o caracterizavam. A partir da minha própria concepção do anarquismo, o próprio facto de não aceitarem manifestações identitárias, ainda que fossem anarquistas, reforça o carácter anarquista do 15M. Saber se há anarquismo hoje, no movimento 15M, é algo que me escapa por não ter seguido com suficiente atenção a sua evolução mais recente, mas intuo que o seu carácter heterogéneo e polimorfo terá sabido preservar focos de anarquismo.

O que aconteceu em Can Vies (no bairro de Sants de Barcelona) em que os seus ocupantes, com os vizinhos, continuaram a trabalhar à margem daquilo que a Câmara pretendia (por exemplo, reconstruíndo o centro) reflecte a continuidade das ideias anarquistas?

Mais do que a continuidade das ideias anarquistas, o que aconteceu em Sants reflecte é a similitude ou a sintonia entre algumas das características do anarquismo, por uma parte, e o tipo de práticas que existiram e que continuam a existir no conflito de Can Vies, por outra. Sintonia também com a sensibilidade manifestada por amplos sectores dos colectivos que protagonizam a actual insubmissão de carácter social e político. As assembleias abertas, a recusa em negociar o que se considera inegociável, a recusa de qualquer pacto que implique participar no sistema e submeter-se à sua lógica, a fusão do existencial e do político, quer dizer, a não separação entre a forma de viver e de ser, por uma parte, e as práticas políticas, por outra, a acção directa manifestada inclusive na decisão de não deixar em mãos alheias a reconstrução do edifício, tudo isto estabelece fortes ressonâncias entre o anarquismo e o que aconteceu em Can Vies. A continuidade ou, inclusive, a actual pujança do anarquismo barcelonês no seio de alguns colectivos jovens manifestou-se nos confrontos nutridos, em parte, por colunas que confluíram em Sants a partir de vários bairros.

Numa passagem do livro afirma que “lutar contra o Estado consiste também em mudar as coisas “em baixo”, nas práticas locais”. Nos últimos anos surgiram diversas experiências autogestionadas e movimentos sociais que, como a PAH, têm-se posicionado como contrapoder face ao Estado. Se estas optarem pela via eleitoral correm o perigo de perderem a sua força emancipadora?

Desde o meu ponto de vista esse perigo é evidente. A integração no sistema, assumindo algumas das suas práticas e adquirindo parcelas de poder, com o louvável propósito de o combater e de o transformar a partir de dentro, desactiva mais cedo que tarde a força de qualquer política emancipadora. Não é que, como refere a conhecida frase, “o poder corrompe…”, mas sim que “para chegar ao poder já é preciso estar corrompido”, é impossível de outra forma porque não há caminho para o poder que não implique práticas mais ou menos enviesadas, assim como inúmeros abandonos e compromissos de maior ou menor envergadura. Por isso sou tão fervoroso defensor do exercício do “contrapoder” como virulento crítico do “poder popular”. O facto de se reivindicar e de se trabalhar para consolidar este último conduz quase sempre a que se dê o salto final para a via eleitoral e, claro, é preciso que perguntemos o que é que acontece ao clamor de que “não nos representam”, ou ao legítimo grito de “que se vão todos?”

Em linha com a anterior pergunta, se movimentos sociais e grupos com práticas horizontais, assembleárias e autogestionárias chegarem ao ‘poder”, tomarem as instituições, podem perder estas características?

Não é que as possam perder, é que as perderão de facto, inevitavelmente. Nunca se “toma” o poder, é sempre o poder “quem nos toma”, por como muito bem dizia Augustín Garcia Calvo, “o inimigo está inscrito na própria forma das suas armas”, usá-las é reconhecer a sua vitória e adoptar o seu rosto. Não é preciso ter estudado muita psicologia nem muita sociologia para saber que a imersão num determinado contexto e o facto de assumir as suas práticas incide sobre a forma de ser e de pensar de qualquer um que a isso se preste. Para podermos autojustificar a nossa conduta é preciso que ponhamos em consonância as ideias defendidas até então com as práticas efectivamente tidas, ignorando a indeslindável simbiose entre ideias e práticas propugnada pelo anarquismo, e esquecendo aquela famosa pintada nas paredes de Paris de 1968 que dizia: “Actua como pensas ou acabarás pensando como actuas”. Um movimento como o que mencionas na tua pergunta não tentaria dar o salto para a conquista do poder se estivesse animado pela profunda convicção de que nunca nenhum exercício de poder conseguirá engendrar um espaço de liberdade.

http://www.lamarea.com/2014/06/29/tomas-ibanez/

tradução Portal Anarquista

[Chile] O passado é nossa ofensiva: 1920 e uma sabotagem estatal contra os anarquistas

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Fonte: Portal Libertário OACA

É difícil de acreditar, para quem não é afim às idéias anarquistas, que o estado sabota estes e outros protestos. Existe, além disso, uma tendência majoritária a assimilar tudo o que é dito na imprensa de massa; imprensa que, advertimos nós, na maioria das vezes ou ignoram os fatos ou bem discreto e mansamente os distorcem. Em último caso, a farsa policial e a tergiversação das notícias são questões do passado, da ditadura de Pinochet.

Mas sabotagens existem. É uma ingenuidade acreditar que olhar para o passado tirará da prisão nossos companheiros, mas nós opinamos que fatos extraídos dele podem ser ferramentas para enfrentar os desafios do hoje. E é como dizem por aí: a história não se repete, mas rima. Viajaremos brevemente ao ano 1920 e nos deteremos em uma das sabotagens feitas contra os anarquistas. Os atores e o contexto mudaram bastante, mas não a confrontação que motivou esses episódios e as farsas levantadas pelo Estado e pela imprensa de massas para acabar com os antiautoritários. Conste que não se trata de limpar a barra dos anarquistas e tratá-los como pombinhas brancas, mas as ações se assumem, as mentiras não.

Os anos 20

1920 foi um ano agitado na região chilena. Antes de tudo, se achava em seu ápice o período que se identifica comumente como o de “a questão social”, uma época de transição de economias tradicionais a economias de mercado, cujos traços mais visíveis e recorrentes na hora de falar daquele tempo são os conventozinhos, as mortes prematuras, o desemprego, a falta de proteção laboral, as jornadas de trabalho excessivas (até 16 horas), o salário em fichas em vez de dinheiro etc. Entre 1917 e 1921 se deu um contexto de manifesta agitação social, particularmente por causa de um novo ciclo de crise salitreira, assim como também pelo encarecimento dos bens de primeira necessidade. Pelo segundo houve manifestações de dimensões desconhecidas até então, posto que não só os setores “ideologizados” se somaram aos protesto, mas também pessoas sem inclinação política e parte da classe média emergente.

Por outro lado, em julho de 1920 se elegeu presidente o burguês Arturo Alessandri, o primeiro candidato que fez campanha nas praças e estações, entusiasmando as multidões e sobretudo os setores populares. Era a esperança para os que o seguiram, uma ameaça para a oligarquia explícita no poder, e uma farsa para comunistas e anarquistas, embora não tenham faltado alguns indivíduos desses setores que pegaram carona na carruagem da vitória.

Por último, a princípios desse ano se reanimaram os ressentimentos nacionalistas contra o Peru (e vice-versa) por Tacna e Arica, províncias originalmente peruanas, mas que depois da Guerra de 79 ficaram sob controle chileno. E de fato, em julho desse ano se mobilizaram 15 mil reservistas à fronteira norte para fazer frente a um suposto complô de Bolívia e Peru contra Chile.

Estes três elementos constituem, a nosso ver, os traços mínimos para conseguir entender o contexto no qual se desenvolveram os fatos que referiremos.

Os anarquistas

Os anarquistas, então, marcavam presença em quase todos os grêmios, sendo particularmente influentes entre os zapatistas, trabalhadores de tipografias, carpinteiros, padeiros, e nos trabalhos de porto como estivardores (carregadores) e lancheiros. Em dezembro de 1919 tinham constituído a seção chilena dos Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW). Esta central, que na região chilena se identificou com o anarcossindicalismo, aglutinou a vários grêmios (embora não todos aqueles com preponderância anarquista); além disso, teve uniões locais em várias localidades, desde Iquique até Corral. Paralelo a isso os ácratas possuíam diversas formas de expressão cultural, se destacando sua produtividade em meios de propaganda escrita. Havia jornais em quase todo o território e cada um estava conectado com a maioria dos meios ligados a outros pontos e ao estrangeiro. O Surco em Iquique, Mar y Tierra e La Batalla em Valparaíso, Acción Directa e Verba Roja em Santiago, eram os mais conhecidos.

O processo contra os subversivos e a sabotagem dos anos 20.

Em julho de 1920 se decretou a mobilização dos reservistas à fronteira norte, como já indicamos mais acima, para enfrentar um suposto complô por parte de Peru e Bolívia. Várias organizações sindicais revolucionárias, assim como os estudantes da FECH, não se responderam ao chamado belicista apelando ao internacionalismo. Eram inimigos da guerra. Por causa disso o local dos estudantes foi atacado em plena luz do dia por uma turba de nacionalistas (“mauricinhos e maltrapilhos”) no dia 20 de Julho; por sua vez, o local da Federação Operária de Magallanes em Punta Arenas foi queimado com gente dentro pelas ligas patrióticas e pelas autoridades locais. Estes e outros similares episódios se aglutinam no que se conhece como “A Guerra de Don Ladislao”, nome que faz referência ao ministro de Guerra do momento, Ladislao Errazuriz.

No dia 21 de julho começou a perseguição aos libertários abarcando vários locais da IWW. Nas operações levadas à frente em Valparaíso, a polícia “encontrou” cartuchos de dinamite na seção local da organização. No outro dia e em Santiago se estabeleceu um processo contra a IWW por associação ilícita e terrorista, investigação que se fez extensiva para os demais anarquistas crioulos. Era o processo contra os subversivos (1). Os sindicalistas foram presos.

Imediatamente a imprensa de massas deu a voz de alarme, apontando que a IWW era uma organização terrorista paga pelo ouro peruano para semear o caos no Chile. Tinha que se castigar os anti-patriotas. Os prisioneiros foram tratados de forma brutal, exemplifica aquilo o fato de que dois ficaram loucos em suas celas, o operário Isidro Vidal e o poeta José Domingo Gómez Rojas. Este último morreria em pleno processo no dia 29 de setembro. Com seus companheiros presos, os que ficaram livres se deram à tarefa de construir a resistência. Clandestinamente saíram à luz Mar y Tierra e Acción Directa. Outros reorganizaram os “comitês pró presos por questões sociais”, coletivos que coordenavam atividades para reunir ajuda para os encarcerados. Também houve greves solidárias em Chile e gestos similares no estrangeiro. Em Valparaíso, por exemplo, se decretou greve geral no dia 17 de janeiro de 1921 para tirar da prisão Juan Onofre Chamorro, secretário da IWW no porto. E nos Estados Unidos, wobblies (integrantes dos IWW) empregados de hotéis, se negaram a atender a qualquer “burguês chileno”. A repressão repercutiu na proliferação de expressões de solidariedade. A imprensa de massas explorou o patriotismo chileno e durante meses assegurou abertamente as inclinações terroristas e “peruanas” dos IWW.

Mas todo o processo contra os subversivos se reduziu a nada quando se “descobriu” que tudo havia sido uma sabotagem. A dinamite de Valparaíso tinha sido posta por dois deliquentes a mandos de Enrique Caballero, capitão da polícia daquele porto. Como acontece nesses casos, não houve condenação para esse funcionário do Estado e a imprensa não retificou suas difamações infundadas. E como se “descobriu” além disso que tampouco trabalhavam para o Governo peruano, os anarquistas foram absolvidos por completo. A vida de Gómez Rojas, a saúde de Vidal, os meses de prisão para dezenas de sindicalistas, as imprensas destruídas, as famílias sem sustento, os gastos de defesa, tudo isso e mais, ninguém o devolveria. Era, talvez, o preço de serem coerentemente anarquistas.

Continuidades, mudanças e urgências abertas

Há continuidades e diferenças que é preciso remarcar para que esta história se torne útil hoje. Entre as primeiras temos a repressão estatal, o cerco midiático com as mentiras elaboradas pela imprensa de massas, a sabotagem policial mediante a qual se põe em locais anarquistas explosivos para depois processá-los. Há continuidade também na prisão e incomunicação dos companheiros, e afortunadamente, no desejo de criar instâncias de denúncia e solidariedade para com os presos.

Mas onde mais devemos pensar é nas diferenças. A mais visível e importante, talvez, está na capacidade de pressão com a qual contamos para liberar os presos. Hoje os mesmos não contam com o respaldo de organizações trabalhistas que com o uso da greve possam acelerar sua liberdade, como outrora ocorreu em não poucas ocasiões. Embora, em todo caso, o sindicalismo atual – burocrático – só faz greves econômicas para beneficiar seus grêmios, o qual em si não é mau se se trata de arrebatar migalhas das riquezas patronais, mas já não se mobilizam por causas que não lhes afetem diretamente.

Que fazer, como encurtar o tempo atrás das grades dos presos políticos em geral? É verdade, contamos com a imaginação, com os braços de vários companheiros, com páginas web e jornais, com cartazes, faixas, com assessores legais afins, com atividades para arrecadar fundos; mas não temos capacidade de pressão na rua, não temos convocatória, somos poucos. Apesar de que ser maioria não garante nada, nem sequer a liberdade, creio que devemos ter em conta esta transcendente realidade, este problema, na hora de brigar por nossos presos. Enérgica arma usam as pessoas que decidiram acudir à greve de fome, nossa tarefa é quebrar o cerco midiático para dá-la a conhecer. Mas devemos tentar imaginar novas e melhores formas para libertar os companheiros e sobretudo para constituirmos uma ameaça de verdade e não só o fantasma da mesma. Porque sabemos que somos muito mais do que vende a imprensa, e muito menos do que ela faz crer que há. O Estado e a imprensa seguirão sabotando, e a cada dia se aperfeiçoarão mais ainda. Nós não podemos continuar na defensiva e apenas “denunciando”, sabemos como agem, suicídio seria esperar e sempre aplicar as mesmas ações. É preciso imaginar, criar, é preciso experimentar.

*Citações

(1). Em dezembro de 1918 foi aprovada no Chile a Lei da Residência, que dava poder às autoridades para expulsar do país qualquer estrangeiro que sustentasse publicamente valores contrários à nação. Os anarquistas, com certeza, estavam nessa categoria.

Referências

Mario Araya, Los wobblies criollos. Fundación e ideología en la Región chilena de la Industrial Workers of the World
– IWW (1917-1927), Tesis de Historia, Arcis, 2008

Peter De Shazo, Trabajadores urbanos y sindicatos en Chile, 1902-1927, DIBAM, 2008

Julio Pinto, Desgarros y utopías en la pampa salitrera, Lom, 2007

René Millar, La elección presidencial de 1920, Universitaria, 1981

Víctor Muñoz, Armando Triviño: wobblie. Hombres, problemas e ideas del anarquismo en los años veinte, Quimantú, 2009

Escrito por Manuel de la Tierra | Análisis – Histórico.
Publicado en El Surco, nº19, Septiembre 2010

Fuente: https://periodicoelamanecer.wordpress.com/2012/11/25/el-pasado-es-nuestra-ofensiva-1920-y-un-montaje-estatal-contra-los-anarquistas/

(UMA VISÃO ANARQUISTA) COMO ORGANIZAR OS ORGANISMOS DE TRANSPORTE NA REVOLUÇÃO SOCIAL

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Fonte: Coletivo Libertário Évora

Para ler o documento clique aqui

Os sistemas de transporte são essenciais em qualquer sociedade e, muitas vezes, discute-se qual deverá ser o estatuto dessas empresas, dada a sua enorme função social. Há quem defenda a sua nacionalização e estatização, uma vez que são essenciais para a organização social. Este debate tem vindo ultimamente, também, a acontecer em Portugal devido à ameaça da privatização da TAP. Ainda há dias um grupo de libertários divulgou um comunicado em que se refere que os anarquistas não consideram que a privatização seja uma solução, mas também criticam a gestão estatal, entregue aos partidos políticos e à sua casta de boys e girls. Defendemos, por isso, a socialização – e não a estatização – deste tipo de grandes empresas”.

Há cerca de oito décadas já esta questão se colocava aos anarquistas e anarco-sindicalistas de então. Na altura as grandes empresas de transportes cingiam-se ao caminho de ferro e às ligações marítimas, uma vez que a aviação comercial ainda estava nos seus primórdios. No entanto, a questão colocava-se do mesmo modo (ainda, talvez, sem a complexidade actual, em que se movimentam mercadoria e pessoas ininterruptamente de todos os pontos do mundo) que hoje se coloca: que alternativa ao Estado e aos privados? Mário Castelhano, ferroviário e coordenador da CGT (que posteriormente viria a morrer no Tarrafal) escreveu um pequeno opúsculo sobre este tema intitulado: “Os organismos de Transporte na Revolução Social”, que aborda estas questões sempre no prisma da revolução social libertadora e libertária e cuja leitura (saliente-se o fervor transformador e revolucionário deste texto) ainda hoje dá resposta a várias questões sobre a organização social numa futura sociedade liberta dos grilhões do capitalismo (de Estado incluído).

Ler:  http://issuu.com/a.directa/docs/os_organismos_de_transporte_na_revo/1